1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater as mudanças promovidas na legislação penal e processual penal pelos Projetos de Lei nº 10.372, de 2018, nº 10.373, de 2018, e nº 882, de 2019.
(Reunião Deliberativa Ordinária)
Em 17 de Abril de 2019 (Quarta-Feira)
às 9 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
09:58
RF
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Nos termos regimentais, declaro aberta a 6ª Reunião do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater as mudanças promovidas na legislação penal e processual penal pelos Projetos de Lei nºs 10.372, de 2018; 10.373, de 2018; e 882, de 2019, convocada para audiência pública e deliberação dos requerimentos constantes da pauta.
Eu gostaria de convidar os membros do nosso Grupo de Trabalho para deliberarmos a respeito, primeiramente, da ata da reunião anterior. A ata foi distribuída, e eu gostaria de saber se podemos dispensar a leitura.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada.
Os Deputados Paulo Teixeira e Fábio Trad solicitam dispensa da leitura da ata.
Não havendo discordância, fica dispensada a leitura da ata, a pedido dos Deputados Paulo Teixeira e Fábio Trad.
Indago se algum membro deseja retificar algum dos termos da ata. (Pausa.)
Não havendo quem queira retificar a ata, coloco-a em votação.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Há também ainda alguns requerimentos a serem deliberados.
Requerimento nº 22, de 2019, do Sr. Capitão Augusto, que requer a indicação de convidados para as oitivas individuais no Grupo de Trabalho ou para as audiências públicas.
Em votação o Requerimento nº 22.
Os que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento nº 23, de 2019, do Sr. Fábio Trad, que requer a realização de mesa-redonda, na cidade de Campo Grande, Capital de Mato Grosso do Sul, para promover debates sobre os Projetos de Lei nºs 10.372, de 2018; 10.373, de 2018; e 882, de 2019, como forma de subsidiar o Grupo de Trabalho instalado no âmbito da Câmara dos Deputados.
Deputado Fábio Trad, V.Exa. quer encaminhar o requerimento?
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sra. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu requeiro a aprovação deste requerimento, uma vez que, em primeiro lugar — e é importante sempre destacar isso —, não haverá custos para a Casa. A reunião será realizada em Campo Grande. A ideia é reunir a inteligência jurídica de Mato Grosso do Sul e as forças policiais, para estabelecer ideias, diretrizes, coordenadas, a fim de enriquecer o debate que este Grupo de Trabalho está liderando aqui na Câmara dos Deputados.
Então, eu requeiro a aprovação do requerimento.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Pela ordem, Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Tem a palavra o Deputado Paulo Teixeira.
10:02
RF
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu queria saber se o ilustre Deputado concordaria em aditar este requerimento para uma audiência em São Paulo, apenas tirando a especificidade de mesa-redonda. Não tem necessariamente de ser redonda, mas que haja uma mesa de debates.
Gostaria de pedir o aditamento para um evento como esse em São Paulo.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Certo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Passo a palavra à Deputada Carla Zambelli.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Presidente, gostaria muito também de corroborar o pedido para a realização desse evento em São Paulo e, se possível, na ocasião, que nós convidássemos o Dr. Ives Gandra Martins.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Deputada, o nome do Dr. Ives Gandra está entre os convidados para a reunião técnica que V.Exa. solicitou, cujo requerimento já foi deliberado e aprovado. Pergunto se V.Exa. pretende ouvi-lo duas vezes. Não seria suficiente que ele fosse ouvido aqui no grupo? Nós teríamos, inclusive, vamos dizer, uma oportunidade de aproveitar e debater mais, numa reunião privada, com ele aqui com o grupo? Eu tenho a impressão de que seria mais vantajoso.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Seria ótimo. Aprofundaríamos mais. A única questão com a qual estou preocupada é que, pela idade avançada, ele está com problema para viajar de avião. Esse é o ponto.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Entendo. Então, nós substituímos o requerimento e podemos ouvi-lo lá, embora o grupo não possa se deslocar inteiro. Mas os membros do grupo que estiverem lá tomam as anotações do Prof. Ives Gandra.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Eu gostaria muito que ele viesse aqui, para que todos o ouvissem, mas ele está com bastante problema físico. Então, pela idade avançada, eu acho que seria interessante fazermos essa gentileza.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Não tenho nenhuma oposição aos pedidos dos Deputados Paulo Teixeira e Carla Zambelli.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Então, eu coloco em votação o requerimento com os aditamentos dos Deputados Paulo Teixeira e Carla Zambelli.
Os que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento nº 24, de 2019, do Sr. Marcelo Freixo, que requer a realização de audiência pública no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Legislação Penal e Processual Penal, conforme estabelecido no roteiro de trabalho do presente GT.
Deputado, V.Exa. gostaria de fazer o encaminhamento?
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Muito rapidamente, Deputada Margarete Coelho, Presidenta deste Grupo de Trabalho — e não quero provocar ciúmes no Deputado Capitão Augusto —, quero dizer que nós já conversamos sobre isso pessoalmente, mas era importante ter essa formalidade, porque há uma justa reivindicação do Movimento Negro. Realmente houve uma falha de todos nós. A Lívia Casseres está hoje na Mesa porque já estava nas minhas indicações. Trata-se de uma defensora pública brilhante do Rio de Janeiro que está aqui conosco. Mas seria muito importante que conseguíssemos contemplar pelo menos uma pessoa negra em cada Mesa. Nós já tivemos o cuidado corretíssimo da paridade de gênero nas Mesas. Mas seria muito importante que tivéssemos pelo menos uma pessoa negra em cada Mesa, tendo em vista, inclusive, o tema de que estamos tratando. E essa é uma reivindicação do Movimento Negro.
Para facilitar os trabalhos, porque estamos fazendo um trabalho permanente de ajuda mútua, neste ofício já existem nomes sugeridos, evidentemente para serem colocados para avaliação do Grupo de Trabalho. São nomes para cada tema. Mesmo com o cuidado de não tornarmos as Mesas muito grandes — eu concordo com isso —, acho que esta é uma pauta que precisamos atender.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Antes de passar a palavra para o Deputado Paulo Teixeira, eu gostaria de esclarecer o seguinte: nós já havíamos dado uma olhada nessa questão também de haver representantes dos movimentos negros, já reivindicada inclusive pelo Deputado Orlando Silva.
10:06
RF
Nós temos, nas Mesas, dez painéis, sendo que seis com pessoas negras de indicações variadas que vieram naturalmente, espontaneamente, nos grupos. Agora, realmente nem todas as pessoas se declaram ligadas aos movimentos sociais. Então, eu pergunto ao Deputado: já havendo seis Mesas com pessoas negras, não seria o caso de nós complementarmos apenas as quatro subsequentes?
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Sem problema nenhum, porque acho que isso garante o pedido de pelo menos uma pessoa negra em cada Mesa. E são nomes muito qualificados.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - São nomes muito qualificados.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - São nomes extremamente qualificados para o nosso debate.
Já tenho aqui algumas indicações, se o grupo quiser aproveitar para ganhar tempo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Presidente, eu também tenho um requerimento nessa direção, porque acho que foi extremamente correto que V.Exa. tivesse, em primeiro lugar, pensado no tema de gênero, porque as Mesas costumam ser compostas por homens brancos. V.Exa. já pensou que as Mesas poderiam ser divididas por gênero. Mas acho que a questão racial é muito importante.
Da mesma forma que o Deputado Marcelo Freixo fez uma proposição nessa direção, eu tenho um requerimento e acho que a questão poderia ser resolvida da forma como V.Exa. propôs. Já há seis convidados negros, então nós poderíamos completar a lista de convidados com mais quatro nomes. Eu já conheço o requerimento do Deputado Marcelo Freixo, que traz bons nomes, mas gostaria que V.Exa., Sra. Presidente, também analisasse o meu requerimento, que igualmente traz proposição de nomes para completarmos esses quatro faltantes.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
Então, eu coloco em votação a proposta do Deputado Marcelo Freixo, com os complementos feitos pelo Deputado Paulo Teixeira.
Os membros que concordam com o requerimento permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Obrigado, Presidente.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Presidente...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado Orlando Silva.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Eu queria pedir ao Deputado Marcelo Freixo a gentileza de permitir que eu subscreva este requerimento, que é de suma importância para o nosso trabalho.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - É uma honra.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Nada mais havendo a deliberar, passo ao item 1 da nossa da puta, a audiência pública, convocada com a finalidade de debatermos os projetos de lei objeto de estudo deste GT.
O nosso tema de hoje são as mudanças na Parte Geral do Código Penal, incluindo: excludentes de ilicitude; legítima defesa; pena de multa; fixação da pena e do regime de cumprimento — novas hipóteses para a fixação do regime inicial fechado —; efeitos genéricos da condenação; causa impeditiva da prescrição; causa interruptiva da prescrição; tempo de cumprimento de pena; e requisitos do livramento condicional.
Foram convidados e se encontram presentes: a Dra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, por minha indicação, uma advogada extremamente respeitada, experiente, com passagens pelo Supremo Tribunal Federal, onde assessorou o Ministro decano Celso de Mello; o Coronel Elias Miler, Diretor da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais — FENEME, por indicação do Deputado Capitão Augusto; Humberto Barrionuevo Fabretti, professor universitário, membro do IBCCRIM, indicação do Deputado Orlando Silva; Carlos Eduardo Pellegrini Magro, Delegado de Polícia Federal, indicação da Deputada Carla Zambelli; Maurício Stegemann Dieter, advogado, indicação do Deputado Paulo Teixeira; e Lívia Casseres, Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, indicação do Deputado Paulo Teixeira.
10:10
RF
Nós vamos dividir os trabalhos em duas Mesas. Vamos chamar três dos nossos convidados para comporem a primeira Mesa e fazerem suas exposições. Em seguida, convidaremos os outros três para que façam uso da palavra e nos tragam seus acréscimos ao tema em debate.
Solicito a atenção de todos para o tempo destinado à exposição dos convidados e para os debates dos Srs. Parlamentares.
Cada convidado, conforme o Regimento Interno desta Casa, disporá de 20 minutos para proferir sua fala, não podendo, nesse momento, haver apartes. Os Srs. Deputados interessados em interpelar os convidados deverão inscrever-se previamente e poderão usar a palavra por 5 minutos, ao final das exposições, podendo haver réplica e tréplica.
Feitos esses esclarecimentos, vamos dar início à audiência, convidando para compor a Mesa a Dra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, o Coronel Elias Miler e o Dr. Humberto Fabretti. (Palmas.) (Pausa.)
Passo a palavra à Dra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, nossa primeira expositora do dia, pelo prazo de 20 minutos.
A SRA. MARIA CLÁUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO - Bom dia a todos e a todas.
Eu, inicialmente, gostaria de agradecer o honroso convite para estar aqui hoje perante V.Exas., ilustres Deputados e membros da sociedade civil, no debate deste tema tão importante, tão relevante, tão de perto acompanhado pela nossa sociedade: a melhoria do nosso sistema penal e do nosso sistema penitenciário — as coisas precisam andar conjugadas, e não isoladas.
Agradeço à Coordenadora deste grupo, a Deputada Margarete Coelho, a indicação do meu nome para estar aqui. Saúdo o Deputado Capitão Augusto, Relator desse estudo. Saúdo os meus colegas de Mesa: Dr. Humberto e Coronel Elias. É uma honra ladear V.Sas. neste debate tão relevante. Saúdo este Grupo de Trabalho pela preocupação de gênero. Esse é um tema que preocupa todas as mulheres do mundo jurídico.
Na condição de representante do movimento Mais Mulheres no Direito, também integrado pela Deputada Margarete Coelho, cumprimento este Grupo de Trabalho por essa preocupação de gênero. Chega de painéis exclusivamente masculinos, quando há tantos nomes femininos bons, dignos, procurando voz e procurando espaço.
10:14
RF
Cumprimento também os Deputados Marcelo Freixo e Orlando Silva pela preocupação com a questão racial nas Mesas. É importante que os negros se façam ouvir, sobretudo quando o tema envolve segurança pública, numa sociedade tão injusta, em que o sistema penitenciário é tão marcadamente desigual na questão de raça.
Feitos esses registros, Sra. Coordenadora, Srs. Deputados, estamos aqui hoje para debater as propostas de alteração na Parte Geral do Código Penal. Confesso a V.Exas. que quando me aprofundei no estudo deste tema para vir aqui debatê-lo com V.Exas., assustou-me a profundidade das alterações que estão sendo discutidas aqui por esta Câmara dos Deputados. Não são alterações pontuais nesse ou naquele crime, naquela infração penal. São alterações profundas no nosso modelo penal, com repercussões profundas no nosso sistema penitenciário. Comentávamos aqui, eu e o Dr. Humberto, que nos ressentimos de uma exposição de motivos por parte do Exmo. Sr. Ministro da Justiça que explicasse, ou que detalhasse a proposta, ou apresentasse estudos maiores, números que acompanhassem, justificassem ou indicassem por que determinada medida é mais adequada que outra.
Em linhas gerais, Sra. Coordenadora, três pontos me chamaram muito a atenção, no Projeto de Lei nº 882, de 2019, que agora debatemos.
Primeiro, a linha-mestra desse projeto funda-se numa premissa. Qual é a premissa? Que a política de encarceramento é uma forma adequada e eficiente para solução do problema da criminalidade no Brasil. Essa é uma premissa que perpassa o projeto de lei. E por que essa premissa perpassa o projeto de lei? Porque nós temos um aumento das hipóteses de imposição do regime fechado, do encarceramento. Aí vem uma primeira pergunta: essa é a melhor medida de combate à criminalidade? Essa é uma pergunta que V.Exas. precisam fazer. Se nós temos a intenção honesta e sincera de resolver o problema da criminalidade no Brasil, e se esse projeto traz como primeira solução um maior encarceramento, a primeira pergunta que nós temos de fazer é a seguinte: a política de encarceramento é a forma mais eficiente de combater a criminalidade no Brasil?
Digo isso por dois aspectos, Srs. Deputados: o aspecto humanitário, que certamente será abordado na fala da minha querida colega de Mesa defensora pública do Rio de Janeiro — e me honra muito estar aqui ao lado de S.Exa. —, e o aspecto financeiro, já que cada preso, no Brasil, custa hoje entre 2.500 reais e 3.000 reais por mês. E estamos falando de um Estado com profundo déficit financeiro. Aliás, nós nos ressentimos também, Deputada Margarete, de uma análise financeira desse projeto.
Então, indago a V.Exas.: essa é a melhor forma de alocarmos o nosso dinheiro? Gastar 3 mil reais por preso tem resolvido o problema de segurança pública no Brasil? Estudo realizado pelo Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais — CONDEGE traz um número muito interessante. Em 22 anos — e esse foi o período analisado —, a população carcerária do Brasil aumentou em 500%. Nesse período, esse aumento da população carcerária, que pode ser convertido em números... Facilmente, nós calculamos quanto custou ao Estado brasileiro, em termos financeiros, esse aumento da população carcerária. A aplicação desse dinheiro compensou? Nós tivemos redução da criminalidade compatível com o custo que nós tivemos? Esse estudo precisa ser feito. Foram analisados 22 anos, Deputados.
10:18
RF
Os recursos do Estado são limitados. Na hora de alocá-los, nós precisamos saber se nós estamos sendo eficientes. A cadeia é o melhor lugar para nós colocarmos o nosso dinheiro para o combate à criminalidade? São de 2.500 reais a 3.500 reais por mês. Nós precisamos avaliar isso. Então, essa é a primeira pergunta.
Há uma segunda pergunta. Ressentimo-nos também, Sra. Deputada Margarete Coelho, de um estudo do impacto financeiro desse projeto nos Estados. Os Estados brasileiros, em bom português, estão quebrados. Há um projeto de lei que prevê, por exemplo, que a pena pelo roubo armado deve ser cumprida obrigatoriamente em regime inicialmente fechado. Existe alguma estimativa de qual vai ser o peso dessa medida no nosso sistema penitenciário? Vai-se aumentar a massa carcerária em quanto? O nosso sistema penitenciário está pronto para receber essas pessoas?
Imaginem V.Exas. como ficará o sistema, se todo condenado por roubo armado cumprir pena em regime inicialmente fechado, associando-se a isso uma política de flexibilização do porte de armas e o cumprimento da pena a partir de uma decisão de segunda instância recorrível. Somando todos esses fatores, qual é a projeção da repercussão disso na nossa massa carcerária? Quanto isso vai custar para os Estados?
No Estado do Amazonas, por exemplo, a capacidade penitenciária está ultrapassada em 300%. Nós temos onde acomodar essa turma? Quanto isso vai custar? Nós sabemos disso? Não, nós não sabemos. Projetos de lei que implicam gastos precisam vir acompanhados de um estudo de impacto orçamentário. Isso não foi feito e preocupa.
Estudo do Instituto dos Advogados Brasileiros — IAB, também na perspectiva desse projeto, diz que, em 2016, a nossa massa carcerária era de 326 mil presos, e o espaço que o sistema contempla hoje é para 368 mil presos. Qual vai ser o impacto disso lá na frente? Estamos prontos para receber essas pessoas? Temos dinheiro? Os Estados têm dinheiro? O Estado de São Paulo, Deputado Paulo Teixeira, que tem a maior massa carcerária do Brasil, tem dinheiro para acomodar esse pessoal? Esse é um debate que V.Exas. precisam travar. Por quê? Porque qualquer preocupação honesta com o combate à criminalidade precisa, sim, pensar se nós estamos alocando o nosso dinheiro na medida mais eficiente. Esse é um debate que precisa ser travado, mas não foi trazido no projeto de lei, com todo o respeito, data maxima venia. Isso precisa ser feito porque os orçamentos do Estado brasileiro e dos Estados da Federação são naturalmente limitados. Então, é preciso saber se nós estamos colocando o nosso dinheiro nas medidas mais eficientes. Este é o primeiro ponto que chama a atenção no projeto: o fato de ele ser fundado na premissa de que o encarceramento é a melhor forma de combate à criminalidade. Como encarcerar custa dinheiro, a indagação sobre a eficiência da medida precisa ser feita, e a capacidade financeira dos Estados precisa ser analisada. Ao tratar do ponto dois, Sra. Coordenadora, vou me restringir a dois dispositivos deste projeto de lei, porque os colegas certamente falarão melhor do que eu sobre os demais. O primeiro é o que estabelece o regime de cumprimento de pena necessariamente fechado para alguns crimes; o segundo, aquele que permite ao juiz fixar parâmetros quaisquer, sem nenhum teto, para que a progressão de regime se inicie. Serão esses os dispositivos que abordarei mais detidamente.
10:22
RF
Algo que também chama a atenção neste projeto de lei é a imprecisão terminológica de algumas expressões utilizadas. Explico a V.Exas. O Direito Penal, assim como todos os ramos do Direito — o Dr. Humberto sabe disso melhor do que eu —, gira em torno de expressões e institutos com conceitos muito bem definidos e determinados. O Direito Penal, em especial, é regido pelo princípio da tipicidade estrita, ou seja, todo mundo precisa saber qual é exatamente o tipo penal em que incidiu, qual é o regime da pena em que eventual sanção vai ser executada. O PL, no entanto, foge das categorias tradicionais do Direito Penal.
Se V.Exas. perguntarem para qualquer advogado o que é um reincidente, ele saberá dizer que reincidente é aquela pessoa que já foi condenada por crime anterior dentro de um prazo de 5 anos. Fora disso não há mais reincidência. Mas o projeto de lei, estranhamente, usa expressões coloquiais.
Por exemplo, o projeto já começa falando — e o parecer dos defensores públicos-gerais já começa atacando isso — que essa é uma lei voltada a prevenir crimes praticados com "grave violência", uma coisa que não existe no Código Penal. No Código existem a "violência" e a "grave ameaça". O que é a "grave violência"? Ela não existe. Então, isso quer dizer que nem todo crime violento vai ser combatido, só os com violência grave? A proposta adjetiva a violência, uma coisa que não existe. Com todo o respeito, essa é uma expressão coloquial, não é uma expressão técnico-jurídica para um projeto de lei. V.Exas. precisam corrigir isso, até para que a lei seja bem aplicada, se aprovada for.
Outra expressão interessantíssima que o projeto usa é: "conduta criminosa habitual". O que é uma conduta criminosa habitual? Quantos crimes é preciso praticar para ser um criminoso habitual? Se eu pratiquei um crime há 10 anos e já respondi por ele e cometo outro, não sou reincidente, sou ré primária, pela legislação penal. Mas sou uma criminosa habitual? Quando é que eu me torno uma criminosa habitual? Quando cometer dois, três, quatro crimes? E quanto aos crimes praticados em continuidade delitiva? Se eu pratico cinco, seis, sete infrações penais da mesma natureza, no mesmo contexto, uma atrás da outra, eu já viro uma criminosa habitual? A habitualidade se confunde com a reincidência? Eu não sei responder. Habitualidade se confunde com a continuidade delitiva? Eu não sei responder. Por quê? Porque habitualidade não existe na técnica jurídico-criminal. Qual é a consequência dessa utilização de termos imprecisos? Há três consequências ruins. A primeira é deslocar a definição do que é habitualidade para a discricionariedade judicial. Cada juiz no Brasil vai ter um entendimento do que é habitualidade, e vão existir, num país de dimensões continentais como o nosso, diversas opiniões: "A partir de 10 crimes há habitualidade". "Não, num marco de 10 anos, se a pessoa praticou outra infração, ela é criminosa habitual". E isso gera insegurança jurídica pela abertura da tipicidade penal, incompatível com o regime de tipicidade estrita que é próprio do Direito Penal. É importante que seja dito por que isso é ruim. Quando uma lei é aprovada, qual é a ideia? Que ela seja bem aplicada. Conceitos indeterminados e abertos vão desembocar em quê? O juiz de primeira instância falará que habitualidade é A. Já o Tribunal de Justiça falará: "Não, habitualidade não A, é B". E, daqui a 15 anos, o Superior Tribunal de Justiça vai falar: "Não, habitualidade é C. Eu anulo tudo". É isso que nós queremos? Isso é contra a própria ideia do projeto. O projeto não quer tornar mais efetivas as punições, as sanções penais, como forma de arrefecimento da criminalidade? Nós entendemos que o espírito do Sr. Ministro da Justiça é tornar efetiva a jurisdição penal através de um modelo de encarceramento. Nós podemos concordar ou não com esse modelo de encarceramento, mas a intenção do Sr. Ministro da Justiça é essa. Ora, se o que nós queremos é uma justiça penal efetiva, rápida, célere, quanto mais objetivos foram os termos, menor margem para discussão haverá lá na frente. Quanto mais abertos os tipos, maior a chance de que, daqui a 15 anos, uma condenação penal proferida hoje com base nessa lei venha a ser anulada. "Não, eu entendo que habitualidade é outra coisa." Criminoso profissional. Quem é o criminoso profissional? Essa é outra expressão que também não existe na legislação penal, e eu volto a dizer que isso é ruim para o réu e para o sistema. Quanto mais aberto o tipo, maior discussão judicial ele comporta. Isso assoberba a máquina judiciária, gera insegurança jurídica e gera, lá na frente, nulidade, que é tudo o que nós não queremos, porque todos aqui estamos imbuídos do propósito de aperfeiçoar o modelo de justiça criminal no Brasil, que passa, sim, por uma Justiça célere e efetiva. Nulidades judiciais 15 anos depois não interessam a absolutamente ninguém. Com certeza, elas não interessam ao Ministro da Justiça e não interessam a nós.
10:26
RF
É preciso trocar essas expressões que não encontram correspondência na teoria do Direito Penal. Não existe definição de habitualidade, de criminoso profissional, de crime reiterado. Quando um crime é retirado ou não? Esse conceito é de uma vagueza tal que a questão evidentemente vai terminar no Supremo Tribunal Federal, que precisará dizer o que é ou não razoável entender como reiterado, como habitual, como criminoso profissional.
10:30
RF
É esse tipo de insegurança que nós desejamos criar com essa lei? Evidentemente que não. Então, se essa lei vier a ser aprovada e esse modelo de encarceramento, com o qual nós não concordamos, for aquele que esta Câmara vier a placitar, em atenção, sim, aos desejos, aos anseios da sociedade, que são legítimos — e esta é, sim, a Casa de representantes do povo —, é preciso trocar essas expressões e adequá-las a conceitos penais já conhecidos, como reincidência, crime continuado, conceitos já consolidados. Com isso, nós evitamos que, daqui a 20 anos, nós ainda estejamos na Justiça discutindo o que é ou não habitualidade, quem é ou não criminoso profissional.
Há outros termos que também não encontram correspondência na teoria penal. Conversávamos sobre isso mais cedo. Por exemplo, no ponto da legítima defesa, que será abordado pelos colegas, há a questão do medo. O medo também não encontra correspondência na nossa legislação penal, e a introdução dele no texto legal já trouxe questionamento doutrinário, Sr. Relator. Já há vários artigos jurídicos defendendo que, se houver a introdução na lei do medo na hipótese mais ampliada de legítima defesa prevista no projeto, essa hipótese não poderá ser aplicada aos agentes do Estado, aos agentes policiais. Por que não? Porque eles são treinados para não ter medo. Dessa forma, a introdução dessa expressão "medo", que não encontra correspondência no nosso Código Penal, em vez de proteger o agente estatal, que parecer ser o destinatário da norma — parece que o Ministro quis criar uma proteção especial para os agentes policiais —, já está levando a uma fundada corrente, porque as interpretações são respeitáveis de lado a lado, a entender que, justamente por falar em medo, essa excludente não se aplica aos agentes policiais. Aí eu indago a V.Exas.: é razoável colocar isso na norma? Para que abrir esse debate? Para daqui a 20 anos o Supremo discutir se o medo é ou não...
Acabou o meu tempo?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARIA CLÁUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO - Eu vou concluir, então, Sra. Coordenadora, dizendo que esse é um ponto que precisa ser aperfeiçoado.
Comprometo-me, Sra. Coordenadora e Sr. Relator, a enviar a V.Exas. por escrito expressões que poderiam ser substituídas, porque são coloquiais e só trazem instabilidade e abertura excessiva ao modelo penal, de sorte que, se esse modelo de encarceramento for o escolhido, ele possa ser mais preciso, mais adequado, mais justo, sem margens para interpretações fluidas, que comprometem o direito do acusado e assoberbam o nosso sistema judicial.
Focando no ponto que me preocupa, Deputada, vou tratar de dois dispositivos que me trazem inquietação e inconformismo, com todo o respeito.
O primeiro é o § 5º do art. 33, constante do art. 2º do Projeto de Lei nº 882, de 2019. Esse dispositivo estabelece o regime obrigatório de cumprimento da pena e diz o seguinte, Srs. Deputados:
Art. 2º........................................................................
..................................................................................
"Art. 33. ....................................................................
§ 5º Na hipótese de reincidência ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual" — aí está aquele problema de que estávamos falando —, "reiterada ou profissional" — nós também não sabemos o que é isso —, "o regime inicial da pena será o fechado" — obrigatoriamente —, "exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas ou de reduzido potencial ofensivo.
.................................................................................
10:34
RF
Esse dispositivo, com todas as vênias, é de uma atecnia gritante. Ele precisa ser corrigido. A palavra "reincidência" é uma expressão legal, conhecida, e todos os juristas trabalham bem com ela. Já a expressão "conduta criminal habitual, reiterada ou profissional" realmente não existe. Nós não sabemos o que é conduta reiterada, então vamos subir até o Supremo Tribunal Federal para saber se determinada conduta é reiterada ou não. É preciso extirpar essas expressões.
Mais: o regime inicial será o fechado, exceto se insignificante a infração penal. Não existe infração penal insignificante. A jurisprudência do Supremo já se consolidou no sentido de que, quando há insignificância ou bagatela, há uma excludente de tipicidade material. Então, causa perplexidade um projeto de lei que fala em infração penal insignificante, porque infração penal insignificante não existe! Se é insignificante, não é infração penal. Então, esse dispositivo, realmente, precisa ser corrigido. Isso é de uma atecnia brutal.
E o dispositivo segue dizendo: "...ou de reduzido potencial ofensivo". Indago a V.Exa.: reduzido potencial ofensivo são os crimes de menor potencial ofensivo, assim definidos no âmbito dos Juizados Especiais Criminais? Então, vamos substituir essa expressão e usar a expressão corretas: "ou assim definidas pela lei como de menor potencial ofensivo". É preciso adequar as expressões.
Esse dispositivo causa um problema: o Supremo Tribunal Federal já tem súmula vinculante, no sentido de que a obrigatoriedade de regime de pena inicialmente fechado é inconstitucional. Precisaríamos adequar esse dispositivo à jurisprudência do Supremo e introduzir nele as circunstâncias judiciais do art. 59. Sem esse temperamento, isso vai cair diante da jurisprudência do Supremo, porque já há súmula vinculante em sentido contrário, votada em 2018, muito recente, já com a atual composição do STF e com alguma maioria. Então, é preciso introduzir o art. 59 aqui. Se o que se pretende é aumentar o tempo de cumprimento de pena em regime fechado, é preciso atentar para o fato de que ele não pode ser automaticamente fechado. Isso o Supremo já derrubou. Então, vamos trazer o art. 59 para dentro desse dispositivo. Eu me comprometo a encaminhar alguma proposta temperada para V.Exas., muito embora entenda que esse dispositivo é inconstitucional.
Sra. Deputada, já terminando, quero me referir agora ao § 6º, combinado com o § 7º, ambos desse mesmo art. 33. Essa parte da lei também me causa muita estranheza. O que faz o § 6º? Ele estabelece o regime inicial da pena obrigatoriamente fechado para peculato, corrupção passiva e corrupção ativa. No entanto, esses crimes têm pena mínima de 2 anos. Pessoas condenadas por peculato, corrupção passiva ou corrupção ativa que sejam rés primárias, em regra, não pegam pena superior a 4 anos. Então, esses crimes, nos termos da nossa legislação, comportam a substituição da pena por restritiva de direito.
E aqui surge uma antinomia. Como eu vou impor regime inicialmente fechado pela pratica de crime para o qual a própria legislação penal já prevê substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito? Parece-me que aqui há uma antinomia valorativa, e isso pode suscitar um debate de inconstitucionalidade, tal como já aconteceu no Supremo Tribunal Federal e perdurou por anos na questão da receptação simples versus receptação qualificada, em que a pena da receptação simples era maior do que a qualificada. Isso gerava uma incongruência sistêmica na lei penal que levou muitos magistrados a declararem a inconstitucionalidade do preceito secundário da receptação simples. Eu trouxe aqui uma decisão do decano do Supremo, o Ministro Celso de Mello, de 2010. E esse debate já levou anos para ser superado. Então, se nós não queremos que esta seja uma lei que só daqui a 15 anos tenhamos a exata compreensão do seu alcance, da sua dimensão, é preciso superar essas antinomias.
10:38
RF
Eu não tenho como tratar como gravíssimo, a ponto de impor o regime inicial de cumprimento da pena, obrigatoriamente, fechado, um crime que a própria legislação penal prevê que a pena deve ser substituída por restritiva de direito, porque não é violento e porque sua pena, na grande maioria dos casos, é inferior a 4 anos.
E essa antinomia tanto mais se evidencia quando vemos que no § 7º, ao impor um regime obrigatoriamente fechado de pena para o roubo, o projeto de lei não prevê o roubo do caput, prevê apenas o roubo qualificado, cuja pena mínima é de 6 anos e 8 meses. Vejam a antinomia: no inciso I, eu imponho um regime obrigatório de cumprimento da pena fechado para pena mínima de 2 anos. Mas quando eu falo de roubo com violência, só vai ser inicialmente fechado se a pena for de 6 anos e 8 meses. Isso quer parecer uma desproporção que precisa ser corrigida para que a lei não guarde antinomias internas.
Por fim, já que meu tempo se esgotou, faço apenas uma ponderação acerca do parágrafo único do art. 59, constante também do art. 2º do projeto de lei:
Art. 2º........................................................................
..................................................................................
"Art. 59.......................................................................
Parágrafo único. O juiz poderá, com observância aos critérios previstos neste artigo, fixar período mínimo de cumprimento da pena no regime inicial fechado ou semiaberto antes da possibilidade de progressão."
...................................................................................
Nós sabemos que a possibilidade de progressão se dá com o cumprimento de um sexto da pena. E o que está aqui me preocupa. Talvez haja necessidade de calibragem aqui, se esse dispositivo vier a ser aprovado. Nós entendemos que ele é inconstitucional, na linha de pareceres da Ordem dos Advogados do Brasil — OAB, do Instituto dos Advogados Brasileiros — IAB e dos defensores públicos. É preciso estabelecer um teto. O juiz não pode, na sentença, dizer o seguinte: 90% da pena será cumprida em regime fechado, ou 80% da pena, ou 75% da pena.
Avalie, Deputado Capitão Augusto, esse dispositivo, associado à modificação proposta pelo Ministro Alexandre de Moraes, que pretende ampliar o regime total de encarceramento para 40 anos. Pergunto a V.Exa.: pode o juiz dizer que a pena de 40 anos será cumprida 100% em regime totalmente fechado? A lei não estabelece teto. Então, é preciso estabelecer uma gradação mínima.
Nós entendemos que isso é inconstitucional. Mas, caso este Grupo de Trabalho entenda que é assim que deve ser, é preciso calibrar esse dispositivo para dar tetos ao Judiciário, porque, do contrário, é aquilo que nós dissemos: a discricionariedade judicial vai gerar questionamentos que vão durar anos, até que chegue ao Supremo, esvaziando a eficiência da lei, com guerras de liminares e entendimentos divergentes, com o STJ dizendo: "Não, ele pode fixar no máximo 50% de regime integral fechado". Já o Supremo dirá: "Tem que ser 25%". Mas o juiz poderá dizer: "Eu aceito 100% fechado". Então, para evitar esse tipo de debate, é preciso um escalonamento.
E outra questão que faltou: aqui eles dizem que, em qualquer crime o juiz pode impor prazos diferenciados para o cumprimento da pena. Nós entendemos que isso é inconstitucional. Mas, caso este Grupo de Trabalho entenda que isso vale, sugiro que V.Exas. elejam crimes mais graves. Não deixem o tipo aberto para todo e qualquer crime. Esta lei não é voltada apenas à criminalidade violenta e mais grave? Então, por que não restringir?
Volto a dizer que, quanto mais objetividade e quanto menos arbítrio judicial, mais efetiva será a lei e menos debate ela comportará.
Meu tempo se encerrou. Eu não posso tomar o tempo dos colegas que são mais brilhantes do que eu. Aguardo os questionamentos dos nobres Deputados.
Obrigada. (Palmas.)
10:42
RF
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu gostaria de agradecer à Dra. Maria Clara, digo Maria Cláudia — eu hoje estou disléxica. Eu olho para ela e lembro-me da minha filha, que é brilhante assim também.
Eu gostaria só de dizer aos demais expositores que nós vamos garantir igual tempo a todos.
Gostaria de passar a palavra ao Coronel Elias Miler, para suas considerações, já lhe garantido o mesmo tempo.
O SR. ELIAS MILER - Deputada Margarete Coelho, muito bom dia. Bom dia aos demais membros desta Mesa, aos ilustres debatedores, ao Deputado Capitão Augusto, aos demais Deputados, aos colegas aqui presentes.
Observamos que, de fato, o ponto de vista é a visão a partir de um ponto. Por isso que esta Casa abriu o debate e há uma diversidade de Parlamentares e de pessoas com as mais variadas origens, formações, para que nós possamos, acima de tudo, fazer um debate democrático neste espaço aqui.
Eu vejo falar, por exemplo, sobre a questão de gênero. Eu tenho debatido nesta Casa, e fizemos um debate muito profícuo com o Deputado Reginaldo Lopes, quando S.Exa. presidiu a CPI do Extermínio dos Jovens Negros e Pobres. Às vezes, as pessoas só me veem como um coronel de Polícia Militar, e há um distanciamento do conhecimento, do próprio domínio de cada um nas suas áreas.
Preliminarmente, eu já queria deixar bem claro, quando foi debatida a questão de gênero, o seguinte o aspecto: foi feito um estudo do genoma brasileiro pela Universidade Federal de Minas Gerais, que chegou à conclusão de que a grande maioria de todos nós é negra e índia. Vamos pegar o meu caso. Eu estou aqui vermelhinho, porque minha mãe é italiana, mas meu pai é negro, meus parentes são todos negros, migrantes nordestinos, de Alagoas e Sergipe. Eu fui criado com 15 irmãos na favela da Baixada Santista. Amigos meus de infância foram para o crime, e eu não fui para o crime. Então, uma discussão meramente de gênero, pela aparência, pela posição, fica difícil.
Quando eu fui fazer minha faculdade de pedagogia, Presidente, na década de 80, eu só tinha colegas do movimento sindical e eu era da tropa de choque, na faculdade de pedagogia, com habilitação em magistério e administração escolar. E ali nós começamos a fazer os debates. Por isso que o debate aberto abre a nossa mente para que possamos, acima de tudo, no Estado Democrático, aprender a conviver com a vontade da maioria. E parece que aqui nesta Casa, em alguns lugares e em alguns setores da mídia e da academia, as pessoas não estão acostumadas a se dobrar e a respeitar a vontade da maioria.
O povo brasileiro deu o recado nas eleições do ano passado — o povo deu o recado. E se eu digo que eu sou democrata ou que eu sou republicano, é óbvio que eu abro o debate para a discussão, mas eu tenho que, como democrata, respeitar a vontade da maioria, embora seja lícito que eu possa sempre divergir, colocar meus pontos de vista, para que haja uma mudança de posicionamento. Isso é democrático e é justo.
Então, eu queria alertar esta Comissão que, a partir do recado dado pelo povo, soberano nas urnas, vemos que o povo não aguenta mais o estado de crimes que acontece no País. Neste País são executadas 64 mil pessoas por ano. Isso, em qualquer país civilizado... Como disse a OMS, o Brasil estaria no quadro epidêmico, e este Parlamento é a Casa para essa discussão, para dar uma resposta a isso.
10:46
RF
Eu não posso, a partir de frases acadêmicas ou frases isoladas, sair defendendo premissas ou adjetivando projetos. Nesse aspecto é que nós temos que observar que 64 mil mortes por ano é uma guerra, e tem que ser dada uma resposta desta Casa a esse quadro de guerra. O que levou o povo brasileiro a sair de 8 mil mortes por ano, na década de 80, para 64 mil — e a cada ano aumentam-se mais 3 mil, mais 4 mil? É por isso que esta Comissão e esta Casa têm debatido isso. Nós temos que achar alternativas que vão dar a essa sociedade um estado de paz.
O Brasil hoje, em números absolutos, é o país mais violento do mundo. Em termos de homicídio, é o país onde mais se matam policiais: 400 mil, 500 policiais. É o único país onde um policial tem uma pena de morte no bolso. Um policial que é encontrado — e aqui há policiais na bancada — com a sua identidade, ele é executado pelo criminoso hoje em dia, e nada se fala sobre isso.
Então, a sociedade está refém desse quadro de violência. Eu queria colocar nesse quadro mais o seguinte aspecto: há 64 mil mortes por ano e 70 mil desaparecidos. Há muitas mortes, se não for tráfico... Mas há muitas mortes. Eu tenho mais 60% de subnotificações de crime. O povo não notifica o crime. Portanto, o Brasil tem em torno de 150 mil mortes, é quase uma Hiroshima e Nagasaki todo ano. É óbvio que a violência é multicultural, mas uma das respostas que se dão, além do aspecto cultural... Eu nasci e fui criado no meio violento, no meio da favela em Santos, onde, dentre os marginais, havia alguns amigos meus de infância, como o Paulo César, o Sexta-Feira, que viraram criminosos, outros morreram, outros estão presos preso até hoje. É óbvio que nós temos que ter respostas sociais e verificar todos os elementos que levam a essa violência. Mas uma coisa é certa: a desigualdade social leva à violência, mas a certeza da impunidade gera mais violência ainda. A certeza da impunidade gera mais violência ainda.
Muitas vezes colocam o foco no cárcere: "Ah, o Brasil encarcera muito". Isso não é verdade. O Brasil encarcera pouco e encarcera mal. Vamos pegar os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: 64 mil homicídios. Diz a pesquisa que, dos 64 mil, 5% são esclarecidos e, desses, 1% gera condenação — 1% dos 64 mil! Não estou falando dos 70 mil que não foram notificados ou identificados.
No Brasil, por ano, são registrados — não estou falando dos não notificados — 500 mil roubos. Desses, de acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça, não se apuram 8%. Não são apurados 8% de 500 mil notificados. Há mais 60% não notificados. Aí dizem que o Brasil prende muito, encarcera muito. O Brasil prende pouco, o Brasil condena pouco, e o povo está morrendo na mão do crime. É só pegar os dados e analisar com o enfoque correto. Eu não posso fazer como é feito em algumas pesquisas em que se pega o número e se dá um enfoque distorcido. Por que eu falo isso para os senhores? Na minha área de formação profissional ou acadêmica, eu também sou advogado, eu exerço magistério, eu trabalhei na Zona Leste, na Zona Norte de São Paulo, eu trabalhei no policiamento, eu sei o que é ver uma pessoa morta e ver uma viúva chorando, uma criança chorando. Eu sei o que é isso.
10:50
RF
E aí nós temos que ter essas várias interfaces para fazer um debate não meramente do ponto de vista ideológico, porque quem é preso a uma ideologia é escravo dela. Nós temos que abrir a nossa mente. O homem tem que rever os seus valores morais e éticos para que ele saia de uma formação de valores ideológicos e venha para o campo da razão.
Eu fiz essa premissa para dizer que o crime está se organizando, Deputado Orlando, Deputado Paulo Teixeira. Em São Paulo, há estudo que diz que o PCC é o crime organizado que mais cresce no mundo, que arrecada 200 milhões de reais por ano líquidos, e eles estão comprando policiais. Na minha polícia paulista, que tinha a acusação de ser violenta, mas não corrupta, acabamos de prender 50 policiais do mesmo batalhão, comprados pelo crime organizado. O Estado paga um salário miserável, e o crime organizado paga 5 mil reais por semana para o policial. Eu digo aqui aos senhores: "Justiça Paulista condena ex-vice-presidente de direitos humanos a 16 anos de prisão". O clima infiltra pessoas nos organismos oficiais de direitos humanos. Com o Luiz Carlos dos Santos foram presos também mais quatro advogados, e nós, muitas vezes, ficamos olhando como Alice no País das Maravilhas. O crime tem dinheiro, o crime infiltra.
O Desembargador Maierovitch, de São Paulo, disse que o PCC financia a igreja e partidos políticos. Quem está dizendo isso é o Maierovitch, Desembargador de São Paulo. O crime está investindo e elegendo políticos. Ele se assenhoreia, e o povo fica refém. Ele paga segmentos da imprensa, paga segmentos acadêmicos, contrata advogados, isso tudo está demonstrado nos autos. Está aqui a fala do juiz que fez a condenação. A partir disso, esta Casa é chamada para apresentar projetos que possam dar uma resposta a isso. Na Comissão de Educação, para apresentar projetos na área educacional, que é a raiz de tudo. Na Comissão de Assuntos Sociais, projetos no campo social. Tudo isso tem que interagir. Agora, dizer que o foco é só esse é mitigar de fato o debate.
Com relação a esses três projetos que vieram para cá — e nós fizemos um quadro e o entregamos ao Relator e à Presidente —, o Projeto de Lei nº 882, de 2019, altera 13 leis. Essa é uma alteração profunda, pois altera 13 leis. Desde o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções, a Lei de Crimes Hediondos, improbidade, interceptação telefônica, lavagem de bens e dinheiro, registro e porte de arma, política de drogas, estabelecimentos federais de execução, organizações criminosas e o Disque-Denúncia — esse feito pelo Ministro Moro.
Já em relação aos dois projetos sob a coordenação do Ministro Alexandre de Moraes, o Projeto de Lei nº 10.372, de 2018, altera o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções, a Lei de Crimes Hediondos, a Lei do Desarmamento, a Lei da Organização Criminosa, altera processos junto ao Supremo e ao STJ, processo de julgamento de organizações criminosas e o Fundo Nacional de Segurança Pública. E aqui há um equívoco, porque a lei do fundo já foi revogada. Quer dizer, esse projeto altera nove leis. E, depois, o Projeto de Lei nº 10.373, de 2018, traz especificamente uma inovação, que é uma ação civil pública de perdimento de bens, os bens utilizados no crime ou decorrentes do crime. Então, em cima disso, os projetos são amplos, alteram diversas leis e exigem um debate profundo e técnico para que possamos, a partir do ponto de vista jurídico, do ponto de vista prático e operacional, dar uma resposta à sociedade. Seguindo a orientação da Presidente desta Comissão, vou tentar me ater ao tempo.
10:54
RF
Foram feitas algumas perguntas e orientações para aqueles que aqui viriam. A primeira delas foi que nós respondêssemos se a forma como o tema foi abordado pelos projetos de lei, que são objeto de estudo deste Grupo de Trabalho, foi adequada. Ou seja: o instrumento legislativo é adequado, as leis a serem alteradas são adequadas na proposta? Eu entendo que sim, porque abordou, dentro do ordenamento jurídico, diversos diplomas legais que têm essa interface. E, com a devida vênia da colega que me antecedeu — eu não sou do Ministério da Justiça, mas estou fazendo a análise também como advogado e como professor de direito —, qual foi a premissa utilizada pelo Ministro da Justiça e pelo Alexandre de Moraes? Em primeiro lugar, combate ao crime organizado; em segundo lugar, combate à corrupção. Ou seja, ele vem nessa premissa. São essas as premissas que nortearam o encaminhamento do projeto. Em cima dessas premissas que o Ministro encaminhou é que eu tenho que cotejar os projetos. Por isso, eu entendo que o instrumento está adequado.
Agora, é óbvio que esta é uma casa de leis e que aqui as forças que debatem vão alterar e aperfeiçoar a proposição. É para isso que estamos aqui. Eu entendo que a forma como foi feita, ilustre Relator, é adequada.
Quando aos impactos positivos que as modificações propostas podem trazer à sociedade, eu digo para os senhores que estive na ponta da linha como policial e também advogo. Quando passei a advogar, eu falei que preferia ser policial a advogar, porque a nossa Justiça é falida. Pega-se um juiz com 3 mil, com 5 mil processos. Essa é uma Justiça falida. Ou seja, que impacto nós temos que ter nesses projetos que facilitem o processo e que não tenha, por exemplo, uma prescrição, Deputado Trad? Com o pedido de vista do Ministro do Supremo, ele fica 8 anos com o processo, o crime prescreve, e ninguém fala nada. Um pedido de vista fica 8 anos com o Ministro do Supremo, aí se deu a prescrição do crime. Então, nós temos que fechar as portas da impunidade, e é por isso que eu entendo que os impactos serão positivos, com os aperfeiçoamentos feitos por esta Casa e pelo Senado Federal.
Entre os projetos, quais as principais divergências e convergências? Já foi até abordada uma aqui. Observem que os projetos entre si são convergentes. Eu não vejo grandes discrepâncias e me detive em cada um deles não só com o olhar da experiência prática policial, mas também como jurista que sou. Eu entendo que os projetos são convergentes. Como foi colocado anteriormente pela colega aqui, algumas expressões, de fato, só vão causar interpretações distorcidas e não vão alcançar o seu objetivo proposto. Mas os projetos são convergentes, com um ponto ou outro repetitivo, e esta Comissão vai ter que decidir se altera num ou no outro projeto. Alguns pontos são repetitivos, mas não divergentes de forma profunda. O texto do projeto pode ser aperfeiçoado e como? Eu entreguei ao Relator e à Presidente algumas sugestões, como fez a colega que me antecedeu. O projeto pode e deve ser aperfeiçoado. A matéria é muito longa. Teremos que ter um seminário. Foi muito debatida a questão do art. 23, que prevê as excludentes de ilicitude. Eu entendo que, de fato, como foi feita, a redação não foi adequada, porque ali se tentou dar uma visão do que já existe hoje no art. 121, que trata do homicídio privilegiado, que é quando a pessoa pratica o crime mediante violenta emoção, após uma injusta agressão. O que se tentou fazer ali já existe, mas a redação não foi adequada, nem repetiu o que já existe no homicídio privilegiado ou na lesão privilegiada. Nós até apresentamos uma proposta, em que o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço, se o agente pratica o excesso — porque ali há a figura do excesso, doloso ou culposo — por motivo de relevante valor social ou moral ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação. Esse texto já existe no Código Penal.
10:58
RF
A ilustre colega que me antecedeu colocou que o policial, de fato, é treinado para não ter medo. Mas não tem como, o ser humano tem medo. Se eu disser que não tenho medo, podem me internar. Um policial brasileiro trabalha com um salário de 1.800 reais, no caso do Rio de Janeiro, ou 2.400, em São Paulo. Aí eu quero que esse homem, com um salário de 2.400 reais, seja o suprassumo do suprassumo, sem colete, nobres Deputados Capitão Augusto e Gonzaga. Já peguei uma ocorrência policial em que eu estava com um 38, sem colete, num assalto ao Banco do Brasil em Santana, e eram 14 indivíduos com metralhadora. Eu tinha que ser o homem mais equilibrado do mundo. Então, na teoria é muito bonito, muito bonito. É muito bonito ver na Justiça um juiz ficar 3 anos com um processo e dar a decisão errada, no ar-condicionado, com analista e com técnico. O promotor faz a denúncia errada, e o policial, o soldado na ponta da linha, tem que, em 1 segundo, morrer ou matar, e é cobrado dele tudo no mundo. Falta, às vezes, essa vivência lá na ponta.
Nesse aspecto, Deputado Capitão Augusto, nós fazemos uma sugestão. Em relação ao art. 25, que trata justamente da legítima defesa, eu, assim como a colega que antecedeu, entendo que, de fato, o texto não foi preciso, foi um texto equivocado. Eu entendo também que não posso fazer um texto para o agente de segurança. Não é que ele não possa... E ele age em legítima defesa. Mas se estou falando da legítima defesa lato sensu, em campo abstrato, ela tem que comportar qualquer pessoa na legítima defesa, qualquer pessoa que esteja defendendo o direito próprio ou o direito de terceiro. E aí nós fizemos uma proposta aqui no seguinte sentido: "aquele que age diante de pessoa portando armas ilegais, em locais de domínio do crime ou fora desses locais para a prática de crimes". Então, como nós colocamos? "Considera-se também situação de injusta agressão atual ou iminente". A pergunta é: o que é iminente? Iminente, pela doutrina e jurisprudência, é aquilo que eu tenho certeza de que vai ocorrer. Se um indivíduo está com uma metralhadora num local de boca de fumo — na linguagem comum —, esse indivíduo não é um perigo iminente? Falariam para ele: "Em nome da lei, largue a metralhadora"? Sabe, Capitão Augusto, eu já estive numa situação como essa. Eu estava com um homem que se chamava Capitão Augusto também. Não sei se o Deputado o conhece ou se lembra dele. Depois, ele se tornou Coronel Augusto, que é irmão do Paulo de Tarso, pastor. Ele foi policial a vida inteira e é pastor evangélico, como também somos. Ele veio trabalhar comigo, e fizemos um cerco na Favela do Flamingo para pegar um latrocida. Ele estava desatualizado e, quando deu de cara com o latrocida, armado, falou: "Em nome da lei, largue a arma!" Pela graça de Deus, a sorte dele foi que cheguei por trás do indivíduo e falei: "Pare!" Aí o cara largou a arma. Com o "em nome da lei, largue a arma" ele estaria morto. Há pessoas que veem um indivíduo com um fuzil com mira laser e falam: "Diga para ele, em nome da lei, largar a arma". Eu queria dizer aos senhores que aqui há policiais que já passaram por isso. Eu quero ver quem é que quer ir comigo fazer isso lá na boca e depois vir dizer que não há perigo. Então, acho que o texto pode e deve ser aperfeiçoado, modificando-se tecnicamente. Com relação ao art. 33, eu concordo com a colega que nos antecedeu. Ele ficou impreciso, mas não na questão do "habitual". O "habitual" já existe inclusive para o exercício ilegal da profissão de medicina. E a doutrina e jurisprudência, em relação a isso, falam que o "habitual" é a reiteração da mesma conduta. Tem que ser provado. "Habitual" é um termo jurídico. O que não é jurídico? O "reiterado" ou o "profissional". Esses são conceitos vagos, mas a expressão "habitual" já está consolidada na doutrina e na jurisprudência. Portanto, entendo que o art. 33 teria que ser reformulado.
11:02
RF
Nessa linha, também entregamos ao Relator outras propostas, como em relação ao art. 283, que fala: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade (...), em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado (...)". Nós entendemos que a prisão em segundo grau pode acontecer. Quem atua no mundo jurídico sabe que em recursos ao STJ ou ao Supremo não se discute mais mérito, não se discutem mais provas. Nós sabemos que o mérito já ficou no segundo grau. Mas entendo que, como há os embargos infringentes quando a decisão não é unânime, esta Casa, Deputado, poderia amadurecer esse ponto no seguinte sentido: se a decisão colegiada for unânime, pode-se executar a pena; mas se a decisão colegiada não for unânime, não se pode executá-la. Acho que essa é uma medida de bom senso e de meio-termo, porque sabemos que muitas vezes uma decisão divergente é reformada no STJ ou no próprio Supremo. Quando já se produziram provas no primeiro grau e já houve uma decisão unânime no segundo grau, poderia ser executada a pena. Essa é a nossa posição em relação ao cumprimento da pena em segundo grau.
Encerro, tentando encaixar dentro do tempo a questão do Tribunal do Júri também. Nós não concordamos com a execução da pena logo após a condenação no Tribunal do Júri, e a proposta traz isso. Tribunal do Júri é primeiro grau. Acho que se esqueceram disso. Viram o nome "tribunal" e acharam que é segundo grau. Tribunal do Júri é primeiro grau. Não se pode sair executando uma pena do primeiro grau. Acho que fazer isso é colocarmos uma pessoa refém de uma situação dessa. A decisão do Tribunal do Júri pode ser objeto de um recurso ao tribunal. E quantas vezes o tribunal anula o julgamento do Tribunal do Júri? Quantas vezes? Até na resposta de quesitos...
11:06
RF
O SR. PRESIDENTE (Capitão Augusto. PR - SP) - Coronel, sinto dizer que já foram acrescidos 3 minutos ao seu tempo. Já foram 23 minutos, mas se o senhor quiser concluir o raciocínio, por favor, conclua.
O SR. ELIAS MILER - Concluindo, Deputado Capitão Augusto, agradeço por esta oportunidade.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ELIAS MILER - Achou que fosse segundo grau.
Então, agradeço esta oportunidade, Deputado Capitão Augusto e demais membros, e me coloco à disposição para posteriores questionamentos.
O SR. PRESIDENTE (Capitão Augusto. PR - SP) - Obrigado, Coronel. (Palmas.)
Convido agora para fazer o uso da palavra, o Dr. Humberto Barrionuevo Fabretti, professor universitário.
V.Sa. também tem o mesmo tempo: 23 minutos.
O SR. HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - Muito obrigado.
Bom dia a todos.
Inicialmente eu gostaria de agradecer o convite para participar deste Grupo de Trabalho e dizer que é uma honra muito grande vir aqui falar para V.Exas. as minhas impressões sobre este projeto.
Eu gostaria de agradecer especialmente ao Deputado Capitão Augusto, o Relator, que permitiu que esses trabalhos acontecessem; à Deputada Margarete Coelho e ao Deputado Orlando Silva, que foi quem me indicou. Cumprimento todos os demais Deputados que aqui se encontram.
Acho que, primeiro, é importante destacar que a visão que será apresentada aqui por mim sobre este projeto é a de um professor que também atua na área criminal. Então, todas as considerações feitas aqui não são ideológicas, não têm o viés de tentar ou não impor uma lógica ou uma visão de mundo para V.Exas. Trata-se do fruto de um trabalho já de alguns anos. Há mais de 15 anos, eu me debruço sobre o estudo do Direito Penal, o estudo do Processo Penal, e atuo também na área. Então, acredito que eu possa fazer essa análise com as duas partes: a parte técnica e acadêmica e a parte também prática. Infelizmente, no momento em que estamos vivendo, a área acadêmica está num total desprestígio no Brasil. Mas precisamos lembrar que é na área acadêmica que se produz conhecimento, é na área acadêmica que se levantam questões críticas.
A fala do colega que me antecedeu, o Coronel Elias, é de suma importância, porque o que ele mais pontuou foi a visão prática de um homem que, como policial, enfrentou o problema da criminalidade. Mas isso precisa ser teorizado, porque precisamos ver como isso será incorporado à legislação. Quando vamos à legislação, e este é o caráter essencial de uma legislação penal, ela é abstrata. Ela não serve para aquele caso específico em que aconteceu determinada situação. Precisamos colocar essa situação de maneira abstrata, para que ela possa ou não ser aplicada para os casos específicos. É a questão básica do princípio da estrita legalidade.
Então, uma redação, uma legislação que nos traga segurança jurídica é importante para os dois: para o policial, para que ele consiga saber qual o seu limite de atuação, e também para o cidadão, para que ele também possa saber qual o seu limite de atuação e até que ponto o policial está atuando legalmente ou ilegalmente.
Então, Coronel, eu só quero dizer que nós partimos da mesma visão e que buscamos alcançar o mesmo objetivo. Talvez o caminho proposto seja diferente, mas o objetivo é o mesmo. Imagino que o objetivo de todos aqui seja esse. Acho que ninguém aqui é a favor da corrupção, ninguém aqui é a favor do crime organizado e ninguém aqui é a favor das mortes que ocorrem diariamente no Brasil. Parto do pressuposto de que essa é uma premissa com a qual estamos todos juntos.
11:10
RF
Partindo dessa premissa, considero importante também ressaltar outra premissa: o Estado Democrático de Direito não é necessariamente a vontade da maioria. Ele é a vontade da maioria, desde que respeitadas as garantias e os direitos fundamentais de uma minoria. Isso é algo importantíssimo de se ressaltar. Então, o fato de ter sido eleito um Presidente com uma plataforma político-criminal específica de endurecimento das leis de encarceramento não faz com que, no momento de aprovação das leis, percamos de vista a Constituição Federal, que ainda continua sendo um limite para ele, para nós, para o Coronel, para o juiz, para o policial, para todo mundo. Então, defender determinada política não significa que ela possa ser aprovada a qualquer custo. Acho que é isso que não podemos perder de vista. Não há dúvidas de que elegemos ou foi eleita uma política criminal muito mais incisiva, mas ela não é ilimitada. Ela encontra limites na Constituição.
Entrando no que quero falar para V.Exas., que é o importante hoje, esse projeto, com todo o respeito ao seu idealizador, não parece um projeto de lei. V.Exas. estão muito, mas muito, mais acostumados do que eu a lidar com projetos de lei, e tenho certeza de que V.Exas. recebem projetos de lei e elaboram projetos de lei muito melhores do que esse. Esse projeto tem falhas em todos os sentidos que se possam imaginar. Ele não tem motivação, não tem fundamentação, não tem estudo de impacto. Então, o projeto ser aprovado da forma que ele está hoje seria uma tragédia absoluta, porque nós simplesmente não saberíamos o que poderia ou não acontecer. Acho que esse é o primeiro ponto. E isto é responsabilidade de V.Exas.: saber qual é a consequência da aprovação de um projeto como esse no Estado brasileiro. É impossível sabermos quais serão os reais efeitos disso, porque não há estudo de impacto. Isso vai ter problema financeiro, isso vai ter problema orçamentário. O que o Coronel falou é uma verdade absoluta: os juízes estão soterrados de processo. Isso vai aumentar o número de processos e não vai aumentar o número de juízes. Então, vamos criar mais problemas. Não vamos resolver problemas.
Então, se a intenção desse projeto é combater a criminalidade, a corrupção e o crime organizado — e essa é a intenção declarada do projeto —, desculpem-me, mas não se alcançou isso e não se alcançará. Se esse é o objetivo declarado do projeto, vamos jogá-lo fora. Esse objetivo ele não alcança. Para começarmos a discussão, quero dizer que estudos criminológicos e estudos de política criminal sabem que conseguimos nenhum ou quase nenhum efeito prático com mudanças legislativas.
O melhor exemplo que temos no Brasil é a Lei dos Crimes Hediondos. Ela veio com a promessa de reduzir a criminalidade, mas esses índices aumentaram exponencialmente depois da lei, com exceção do Estado de São Paulo, de onde veio o Coronel. Lá houve uma redução constante de homicídios depois da Lei dos Crimes Hediondos, mas não foi graças à lei, e sim graças às políticas públicas, segundo alguns, e graças à organização do crime organizado, segundo outros. Aí está uma questão a respeito da qual nunca chegaremos a uma conclusão, porque não é constatável, mas existem essas duas teorias sendo debatidas. Não foi a Lei dos Crimes Hediondos. E ela ainda nos trouxe um problema: o do encarceramento em massa.
11:14
RF
Qualquer estudioso de criminologia — aqui está o professor Maurício Dieter, que não me deixa mentir — sabe que um dos maiores fatores criminógenos, ou seja, fatores que geram criminalidade é o encarceramento. É óbvio! O que gera a política? O contato entre as pessoas. O que gera o bandido? O contato entre as pessoas. É óbvio! A partir do momento em que eu encarcero um monte de gente com problemas de criminalidade dentro de um estabelecimento, onde não há outra coisa a fazer a não ser se relacionar com as pessoas que estão ali dentro, a criminalidade só pode aumentar.
As pesquisas apontam que o segundo crime, terceiro crime praticado por um reincidente é quase sempre mais grave do que o primeiro, ou seja, ao invés de impulsionar aquela pessoa para fora do crime, joga-se aquela pessoa dentro de uma espiral de criminalidade.
Eu sou de São Paulo, onde nós vivemos a realidade do PCC. Não é à toa que o PCC se refere aos presídios como faculdades. Não é difícil nós pegarmos uma escuta de pessoas do PCC em que um pergunta ao outro "Para onde foi o João Goiabada?" "Ah, João Goiaba foi para faculdade". O João Goiaba passou na faculdade? Não. O João Goiaba está preso. Ele foi para o presídio.
Então, apostar no encarceramento e no endurecimento da lei penal é apostar no mais do mesmo. É o que nós temos feito há vários e vários anos. Nós não temos uma política que não seja essa. A política criminal brasileira tem sido essa há décadas — os mais velhos aqui sabem disso —, desde a Constituição de 1988. E nunca nós diminuímos a criminalidade. Por que agora vai funcionar? Porque agora é o Moro? Porque agora é a Lava-Jato? Não funciona!
E, mais, vamos combinar: para aqueles que acham que tudo aquilo que o atual Ministro fez como juiz foi algo louvável, algo positivo para o País, ele o fez sem isso, fez com a legislação que havia na época. Então, essa legislação não é necessária para isso. Ela não permite que se alcancem esses objetivos que ela diz pretender alcançar.
O que é essa política, ou melhor, o que esse projeto — isso não é uma política, isso é um projeto — vai permitir é que nós agravemos a situação em que já nos encontramos. E ela é trágica, muito trágica! Eu concordo absolutamente com o Coronel. O número de mortes que nós temos no Brasil é algo absurdo. É algo que nos envergonha internacionalmente. Agora, será que alguém, em sã consciência, acha que esse projeto vai evitar uma morte?
E outra: vamos ver quem está morrendo no Brasil? Quem está morrendo no Brasil é a mesma pessoa que está sendo encarcerada, que é o jovem negro, sem o ensino médio completo. É a faixa mais excluída da nossa sociedade. E sabem o que esse projeto está fazendo? Via de regra, como é o tratamento dado pelo Estado brasileiro a essa população? É o da exclusão. Nós jogamos, deixamos essa população nas favelas, nas periferias. Nós fazemos cordões sanitários com a polícia para que não venha para os centros. Essa tem sido a política que tem gerado tudo isso que nós estamos vivendo hoje.
A partir desse projeto aqui, nós estamos abandonando a política da exclusão e indo para a política do extermínio. Aí a política adotada vai ser a do extermínio: "Não nos basta mais excluir os jovens negros. Nós vamos exterminá-los". É isso que essa proposta defende. Essa proposta se encaixa perfeitamente naquilo que Achille Mbembe chama de necropolítica. Isso é a necropolítica dentro de um projeto de lei.
11:18
RF
Aqui, eu não vou fazer uma análise pormenorizada. Eu vou fazer uma análise superficial dos dispositivos, porque acho que V.Exas. estão cansados de ler os dispositivos. Eu acredito que todos que estão leram os dispositivos e têm as suas próprias percepções sobre eles. A partir do momento em que se permite ao juiz aplicar uma redução de pena, porque o sujeito agiu por escusável medo, surpresa ou violenta emoção, o que se está dizendo é que não se vai punir desde que haja medo, surpresa ou violenta emoção.
A questão do princípio da legalidade eu não vou nem discutir. O que é medo? Sabe-se lá o que é medo. A Psicologia tem tratados, tratados e tratados e não define o que é medo. Nós vamos querer defini-lo aqui? Violenta emoção? Surpresa? O que pode ser uma surpresa? Se uma pessoa dá um susto no outro depois de um tiroteio e ele mata o sujeito, aconteceu uma surpresa?
Percebam que, se essa situação efetivamente se encaixasse numa legítima defesa, que é um ataque deliberado contra um bem jurídico do qual se tem a possibilidade de se defender, esse dispositivo não seria necessário. O Coronel sabe disso muito melhor do que eu. Nos Tribunais do Júri em São Paulo, a coisa mais rara do mundo é a condenação de um policial. Eu assisti a um Tribunal do Júri outro dia em que foi filmado quando dois policiais arremessaram um suspeito de cima de um prédio. O Tribunal do Júri absolveu os policiais. Então, não há necessidade desse dispositivo para se proteger o policial.
Nós precisamos proteger o policial? É óbvio que nós precisamos proteger o policial. O Prof. Nilo Batista já dizia que o policial nada mais é do que um trabalhador da segurança pública. Ele precisa de proteção, até porque o policial que não é oficial, o policial praça, o policial da linha de frente vem das mesmas camadas marginalizadas da população brasileira. Esse sujeito precisa de segurança para trabalhar. Ele precisa do colete. Ele precisa do armamento adequado. Ele precisa de uma condição psicológica que lhe permita trabalhar com arma decente, para que possa, nas situações de perigo, conseguir inclusive avaliar se é ou não o caso de atuar. Vamos concordar, Coronel: se o senhor está sozinho diante de 15 bandidos com metralhadoras, não é o caso de atuar, é o caso de se esconder. Não há como. O Superman não prestou concurso para a Polícia Militar.
Precisamos remunerar bem os policiais. Eu aposto a minha carreira que, se nós aumentássemos a remuneração dos policiais, melhorássemos as condições de trabalho dos policiais, melhorássemos as condições psicológicas dos policiais, evitaríamos as mortes dos dois lados, tanto as mortes causadas pelos policiais quanto as mortes sofridas pelos policiais, que também no Brasil são números epidêmicos.
Eu imagino que chame atenção de V.Exas., como chama a minha, o número de policiais que se suicidam no Brasil. Há dois dados que chamam muito a atenção. O número de policiais que cometem suicídio. Os policiais estão numa condição psicológica de desespero, de agonia. O suicídio, via de regra, tem essa característica. E mais: dois terços dos policiais que morrem assassinados não estão trabalhando como policiais, eles estão trabalhando nos bicos. E por que eles estão trabalhando nos bicos? Porque aquilo que o Estado paga não é suficiente para que ele tenha uma vida digna. Então, ele vai para o bico. Aí, esse policial trabalha virado, esse policial trabalha com uma arma que nem sempre é adequada, esse policial está cheio de preocupação. E, nessa situação de estresse — isso não aconteceu com a polícia —, pessoas olham para um veículo e dão 80 tiros no veículo sem saber o que aconteceu. É isso que vai acontecer. Por que isso acontece? Ora, porque, desde o início deste ano, praticamente todos os discursos que eu vi de autoridade — Governador, Ministro, Presidente — legitimavam a atuação violenta da polícia. O policial pensa: "Se está todo mundo falando para eu atirar, eu vou atirar". Estão todos presos. Dos 11 que atiraram, 10 estão presos. Quantos estão indo ao presídio perguntar àquele policial do que a família dele está precisando? São jovens, de 20 anos, 21 anos, cabos, soldados. O que nós fazemos com a vida desse rapaz? A vida do músico já foi, morreu. E a dele, que tinha uma vida pela frente? Será que agora ele pode virar e dizer que o Governador falou que era para atirar na cabeça?
11:22
RF
Então, a política que nós estamos adotando e a política que esse projeto representa é a política do extermínio, é a política do encarceramento, que não vai combater o crime organizado, não vai combater a corrupção, não vai diminuir o número de mortes, mas sim agudizar, aumentar. E é por esse motivo que esse projeto trouxe tanto repúdio de todas as áreas que trabalham com isso. Praticamente nenhuma organização ou nenhuma instituição aprovou esse projeto integralmente. Ainda que se diga que a Associação dos Procuradores apoiou, os grupos dentro do Ministério Público não apoiam, os grupos dentro da magistratura não apoiam, porque esse projeto de lei é atécnico, assistemático e já faz proposições absolutamente inconstitucionais. Percebam, Excelências, que não são proposições cuja constitucionalidade nós vamos discutir. Ele está fazendo proposições que o STF já disse mais de uma vez que são inconstitucionais.
Na verdade, eu faço uma ressalva em relação a algumas coisas que a minha colega disse, e acho que ela disse muito bem, a Dra. Maria Cláudia, mas, em relação a várias dessas questões, não vai demorar nem 15 anos para o Supremo decidir que são inconstitucionais. O Supremo já vai dizer: "Como eu decidi várias e várias vezes, é inconstitucional. Algumas nós vamos precisar discutir, é óbvio, naqueles termos novos e naqueles termos que são absolutamente imprecisos". Quanto ao início de cumprimento de pena em regime fechado automático, trata-se de súmula vinculante. Como vamos trabalhar com isso? Não vai ser aplicado. Ou melhor, vai ser aplicado, e aí nós vamos precisar recorrer. E, então, a minha colega, que é defensora pública, vai ter que ficar entrando com um monte de recursos, porque o juiz de primeiro grau vai aplicar, e ela vai ter que recorrer até o STJ ou até o Supremo, para que aquilo ali não seja aplicado. E sabem o que vão nos dizer? "Poxa, mas os advogados recorrem, hein?" É óbvio que nós recorremos. Se os juízes de primeiro grau dão decisões inconstitucionais, e o Supremo já disse que são inconstitucionais, nós precisamos recorrer, porque a súmula vinculante é vinculante dentro de um limite, ela é vinculante até que eu tenha que chegar ao Supremo para ele dizer que ela vincula e reformar a decisão.
11:26
RF
Ocorre que a estrutura que a doutora deve ter na sua defensoria pública não deve chegar nem perto da que os escritórios privados têm para poderem recorrer. Qual é o resultado, de novo? Quem os senhores acham que vai ficar preso? Vão ficar presas aquelas mesmas pessoas que nós viemos prendendo, que nós viemos segregando e que nós viemos tratando com o direito penal como política social no Brasil, desde que o Brasil é Brasil.
Então, é fato que todos nós estamos fartos de violência, é fato que todos nós estamos fartos de corrupção, mas vamos tentar combatê-las, e nós precisamos combatê-las. Nós precisamos; os juízes, não. Isso não é papel do juiz, o papel do juiz é aplicar a lei. Agora, o nosso pode ser combater a corrupção, especialmente o de V.Exas., como legisladores. Mas não é com esse projeto. Esse projeto não vai combater absolutamente nada. Esse projeto vai ser um imenso, um eterno "mais do mesmo". Nós não vamos evitar nenhuma morte, nós não vamos evitar nenhum ato de corrupção, nós não vamos evitar nenhum crime. O pior é que nós vamos agravar e nós vamos transformar o Brasil cada vez mais em um país que extermina a sua população mais vulnerável, que trancafia a sua população mais vulnerável em estabelecimentos que são típicos da Idade Média, como já foi dito, onde há violação sistemática dos direitos humanos. E está mais do que comprovado que esses estabelecimentos não alcançam a finalidade a que se propõem. Mesmo assim nós vamos insistir na mesma proposta, nós vamos insistir na mesma proposta. Nós viemos mais uma vez com o encarceramento, com o aumento de penas, com a redução de garantias fundamentais, apesar de estar mais do que comprovado, pela experiência, pela doutrina, pela jurisprudência, pela academia, que nós não conseguimos efeitos práticos com esse tipo de medida. Nós precisamos de políticas criminais efetivas que trabalhem com esse problema.
Só para V.Exas. terem uma ideia, e aqui eu finalizo, existe uma pesquisa super-recente, de dezembro do ano passado, de um sociólogo do Rio Grande do Sul, que tentou entender por que os jovens praticavam crimes. Ele fez uma pesquisa com jovens violentos, que tinham sido condenados por crimes violentos e que estavam em estabelecimentos como a Fundação CASA, etc. Ele apurou que 80% desses jovens, quando cometeram a infração, estavam fora da escola. Não é que eles estavam fora da escola porque tinham faltado aula, mas porque eles não estavam regularmente matriculados, eles estavam fora da escola.
Então, se queremos acabar com o crime violento, a primeira coisa é escola. E não é só construir escola, mas promover políticas públicas para que os alunos fiquem dentro da escola. Essa ameaça, esse projeto, não vai funcionar em nada, porque a vida dessas pessoas já é desgraçada o suficiente para que isso seja irrelevante em relação ao seu desmantelamento ou ao seu impedimento de que atue na vida do crime.
Muito obrigado pela oitiva. Agradeço mais uma vez a oportunidade. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu gostaria de agradecer muitíssimo ao Dr. Humberto os brilhantes esclarecimentos, bem como aos nossos convidados que estão nesta Mesa. E pergunto aos senhores e às senhoras se podem permanecer um pouco mais, para que possamos ouvir os demais expositores que aqui estão e depois fazermos esse debate, a fim de nos aprofundarmos mais. Eu estou cheia de perguntas.
11:30
RF
Agradeço muitíssimo e os convido a tomarem assento ao plenário.
Chamo os nossos convidados, o Dr. Carlos Eduardo Pellegrini Magro, o Dr. Maurício Stegemann Dieter e a Dra. Lívia Casseres, para tomarem assento a esta mesa e fazerem suas exposições. (Pausa.)
Eu passo a palavra ao Dr. Carlos Eduardo Pellegrini Magro, para que faça sua exposição, por 23 minutos.
O nosso Regimento estabelece 20 minutos, mas nós vamos conceder 23 minutos, considerando o tempo que foi estendido para a primeira expositora.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Boa noite. Aliás, bom dia a todos. Eu estou virado, porque ontem vi o Governador Alckmin. Fui dormir às 2 horas da manhã. Acordei às 4 horas para pegar o voo às 5h20min. Então, peço vênia. (Risos.)
Primeiro, quero dizer que é uma honra estar na Casa do Povo, que é o eco desta sociedade. É uma honra dialogar e conviver com posições tão distintas e presentes nesta Casa. É uma honra sentar-me ao lado de Deputados e de pessoas tão qualificadas como as que há nesta Casa.
Por respeito a essas pessoas qualificadas, eu faço como minha primeira premissa aquela apresentada por Aristóteles, que tenta buscar a virtude e que foi traduzida por Eric Voegelin, da Escola Iluminista de Viena, como a busca pela integridade intelectual do conhecimento. Vamos analisar pelo método científico, como dizia o Prof. Voegelin, antes da chacina feita por Adolf Hitler na Alemanha. Vamos analisar os fatos de forma objetiva, de forma abstrata, dissociada de qualquer interesse de poder, que almeje o poder. Esse é um trabalho hercúleo, chega a ser quase até divino. Não sei se os homens, as mulheres e todas as pessoas têm essa característica para buscar essa virtude de Aristóteles ou essa integridade intelectual de Eric Voegelin. Com isso, eu começo a minha fala.
Por estar na Casa do Povo, eu preciso trabalhar com premissas, como meus colegas que aqui estiveram trabalharam. Lembro que o conhecimento é produto da história. Quem dizia isso era Rui Barbosa, grande representante desta Casa, quando recebeu a missão de Marechal Deodoro para redigir a Constituição de 1891, depois que Salgado Filho, a Comissão foi repelida, rejeitada.
11:34
RF
Rui Barbosa tinha na sua sabedoria humana o conhecimento histórico, as tradições seculares ou milenares de um povo — no caso, são seculares. Então, eu trago essas raízes do saber do povo brasileiro.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu acho que esse é o nosso grande herói. Nossos heróis não são a cana-de-açúcar nem o pau-brasil nem o ouro. Nosso primeiro herói é Rui Barbosa, que traz essa premissa, essa sabedoria.
Rui Barbosa, buscando na sua história, influenciada pela história da Inglaterra e pela teoria do constitucionalismo americano, redigiu a nossa primeira Constituição em 1891. E de todas as sete Constituições que sucederam — 1934, 1937, 1946, as emendas de 1967 e 1969, tirando esse lado do excesso do poder do ato inconstitucional, a de 1988, a grande Constituição Republicana —, foram extraídos esses princípios da nossa Constituição. Na verdade, eles foram escritos nos primeiros ensinamentos por Rui Barbosa.
Agora, outra premissa de que eu parto, além do nosso grande herói e da grande sabedoria que ele nos trouxe na história, é a de que a nossa academia está em crise, como disse o Prof. Humberto. A nossa academia está crise porque o nosso sistema jurídico penal, o nosso direito penal e a nossa academia estão dissociados da realidade social. A nossa academia está em crise porque houve uma ruptura dos valores encontrados no estado da natureza, tão bem descritos pelo coronel e vivenciados por diversos campos. A nossa academia está em crise porque ela se afastou dos métodos científicos que Aristóteles já nos ensinou há mais de 3 mil anos, os quais Eric Voegelin, da Escola de Viena, traduziu para os tempos modernos. A nossa academia está em crise porque ela foge do estado da natureza. É por isso que a nossa academia está em crise. É por isso que muitos dos nossos estudantes vão estudar em outros países. É por isso que nós temos o Prof. Luís Greco como titular lá na Escola de Frankfurt de Direito Penal, onde se cria uma identidade histórica e filosófica para o direito penal. Você pode até não concordar com a Sociedade Fabiana, de Hegel e Kant, mas lá há uma aproximação do direito com a realidade.
Nós temos que reconhecer essa crise. E essa crise levou a uma insegurança pública, porque se distanciou os métodos de estudo da realidade social. Nós temos um direito e um sistema jurídico penal disléxico, apartado da realidade social. Nós não escutamos a nossa população. Nós pensamos que a liberdade está no processo penal, enquanto a liberdade está no convívio social, nas relações e na sociedade. As instituições públicas foram criadas para defender a liberdade nas relações públicas. Nós invertemos a lógica, tiramos a liberdade das relações sociais e colocamos no processo penal. E nós estamos pagando caro por isso, nós estamos pagando caro por essa realidade. A realidade é que o rapper lá no morro falou: "Vocês não estão nos ouvindo". O próprio morro do Rio de Janeiro diz: "Vocês não estão nos ouvindo, vocês não estão nos representando".
Não tem como analisar o direito fugindo da realidade. Não tem como analisar o direito sem as verdades autoevidentes dos direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à busca pela felicidade. A central de trabalho de Rui Barbosa foi buscar isso na Declaração de Independência americana, em que o cabeça era o Benjamin Flanklin, a pena era Thomas Jefferson e o grande poder da oratória era John Anders. Não tem como fugir desse direito cujo poder é do povo. Não tem como fugir desse direito, no qual temos que construir autoridades na argumentação, e não argumentos de autoridade, segundo fulano, segundo beltrano, como bem nos ensinou Luís Greco ao retornar ao Brasil, ao Rio de Janeiro, em palestra proferida. Não tem como analisar as questões fáticas da realidade criando um conceito polissêmico, como a própria defensora aqui falou. Não temos que ser fiéis à linguagem em si. Hassemer já dizia: "Linguagem injusta cria um direito injusto". E o Supremo Tribunal, para crime de homofobia, pode criar conceitos polissêmicos, tipificando, tirando o poder da Casa do Povo — poder nosso, do povo. Lá pode. A premissa do decano Celso de Mello quebra ali, na deturpação da linguagem, no conceito polissêmico. São só 170 páginas de prolixidade para esconder algo que não é científico. Lá podem criar conceito polissêmico. Não é científico!
11:38
RF
Eu tive o prazer de suceder ao Ministro Celso de Mello nas Faculdades Damásio, dando aula de processo penal. Chamei o melhor amigo dele, o Prof. Cássio Juvenal Faria, para sentar e conversar. Perguntei: "Conceitos polissêmicos?" Se você for à Escola de Frankfurt de Direito Penal, verá que não existe conceito polissêmico. O conceito já é único. Aristóteles já dizia: "Vamos descrever objeto". Como é que você vai aplicar segurança pública com conceito polissêmico? Você vai aumentar a criminalidade. E não é a lei, como disse muito bem o Prof. Humberto, que vai combater a criminalidade, são as instituições.
O Moro — e aqui peço vênia — disse que esse projeto não vai ser a solução, mas que ele vai ser um dos meios, uma gama de meios. Tem que se investir na qualificação do policial e nas instituições públicas. Deram como solução a privatização.
A doutora apresentou o Amazonas como um grande exemplo. O Amazonas não é um grande exemplo. Lá houve corrupção endêmica e sistêmica. O preso custava para o Estado 3 mil reais e passou a ser 7 mil reais. Basta consultar O Estadão. A grande solução: privatização. Aumentou a corrupção. O sistema não tem encarceramento em massa, que é o problema da segurança pública. O problema é a ineficiência e a corrupção sistêmica e endêmica. Desvia-se dinheiro até de câmeras e não se aplica o dinheiro na população carcerária, porque não dá voto. Este é o grande problema: a ineficiência do sistema. Nós estamos analisando a consequência e não a causa, sob pena de se inverter a lógica e a razão humana para se construir o caos e verificar o caos pelo caos. Também não é científico analisar a consequência e não analisar as causas, não analisar a ineficiência, não analisar a corrupção endêmica, não analisar a corrução sistêmica. Esse é o grande problema. E eu parto dessas premissas, então, para começar a analisar o projeto. Friedrich Hayek, também da Escola de Viena, na Áustria, antes da tomada do poder por Hitler, dizia o seguinte: "Direito de escolha e liberdade pressupõem responsabilidade para o filósofo político". É o que nós, juristas da área do direito, considerávamos como obrigação.
11:42
RF
Na nossa Constituição há 196 palavras que falam em direito, só há três falando em obrigação. Obrigação e liberdade estão ombreadas lado a lado pelo método científico. Direito de escolha pressupõe responsabilidade. Nós, o povo, cedemos uma parcela da nossa liberdade para o Estado. O Estado não tem que ser gigante; ele tem que ser mínimo, mas eficiente, para que ele aja na proteção, na salvaguarda da nossa liberdade, dos nossos direitos inalienáveis. Esta é a função das instituições republicanas: agir. E agir para salvaguardar o quê? A liberdade, a vida, a sociedade, os direitos inalienáveis na sociedade.
O Estado não é onipresente nem onipotente, já dizia John Locke, em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, em 1690. Ele já dizia isto em 1690: "O direito é proporcional desde 1215, com a Magna Carta". Está lá a proporcionalidade. Não foi Beccaria quem escreveu, foram os Barões, em latim, depois traduzido para o inglês e para o português. Está lá a proporcionalidade entre o criminoso e o apenado, julgado pelos seus pares, lawful trial by peers, ou seja, eu quero um julgamento pelos meus pares e pessoas honestas. Isso foi escrito em 1215. Não foi a Revolução Francesa que fez isso. A Revolução Francesa fez uma ruptura. O seio da liberdade está lá, de um povo livre que escolheu um chefe para defendê-lo contra as invasões e construiu a história dos seus antepassados de forma secular, construindo as suas instituições para defender o povo livre.
Se vocês duvidarem disso, eu faço aqui um desafio a todos: pesquisem na Suprema Corte americana para ver se encontram um julgado sobre legítima defesa. Não vão encontrar. Não vão encontrar. E eu já dou a resposta de antemão. Por quê? Porque é tradição histórica deles. O cidadão inglês, o cidadão americano, queria ser tratado como cidadão inglês de primeira classe, ele sabia que poderia exercer a legítima defesa. John Locke já escreve isso em 1690, materializando essa teoria da legítima defesa. E nós ficamos aqui chovendo no molhado.
Eu me lembro dessa discussão, desde a minha época acadêmica, na década de 90, sobre legítima defesa, em que falávamos que o Supremo Tribunal ia decidir. O Supremo Tribunal não tem sequer que editar súmula vinculante, que é antidemocrática. O povo não consegue fazer um controle de constitucionalidade na súmula vinculante. Ela tem força de lei, mas não tem controle de constitucionalidade. Que democracia é essa? A lei dos senhores tem controle de constitucionalidade, a súmula do Supremo Tribunal Federal não tem?! Eles, por um quórum qualificado simples, já podem revogar a súmula. Isso é democracia? Este é um País que luta por liberdade? Não! O Supremo Tribunal Federal tem que ter stare decisis, tem que ser um tribunal constitucional não recursal, não tem que ter jurisdição ordinária nem recursal, tem que decidir matérias constitucionais. Uma vez decidido, está decidido pelo método científico, e não por conceitos polissêmicos. Isso não é aplicar o direito; isso é aplicar outras teses, afastadas do lado científico. E se deve fazer isso buscando a virtude de Aristóteles e a integridade intelectual de Eric Voegelin. O que dizia John Locke no século XVII, um século antes da Revolução Francesa? Se essa Revolução Francesa, que tentam colocar nas academias como a nossa base de identidade filosófica, foi tão boa assim, por que levou de 15 mil a 40 mil pessoas à guilhotina pelo antissemita chamado Maximilien Robespierre? E foi necessário um general para colocar ordem na casa. Esses valores já estavam um século antes na Inglaterra. Esses são os valores sobre a legítima defesa, os fundamentos da legítima defesa.
11:46
RF
Não podemos estar apartados. Estamos tão apartados do estado da natureza que a defensora, com todo respeito, fala que policial tem que ser robô, policial não pode ter medo. Olhem como a academia está dissociada da realidade, está disléxica. O promotor denuncia; o juiz condena, dentro do limite da legalidade. Mas, se o policial, no limite da legalidade — e aqui não estou defendendo excesso, quem praticou crime tem que pagar pelo seu crime —, sai de sua casa para defender a sociedade e lá encontra um criminoso que resiste absolutamente, na escala progressiva e proporcional da força, se não tem outro meio a não ser atirar, ele vai ser preso em flagrante?! Por que o promotor, então, não é preso em flagrante quando oferece a denúncia, ou o juiz, quando condena? E o policial tem que ser preso? Não é lógico nem há razão humana para isso. Isso está dissociado da realidade social. O Código Penal fala: não há crime.
O medo é inerente à natureza humana. E sabem por que isso acontece? Porque nós aplicamos o método indutivo, e não dedutivo. Nós não discutimos o fato concreto em assembleias de um poder descentralizado e criamos a norma; nós criamos a norma idealizada e achamos que ela vai ser aplicada no caso concreto. É por isso que estamos sempre errando, sempre errando há décadas. Inverta-se o método. O método tem que ser dedutivo, ou seja, criar do fato a norma. A Inglaterra nos ensinou isso, os Estados Unidos nos ensinaram isso. Não temos que ser vassalos, nós temos a nossa identidade, mas temos que aprender com bons exemplos. E aí ficam aplicando o direito penal pelo método indutivo, não dedutivo, e o juiz não consegue aplicá-lo ao caso concreto. Esse é o grande problema.
Sobre o fato de o Ministro Sergio Moro ter tentado trazer o medo para o direito, o medo é da natureza humana, então por que não pode estar na lei? Ninguém sente medo? Policial não pode sentir medo, ele é um robô, um robô. Mas ele trouxe o medo como uma exculpante culposa — pasmem! Vocês podem abrir qualquer livro, do Aníbal Bruno ao Frederico Marques, seja de qual estado for, e estudar o que é exculpante culposa. Nós ficamos em um tecnicismo puro, de um positivismo puro, que não chega a lugar algum. Pelo contrário, a legalidade matou 2 milhões de judeus. A legalidade não foi garantia para protegê-los em um regime nacional-socialista. E nós ficamos com esse positivismo puro, que não é científico porque está dissociado da realidade, do estado da natureza.
E a liberdade é tão essencial ao povo que, se o criminoso, como um tirano, agir contra ela, ele nos torna escravos. Basta olharmos para as nossas casas e compará-las às casas deles. Nós estamos prisioneiros em nossos próprios lares. E o projeto aqui visa combater a criminalidade grave, a criminalidade organizada e a criminalidade em relação a desvio de dinheiro público. Outro problema que vejo no direito é essa ruptura da moral com o direito. Queremos um servidor público probo, mas nós o analisamos pelo tecnicismo do direito. Probidade não está dissociada da moralidade — e Tocqueville já falava isso antes da própria Revolução Francesa. Direito sem moral também não sustenta um sistema jurídico. Nós estamos em uma crise moral nas academias, na segurança pública, fruto dessa corrupção endêmica e sistêmica.
11:50
RF
Então, o Moro traz — só para entrar nesse assunto — conceitos que não têm que ser afastados, como disse a defensora, os conceitos de reiteração e habitualidade. Vamos pegar um exemplo da Califórnia: o Estado da Califórnia considera habitualidade quando se comete quatro vezes a mesma ação. Vamos aperfeiçoar o projeto. Essa é a tarefa essencial desta Casa. Mas eu rogo a Deus que V.Exas. não se dissociem da realidade, que não fiquem apartados e disléxicos, discutindo o mesmo do mesmo há décadas.
Vamos aperfeiçoar esse conceito de habitualidade, que não é sinônimo de reincidência. E é óbvio, é intuitivo, que qualquer aluno do primeiro ou segundo ano de direito sabe que o nosso Código Penal é de 1941 e que a Parte Geral teve uma reforma em 1984. Então, como vamos construir um instrumento para aplicar nos fenômenos criminológicos do século XXI? Nós não podemos, com os mesmos institutos, aplicar a lei a esses fenômenos, porque vamos gerar o caos social — e estamos gerando esse caos social. Nós vamos mantê-los? Não, vamos aprimorá-los. Mantê-los, jamais! Os fenômenos criminológicos são outros.
Peço até licença para apresentar uma sugestão em relação ao conceito de habitualidade, reiteração e profissionalismo, para aprimorá-los no texto e não dele retirá-los, senão estaremos nos dissociando do estado da natureza no qual se encontra a nossa população. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é em relação à legítima defesa — apesar de que, acho, já defendi aqui o ponto da legítima defesa. Sou delegado da Polícia Federal há 16 anos, e o estado da natureza e a capacidade de observação, como fazia Aristóteles, são conceitos que me fizeram ver que há policial, por vezes, que se esconde atrás da viatura. O policial tem medo. Minha última operação tinha como objetivo prender um terrorista que tinha relação com o Hezbollah. Havia uma senhora lá, mãe de família, com 56 anos, uma escrivã, que foi comigo. Vocês acham que eu iria deixá-la entrar? E vamos nos dissociar dessa realidade? Não temos mais sentimentos? Isso não é crível, isso não é humano, isso não é divino.
Em relação a outro ponto colocado pela defensora sobre o crime de roubo, eles criaram um plea bargain. Estou até com uma decisão da Suprema Corte, de 1956, quando foi criado o plea bargain. Ele foi criado em 1956. Quem quiser pode tirar cópia do livro. E eles foram além, tanto o Ministro Alexandre de Moraes como o Ministro Sergio Moro: eles fizeram referência ao roubo simples quando não há o uso de arma. Agora, quando houver uso de arma, pouco importa se você vai tomar um tiro de 38 ou de 9 milímetros. É grave. Então, a pena tem que ser acrescida de dois terços. Vamos discutir as causas. Vamos analisar com virtude e integridade intelectual, despidos de qualquer sentimento que almeje o poder, porque nossos filhos, nossos parentes estão morrendo, seja qual o campo ideológico em que se encontrem. Isso é fato. Muito obrigado. (Palmas.)
11:54
RF
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu gostaria de agradecer a exposição ao Dr. Carlos Eduardo Pellegrini.
Passo a palavra, então, à nossa próxima oradora, Dra. Lívia Casseres.
A SRA. LÍVIA CASSERES - Bom dia a todos e a todas.
Inicio agradecendo à Exma. Deputada que coordena este GT Penal. Deputada Margarete Coelho, muito obrigada pelo convite, por prestigiar a Defensoria Pública. Agradeço ao Deputado Paulo Teixeira a indicação, assim como ao Deputado Marcelo Freixo, por compartilharem com a Defensoria Pública a presença neste debate, possibilitando-nos trazer à Casa a perspectiva de milhares e milhões de usuários da nossa instituição que vão ser severamente impactados com a eventual aprovação dessas propostas legislativas. Então, muito obrigada, Deputada.
Agradeço, também, ao Deputado Capitão Augusto, Relator, e cumprimento os meus colegas de Mesa. É uma oportunidade muito enobrecedora e enriquecedora ouvir as lições que todos os senhores trazem do seu campo de conhecimento, do seu campo prático, da sua atuação na área de segurança pública.
E nós, da Defensoria Pública, também temos a intenção de trazer um pouco de concretude, de realidade, um pouco do contato que a nossa instituição tem com as pessoas, que são os nossos defendidos e defendidas nos processos criminais. Portanto, qualquer alteração na lei penal ou processual penal afeta muito pesadamente nosso cotidiano.
Também queremos trazer aqui a luta que a Defensoria trava ao lado dos familiares. E aqui quero falar sobre as mães de vítimas da violência institucional. Não é possível falar em nome dessas pessoas, que têm ensinado muita coisa para a Defensoria Pública e têm provocado a nossa reflexão e modificação de nossa forma de atuar, de entender o direito e a democracia.
11:58
RF
Então, eu quero nortear a minha fala aqui, Deputada, pela ideia de que quem diz o que é segurança pública para a Defensoria Pública hoje são as Mães de Maio; são as Mães de Manguinhos; são as Redes de Comunidades e Movimentos contra a Violência; são as pessoas que estão na ponta da realidade da segurança, convivendo nos bolsões mais vulneráveis dos nossos grandes centros urbanos com essa dura realidade da criminalidade, em que eles muitas vezes ficam entre a mira de uma arma de fogo de criminosos e a mira da arma de fogo dos agentes do Estado.
Essa perspectiva foi o que me fez escolher e destacar, sobre as propostas legislativas, duas figuras específicas. São as figuras que nós temos mais discutido aqui durante esta manhã, que são justamente as excludentes de ilicitude, as mudanças nos arts. 23 e 25 da Parte Geral do nosso Código Penal, e a criação das novas hipóteses abstratas de configuração da legítima defesa.
Um ponto que me chamou bastante atenção, e eu gostaria de começar por ele, é a justificativa da proposta legislativa. Como vários expositores já trouxeram, três são os objetivos fundamentais colocados pelo projeto anticrime. São esses: o combate à corrupção, o combate à impunidade e o combate à violência.
Eu gostaria muito de falar para as Sras. Deputadas e os Srs. Deputados sobre perspectiva de corrupção, impunidade e violência. É isso que as mães das vítimas de violência institucional e os familiares em geral dessas vítimas têm trazido para nós na Defensoria Pública. Esse grupo de pessoas é profundamente afetado também pela corrupção, pela impunidade e pelo crescimento da violência no nosso País. Talvez esse seja o grupo que mais radicalmente enfrenta essa realidade. Essas são mães que não têm mais nada a perder. Elas chegam aos atendimentos da Defensoria Pública, dizendo-nos:
Eu perdi tudo. Tudo que eu tinha na minha vida era a vida do meu filho, era a vida da minha filha. Eu estou aqui porque vou fazer da minha luta um sentido para a minha existência. A minha vida acabou. Eu morri no dia em que ela morreu, ou em que ele morreu. A única forma de eu continuar viva, respirando, é transformando essa sobrevivência, essa existência, numa forma de luta para que isso não aconteça, para que isso não se repita com outras pessoas e para que o nosso País possa, de fato, proteger a vida de todo e qualquer cidadão e cidadã.
Nesse sentido, quero provocar as Sras. e os Srs. Parlamentares para a seguinte pergunta: a proposta legislativa que nós estamos debatendo, especialmente o Projeto de Lei nº 882, de 2019, cumpre o objetivo de combate à corrupção, à impunidade e à violência em toda a sua complexidade?
Aqui eu quero dar contornos mais amplos e mais profundos para estas três ideias: impunidade, corrupção e violência. E eu vou procurar analisar com os senhores se as propostas legislativas de fato entregam o que elas estão prometendo.
Brevemente, fazendo uma leitura da justificativa, o que foi apresentado como motivação para se alterar os arts. 23 e 25 do nosso Código Penal? Está lá no texto da proposta:
12:02
RF
A realidade brasileira atual, principalmente em zonas conflagradas, mostra-se totalmente diversa da existente quando da promulgação do Código Penal, em 1940. O agente policial está permanentemente sob risco, inclusive porque, não raramente, atua em comunidades sem urbanização, com vias estreitas e residências contíguas.
Do que se está falando aqui? De favelas, de periferias. Então, já temos aqui quem é o destinatário dessa proposta legislativa: é o agente policial que atua em favelas e periferias dos grandes centros urbanos brasileiros. E nós sabemos aqui qual é o modo de operação: é atuar para combater o tráfico de drogas nessas comunidades.
Segue aqui a justificativa: "É comum, também, que — o agente policial — não tenha possibilidade de distinguir pessoas de bem dos meliantes".
Vejam bem esta afirmação que está na justificativa da proposta: é comum que o agente policial não tenha possibilidade de distinguir pessoas de bem de meliantes. Então, a proposta já constrói aqui aquele bairro inteiro, aquela comunidade, como um bairro potencialmente inimigo da atuação das forças de segurança.
E aí segue a justificativa, dizendo:
(...) é preciso dar-lhe proteção legal, a fim de que não tenhamos uma legião de intimidados pelo receio e dificuldades de submeter-se a julgamento em Juízo ou no Tribunal do Júri, que acabem se tornando descrentes e indiferentes, meros burocratas da segurança pública. As alterações propostas, portanto, visam dar equilíbrio às relações entre o combate à criminalidade e à cidadania.
Então, nós temos aí o fundamento da proposta legislativa.
No art. 23, teremos a novidade, que é a inserção do § 2º, no qual — todos os colegas expositores já comentaram aqui — se prevê a possibilidade de perdão judicial, que não é apenas a diminuição de pena, mas deixar de aplicá-la se o excesso culposo ou doloso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção. O art. 23 fala genericamente de qualquer agente praticante, de uma figura típica. Então, nós estamos falando aqui tanto de nós, cidadãos, Parlamentares, professores, servidores do Congresso Nacional, quanto dos profissionais da segurança pública. No art. 23, estão todos contemplados por essa previsão normativa. Aí há possibilidade de perdão judicial ou redução da pena.
Já o art. 25, segundo a justificativa, viria também prevenir, corrigir a situação de absoluta insegurança do policial. Segundo a justificativa, atualmente esse policial tem que esperar o início da execução de um crime para somente depois se defender. Então, a premissa da qual se está partindo aqui é de que a legítima defesa, tal qual prevista hoje na legislação brasileira, não contemplaria a prevenção de um crime que vá ocorrer ainda, ou seja, que não tenha se iniciado, mas que vá ocorrer.
É importante lembrar que essas duas alterações vêm associadas a mudanças no Código de Processo Penal. Os arts. 309 e 310 do CPP também sofreram alterações em simetria com o Código Penal, para dizer que nessas hipóteses a pessoa não vai ser presa em flagrante. Então, a autoridade policial vai ter o poder de não converter aquela prisão em flagrante, de não efetuar a lavratura do auto de prisão em flagrante, e sim de conceder a liberdade para aquela pessoa. A pessoa vai poder, apesar de ter praticado, por exemplo, um crime contra a vida, livrar-se, ser solta naquele momento, por uma decisão da autoridade policial, o que não é a regra no nosso ordenamento jurídico, não é a tradição brasileira. Esta é a tradição: o conhecimento sobre a necessidade de uma prisão cautelar, ou não, é da autoridade jurisdicional. E o art. 310 fortalece a possibilidade de que o juiz conceda a liberdade provisória nessas hipóteses de excludente de ilicitude. Quais seriam as vantagens técnicas, Srs. Parlamentares, se formos abordar, de um ponto de vista mais superficial ou dogmático, essas duas inovações que a proposta legislativa traz acerca da parte geral do Código Penal?
12:06
RF
Em primeiro lugar, a doutrina brasileira é pacífica no sentido de que o excesso não significa ultrapassar uma estrita adequação e proporcionalidade da reação em relação à agressão que estava sendo sofrida. Isso significa dizer que a nossa doutrina criminalista é pacífica no sentido de que é o óbvio que não se exige de uma pessoa que está sofrendo uma agressão uma racionalidade absoluta da forma como vai reagir. Então, o critério que a nossa legislação sempre adotou, em que o nosso ordenamento jurídico sempre se baseou, é o critério do uso moderado dos meios necessários. Isso não significa uma estrita proporcionalidade, um cálculo da reação exatamente proporcional à agressão que estava sendo sofrida. Já existe, na própria tradição jurídica brasileira, anterior a essa proposta legislativa, uma flexibilidade bastante ampla para se considerar a situação de nervosismo, de emoção, de surpresa e de medo.
Não bastasse isso, a própria legislação vigente neste momento permite que a legítima defesa se oponha a uma agressão iminente. Ou seja, é possível, sim, a reação preventiva a um crime que não começou a ocorrer, mas que provavelmente vai iniciar sua execução imediatamente. O que a legislação e a doutrina penalista exigem é a concretude do perigo. Não é possível, por exemplo, que, pelo mero fato de uma estar transitando e portando uma arma de fogo, induzir-se que isso por si só signifique um perigo concreto do cometimento de uma lesão à vida ou à integridade. É necessário que exista um perigo concreto.
A exemplo do que já foi citado aqui — refiro-me à fala de algumas autoridades no sentido de que "está portando uma arma longa, mira na cabecinha e atira" —, isso abstratamente não é possível, pelo nosso Código Penal vigente. Porém, se no caso concreto essa pessoa inicia uma conduta, ou se as circunstâncias daquele porte de arma indiciam que se vai iniciar uma conduta de perigo concreto à vida ou perigo concreto à integridade, a legítima defesa já contempla a possibilidade de um cidadão comum ou de uma autoridade da segurança reagir preventivamente para interromper esse início de execução. O que é necessário como critério de legalidade dessa conduta? O uso moderado dos meios necessários.
Em relação aos profissionais, é óbvio que não se exige que eles sejam robôs, é óbvio que não se exige que eles sejam paredes sem sentimentos, mas se exige que eles saibam lidar com as suas emoções. Eles são preparados para saberem lidar com as emoções melhor do que nós. Portanto, os critérios para reação, é óbvio, serão mais rigorosos em relação aos profissionais da segurança, às pessoas que estão acostumadas a lidar com arma de fogo, com operações policiais, com gestão de crise, às pessoas que sabem quais são as regiões em que o disparo é letal ou não letal. Isso tudo foi dito aos senhores para mostrar que a moldura jurídica que a legítima defesa apresenta na atualidade demonstra que essa proposta legislativa, na verdade, é muito pouco útil. Ela tem pouquíssima utilidade para a proteção das pessoas que diz proteger. Em verdade, as ideias de legítima defesa presumida, até colocadas ali no art. 25, num caso concreto, poderiam estar perfeitamente abarcadas pela cláusula geral da legítima defesa já prevista no nosso ordenamento jurídico. O preocupante, senhores e senhoras, na nova previsão legislativa — e aqui vou chamar as hipóteses do art. 25 de legítima defesa presumida — é que a proposta pretende que a locução "conflito armado" ou "a iminência de conflito armado" estabeleça uma presunção de legítima defesa, independentemente do caso concreto, das circunstâncias. Isso vai estabelecer uma presunção para aquele agente policial. Essa locução traz uma simbologia que é legitimadora de uma política de segurança determinada, uma política de segurança que utiliza a ideia de guerra, o que já se comentou aqui, como a ideia que justifica o levantamento de direitos e garantias fundamentais, o levantamento do Estado Democrático de Direito e a separação entre cidadãos de bem e cidadãos inimigos da comunidade, inimigos do Estado, que podem, portanto, ter a sua vida ceifada, suas garantias fundamentais levantadas, a pretexto de se proteger a coletividade. Com isso se pretende legitimar ações letais preventivas. E a proposta, sem dúvida, tem o efeito de legalizar execuções extrajudiciais que já acontecem no cotidiano das práticas das forças de segurança no nosso País.
12:10
RF
É importante trazer o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, das Nações Unidas. Esse é um código aprovado por uma resolução adotada na Assembleia Geral da ONU que traz justamente os critérios e protocolos necessários para o controle do uso da força para todo e qualquer funcionário encarregado de aplicação da lei, seja um policial civil, seja um policial militar, seja um integrante das Forças Armadas. Qualquer autoridade estatal que tem o exercício legal da violência está sujeita a uma série de protocolos que vão legitimar esse uso da força dentro da legalidade.
Lá no Código de Conduta dos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei está claro, no art. 3º, que só é possível empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever. Essa disposição salienta que o emprego da força, por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, deve ser excepcional, e o emprego de armas de fogo é considerado medida extrema. Devem-se fazer todos os esforços no sentido de excluir a utilização de armas de fogo, especialmente com crianças. Em geral, não deverão utilizar-se de armas de fogo, exceto quando o suspeito ofereça resistência armada ou quando, de qualquer forma, coloque em perigo vidas alheias e não haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter.
12:14
RF
Portanto, não somente na legislação brasileira, mas também nos tratados e documentos internacionais adotados pelo Brasil para o controle do uso da força, existem protocolos e parâmetros que impedem a adoção de uma medida de presunção de legítima defesa tão ampla e tão cruel. Apesar de sabermos que já existe na prática, haverá um recrudescimento dessa prática, por sua institucionalização, sua legalização.
Adentrando agora uma análise menos dogmática e mais sociológica, se é que eu posso chamar assim, dos objetivos que são colocados e das justificativas colocadas pelo projeto de lei, eu queria tratar da realidade do Estado do Rio de Janeiro, que, como é de conhecimento de todos os senhores e as senhoras, é um dos Estados que mais sofre historicamente com o abuso da força letal e com os índices tanto de vitimização quando de letalidade policial.
No ano de 2018, o Instituto de Segurança Pública apurou que foram mortas pela polícia 1.532 pessoas no Estado do Rio de Janeiro. O que significa esse número? Mil e quinhentas e trinta e duas pessoas representam basicamente 23% de todas as pessoas mortas, ou seja, no universo de homicídios acontecidos no Estado do Rio de Janeiro, 23% foram praticados por policiais. Portanto, temos três grandes atores sociais responsáveis por homicídios no nosso Estado: o tráfico de drogas, as milícias e a própria polícia. Vejam a temeridade dessa situação. Isso significou um aumento de mais de 35% em relação ao ano anterior, o ano de 2017. É um índice que é não só assustador, mas está em crescimento e é o recorde desde que essa série histórica começou a ser medida. É o número mais alto desde que se passaram a contabilizar homicídios no Estado do Rio de Janeiro.
E surpreendentemente contrariando essa retórica de guerra — que, como eu vinha dizendo, é todo o pressuposto da proposta legislativa —, no que diz respeito à vitimização de policiais, o número teve uma queda de 43%. Felizmente, o número de policiais mortos reduziu muito no ano de 2018, no Estado do Rio de Janeiro. Foi de 92 mortes, sendo apenas 24 em serviço. Então, o dito "confronto" representa apenas 24 do universo de 92 mortes.
Vejam, senhores, é uma questão matemática. É possível falar em guerra se temos de um lado 1.532 pessoas mortas e, de outro lado, 92? Isso é uma estatística de guerra? É possível utilizarmos, com contornos responsáveis, jurídicos, técnicos, a ideia de confronto armado no Estado do Rio de Janeiro?
O Direito Humanitário, o Direito Internacional, a Constituição brasileira têm parâmetros para a declaração de guerra. A declaração de guerra tem um rito, tem que passar por esta Casa, está sujeita a controles. O Estado do Rio de Janeiro não está em guerra, o Brasil não está em guerra. O nome disso, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, é extermínio, é genocídio. O nome disso não é guerra. Esse projeto, ao trazer essa retórica para a lei brasileira, não só avaliza a prática de pena de morte extrajudicial que acontece no nosso Estado, e em vários rincões do Brasil, mas incentiva que isso continue ocorrendo e se amplie.
12:18
RF
É curioso observar, nas estatísticas levantadas pelo Instituto de Segurança Pública, que mais da metade dos agentes policiais da ativa assassinados fora de serviço foram vítimas de assaltos ou reagiram a algum assalto que estava acontecendo com algum transeunte, com algum cidadão. Quinze desses policiais foram executados em emboscadas ou tiveram seus corpos encontrados com marcas de tiro. Outros oito foram assassinados após brigas ou discussões. Inclusive, um policial militar, em 2018, foi morto por militares do Exército por furar uma blitz.
É interessante notar que autoridades das próprias forças de segurança apontam que essa queda na vitimização policial, que é tão importante, uma conquista importante para o nosso Estado, foi alcançada não com mudança legislativa e nova hipótese de legítima defesa, não com mais confronto, não com mais enfrentamento, mas com uma política preventiva de proteção, de autopreservação policial, que capacitou os policiais a saberem como agir nos momentos em que eles estão de folga; como intervir numa situação em que eles estão em minoria, desacompanhados dos colegas; como lidar com a sua arma no momento que está numa atividade privada, por exemplo, dirigindo como motorista de Uber, como é o caso de muitos policiais militares no Estado do Rio de Janeiro, que ficaram meses e até anos sem receber o RAS, a sua gratificação, um componente importantíssimo da sua renda mensal.
O Cel. Robson Rodrigues, que é um Coronel da Reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, muito feliz, aponta, em entrevista ao jornal O Globo, essa queda na vitimização policial como um reflexo de políticas internas da corporação, de políticas preventivas da corporação, que geraram mudança de comportamento dos seus agentes. Não é ensinando esses agentes a serem heróis, a arriscarem a sua vida no momento de folga, a entrarem em comunidades para dispararem e serem alvos de disparos de arma de fogo, não é assim que se vai proteger a vida desses policiais.
Essa ratio legis, portanto, senhores e senhoras, é extremamente frágil e é baseada na lógica falaciosa da guerra, a lógica do confronto armado, que não é compatível com o nosso ordenamento jurídico, não é compatível com a Constituição brasileira. O que ela produz de efeito é a separação da sociedade brasileira entre os inimigos do Estado e os cidadãos de bem. Com isso, garante-se o levantamento do Estado Democrático de Direito e o levantamento da Constituição da República nos bairros mais vulneráveis dos nossos centros urbanos e se garante a perpetuação da situação de desigualdade racial, social e de gênero que estrutura essa sociedade.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Doutora, por favor, encaminhe as conclusões.
A SRA. LÍVIA CASSERES - Obrigada, Deputada.
A Defensoria entende, portanto, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, que, em vez de se estar preocupado com um pacote anticrime voltado para o recrudescimento de penas e para a flexibilização do controle da atividade policial, esta Casa deveria estar fazendo outro debate no dia de hoje. E nós torcemos para que isso aconteça, para que haja propostas, para que a sociedade civil ocupe esta Casa e traga as suas considerações sobre segurança pública, para que as favelas tragam as suas considerações sobre democracia, para que as mães tragam as suas considerações sobre o controle da atividade policial, para que os senhores e as senhoras consigam garantir para a democracia brasileira a transparência, a prestação de contas e a responsividade no uso da força. Sem a garantia desses três elementos, nós não vamos avançar em termos de combate à violência, combate ao crime organizado e combate à corrupção.
12:22
RF
Eu só queria fechar dizendo aos senhores que nós estamos muito acostumados a tratar a corrupção como um abuso de poder voltado para questões financeiras, mas a definição de corrupção, inclusive na Convenção das Nações Unidas, que é o único documento internacional que trata desse tema, é de abuso de poder. Qualquer forma de abuso ou desvio de poder é uma forma de corrupção. E a forma de corrupção que atinge de maneira mais cruel a nossa democracia é aquela que atenta contra a vida, é aquela que ceifa a vida de nossos jovens, o futuro da juventude que está nas periferias, que está nas favelas. Essa é uma forma de corrupção.
A forma de impunidade mais crítica que nós vivemos na nossa democracia é a impunidade dos agentes estatais que seguem executando penas de morte, contra as disposições que esta Casa aqui deliberou, proibindo a pena de morte no texto constitucional.
A violência que nós queremos combater, que a Defensoria Pública acredita ser possível combater, é o ciclo de violência que coloca esse policial para se arriscar nas favelas, para perder a credibilidade daquela comunidade, para se tornar um inimigo daquela comunidade e ser visto como um inimigo por eles também.
É nesse sentido, Sra. Deputada, que eu gostaria de trazer as nossas contribuições, sempre muito situadas na luta dos familiares contra a violência institucional. Coloco a Defensoria Pública à total disposição desta Casa e dos Parlamentares para seguirmos colaborando com o debate.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muitíssimo obrigada, Dra. Lívia.
Eu reitero à Mesa o pedido de anotações e contribuições. Caso queiram trazê-las, estas serão enviadas para o nosso Grupo de Trabalho e estarão disponibilizadas na nossa página para pesquisadores, para estudantes, para jornalistas, a fim de que possamos realmente dar a este debate a importância que tem para nossa sociedade hoje.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Sra. Presidente, peço só um aparte.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputada.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - V.Sa. citou um dado sobre 100 policiais mortos versus 1.200...
A SRA. LÍVIA CASSERES - São 1.532.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Isso foi só em 2018?
A SRA. LÍVIA CASSERES - Isso, Deputada.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - E V.Sa. tem o número de população morta?
A SRA. LÍVIA CASSERES - Seis mil e seiscentos... Um momento, eu já respondo.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Seis mil e seiscentos, está bem.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Passo a palavra ao Dr. Maurício Stegemann Dieter para suas considerações, por 23 minutos.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Obrigado, Deputada Margarete Coelho, Coordenadora deste Grupo de Trabalho.
Eu sei que é quase meio-dia e meia. Todos devem estar cansados e com fome. Talvez seja um momento oportuno para pensar nas pessoas que passam o dia cansadas e com fome, pois constituem a maior parte da população brasileira, para a qual se destinam as normas que daqui emanam.
Eu quero saudar o Relator, Deputado Capitão Augusto, o meu colega Prof. Dr. Humberto Fabretti, a Dra. Maria Cláudia, o Cel. Elias — tive a oportunidade de conhecê-lo hoje —, e o Dr. Carlos Eduardo Pellegrini, que também não conhecia.
Saúdo a todos os demais presentes, se me permitem, na pessoa desta Defensora Pública extraordinária, a Dra. Lívia Casseres, que é sempre um ponto de referência na Defensoria Pública nacional, de uma coerência já registrada na defesa das pessoas que normalmente não têm defesa.
12:26
RF
Eu vou apresentar uma análise tão técnica quanto possível. Honestamente, não vim dar a minha opinião, porque todos têm direito a uma opinião, mas nem todos têm direito aos mesmos fatos. Vamos tentar utilizar os fatos como referência, e não tanto as nossas posições pessoais. Eu sei que, às vezes, as opiniões se misturam com a análise, mas eu acredito em técnica penal, acredito em conteúdo criminológico crítico-científico, por isso é possível ter alguma objetividade de análise, apesar de termos perspectivas às vezes radicalmente distintas do ponto de vista político-criminal.
Eu tentei fundar um mínimo consenso em relação a esse projeto, e entrego agora a última versão do parecer que entreguei ao Conselho Federal da OAB. Imagino que a OAB deva estar no horizonte deste Grupo de Trabalho, porque ela fez a maior chamada para teóricos em Direito Penal e Direito Processual Penal sobre esse projeto. O Instituto dos Advogados Brasileiros também fez um trabalho extraordinário, que está para ser publicado agora. Vai ser sumarizado, sintetizado, para ser apresentado como versão única. O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais também fez um trabalho brilhante nesse sentido.
Eu encaminhei esta parte. O meu centro de pesquisa e extensão na USP coordena ainda outro parecer, que vai ser entregue aos senhores. Como este parecer é mais ou menos exaustivo em relação a todos os pontos, tem quase 70 páginas, eu o deixo como material de consulta, que vai ser depois complementado.
Eu estou identificado como advogado, mas eu não vim falar em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, mas sim do ponto de vista acadêmico, científico, técnico-acadêmico, como Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Minha formação acadêmica é entre o Brasil e a Alemanha. Fiz meu pós-doutorado no Rio de Janeiro e tornei-me Professor da USP, já se vão 5 anos. Meu campo de estudo, portanto, são as determinações do crime, não propriamente o estudo da dogmática penal, embora eu tenha o Direito Penal como objeto de crítica. Algumas pessoas falaram sobre causas do crime, o que o provoca. Isso constitui a minha vida científica, a minha vida acadêmica.
Por isso, eu acho importante, em relação tanto ao Cel. Elias quanto ao Dr. Carlos Eduardo, apontar algumas correções importantes nos números levantados. O Cel. Elias mencionou 64 mil pessoas mortas, mas o dado correto, para 2018, é de 51 mil pessoas. Em relação a Hiroshima e Nagasaki, em um intervalo de 2 a 4 meses, foram 250 mil pessoas mortas. Portanto, é um erro grande, porque é quase 500%, o Cel. Elias. Não é o que um professor pode deixar relevar. É um erro muito grande.
E é um número assombroso de mortes. Mas, enfim, se vamos trabalhar com dados, vamos trabalhar com o dado de um declínio de mortes no último ano. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública registra isso. Há um declínio de mortes de 13%. E isso já fica como provocação aos Srs. Deputados. Se houve uma redução de mortes no Brasil, de 2017 para 2018, isso não pode ser atribuído a nenhuma mudança legislativa, porque ela não teria sentido o seu impacto nesse ponto.
Já por aí eu quero indicar que mudar a lei tem uma interface muito complexa com os índices de criminalidade registrados, ou seja, não é mudando a lei que você consegue ver isso em curto-circuito. É muito mais complexa a dinâmica dessas relações entre o número de pessoas que podem ou não ser assassinadas e as alterações que podem ser pensadas a partir desta Casa.
O segundo ponto a ser falar é sobre o encarceramento em massa. De fato, encarceramento em massa é uma categoria estadunidense, produzida pela criminologia dos Estados Unidos a partir dos anos 90. Hoje parece mais adequado falar em giro punitivo, porque não é só o encarceramento em massa e o atingimento de populações, que até então eram relativamente invulneráveis à criminalização — por exemplo, no caso das mulheres, que são especialmente atingidas pela política de drogas —, mas também existem outros fatores que acompanham esse chamado giro punitivo. E todos são perceptíveis no Brasil, a partir dos anos 90. Você tem, por exemplo, o desenvolvimento da polícia operativa, a militarização crescente da polícia ostensiva, a inflação legislativa penal.
12:30
RF
Quero lembrar aos Srs. Deputados que a Fundação Getúlio Vargas, junto com o Ministério da Justiça, tentou até 2012 contar quantos crimes ocorriam no Brasil, porque, se a questão da quantidade de crimes é a falta de lei... Nós tínhamos 1.684 crimes na legislação penal brasileira, de acordo com uma conta que ia até 2012. É claro que podemos discutir a metodologia sobre o tipo de figura, se as figuras classificadas constituíam ou não figuras típicas específicas, mas, certamente, não é por falta de lei que nós temos índices expressivos de violência, especialmente no meio urbano.
Em relação ao banco de dados, sobre o possível exagero da quantidade de presos, a metodologia do banco nacional de medidas prisionais do Conselho Nacional de Justiça não inclui quem não esteja recolhido em unidade prisional. Então, o número que eles apresentam lá em 2019 é de 719.998 presos, mais 367.000 em delegacias, um número muito difícil, aproximado, que dá um índice de superlotação carcerária de 166%, de acordo com a reserva de vagas utilizada pelo Conselho Nacional de Justiça, de 417.135 vagas, para 719.998 presos, como eu disse.
Sobre o índice prisional no Brasil, o Brasil alcança a terceira maior população carcerária do mundo. E esse dado é relativizado com frequência, dizendo-se que, se considerarmos sobre 100 mil, caímos para 26º. Mas há um erro de metodologia nessa análise. Por quê? Porque a maior parte dos países que estão entre o Brasil e outros países especialmente violentos, que têm altos índices de encarceramento, como El Salvador ou mesmo os Estados Unidos, que têm índices de liderança em encarceramento, leva em conta ilhas britânicas e ilhas estadunidenses com população, às vezes, de 15 mil pessoas ou populações menores do que 110 mil pessoas, o que no Brasil é uma cidade de médio porte.
A correção metodológica vai elevar o Brasil para posições que o aproximam dos piores cenários possíveis de violência, ou seja, de países que enfrentam violência em níveis altíssimos; ou então dos Estados Unidos, que é um pouco o paradigma de encarceramento em massa, onde surgiu a categoria que mencionei há pouco para os senhores.
E essa correlação entre encarceramento e violência, assim como a correlação entre lei e violência, não bate. Por exemplo, México, Colômbia e Venezuela, que têm índices de homicídio maiores que os do Brasil, têm menos encarcerados; já os Estados Unidos, que têm índices de homicídios muito menores do que os do Brasil, têm muito mais encarcerados. Portanto, o que eu demonstrei aqui — e se eu estiver errado, nós vamos ter que discutir os dados — é o seguinte: mudar a lei não corresponde a diminuir o crime; em regra, o aumento de leis no Brasil tem coincidido com o aumento da população prisional, ou seja, vamos concordar que o Direito Penal é parte do problema, não da solução. Quanto mais Direito Penal, mais problemas de justiça criminal nós vamos ter. Não é por falta de leis penais.
E a segunda correlação que está estabelecida é esta: o índice de encarceramento não tem uma correlação necessária com o número de atos de violência praticados. Daí porque o projeto erra muito feio ao adotar essa premissa, porque é um pressuposto que ele tem. A diferença entre pressuposto e suposto os senhores conhecem: o suposto é aquilo que está declarado, os fins declarados, os objetivos manifestos; e o pressuposto é o que aborda. Por quê? Porque tudo que o projeto, tudo o que projeto prevê é o recrudescimento do sistema processual e o aumento de penas. Essa alternativa tem 130 anos de fracasso no Brasil. E eu poderia recorrer a inúmeros exemplos históricos, especialmente à Lei dos Crimes Hediondos e às suas sucessivas reformulações, ou à reforma no Código de Processo Penal que foi operada no final da primeira década dos anos 2000, e nenhuma delas coincidiu com a diminuição da violência ou com a diminuição do encarceramento, pelo contrário.
E por último, uma correlação que também está errada é fazer-se a correlação entre o número de esclarecimentos de homicídios e o número de prisões. Isso não faz sentido. Por quê? Porque isso é uma opção política que o Brasil fez: o aumento da polícia ostensiva e a militarização da polícia ostensiva, com a diminuição da inteligência policial e da polícia investigativa. Portanto, quanto mais nós militarizamos as Polícias Militares, quanto mais nós armamos as Guardas Municipais, quanto maior a opção por patrulhamento ostensivo, menor vai ser, é óbvio, o índice de elucidação. E é por isso que as pessoas não comunicam os fatos à polícia, porque elas sabem que a polícia não tem a menor condição de poder investigar os casos de homicídio. Imaginem, então, os casos de furto de uma bolsa ou de uma carteira.
12:34
RF
Eu fiz essas referências introdutórias porque acho importante pelo menos partilharmos a mesma base de dados. E se eu estiver errado em relação a essa base de dados, por favor, corrijam-me, mas a base de dados é pública e está disposta à consulta. E são os dados oficiais — não heurísticos, não enviesados — de análise dos quais eu parto.
Em relação a um consenso possível, com análise sem adjetivação, mas a partir da sua substância, da sua descrição mais escorreita possível, o projeto apresentado, que depois foi cindido em três, chamado Projeto Anticrime — que é algo redundante, porque dificilmente alguém proporia aqui um projeto pró-crime, o que já dá um pouco do sentido de como não foi muito pensado isso. Além do termo, de como se possa vender como propaganda, eu posso dizer que, do ponto de vista técnico, não falando do ponto de vista científico-criminológico, mas do ponto de vista técnico, dogmático e penal, o projeto não é adequado aos seus propósitos.
O projeto não é adequado por quê? Porque declaradamente diz que vai combater corrupção, crime organizado e crimes praticados com violência contra a pessoa. Na verdade, o que ele faz, se analisarmos artigo por artigo? O projeto vai afetar a maior parte dos crimes, e a maior parte dos crimes não é praticada com violência ou grave ameaça. A maior parte dos crimes não têm um índice de lesividade sequer que possa coadunar com a expectativa social que as pessoas têm quando falam de crime. As pessoas falam "crime" achando que é algo grave, mas a maior parte dos crimes no Brasil não têm lesividade ou bem jurídico que sustente uma hipótese incriminatória. Alguns deles são ilícitos meramente administrativos, aos quais são cominadas penas. E é a esses artigos que a lei afeta.
Segundo, vai afetar diretamente direitos processuais. O argumento que o projeto tem contra o crime organizado, na verdade, é um argumento contra a cidadania, porque ele vai nos privar de direitos que hoje são mal articulados nos tribunais.
E, por último, ele vai facilitar a violência, vai catalisar a violência. O agora o Dr. Marcelo Semer — que é doutor, de fato —, o Prof. Dr. Marcelo Semer tem escrito sobre isso, que este parece ser um projeto "mais mortes". Por quê? Porque, no contexto no qual anuncia a relativização da legítima defesa, vai catalisar uma violência que, como disse a Dra. Lívia Casseres, constitui a tônica do projeto de política criminal na periferia do Brasil. Então, como pode ser um projeto contra a violência, se a primeira medida que ele propõe é relativizar o âmbito do exercício da violência pelo Estado, que, do ponto de vista da filosofia política clássica, detém o monopólio da violência pelo uso de armas de fogo, em particular?
Do segundo ponto, agora eu falo não de técnica, mas de criminologia.
Eu vou demonstrar isso, isso aqui não é retórica. Eu tenho análise em relação a cada um desses pontos. Já foi apresentada, mas eu vou mencionar aquilo que me foi pedido especificamente para a Comissão.
É um projeto cientificamente desinformado. Escutem, nenhum demérito, nenhuma crítica pessoal ao agora Ministro Sergio Moro, mas eu e os senhores conhecemos a trajetória do Ministro Sergio Moro. E eu sei que ele não tem formação em criminologia para poder sustentar essa proposta. Isso tanto é visível, que na justificativa — se dá para chamar de justificativa aquilo que foi apresentado — não há nenhuma, nenhuma referência teórica criminológica! Eu digo assim: é possível sustentar algumas posições que estão aqui com base em dados criminológicos que, por exemplo, a direita dos Estados Unidos produz, mas nem isso consta. Ou seja, é um vazio científico, do ponto de vista criminológico.
É claro que isso repercute no fato, como já foi mencionado antes pelo Dr. Humberto, de que não tem análise de impacto. Como é que hoje nós podemos, com uma superlotação carcerária de 166%, em condições desumanas — e vamos coincidir aqui, porque isso também é um fato, que o maior crime contra a humanidade em curso no Brasil é o sistema carcerário —, nós vamos agravar esse modelo, sem uma análise mínima de custos e impacto social e humano sobre isso? O Brasil cansou de se ser condenado internacionalmente, mas parece não se importar muito com o fato de que é reconhecido no mundo afora como um Estado que produz morticínio, que produz a morte sistemática de pessoas negras e jovens nas periferias, e também por ter um sistema carcerário que, enfim, têm os seus pés enterrados no lodo do medievo.
12:38
RF
Quero dizer em relação ao ponto de vista científico criminológico, porque o projeto não assimila o giro punitivo que eu mencionei. O que ele faz é tentar assimilar uma experiência prática bastante corporativista do exercício de um tipo de magistratura, que é a federal, e tentar incorporar tudo o que eles querem fazer a pretexto de combater crime contra pessoa, crime organizado e corrupção. Não é preciso ir nas entrelinhas, isso está escrito.
Olhem o que eu vou dizer, e lá na Universidade de São Paulo vão ter que me perdoar o que vou dizer a seguir, mas até as 10 Medidas contra a Corrupção tinham mais legitimidade do que isso! Porque pelo menos foram buscar respaldo popular. É verdade que o fizeram de maneira vulgar, mas tentaram pelo menos se inserir na tessitura mínima da manifestação popular, como se diz, no recado que as pessoas podem dizer em relação às suas pretensões punitivas. Mas aqui tivemos um projeto que foi gestado em pouquíssimo tempo e que é incapaz de apresentar os seus pressupostos teóricos, de maneira que eu tenho que supor todos esses pressupostos.
Para um teórico, para um acadêmico, para um cientista, é muito difícil fazer isso, Srs. Deputados. Por quê? Tentem fazem crítica teórica a um projeto que não apresenta os seus standards teóricos. Como é que você critica um projeto que não declara quais foram as fontes que utilizou? É como remar numa substância muito espessa. Você não consegue avançar nesse tema, porque o projeto não declara as fontes de informação que tem.
Vamos prosseguir, para poder demonstrar isso. E não quero nem dizer que o projeto é inconveniente do ponto de vista político-criminal, porque isso já foi dito. É evidente que ele é inconveniente.
Considerem, por exemplo, que existe uma reforma do Código Processual Penal em curso, há a reforma do CPP. Há a reforma do Código Penal em curso. Há um projeto de lei do Senado bastante complexo, e muito interessante, muito mais discutido e informado do que este. Refiro-me ao Projeto de Lei nº 503, de 2013, do Senado Federal, que propõe uma série de mudanças na Lei de Execução Penal, uma série de mudanças no Código Penal, uma série de mudanças nos regimes de cumprimento de pena e nas formas de progressão. E há o projeto do Ministro Alexandre de Moraes.
Portanto, a primeira coisa que eu diria a V.Exas. é a seguinte: eu vincularia a discussão do projeto Anticrime a esses outros projetos, porque é impossível discutir essas alterações que ele propõe sem falar de uma mudança integral no Código Processual Penal brasileiro. Como é que nós vamos instalar a justiça negocial em matéria processual penal, como é possível alterar a lógica processual penal do Brasil, vinculada à tradição romano-germânico ocidental, para instituir um estatuto típico do common law, como o plea bargain, para poder fazer isso como se fosse um enxerto, um transplante? O risco de esse transplante ser malsucedido é enorme. E tanto é, como é definido pelo projeto.
Vamos aos pontos específicos, primeiro em relação ao art. 23.
O art. 23 traz algo que a literatura penal... E aqui se tem que dar crédito ao Prof. Juarez Cirino dos Santos, que apresentou isso de maneira sintética, e reproduzindo o que a dogmática penal alemã já pensava desde os anos 60, que era a possibilidade de exculpação, total ou parcial, em situações de medo, susto ou perturbação. Nós vamos ter que disputar esses significantes aos quais se atribuem significados concretos, mas dá para dizer que aqui não há uma novidade teórica.
Eu sou partidário à exculpação total ou parcial do excesso doloso ou culposo praticado no exercício de legítima defesa. Por quê? Porque é muito difícil mensurar a reação no exercício, diante de uma situação justificante. A ação justificada pode compreender tanto o excesso intensivo quanto o extensivo, ou seja, tanto o uso imoderado de meios necessários quanto o uso de meios desnecessários. Mas não é preciso alterar a lei para que isso seja reconhecido — eu quero dizer isso bem claramente. Na dogmática penal, já existem situações, especialmente no campo do que chamamos de inexigibilidade de conduta adequada à norma penal, dentro das situações supralegais de exculpação, que admitem a possibilidade de atenuação ou mesmo exclusão da pena em casos dramáticos, de defesa da própria vida. Não são os casos, vale dizer, em que atua a autoridade policial via de regra. Mas em casos bastante emblemáticos, acumulados pela jurisprudência alemã, os senhores verão que existem casos de vida ou morte em que existe um excesso que é plenamente escusável, apesar de não tornar a ação antijurídica justificada.
12:42
RF
Agora, o uso da palavra "surpresa" é horrível. Vamos pensar em alguém que tenha uma ideologia muito conservadora, que se surpreende com muita facilidade com a conduta dos outros. A possibilidade de se colocar surpresa como algo que exculpe, não é só uma atecnia, é um erro. Do ponto de vista da violenta emoção, até se dá a ideia de que se exige uma emoção tal, que possa subtrair a quantidade de pena aplicada. Mas estados de depressão, por exemplo, não podem ser descritos como violentos. E também já há no Código Penal formas, por exemplo, no infanticídio, em que há uma redução da pena, que vem determinada pelo chamado período do puerpério. Portanto, não está bem escrito isso, e é desnecessário, a ponto de se saber se vale a pena entrarmos na discussão da legítima defesa nesses termos, por algo que pode ser já realizado pelos juízes, com conhecimento técnico superior, e que não precisaria de uma alteração legal com esse nível de imprecisão.
Mas o pior é que essa hipótese de excesso não está definida só para a legítima defesa, também está definida para todas as causas de justificação. E parece que se esqueceu de que isso inclui o estrito cumprimento do dever legal, o exercício regular do direito e o consentimento do titular do bem jurídico, como uma causa supralegal de justificação.
Em relação ao estrito cumprimento do dever legal, isso não faz o menor sentido, e eu vou dizer por quê: porque as pessoas que estão no estrito cumprimento do dever legal não podem praticar excesso. Se elas praticarem excesso, vão cair nas hipóteses de exculpação: ou de obediência hierárquica, ou de erro de permissão, ou de inexigibilidade de conduta adequada na norma penal em situação de conflito de deveres. Já existem, em toda a dogmática penal alemã, no moderno conceito analítico de fato punível, os elementos necessários para poder reconhecer no estrito cumprimento do dever legal formas de exculpação que não estão vinculadas à previsão de excesso.
Mas o pior caso é no chamado exercício regular do direito. Percebam que, para o exercício regular do direito ser regular, ele é regulamentado pela lei, portanto o excesso tira a regularidade e caracteriza abuso, e esse abuso é que tem que ser punido, porque ele é objeto próprio de punição para agentes públicos. Então, o exercício regular do direito, que pressupõe uma regularidade no seu exercício, regulamentado por lei, não pode se escusar no excesso, que é propriamente o que caracteriza o início da atipicidade, porque daí eu não poderia incriminar o abuso de autoridade, porque ele sempre poderia configurar excesso de um crime anterior. Ele é precisamente voltado às ações, para o magistratu, e na parte que é pior, nos casos do direito de castigo dos pais sobre os filhos. Os Srs. Congressistas realmente vão legitimar o excesso no direito de castigo? Se é que esse direito de castigo, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 18-A, por causa da Lei da Palmada, foi bem apurado, burilado, foi definido com precisão. É isso que o Congresso vai dizer, que é escusável o excesso na punição dos pais contra os filhos? Mas de que excessos nós estamos falando, se o exercício regular do direito de castigo já está previsto na legislação penal, voltada para crianças e adolescentes? Olhem, isso é mexer num vespeiro! Não é recomendável, não vale a pena. O ganho é muito pequeno para uma alteração muito profunda, que vai trazer marcas em todo o sistema jurídico brasileiro.
Para encerrar este ponto do art. 23, eu diria que seria de se pensar, já que existe no Código Penal Militar, por exemplo, o estado de necessidade exculpante. Tudo bem, porque ele é reconhecido. Foi um erro o Brasil manter o estado de necessidade apenas como justificante. Existem estados de necessidade em que o sujeito é obrigado a violar um bem jurídico superior para proteger um bem jurídico inferior. Nesses casos, não se admite justificação, mas, em certas hipóteses dramáticas, que foram trabalhadas desde o início do século XX na Alemanha, existem vários casos em que é razoável haver hipóteses de estado de necessidade exculpante, o que o próprio Código Penal Militar reconhece lá no art. 39. Acho que aqui, então, valeria isso. Mas não é o que o projeto propõe.
12:46
RF
A minha proposta, portanto, seria a de redação diferente. Em vez de se mexer na legítima defesa, vai-se somente ao estado de necessidade e coloca-se a hipótese de necessidade exculpante. Assim, resolvem-se todos os problemas e não se criam novos, como eu demonstrei aqui.
Vamos para a pior parte, que é a modificação no art. 25, parágrafo único.
Art. 25...........................................................
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
(...)
O erro começa aqui, porque o que vem depois viola o caput! Como se vão observar os requisitos do caput, se o que vem é contraditório? Diz o inciso I:
I - o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; (...)
O Dr. Carlos mencionou o meu colega Luís Greco, que agora é Professor Catedrático da Universidade de Berlim e tem uma trajetória acadêmica brilhante. Nós temos várias discordâncias do ponto de vista teórico, mas nos respeitamos muito, academicamente. O Prof. Luís Greco foi o primeiro a dizer que esse conceito está errado. Vejam, temos esse jovem professor, brilhante, da Universidade de Berlim, que escreveu um artigo para dizer que "conflito armado" é um conceito específico, já delimitado no Artigo 1, item 2, do II Protocolo Adicional à Convenção de Genebra, sobre conflitos armados, e que não se aplica à violência urbana em qualquer caso, fora as hipóteses de guerra. Então, só seria possível falar de conflito armado se o Brasil declarasse guerra contra a própria população, o que a Dra. Olívia falou. É exatamente isso que acontece.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - É evidente que ele mora na Alemanha e tem por objeto a análise do Brasil. O problema é que o Brasil quer imitar a legislação estadunidense e a legislação alemã, mas o conhecimento técnico é muito baixo para poder fazer esse tipo de comparação.
Fora o Direito Penal, o que eu posso dizer é que a coisa mais atingida hoje aqui é o Direito comparado, porque você não pode comparar sistemas jurídicos distintos como se eles fossem pontos de ligação sem as mediações necessárias. Eu adoraria ter um sistema de commom law com garantias, contanto que eu pudesse ter também o sistema de justiça penal estadunidense, para eu poder me garantir (ininteligível) disso.
Eu já concluo, Sr. Relator.
O problema desse art. 25 é o seguinte: ele cria um tal... Vejam, legítima defesa é um conceito sólido, cristalino. A situação justificante é agressão injusta, atual ou iminente a direito próprio ou alheio, certo? A hipótese de refém que ele prevê aqui, já está prevista nesse conceito. Há uma agressão injusta a direito alheio. O sujeito está sob mira de um fuzil, de uma arma, ele é refém. Então, já está incluído, é desnecessário.
Mas o segundo ponto é o risco iminente de agressão injusta. Vejam, a iminência da agressão é definida pela dogmática penal como agressão iminente. O que é uma agressão iminente? É o último ato antes do início da execução, é o último ato preparatório. Então, se eu aponto uma arma para alguém municiada, aí eu estou autorizado a usar a legítima defesa, porque há uma agressão iminente. Ninguém tem dúvida em relação a isso! Olhem que quem está falando aqui é o Professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo: se o sujeito está armado e aponta essa arma para você, o policial tem o dever de me proteger e atirar no sujeito, certo? Agora, se o sujeito está simplesmente portando a arma, ele está em flagrante de outro crime, que é o porte de arma provavelmente de origem ilícita.
O que eu quero dizer aos senhores é isto: o que se cria aqui é uma espécie, como disse a Dra. Lívia com precisão, de legítima defesa preventiva. Mas, escutem, qual é o uso disso? E qual é o contexto no qual isso se apresenta? É, evidentemente, para facilitar já o homicídio produzido pela polícia, como é feito.
Eu não quero culpabilizar a polícia nesse sentido, como disse o Dr. Humberto. Eles são os trabalhadores com os quais eu me preocupo. Se eles têm índices de suicídio alarmantes, se eles têm índice de morte fora de serviço porque não têm salário para poderem se manter, não é o projeto Moro que vai corrigir nenhuma dessas distorções. Nesse caso, eu teria que propor a completa exclusão dessa redação.
E para não dizerem que eu não mencionei isto, só porque está aqui e foi pedido, vou levar 1 minuto para contar esta história. É sobre a imposição do regime inicial fechado sobre conduta habitual, reincidente ou criminosa. A minha tese de doutorado é sobre isso. Deixe-me dizer para os senhores: não existe esse critério, não é possível mensurá-lo. Nem mesmo pela política criminal atuarial aplicada nos Estados Unidos desde os anos 90, você não consegue definir o risco objetivo de reincidência senão para naturalizar os índices de criminalização. Portanto, é um conceito não só ruim: ele não existe. Você não pode usar a categoria criminoso habitual, porque isso vai, é claro, produzir aquele jusprudencialismo rasteiro, que vai ter que se rever até chegar a uma conclusão definitiva.
Mas o pior disso é a mentira que vem no projeto, que diz que o regime será fechado para o criminoso reincidente, habitual ou profissional, exceto se favoráveis todas as condições do art. 59. Pois escutem: as condições do art. 59 incluem antecedentes, conduta social e personalidade. Como é que o sujeito vai ser um criminoso reincidente, habitual e profissional e vai ter bons antecedentes, boa conduta social e boa personalidade? São requisitos contraditórios, que não cabem no mesmo artigo. Isso não faz o menor sentido. Ele vai utilizar depois esse mesmo vocabulário, que é típico do direito penal de autor. E o Dr. Carlos mencionou a dogmática penal nazista. Saiu um livro do Zaffaroni sobre isso, mas poderiam se informar no livro do Prof. Francisco Muñoz Conde sobre o Direito Penal nazista. A primeira coisa que se faz em um sistema autoritário é criar o direito penal de autor, em que a pessoa é punida não pelo que ela fez, agora ou no passado, mas pelo que ela é. Se dissermos que os critérios de punição são diferentes porque a pessoa é considerada habitual, profissional ou reincidente, fora dos critérios legais permitidos, de 5 anos da prática do último crime, vamos estar reproduzindo o pior da pior criminologia positivista etiológica individual.
12:50
RF
Agora, para encerrar, eu prometo, quero dizer que, quanto às causas da prescrição, os senhores terão que chamar uma comissão especial para isso, porque a principal causa de absolvição no Brasil hoje ainda é a prescrição — e olhem que ela está sendo restringida cada vez mais. Se mexerem na prescrição, como está previsto aqui, primeiro, vai se inventar uma prescrição que não existe, que é uma prescrição entre a pretensão da execução da pena e a pretensão punitiva, é uma pretensão da pretensão de execução. E ele não avaliou isso, porque ele não repercute todos os lugares em que isso vai produzir efeitos colaterais. Então, é um problema gravíssimo, e a prescrição seria interrompida por imposição de embargos infringentes. O que faltou dizer é que os juízes e ministros aceitam os embargos declaratórios com efeitos infringentes, e, se eles aceitam, eles estão no exercício da atividade típica deles. Dizer que a lei tem que controlar isso para não interpor... Peguem todos os exemplos das pessoas que, como o sujeito cita, já tiveram embargos, embargos, embargos. Então, vejam que foram os ministros que aceitaram isso, porque todos aceitaram, em diversos casos, muitos deles pertinentes, e alguns mudaram os votos em função disso, o que mostrava um erro. Lembro que a prescrição é fundamental para a duração razoável do processo. Falam em eficiência, querem que o processo dure pouco? Escutem: sem prescrição, não há duração razoável do processo, porque eu posso processar durante 40 anos, e nunca prescreve. Se eu quero um sistema que funcione, tem que haver duração razoável do processo. Para haver duração razoável do processo, tem que haver um limite para o exercício da competência punitiva.
Para finalizar, há uma pena absurda que está definida no art. 329 do Código Penal, § 2º, que diz que, "se da resistência resulta morte ou risco de morte" — escutem, risco de morte —, a pena máxima é de 30 anos. Os senhores sabem que a pena máxima de 30 anos está prevista para o genocídio, extermínio de uma população inteira. Se nós fôssemos punir Hitler hoje no Brasil, ele estaria sujeito à pena de genocídio, certo? A pena máxima dele é a mesma pena que o Ministro Sergio Moro propõe aqui para punir um sujeito que coloca em risco um agente policial, digamos, furando uma blitz. Que parâmetro é esse? Que critério de proporcionalidade é esse? Isso é um absurdo, é completamente inaceitável.
Essas eram as considerações que eu tinha a fazer. Obrigado a todos pela atenção. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço ao Dr. Maurício a fala eloquente.
Passaremos agora ao nosso debate com os Parlamentares inscritos. Vou observar a ordem de inscrição, iniciando com o Deputado Tenente Gonzaga, ou melhor, Subtenente Gonzaga, pelo prazo de 5 minutos.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Foi promovido?
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu hoje estou muito generosa aqui, é o princípio fofo.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - É igual ao Diário Oficial, Subtenente Gonzaga, Deputado querido. O Diário Oficial converte pessoas em doutores da noite para o dia. É curiosíssimo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - É porque ele quer subir de posto.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Não. Subtenente está bom, está excelente.
Bom dia a todas e a todos. Sra. Presidente, parabéns pela condução. Quero cumprimentar o Sr. Relator, Deputado Capitão Augusto, e todos os expositores. Vou tentar apresentar algumas preocupações, dividi-las com os colegas de bancada.
12:54
RF
Todo mundo sabe que eu sou Policial Militar. Esse projeto, essa proposta, começa com uma marca extremamente ruim para nós, porque se vendeu — e não fomos nós que vendemos, foi a mídia, foram outros que venderam — que esse é um pacote de licença para matar. E o agente que, de fato, está na rua, em nome do Estado, todos os dias, ininterruptamente, é o Policial Militar. Então, o projeto não atinge, do ponto de vista de categoria, nenhuma outra. Não atinge a Polícia Federal, não atinge a Polícia Civil; atinge a Polícia Militar. Esta é a nossa primeira audiência pública. Então, eu acho que nós precisamos começar a desconstruir, inclusive, algumas premissas, que podem ser verdadeiras para alguns espaços, mas que não são verdadeiras para a organização como um todo, para o desafio diário e para a atuação diária dos Policiais Militares e da polícia como um todo.
Quero dizer aqui, em respeito à Dra. Lívia, aos nossos amigos Gurgel e Freixo, que são do Rio de Janeiro, que fazem uma leitura extremamente importante, cada um a seu modo, do seu espaço, da realidade do Rio de Janeiro, mas que o Rio de Janeiro não pode ser a referência, a régua, para nós discutirmos a violência e a criminalidade, no que se refere às suas causas, suas consequências, seu modus operandi e à sua solução, quando nós estamos pensando em uma política nacional de segurança pública. Infelizmente, toda vez que nós pautamos, buscamos a realidade do Rio de Janeiro — e há uma predominância, até porque a Globo existiu antes de todas as outras, e, então, o Rio de Janeiro é a referência na comunicação, é o que é mais visível —, nós erramos. Portanto, nós precisamos fugir disso e nos permitir analisar o Rio de Janeiro com a sua realidade, buscar a solução, mas também ter a coragem de dizer que ela não pode ser parâmetro para todo este debate aqui.
Nós não queremos um Estado policial, mas também não pode ser antipolicial. A polícia tem um papel no mundo inteiro, e que é só dela, não é de mais ninguém. Nós não podemos pensar que, pelo índice que nós temos de penalidade, de violência, de letalidade policial, de vitimização policial, a polícia vai deixar de existir ou perder sua importância. Então, nós temos que ter todo o cuidado nessa nossa avaliação para nós não admitirmos um Estado policial em toda sua dimensão, mas também não negarmos o papel e o que está sobrando nesse latifúndio para a polícia.
Eu estou tentando ficar restrito ao tema desta audiência, mas há, por exemplo, várias manifestações sobre a existência ou a inexistência do conceito de reiteração, de repetição. De fato, não existe. Mas o conceito da reincidência e a forma como ela é admitida — está, inclusive, na discussão da execução em segunda instância — não atende mais a premissa da prevenção e da repressão. Nós não podemos confundir política preventiva que passa pela educação, por distribuição de renda, por valores familiares, enfim, uma série de ações do Estado e da sociedade que são preventivas, com essa repressiva, que é da polícia. A ação preventiva da polícia não é a preventiva da educação. A ação da polícia no Estado tem que ter esse contorno, que é de enfrentamento à criminalidade. Não há mais ninguém para fazer isso, só a polícia. Nesse sentido, o conceito de reincidência é insuficiente para esse enfrentamento que o Estado tem que fazer. Então, nós precisamos, sim — se o texto não estiver correto, se não atende —, encontrar o caminho para positivar o conceito da repetição, da reiteração. Agora, nós estamos diante de um grande desafio. Aqui nós pensamos de forma diferente. Eu, por exemplo, apresentei um projeto de lei para alterar a redação do art. 312 do Código Processo Penal, que traz o conceito de ordem pública, lá colocando a repetição, conceituada como repetição de ações violentas, etc.
12:58
RF
O Deputado Paulo Teixeira não está aqui, e eu gostaria de falar na presença dele. Mas, por exemplo, o Deputado Paulo Teixeira, como Relator setorial do projeto do Código de Processo Penal — pelo menos a parte do relatório dele —, quer inclusive retirar a ordem pública como motivação para decretação da prisão preventiva. Então, realmente, precisamos fazer esse enfrentamento.
O tempo já acabou, mas eu queria trazer um dado interessante, se eu não estiver errado. Aqui em Brasília foi feita esta estatística: apenas 3% das prisões que a Polícia Militar fez e levou à Polícia Civil não foram ratificadas. Então, há um índice considerável de ações corretas, concretas, legais.
E, sob a elucidação de crimes, como colocado aqui, o problema não é ser militar ou não; o problema é que o Brasil adota um modelo em que só a Polícia Civil e a Polícia Federal podem investigar. E mais ainda: na Polícia Civil e na Polícia Federal somente os delegados conduzem a investigação.
Então, esse não é o maior enfrentamento que vamos fazer nesta Comissão, mas dialoga com essa temática sobre a qual vamos debater, no sentido de que esse projeto não vai resolver nada quanto à elucidação de crimes no Brasil — e não vai resolver porque o problema não é penal ou processual penal, mas de organização das polícias. Em qualquer lugar do mundo, à exceção de Cabo Verde, Guiné Bissau e Brasil, temos outro modelo.
E ainda há algo contraditório: não sei a posição pessoal do nobre delegado, mas sei que a categoria a que ele pertence é radicalmente contra, inclusive, fazermos esse enfrentamento.
Não há solução fácil, mas eu queria centralizar essa questão de que precisamos, sim, positivar a reiteração e a repetição, para darmos condições de ação para aqueles que já cometeram. Nem é para aqueles que vão cometer esses atos, mas para aqueles que reiteram e repetem práticas criminosas violentas.
A Polícia Militar não fabrica ficha criminal. Ainda que possamos admitir alguns erros ou até desvios, a Polícia não fabrica essa ficha criminal. E não podemos negar que há pessoas com cinco ou dez homicídios, ou com 50 passagens por tráfico, e ainda estão na rua.
Enfim, isso precisa ser positivado. Essa é a nossa compreensão, porque a reincidência, como está, é insuficiente para a prevenção, que é obrigação da Polícia.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Deputado.
Eu entendi que V.Exa. dirigiu o comentário a todos os palestrantes. Então, vou propor o seguinte: primeiro, estamos com uma questão de estrutura, alguns dos nossos convidados estão na plateia, outros estão na mesa. Vou fazer uma proposta tal qual fazem os indígenas: façamos de conta que estamos em uma mesa redonda e prosseguiremos dessa forma. Acho desnecessário transferir todos para a mesa, já que todos têm microfone e podem responder de onde estão. Isso geraria pouco mais de desconforto aos nossos convidados, além de tê-los prendido aqui a manhã inteira só com água e cafezinho.
Vou passar a palavra, então, ao Deputado Fábio Trad, fazendo uma proposta da seguinte forma: se V.Exa. dirigir uma pergunta diretamente a um convidado, V.Exa. já anuncie isso no início; se não, se a intervenção for no mesmo estilo da feita pelo Deputado Subtenente Gonzaga, ou seja, dirigida a todos, peço que deixemos as respostas de todos para as considerações finais e que cada um contemple as inquietações dos membros da Comissão individualmente. Tenho aqui, também, inscrições de não membros da nossa Comissão, do nosso Grupo de Trabalho. Eu gostaria de dizer que, pelo Regimento, aqueles não membros são ouvidos ao final. Então, eu pediria a compreensão de todos, já esclarecendo.
13:02
RF
Dessa forma, passo a palavra ao Deputado Fábio Trad, para considerações e perguntas, por 5 minutos.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Muito obrigado, Presidente.
Parabéns pela condução dos trabalhos. Ressalto aqui a qualidade intelectual de todos os nossos convidados, que estão contribuindo decisivamente para o aperfeiçoamento dos projetos.
Eu farei alguns questionamentos que são mais ganchos para reflexão. Eu me dirijo à Maria Cláudia, ao Coronel Elias, ao Humberto Fabretti, ao Carlos Eduardo Pellegrini, à Lívia e ao Maurício Dieter, ou seja, a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Mas será uma pergunta individual para cada um ou será a mesma pergunta para todos?
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sim. São questionamentos para que eles possam amadurecer reflexões conosco.
Primeiro, pergunto para a nossa querida Maria Cláudia: na sua avaliação, a obrigatoriedade da imposição do regime inicial fechado viola o princípio da individualização da pena? Número dois, ainda para a Maria Cláudia, sobre a política de encarceramento: como conciliar a vocação encarceradora desses projetos com a pendência de, mais ou menos — e essa é a estimativa —, 800 mil mandados de prisão não cumpridos no Brasil? Esses dois questionamentos são para a Maria Cláudia.
Agora, indago ao Coronel Elias. O Coronel Elias disse: "O que refreia a criminalidade é a certeza da punição". Ora, se é a certeza da punição, não seria mais eficiente otimizarmos, melhorarmos e investirmos nas polícias do que simplesmente aumentarmos as penas? Mais uma para o Coronel Elias, para reflexão.
Não vale ajudar. Você o está ajudando, e ele não precisa de ajuda.
Sobre a prescrição que está sendo modificada nos projetos, indago: Coronel Elias, o senhor não avalia que a restrição à incidência da prescrição provocaria maior lentidão na persecução penal por parte do Estado? E digo isso porque a prescrição é uma garantia, é um direito e, também, de certa forma, é um dever do Estado, para que ele não seja moroso na investigação e na persecução penal. Então, o senhor não acha que isso provocaria maior morosidade?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - "Morosidade" sem trocadilho, é verdade. Foi aqui culposa a...
Para o Humberto Fabretti, uma pergunta: mesmo se a Casa conseguir corrigir todas as imprecisões terminológicas — todas —, na sua avaliação, o projeto, pela filosofia que abraça, mesmo assim seria ineficiente e contraproducente na questão da criminalidade, relacionado à criminalidade?
13:06
RF
Para o delegado da Polícia Federal Carlos Eduardo Pellegrini, o problema não é o encarceramento em massa, ele disse, mas a ineficiência do sistema penitenciário, a pergunta é: o senhor acha que o projeto tem compromisso em combater a ineficiência do sistema penitenciário? Caso contrário, não seria o caso de o projeto ser modificado na Casa para ter um olhar mais atento a esta questão?
Agora, em relação à nossa querida Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Lívia: o excesso exculpante na legítima defesa, por aquela concepção tripartite de crime, fato típico, antijurídico e culpável, não excluiria a culpabilidade, logo não haveria crime? De maneira que, se o projeto não prevê a exclusão do crime, mas a redução da pena, o perdão judicial também perfeitamente, não haveria, então, na sua avaliação, a desnecessidade de disciplinar essa questão, se a própria dogmática penal já prevê o excesso exculpante na previsão da inexigibilidade de conduta diversa?
Agora, para o Maurício Dieter, o advogado, se o professor fosse instado a dar uma nota de 0 a 10 ao projeto, na perspectiva da dogmática penal, qual nota o senhor daria?
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Estou morrendo de inveja do caderno do Deputado Fábio Trad e enciumada também, porque na sala de aula o meu caderno sempre foi o mais almejado, o meu caderno sempre era aquele que ficava disponível para os colegas tirarem cópia, porque eu anotava tudo, mas o seu, sinceramente, é da turma do fundão, não é?
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Não gostaria que o advogado Maurício, que eu admiro muito pelos seus textos, interpretasse como se eu estivesse o instando a fazer um comentário arbitrário, não. Peço a ele que dê a nota e justifique sucintamente o porquê, só isso.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu tremi, quando fala em nota, eu já entro em pânico.
Gostaria, então, de passar a palavra, agradecendo ao Deputado Fábio Trad, à Deputada Carla Zambelli, para as suas considerações.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Boa tarde a todos.
Nós ouvimos hoje aqui que o projeto vindo do Ministério da Justiça é atécnico, assistemático, é uma tragédia para o Brasil, que ele deve ser jogado fora, que ele vai transformar o nosso País em exterminador de uma população desfavorável, que ele não vai combater absolutamente nada, que é mais do mesmo, que nós vamos agravar o problema do Brasil, entre outras coisas.
13:10
RF
Lembra-me um pouco de uma audiência que eu tive aqui na Câmara, quando eu ainda era ativista, em outubro de 2016, na qual eu tive a felicidade de estar aí na mesa representando os movimentos de rua e a dividindo com o Dr. Maurício. Ele dizia que não existia nada nas 10 Medidas que ajudasse a combater a corrupção, dizia que era uma reforma radical para atender a alguns interesses privados, que era um retrocesso no Código de Processo Penal, que feria a liberdade da população e dos políticos e que os procuradores tinham usado de muita criatividade ao criar instrumentos arbitrários.
Além de tudo, ele ofereceu a USP para poder criar algo no sentido de ajudar as 10 Medidas a não ser a porcaria que ele tinha dito que era.
É engraçado como as coisas mudam. Naquela época, não havia tantos policiais, não havia tantos militares, não havia tantas pessoas que defendessem a Justiça como há hoje aqui na Câmara. Pessoas como o Deputado Capitão Augusto foram reeleitas, eu estou aqui, o Deputado Kim Kataguiri está aqui, tantos coronéis, generais...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - O Deputado Marcelo Freixo, que ataca as milícias, prende quem tem que ser preso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Ficou com ciúme? Infelizmente, estou dividindo a Câmara com você. Mas, naquele dia, tivemos um debate também porque eu o chamei de bolivariano, e o senhor ficou chateadinho. E eu reafirmo hoje que eu continuo achando o senhor bolivariano.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Defina o que é ser bolivariano.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Defino depois para não perder meu tempo aqui.
Ouvi que o policial é inimigo da comunidade e eu fico pensando que, se o debate aqui for ideológico, e a grande maioria das pessoas usaram muito de ideologia transformada em argumentos de autoridade, em autoridade na argumentação, eu gostaria que talvez você explicasse um pouquinho mais o que é autoridade na argumentação, porque eu acho que algumas pessoas aqui não entendem.
Também ouvi todos os advogados, os defensores, um está aqui como advogado, diz que é professor; outro está como professor, mas diz que é advogado, então, há quatro advogados, um policial que faz a investigação, um coronel, e não há nenhum procurador, nenhum juiz, nenhum policial militar ostensivo, ou seja, ouvimos aqui nesta reunião só as pessoas que ficam ao lado e tem a função de defender os criminosos. Onde fica a população nisso?
E aí vocês me desculpem, mas eu estou usando o meu tempo para tentar defender a população, porque ela, vendo o que está acontecendo aqui hoje, deve estar se sentindo completamente discriminada, completamente enfurecida por ver que, por mais que nos colocaram aqui, por mais que elegeram um Presidente, como foi dito aqui, que segue uma questão de segurança pública, a Câmara, a Casa do Povo, continua não levando em consideração o que o povo quer. Por que será que a nossa Casa está cheia de militares, policiais, pessoas do movimento contra a corrupção? Porque o povo não aguenta mais. E quando me dizem que esse projeto do Sergio Moro é uma tragédia, eu digo que tragédia é o que estou vivendo eu aqui. Estou pensando no que eu vou tomar para poder melhorar isso aqui.
Utilizaram muitos conceitos polissêmicos. A defensora falou sobre o que é ser mãe e perder pessoas da família. Eu sou mãe também. Meu filho está sendo ameaçado por uma quadrilha do crime organizado de pedofilia, e o Governador de São Paulo negou proteção policial para o meu filho. Eu sei o que é ser mãe e o medo de perder um filho.
13:14
RF
E já que estamos falando em ideologia, a China, que muitos aqui dizem que defende a Venezuela, a China, que, quando eu a visitei, fui tida como traidora da Pátria, a China tem pena de morte para portadores de pequenas quantidades de droga — pena de morte. Corrupção, pena de morte. Não morre ninguém assassinado na China, não há tráfico de drogas, ninguém lá usa droga. Por quê? Porque lá a punição é a pena de morte. Eu concordo com a pena de morte? Não, defensora. Eu não concordo com a pena de morte, mas eu também não concordo que os números que a senhora avaliou, no caso de 1.500 para 92, ou quase 1.600 para 92, sejam reais. Eu acho que temos que somar esses 92 com os 6 mil e 600. Então serão 6 mil e 700 pessoas mortas por criminosos. Essas pessoas de bem, mães, pais, trabalhadores versus quase 1.600. Eu tenho certeza de uma coisa: esses 1.600 não roubam nem matam mais ninguém. Eu defendo a morte deles? Não, não defendo. Fico extremamente infeliz com isso, mas eu acho que o partido que mais defendia os negros, os favelados, os de comunidade não fez absolutamente nada para que esse quadro mudasse nos 13 anos em que ficou no poder, e é isso que está magoando o povo brasileiro, está revoltando o povo brasileiro. Tiveram a oportunidade de colocar as cotas, de colocar uma série de coisas para mudar toda essa geração, para haver uma educação melhor que desse uma possibilidade, uma oportunidade de trabalho para melhorar a vida. Então é isso o que eu não consigo entender.
Desculpa, mas eu não podia deixar de comentar. É até uma brincadeira, eu não quero ofendê-la, mas, enquanto uma pessoa está defendendo a comunidade, os negros, os favelados, até comparando a morte deles com a dos policiais, sem levar em conta a população morta também, ela está usando um iPhone da Apple, enquanto o policial federal coxinha está usando o Dell. "Ah, ela é discriminadora." Não. Vocês também discriminam. Vocês discriminam o tempo todo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Deputada, conclua, por gentileza.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Concluo, dizendo o seguinte: não precisamos dessa polarização, não precisamos dessa discriminação, não precisamos brigar. Só precisamos agir de forma a realmente combater a corrupção, o tráfico e o crime organizado. Chega!
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputada.
O próximo orador a fazer as suas considerações é o Deputado Marcelo Freixo, que dispõe de até 5 minutos.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Sra. Presidenta, parabéns pela audiência. Acho que foi um sucesso, e a diversidade de opinião é a democracia que desejamos e queremos.
Todos os membros do grupo puderam indicar pessoas, e a composição da Mesa é fruto da multiplicidade, da convivência com a diferença, que é tão importante para a democracia. Por isso, tivemos uma exposição tão rica.
Não vou entrar em polêmica. Quero ser objetivo. Esse projeto está longe de ser um projeto de segurança pública. Ele é um projeto sobre a questão penal e com inúmeros pontos polêmicos. Isso está dito aqui e está dito no conjunto da sociedade. Não é bom para um projeto não passar pelo crivo de um bom debate, seja qual for o projeto, seja qual for o autor. Não há cabimento. E este Grupo de Trabalho não é só sobre o projeto do Moro. É bom lembrar isso! Temos o projeto do Alexandre de Moraes e uma série de questões que passam por outros projetos sobre o qual nós deste grupo também nos debruçamos. É bom lembrarmos que vai além, se não podem achar que é uma perseguição. Tem gente que acha isso, mas não é. A origem desse trabalho neste grupo é outra.
13:18
RF
Eu quero ser objetivo. Quando se fala em punição exemplar, eu acho que não tem punição exemplar maior do que a morte. Alguém discorda disso? Matar alguém, não tem segunda chance. E aí a Polícia do Rio de Janeiro... Eu quero dizer que eu concordo — ouviu, Deputado Subtenente Gonzaga? — com o meu tenente preferido. Eu também acho que o Rio de Janeiro não pode ser parâmetro, mas também não pode ser esquecido. V.Exa. tem toda a razão.
Em 2006, nós tivemos 290 autos de resistência, pessoas mortas pela Polícia. Eu não vou entrar no questionamento se foi ou não auto de resistência. Há inúmeros textos sobre isso, levantamentos, uma fragilidade da Corregedoria. O Deputado Capitão Augusto concorda comigo.
Em 2016, esse número cresceu para 538, um aumento de 85%. Em 2018, foi para 1.532. Nós saímos de 2006, com 290 autos de resistência, para 2018, com 1.532. Aumentou muito a nossa capacidade de punir, matando. Não estou entrando em polêmica quanto ao perfil, se foi execução sumária, se não foi, que é um debate fundamental. Mas não estou entrando nisso. Nós matamos muito mais. Isso reduziu a criminalidade em quê, no Rio de Janeiro? Qual foi a eficácia dessa punição exemplar, inconteste? Nenhuma.
Peguem o crescimento da população carcerária. Eu queria dedicar minhas duas perguntas em cima disso. E aí o número é assustador. Eu sou da periferia de Niterói, de um bairro chamado Fonseca. Em Niterói, 44% dos homicídios da cidade foram cometidos pela Polícia, em boa parte, no lugar onde eu nasci e fui criado até os 40 anos. Eu não falo de algo distante não — ouviu, Delegado? —, mas de algo muito próximo e que eu conheço bem. É grave!
Quero fazer uma pergunta às mulheres da Mesa. O excludente de ilicitude não está falando só dos agentes públicos de segurança, está falando de qualquer cidadão. Que relação isso pode ter com o caso de feminicídio? Uma pergunta concreta, porque não está se falando apenas dos agentes públicos de segurança, mas pode ser qualquer cidadão, a alegação de escusável é o medo.
Uma pergunta para todos. Diante do crescimento brutal da violência policial — violência policial que atinge policiais, é óbvio, mesmo tendo um número reduzido, para 92, é muito grave ter 90 policiais mortos no Rio de Janeiro, ninguém está dizendo que não é grave —, não deveríamos ter um projeto de lei que reduzisse essa violência? O excludente de ilicitude indica a possibilidade do aumento dessa violência que já vem aumentando brutalmente. Olhem os números! Não há questionamento, sair dos 290 para 1.532 só no Rio de Janeiro. Aumentou no Brasil inteiro. Isso trouxe o quê? Mais morte de policiais e o aumento da criminalidade. Não deveria ter. Que proposta vocês trazem para inibirmos a violência policial, e não o contrário? E sobre o feminicídio? Quanto à população carcerária, nós teremos outras mesas para aprofundarmos o assunto. Eu não vou nem tocar no assunto da milícia, que, diante do artigo recente do José Padilha, é um assunto muito delicado para esta semana. Eu vou deixar passar para, na próxima Mesa, voltar a esse assunto.
13:22
RF
Sobre a questão carcerária, apenas 4% dos detentos, nas saídas temporárias, não regressam, segundo dados oficiais. Por que a medida trata a saída temporária como uma grande ameaça se os dados reais, concretos, indicam o contrário? Como é que vocês olham para isso e que o propõem diante do que traz o projeto? Teria uma quantidade enorme de perguntas, mas eu quero respeitar o tempo e dizer que vim para ouvir e faço perguntas objetivas.
Obrigado a todas e todos.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado Marcelo Freixo.
Eu seria a próxima, mas, como já fui contemplada com algumas perguntas, vou deixar a minha participação para o final. Se eu for contemplada, eu prefiro ouvir os nossos expositores.
O próximo a fazer as indagações é o Deputado Capitão Augusto.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Obrigado, Sra. Presidente Margarete Coelho. Nada contra o Deputado Marcelo Freixo, mas algo me diz que eu prefiro Presidente. Presidenta não traz boas lembranças. Nada contra os Deputados Paulo Teixeira e Orlando Silva.
Presidente Margarete Coelho, primeiro quero parabenizá-la pelos trabalhos. Esse tipo de audiência é óbvio que acresce demais aos nossos trabalhos, enriquece-os. Inevitavelmente haveria um contexto ideológico. Acho que ninguém esperava que fosse um debate jurídico, apenas com questões jurídicas. A questão da ideologia é inevitável.
Eu gostaria muito de poder expressar a minha opinião pessoal, mas, como Relator, vou obviamente me abster disso. Fica uma sugestão para as próximas reuniões. Neste debate, ficou claro que quatro ideologicamente eram contrários e dois, favoráveis. Sugiro que, nas próximas audiências, assim como já ocorre nas Comissões, fale um favorável e um contra, para que haja um equilíbrio, em vez de ficar quatro a dois, como foi aqui no caso, quatro manifesta e ideologicamente contrários e dois favoráveis.
Mas foi muito enriquecedor. Eu só queria pedir a dois palestrantes para, se puderem, encaminhar as sugestões jurídicas, para acrescer, da Dra. Maria Cláudia e do Dr. Maurício Dieter. Já entregou?
Em termos jurídicos, o que teria para alterar no texto? O texto está posto, não podemos subestimar a capacidade e a inteligência nem do Ministro Sergio Moro nem do Ministro Alexandre de Moraes e sua equipe, pela vivência que têm, pela experiência que têm, pela capacidade que têm. E obviamente que encaminharam um texto muito bem estudado, muito bem redigido, e fatalmente poderá ocorrer alguma deficiência, alguma falha. Então eu peço em especial a esses dois palestrantes que encaminhem a sugestão para alterar, modificar o texto da forma jurídica, sem a questão ideológica, para acrescentar.
13:26
RF
No mais, Presidente, vou abrir mão de falar das minhas questões pessoais. Deixo só uma contribuição mesmo, para que possamos elaborar o melhor relatório possível.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Passo a palavra agora ao Deputado Orlando Silva, para fazer os seus questionamentos.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Obrigado, Presidente ou Presidenta, como preferir. Eu queria elogiar a condução dos trabalhos por V.Exa.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Recomendo inclusive que a sua elegância seja inspiradora para a atitude de todos os Deputados deste Grupo de Trabalho na relação com os convidados que daqui participam e para cá vêm colaborar. Não cabe sequer fazer piadas de mau gosto num espaço como este. Aqui nos cabe inquirir, questionar, propor, discutir e debater. E peço desculpas à Defensora Pública do Rio de Janeiro, pois considero que é preciso tratar com delicadeza as diferentes posições aqui expressas.
Presidente, toda vez que participo dos debates aqui da Câmara, persegue-me aquele vaticínio quase do final de vida do Humberto Eco, em que ele disse: "As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis". "As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis." Mas eu confesso que fico muito feliz quando assisto a um debate como este aqui, porque os convidados para cá trouxeram luz. Aliás, peço ao meu querido Relator, o Deputado Capitão Augusto, que abra o seu coração e ouça. (Risos.)
Já que uma colega Deputada falou aqui da China, que é uma grande referência para mim, podemos pensar no Mao Zedong, quando fala de "uma boca e dois ouvidos". Deus nos sugere alguma coisa.
Eu não vi debate ideológico aqui. Não vi. Eu vi um debate de técnica jurídica. Quando se fala de um texto atécnico, quando se fala de um texto assistemático, quando se fala que um texto viola decisões da Corte Constitucional do Brasil, quando se fala que viola expressamente o texto constitucional, talvez seja a defesa da ideologia do Dr. Ulysses Guimarães que nós vivemos aqui. Eu considero que devemos ter abertura para fazer uma leitura crítica dos textos que vamos examinar, seja da comissão de juristas, seja do Poder Executivo, seja dos Deputados e Senadores. Presidente, nós temos a obrigação de fazer uma leitura crítica. E a sistematização final do nosso trabalho deve levar em conta uma análise crítica, jurídica, constitucional. Assim como um dos palestrantes apresentou aqui, nós temos o limite, que é a Constituição do Brasil. Esse limite, essa barreira é intransponível!
Por vezes, no seu gabinete, aqui e acolá alguém empoderado pode tentar brincar de Deus, sustentar posições e discutir nas redes sociais — e, às vezes, até a TV Globo dá repercussão para esse tipo de posição — tentando impor determinada posição, por vezes violando a Constituição. Mas não se trata do trabalho que fazemos aqui. Trata-se de buscar seguir aqui os preceitos constitucionais.
Por isso é que, aliás, eu queria fazer uma primeira pergunta ao Dr. Humberto, que, com o pouco tempo de que dispôs, falou de trechos em que há violação no texto constitucional. Eu queria sugerir a ele que abordasse ou sinalizasse alguns desses trechos, para reflexão do nosso Relator.
13:30
RF
Assim como o Dr. Maurício fez uma reflexão, uma provocação — e eu entendi assim — no sentido de que deveríamos constituir um grupo ou uma comissão apenas para compreender os temas relativos à prescrição, eu queria provocar o Dr. Maurício a falar um pouco mais sobre causas impeditivas e interruptivas da prescrição, ou seja, que avançasse um pouco mais, Presidente, já que eu percebi que, na exposição, ele teve muito pouca possibilidade de explorar essa matéria. Considero essa matéria absolutamente fundamental, e deveríamos aprofundar o debate nesta Comissão.
Assim, Presidente, eu quero crer que o diagnóstico por vezes é comum e que, como o nosso objetivo é produzir o máximo de convergência possível, deveríamos valorizar os diagnósticos comuns. O horror que causa a todos os dados de homicídio e de desaparecimentos, que muitas vezes encobertam a gravidade dos homicídios no Brasil, deve servir de reflexão. Impressionou-me muito quando a Dra. Maria Cláudia questionou: "Qual é o objetivo das propostas que os senhores estão apresentando?" Sem enfrentar a criminalidade, o crime organizado, essas medidas são ineficazes. É disso que se trata. Ela pode ser útil para outros objetivos, mas não para enfrentar a criminalidade nos termos em que foi aqui colocada.
Tem razão o Subtenente Gonzaga, quando diz que o Rio de Janeiro não deve ser referência absoluta para o debate da Comissão. O Brasil deve ser a referência. Se nós formos observar os números e os dados do Brasil, veremos que a situação é mais grave do que a do Rio de Janeiro! Os dados proporcionais de homicídio do Nordeste são muitíssimas vezes mais graves do que os do Rio de Janeiro. E tem razão o Coronel, quando diz que é necessário observarmos a experiência de outros lugares, como por exemplo São Paulo. O Dr. Humberto Fabretti, para não ser ideológico, colocou as várias leituras sobre a redução da criminalidade no Estado de São Paulo. E eu tenho essa convicção de quem caminha pelas cidades do Estado, particularmente pela sua Capital, particularmente pela periferia da cidade de São Paulo. Eu percebo como é feito o domínio do território: há um domínio do território em São Paulo do crime organizado. Essa é a verdade dos fatos. Basta circular quem conseguir chegar, porque, por vezes, mesmo o agente público, Presidente, creia, é impedido de chegar a determinados lugares. Creia! E é isso que impacta os dados constantes de redução de homicídio em São Paulo. Digo isso com pesar, com muita tristeza.
E concluo, Presidente, apenas registrando o que, nesta sessão, aumentou a minha convicção: o risco é que uma boa intenção produza um dano brutal à sociedade brasileira, porque a resultante das propostas apresentadas pelo Poder Executivo pode ser o encarceramento em massa no Brasil, encarceramento da população pobre, da população jovem, da população negra do Brasil. E percebo que, para alguns, pode significar um novo negócio, porque virá um combinado com o debate que já foi introduzido no plenário da Câmara: a privatização do sistema penitenciário no Brasil. Creiam! Diante de uma tragédia, há quem pense num novo negócio!
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Conclua, Deputado, por gentileza.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Vou concluir, Presidente.
Por isso, eu considero muito oportuna a abordagem feita e a preocupação com os excludentes de licitude, excludentes pautados no projeto. É muito relevante. Para mim foi importante e impactante algo que deveria ser uma das convergências: a proteção que as forças policiais devem ter, ao abrigo da lei e da gestão pública, para proteger os que operam o direito de segurança da população.
13:34
RF
Perdoe-me o excesso, Presidente, mas fiquei muito feliz de ver nesta sala luzes para que possamos enfrentar o vaticínio de Umberto Eco, o de que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Passo a palavra ao Deputado Hildo Rocha, para que faça suas considerações.
O SR. HILDO ROCHA (Bloco/MDB - MA) - Muito obrigado, Deputada Margarete Coelho, que coordena este grupo de Deputados e Deputadas, que tem a incumbência de analisar alguns projetos de lei resultantes de estudos do Ministro Alexandre de Moraes e do Ministro Moro. Este grupo fica feliz de poder receber nesta audiência expositores que realmente conhecem o direito brasileiro e o Direito Comparado, ramo em que se analisa comparativamente os direitos de outros países.
Parabenizo a todos pelas informações e pelos conhecimentos aqui tratados. Não vi um debate centrado em questões ideológicas, mas sim em estudos do direito, da prática do direito. Considerou-se também a experiência de pessoas que exercem diariamente o direito. Parabenizo a todos.
A conclusão a que cheguei, pelas exposições dos senhores e pelo que foi dito aqui, é a de que todos concordam com que as leis, inclusive as propostas que foram aqui apresentadas, não vão resolver as questões de que tratam esses projetos, que buscam a diminuição da violência, o combate à corrupção e à impunidade. Isso é fato.
Já que falaram aqui sobre a China, lembro que existe um pensador chinês... (Manifestação no plenário: Muito bem!)
Sei que o Deputado Orlando realmente tem a China como referência. (Riso.) Nós temos a China como referência não na parte ideológica e sim na parte econômica. Afinal, é um país cujo Produto Interno Bruto cresce entre 8% e 10% ao ano, é um país que tem 300 milhões de pessoas na classe média, possui um mercado excelente.
Confúcio dizia que a experiência é uma lanterna dependurada nas costas: ilumina o passado. E a história mostra que apenas o enclausuramento não resolve o problema. Esse é um fato que o Dr. Maurício e os demais mencionaram aqui. Aumentar a pena não resolve. Isso é um fato, uma comprovação histórica. A nossa experiência comprova isso. As propostas de somente se aumentar a pena não resolvem.
Eu quero fazer quatro perguntas, com a permissão de V.Exa.
Lívia Casseres, Defensora Pública, a senhora acha que a transparência das operações policiais não ajuda a população a ter mais confiança na polícia? Essa confiança da sociedade ajuda a levar a polícia a elucidar os crimes, porque ela não tem bola de cristal. Falta, a meu ver, confiança da população nas polícias.
13:38
RF
Essa transparência não existe. Nesta Casa fazemos projetos para criar transparência, Sra. Coordenadora, mas os Deputados que representam os policiais aqui não os deixam prosperar. Eu mesmo sou autor de projeto de lei — o Deputado Capitão Augusto e o Deputado Subtenente Gonzaga o conhecem — que obriga que haja transparência nas operações policiais. Parece que há a defesa de que não pode haver transparência.
O Deputado tem que ter transparência. Todos os gastos que eu executo aqui têm transparência. Tudo o que eu faço na Câmara tem transparência na mesma hora, o que estou dizendo aqui já vai ser publicado, e ações policiais têm que ser escondidas? Por que têm de ser escondidas?
Eu queria perguntar, Maria Cláudia, se não seria o caso de se investir na segurança preventiva para se combater a criminalidade. Pergunto se não deveria ser prioridade em nosso País a segurança preventiva.
Para concluir, quero fazer uma pergunta ao Coronel Elias. Eu acho que foi o Dr. Maurício que disse que o sistema penitenciário é a faculdade do crime. É verdade, porque o nosso sistema não corrige. Eu queria saber qual é a proposta dele para um sistema que realmente venha a contribuir para que se tire da criminalidade, tire dessa vida de crime os que para ali vão. Muitas vezes, quando saem, estão piores do que estavam quando entraram.
Quero perguntar ao Dr. Maurício o que nós temos que fazer, em termos de legislação, para evitar que policiais mudem de lado. Temos percebido um grande aumento das milícias, que são formadas com lideranças policiais, sejam policiais militares, sejam policiais civis. Os líderes das milícias são policiais, militares ou civis, ex-integrantes dessas forças, que admiro e acho que temos de proteger, dando-lhes a devida proteção, para evitar que eles mudem de lado.
Eu queria perguntar ao Dr. Carlos Eduardo o que falta para termos uma polícia mais preparada, porque 5% de elucidação dos crimes mostra que 95% da nossa polícia é despreparada.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço, Sr. Deputado.
Passo a palavra ao Deputado Paulo Teixeira, para que faça as suas considerações.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Presidenta, eu a parabenizo pela condução equilibrada, firme e pela realização desta audiência. Eu a chamo de Presidenta porque é de melhor memória do que a realidade atual, a deste caos que estamos vivendo no Brasil.
Eu queria parabenizar os integrantes dessa Mesa, especialmente as mulheres. Elas deram um show aqui hoje. Mais mulheres têm que integrar as nossas Mesas. Talvez este seja um dos problemas do Brasil: homens brancos ditaram a política até hoje. Que bom que as mulheres, mulheres negras, possam falar tão bem como falaram! Então, em primeiro lugar, quero ressaltar esse exemplo.
Em segundo lugar, quero dizer o seguinte: nós queremos uma sociedade mais equilibrada, mais segura. Portanto, eu não posso comemorar um projeto de lei que queira permitir mais homicídios, que possa querer permitir que policiais matem mais. Eu quero uma política de segurança pública que diminua os homicídios, que dê mais proteção aos policiais, que reduza o encarceramento e que possa ter formas mais eficazes de punição. É disso que se trata. Não se trata de dar sinalizações em favor da barbárie. Nós precisamos dar sinalizações em favor da civilização.
13:42
RF
Dra. Lívia, a senhora deu um show. Foi linda a sua fala, foi uma das mais bonitas que ouvi. No Brasil, sempre que uma pessoa das classes populares acessa algo — vai para uma universidade, viaja de avião —, desencadeia-se um processo de reação das elites a esse direito. Então, toda possibilidade de aquisição tecnológica para continuar brilhando tem o nosso apoio aqui, está certo?
Nós queremos que morram menos policiais, queremos que os policiais sejam mais bem remunerados, mais bem protegidos, tenham seus direitos implementados, e queremos que não morram pessoas. Nós temos que sair da discussão sobre segurança pública considerada como guerra, como V.Exa. disse tão bem. Segurança pública não é guerra. Não cabe criminalizar um território e matar civis nesse território.
Foram muito bem aqueles que vieram aqui, como o Dr. Dieter, o Dr. Humberto e a Dra. Maria Cláudia, que alertaram que não pode ser bom um projeto que pense que o cárcere seja, em si, algo positivo para a sociedade. O cárcere, em lugar nenhum do mundo, é positivo. Ele deve ser destinado àqueles que não têm mais condição de convivência na sociedade.
Têm que existir penas que sejam eficazes alternativas ao cárcere. Nessa direção, este projeto também erra ao colocar como objetivo o encarceramento. Nós temos que fazer uma seleção. Os Estados Unidos vão em direção oposta a esta aqui, a Europa vai em direção oposta, o mundo vai em direção oposta. E nós vamos insistir nos erros do passado?
Aqui disseram: "Bom, vocês governaram o Brasil". Na minha opinião, nós deveríamos ter puxado o tema da segurança pública e quebrado as resistências, para que houvesse um programa nacional. Essa ideia de aumento de pena já prevalecia. A chamada bancada da bala teve uma influência que, a meu ver, não deveria ter, despropositada. Hoje aqui há quem a barre. Quanto às 10 Medidas, eu estive no lado oposto, porque aquelas medidas estavam na direção, como este projeto de Moro, de uma escalada de um Estado penal. Nós não podemos fazer isso. Temos que ir em outras direções e fazer consensos, Deputado Capitão.
13:46
RF
O senhor fala em visões ideológicas. Em um dos meus requerimentos, convidei para que viesse aqui uma pessoa com quem tenho uma diferença ideológica profunda. Eu me refiro a Miguel Reale Junior. Acho que ele ajudou a levar o Brasil a uma quebra constitucional, mas ele tem suas virtudes como criminalista.
Nós não podemos desqualificar grandes especialistas pelo âmbito ideológico. Grandes criminalistas só podem ser rebatidos por grandes criminalistas. Então, ou procuramos ver isso ou vamos fazer um debate ideológico, como alguns querem. Eu não quero. Nessa direção, quero dizer o seguinte: temos que nos dirigir a objetivos e consensos.
Por último, eu quero falar sobre um problema metodológico, Deputada Margarete. À exceção de um, todos aqui disseram que o projeto tem equívocos, inclusive o Coronel Miler — foi indicado, se eu não me engano, pelo senhor. Ele disse que Moro confunde Tribunal do Júri com segunda instância e, por isso, propõe a prisão logo após a decisão do Tribunal do Júri. Foi isso o que ele disse. É uma crítica.
Qual é o nosso problema metodológico aqui?
(Não identificado) - Viu a palavra "tribunal"...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Viu a palavra "tribunal" e já falou: "Bom..."
Eu estou achando que não só nesta Comissão, mas também no Congresso como um todo há massa crítica em relação a este projeto. Mas existe um outro projeto, do Ministro Alexandre de Moraes, que não conseguimos discutir. Eu queria abrir essa lente. Eu queria que pedíssemos aos próximos palestrantes que trouxessem também a reflexão sobre o projeto do Alexandre de Moraes. Cito a OAB, por exemplo, Dr. Dieter. Nós precisamos pedir a todas as instituições que se posicionem sobre os dois projetos, porque temos de ver o que se pode recolher de consenso dessas duas proposições.
Essa é uma questão metodológica que trago para debate neste colegiado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Eu gostaria de explicar por que esta Mesa não abordou o projeto do Ministro Alexandre de Moraes. Isso se deve à metodologia que utilizamos, a de fazer um recorte de acordo com os projetos. Nós fizemos aquele comparativo entre os dois projetos e, nesta primeira Mesa, a temática não alcançou o projeto do Ministro Alexandre de Moraes. A próxima Mesa já entrará em pontos de interseção.
Hoje consideramos basicamente o Projeto de Lei nº 882, de 2019, os arts. 23, 25, 35, 50 e 59. Em relação a nenhum desses houve manifestação quanto ao projeto do Ministro Alexandre de Moraes. A partir da próxima audiência, quando formos debater o art. 75, já não vamos tocar no projeto de Moro, porque não trata do art. 75, mas o de Alexandre de Moraes, sim. A metodologia que adotamos aqui levou em conta a temática. O projeto do Ministro Alexandre de Moraes não toca nessa matéria. Por isso, hoje, não tocamos nesse ponto. A divisão foi temática.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Presidente, V.Exa. me permite usar a palavra por 10 segundos?
13:50
RF
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Eu só quero fazer uma justificativa. Na próxima segunda-feira, tenho a responsabilidade de entregar o parecer sobre a Medida Provisória nº 869.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Isso está angustiando-o.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Às 14 horas, acontece a última audiência pública, e eu tenho obrigação de estar lá, porque vai haver o fechamento do processo. Então, queria pedir desculpas a V.Exa. e aos convidados, sobretudo por não poder ouvir as análises que farão aqui. Mas vou ler as notas taquigráficas.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Está dispensado.
Vão estar disponíveis na página da Comissão não só as notas taquigráficas mas também os áudios.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - O Deputado Capitão Augusto inclusive já liberou isso aqui para o grupo, e eu fiquei muito feliz, porque o nosso Deputado Capitão Augusto é high tech e já está sintonizado. Os áudios já estão aqui.
Obrigado, Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu vou passar rapidamente a palavra ao Deputado Gurgel, que não é da comissão, para que faça duas perguntas, e também à Deputada Adriana Ventura.
Eu queria pedir licença ao Deputado Gurgel para passar a palavra à Deputada Adriana. Lembro que não membros dispõem de 3 minutos. Em seguida, falará o Deputado Gurgel, a quem agradeço a paciência.
Tem a palavra a Deputada Adriana Ventura.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Muito obrigada, Presidente.
Obrigada, convidados. Eu queria muito estar aqui hoje para ouvi-los, mas eu estava na CCJ, numa discussão polêmica, não consegui acompanhar aqui as exposições.
Eu estou ouvindo essa discussão há pouco tempo, infelizmente, mas existe uma coisa que me preocupa. Este Grupo de Trabalho está desenvolvendo uma questão maravilhosa, tem que deixar as questões ideológicas de lado, concordo, mas entendo que esse seja um processo de construção coletiva.
Algumas coisas me chamaram a atenção. Muito se disse que o projeto é inconstitucional em vários pontos. O que me preocupa hoje, principalmente com os últimos acontecimentos, é que quem deveria guardar a Constituição está afrontando-a — estamos falando especificamente do STF. Algumas coisas me preocupam, porque talvez esse papel de guardião tenhamos que fazer em relação a alguns pontos. Não podemos esquecer que temos esse poder de reforma também. Nós estamos aqui como Parlamentares, mas temos esse poder de reforma.
Vou apresentar as perguntas que eu queria fazer especificamente ao Delegado Carlos Eduardo Pellegrini.
Como aproveitamos o que temos em ajustes incrementais? Há essa situação de muita resistência ao excesso de encarceramento. Eu entendo isso quando falamos de uma sociedade que está bem mais avançada na educação e em outros pontos. Concordo que talvez estejamos indo pelo caminho inverso. Mas pergunto se essa questão vale neste cenário de tantos estupros, mortes, violência. Vejo com preocupação isso. Como vê essa questão de excesso de encarceramento versus não prisão de criminosos? Hoje o cidadão de bem está exposto a várias situações. Como resolvemos isso? Como fazemos crescer e aproveitar isso?
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputada.
O Deputado Gurgel tem a palavra por 3 minutos.
O SR. GURGEL (PSL - RJ) - Boa tarde a todos.
Eu, como policial militar, sargento da Polícia Militar do Rio, discordo muito do que foi falado, sobretudo na questão acadêmica. Perdoem-me os acadêmicos aqui, mas a questão acadêmica se distancia muito da prática. Acho que o doutor vai entender bem o que estou dizendo. Eu sou pós-graduado pela UFF em segurança pública. Então, sei bem o que estou dizendo. Eu fui lá pesquisar isso. Por exemplo, houve um número maior de bandidos mortos pela polícia em 2018. Coincidência ou não, isso reduziu o número de pessoas mortas no Brasil, considerando todo mundo.
13:54
RF
A grande questão é a seguinte: protege-se o marginal e fala-se muito no encarceramento. Citam os Estados Unidos: "Os Estados Unidos prendem muito". Sim, e o bandido lá não faz o que o bandido faz aqui. Se o bandido atentar contra a vida do policial lá, ele é reprimido à altura. Aqui, não. Se o policial der mais de dois tiros, independentemente da postura do camarada... Às vezes, o policial, com uma 380, dá quatro disparos no camarada, e o camarada não cai. No Rio de Janeiro, o camarada usa fuzil. Então, vamos reprimir o fuzil.
No Rio de Janeiro, o produto do crime não é o recurso, não é o dinheiro, o produto do crime é o desafio ao Estado. Lá existe terrorismo disfarçado de tráfico de drogas, disfarçado de roubo. O que acontece no Rio de Janeiro é ataque frontal. O cara reconhece o policial e o tortura, e o mata, e o extermina. Ele prende o policial num cavalo, como aconteceu em Nova Iguaçu, e corre com o cavalo. Faz isso contra um policial que ele nunca viu na vida. Diga-me se isso está relacionado a obtenção de lucro através do crime, que ele é vítima da sociedade. Não é! Não é.
Então, a parte acadêmica tem que ser considerada sim, mas ela precisa se aproximar da realidade, precisa desfazer o viés ideológico.
Quando se fala para um bandido que ele é vítima da sociedade, justifica-se que ele dê um tiro na cara de uma pessoa porque ela não entregou o telefone a ele. Vamos corrigir isso. Ele é produto de má gestão pública, ele é resultado de má gestão pública, mas nada tira dele a escolha que ele fez. Ele escolheu ser marginal, escolheu ir para a rua, escolheu roubar e escolheu matar. Isso é escolha dele. À medida que deturpamos a questão e jogamos isso como verdade absoluta para ele, vamos tendo o que existe hoje. O bandido acha que tem razão para matar pessoas. Não há um índice que mostre quantos morrem, por exemplo, nos roubos. Os roubos são violentos. Por que são violentos? Porque os bandidos matam, porque o interesse maior deles é matar, é causar o terror. Precisamos, então, chegar a um denominador comum.
No que tange ao serviço da polícia, considera-se apenas uma não liberdade ao juiz ou uma liberdade mediada, para que ele possa, por exemplo, no caso dos quatro disparos de 380 contra um meliante, considerar e não encarcerar o bom policial, aquele que agiu legitimamente. Não estou me referindo ao mau policial. O mau policial é bandido. Agora, o bom precisa ser reconhecido pela sociedade, para cumprir a função dele, que é defender todos nós, inclusive os senhores, quando saírem para as suas casas, senão não teremos mais liberdade.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço enormemente a sua contribuição.
Percebo que o Deputado Paulo Teixeira deseja falar.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Quero apenas dar uma opinião sobre o que o Deputado esposou aqui. Eu conheço três ex-Comandantes da PM do Rio de Janeiro, o Robson e outros dois, que sempre apresentaram posições diferentes das suas. Eles são comandantes, fizeram carreira dentro da PM.
Os estudos, no Rio de Janeiro, demonstram que grande parcela dos autos de resistência estão concentrados num grupo pequeno de policiais bandidos. Eu me refiro a estudos. No ano passado, reportagem do jornal O Globo não contestada pela PM do Rio fez menção a grande parte dos autos de resistência. Há policiais que têm 40 autos de resistência, 50 autos de resistência. Portanto, o que eu quero debater não são apenas nossas opiniões, são dados científicos.
13:58
RF
Eu quero dizer que as universidades sempre nos trazem dados científicos. Se vier aqui o Robson, se vier aquele general que fez o programa...
O SR. GURGEL (PSL - RJ) - O Coronel Ibis comandou bem...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Coronel Ibis! O outro coronel, o Ramos...
O SR. GURGEL (PSL - RJ) - Há o Ubiratan, há uma quantidade enorme...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Na minha opinião, existe hoje no Brasil uma contaminação ideológica, a do achismo.
Eu queria discutir dados. Por exemplo, que estudos V.Exa. traz sobre autos de resistência no Rio de Janeiro em que se comprova a sua tese? A minha tese é por conta de quem fez estudos...
O SR. GURGEL (PSL - RJ) - Só há uma forma de V.Exa. fazer isso, é a de colocar uma farda e entrar numa comunidade. Existe o serviço de PATAMO...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - V.Exa. não está discutindo dados científicos. Entrar numa comunidade...
O SR. GURGEL (PSL - RJ) - Eu estou discutindo, vou falar agora. Existe um serviço de PATAMO, que é feito por mais ou menos dez policiais por batalhão. Sempre serão esses dez policiais que estarão em confronto, porque compete a eles a incursão na comunidade. Isso é que não lhe informam quando dizem que um policial tem tantos autos de resistência. Há serviços específicos. Nós temos serviço assistencialista, que é a...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu lhe agradeço as contribuições e também ao Deputado Paulo, mas eu gostaria de fazer prosseguir a nossa audiência pública. Já são quase 2 horas da tarde, está todo mundo com fome. Vamos objetivar o debate.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Eu queria fazer um apelo. É redundante, mas eu queria fazer este apelo, com todo o respeito, no sentido de que o debate entre os Deputados se dê no nosso Grupo de Trabalho e não nas audiências públicas.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Exatamente. Muito obrigada.
A ideia era seguir a ordem, conceder a palavra à primeira convidada que se apresentou, a Dra. Maria Cláudia Bucchianeri, mas o Coronel me disse que precisa falar antes.
Eu passo então a palavra ao senhor, por 3 minutos, e lhe agradeço mais uma vez a presença e o tempo que dedicou ao nosso grupo de estudos.
O SR. ELIAS MILER - Presidente, agradeço à senhora, a todos os demais expositores, aos Deputados, aos amigos que estão aqui trabalhando.
Respondo de forma direta a pergunta do Deputado Fábio Trad. A prescrição maior, de fato, gera maior morosidade, uma impunidade maior ainda, e a pessoa fica refém do Estado. Então, o texto vai ter que ser aprimorado no sentido de estabelecer parâmetros, como já temos hoje. Eu não posso deixar que, diante de uma interrupção, de um impedimento, haja uma prescrição ad aeternum. Isso nós temos que amadurecer.
A certeza da punição inibe, de fato, em qualquer local do mundo, o criminoso. Vou dar um exemplo até de algo que ocorre na ilegalidade. Por que um bandido não furta numa boca de fumo? Ele não furta numa boca de fumo porque sabe que, ali, ele morre. Eu, o Estado, não posso agir dessa maneira. E como se vai ter a certeza da punição? Com uma polícia eficiente e bem preparada, uma justiça ágil e um sistema prisional que reeduque a pessoa e faça a sua reinserção.
Quanto à pergunta sobre sistema penitenciário e faculdade, eu não gosto muito dessa colocação, porque dá a impressão de que estamos dizendo que nada presta. Pergunte a alguém que foi vítima do crime se quer ver o criminoso solto. Vou dar um exemplo bem claro que eu vivenciei. Cito o exemplo de um menor de 14 anos, o Lorica. Esse menor tinha 20 latrocínios. Quando eu o peguei, ele tinha dois latrocínios. Pelo ECA, ele ia para a FEBEM, e da FEBEM ele saía. Ele ia, saía e matava; ia saía e matava. Quer dizer, a FEBEM não o reeduca, e eu o deixo solto, para que fique matando? Então, nós temos que fazer uma coisa ponderada, não só dizer que lá é faculdade de crime. Se lá é faculdade de crime, aqui fora ele executa o crime. O crime organizado atua aqui e atua lá.
14:02
RF
Dr. Maurício, nós dissemos que temos de tomar cuidado. Não há como. Nós nunca deixamos de emitir opinião e de estabelecer a nossa opinião ideológica. O homem não consegue se expressar sem isso. Eu ouvi na sua fala duas coisas. Entendo que um homem do seu cabedal não poderia estar equivocado do ponto de vista intelectual, a não ser que estivesse contaminado ideologicamente. O senhor, em primeiro lugar, foi falar dos números. O senhor se equivocou. Vou dar os dados para o senhor. É só o senhor pegar a sua fala. O senhor disse que houve 58 mil mortes no Brasil. Vou pedir ao senhor para verificar o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o Fórum Brasileiro, houve 63.880 mortes, e não 58 mil, que são as que aconteceram em 2015. O senhor desatualizou os dados.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ELIAS MILER - Foram 63.880. Se o senhor entrar agora no Google, vai achar isso. Foram 63.880, e arredondei para 64 mil.
Só um detalhe: quando falei em Nagasaki e Hiroshima, eu disse ao senhor que, somando-se as duas, hipoteticamente, considerando-se mortes, subnotificações e desaparecidos, chegaríamos próximo a isso.
Excelência, vou para a última parte.
Quando o senhor falou sobre a questão da militarização, o senhor mostrou ideologia, pelo seguinte aspecto. Se o senhor é um homem que viaja pelo mundo, vai à Argentina, onde existe a Gendarmería, que é militar; o senhor vai ao Chile, onde existem os carabineros, que são militares; o senhor vai à França, terra da liberdade, onde existe a Gendarmerie, que é militar. Então, a questão não é militar. Há um ponto de vista ideológico. Não é ser militar ou não que permite o policiamento, e sim o sistema policial. O senhor precisa estudar um pouco mais.
Muito obrigado. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço enormemente ao senhor. Muito obrigada.
Passo a palavra à Dra. Maria Cláudia Bucchianeri para as suas considerações finais, em 3 minutos, contemplando as perguntas que foram dirigidas à senhora.
A SRA. MARIA CLÁUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO - Eu agradeço, Sra. Coordenadora, Deputada Margarete. Reitero o meu agradecimento pela honra de estar aqui. Aprendi muito. O debate, a dialética são importantes para o amadurecimento de nós todos. Esse é um projeto importantíssimo, que altera profundamente a Parte Geral do Código Penal.
Eu queria agradecer as perguntas e referências que me foram feitas pelo Deputado Hildo, pelo Deputado Paulo Teixeira, pelo Deputado Trad, pelo Deputado Freixo, pelo Deputado Orlando Silva.
Começo respondendo a pergunta do Deputado Trad, que falou dos mandatos pendentes, da questão da individualização da pena e do regime obrigatoriamente fechado.
Sim, Deputado Trad, eu entendo que a imposição de regime obrigatoriamente fechado por força de lei, sem margem de dosimetria, de individualização e de proporcionalidade pelo juiz, viola o princípio constitucional da individualização da pena. Conto com o respaldo da Súmula Vinculante nº 26, recentemente editada pelo Supremo Tribunal Federal, e da jurisprudência consolidada daquela Corte, no sentido de que o princípio da individualização da pena compreende não apenas a fixação de uma pena que seja adequada ao crime, um quantum penal, mas também a fixação de um regime de cumprimento da pena que atenda a uma finalidade básica, que nós não podemos perder de perspectiva, que é a ressocialização.
Quanto à progressão do regime, a ideia, essencialmente, a ratio subjacente é a recolocação gradual do encarcerado no convívio da sociedade. Nós não podemos esquecer que essa massa toda, um dia, volta para a rua. A graduação no cumprimento da pena tem como base isso. É justamente por isso que, quando estabelecemos, no 112 e seguintes, os requisitos para a obtenção da progressão da pena, a grande maioria deles se refere não ao crime em si, refere-se ao bom comportamento, à existência de um trabalho lícito que permita àquela pessoa readequar-se à vida em sociedade. Esses são critérios inerentes ao cumprimento da pena, porque a ressocialização é importante. Não podemos esquecer que essa turma, um dia, volta. Então eu entendo, no plano pessoal — conto com o respaldo do Supremo, por um enunciado vinculante —, que isso seria ilegal.
14:06
RF
No que se refere à pergunta do Deputado Hildo e também à de V.Exa., Deputado Trad, sobre a questão do volume de mandados pendentes, é verdade. O estudo feito pelo Colégio de Defensores Públicos Gerais estima que, se for somada a nossa massa carcerária, que hoje é de 800 mil pessoas — é a terceira população carcerária do mundo —, aos mandados pendentes, ou seja, às pessoas foragidas, haveria hoje, com essa nossa lei, mais ou menos 2 milhões de pessoas sob o jugo estatal. Nós não temos um sistema penitenciário que comporte isso, não temos, sob a atual legislação.
Essa nova legislação amplia as hipóteses de encarceramento, e de encarceramento precoce, porque compreende pessoas condenadas em segunda instância, cuja pena pode ser revertida — comentei isso com a Coordenadora, a Deputada Margarete. Nós nos ressentimos da falta de um estudo que o Ministério da Justiça poderia ter feito, sobre o impacto da execução dessa pena no nosso sistema carcerário. Hoje nós já não temos condição de acomodar a nossa população carcerária. Um preso custa, em média, 2 mil, 3 mil reais. Falou-se de uma hipótese de corrupção num determinado Estado da Federação, em que cada preso custa 7 mil reais. Daí a indagação que colocamos no início da nossa intervenção, no sentido da estimativa de custos da implementação dessa lei. É preciso saber se temos condições de comportar a execução dessa lei; se essa é a melhor forma de gastarmos dinheiro; se os Estados da Federação têm dinheiro para bancar esses presos. Vamos fazer uma estimativa de 3 mil reais por preso. Isso não é barato. Esse custo é maior do que o de um estudante. Essa é a melhor forma de gastarmos nosso dinheiro?
No que se refere à observação feita pelo nosso Relator, o Deputado Capitão Augusto, sobre a questão de o nosso pensamento como advogados — estou aqui na condição de advogada — estar permeado por determinada ideologia, lembro o que Luhmann já dizia: "A ideologia faz parte do sistema, ninguém se despe dela".
Então, Deputado, na minha intervenção, é claro, num primeiro momento, eu me coloquei contra a política de encarceramento ser uma solução eficiente para o problema da criminalidade no Brasil. Essa é uma questão que permeia o meu pensamento, mas ela está fundada em estudos e números que revelam que o recrudescimento da pena não resolve o problema.
No começo da minha intervenção, nós citamos os números. A massa carcerária do Brasil aumentou 500% em 20 anos, e não houve, nesse mesmo período, uma redução da criminalidade. Como se vê, esse é um fator que isoladamente não resolve o nosso problema. Na minha intervenção, eu também procurei deixar isso muito claro.
Entendo perfeitamente as ponderações da Deputada Carla Zambelli. Esta é uma Casa política. A opção por uma política de encarceramento é uma opção política desta Casa e, eventualmente, da sociedade num determinado momento. Eu posso não concordar com essa política, mas ela é uma opção possível a ser tomada por V.Exas. aqui.
Se esta for a opção política desta Casa, a de insistir nessa política de encarceramento, ainda assim o projeto precisa de muitos ajustes. Ainda que se mantenha a premissa da prisão em segunda instância, de mitigação da progressão de regime, o projeto falha muito na individualização, utiliza determinadas expressões que não encontram correspondência na legislação criminal.
14:10
RF
Então, é preciso aperfeiçoar a lei para que ela possa ser aplicada, porque de nada adianta fazermos uma lei com a perspectiva de melhora da nossa situação, que é realmente alarmante e comove a todos, se depois essa lei vier a sofrer muitos questionamentos judiciais, pois atenta frontalmente contra uma súmula vinculante do Supremo e, lá na frente, não vai poder ser executada, não vai poder ser cumprida. Daqui a 20 anos, vamos anular o processo em razão de uma lei que está permeada de atecnias. Foi por isso que fiz aquele compromisso.
Deputada Margarete Coelho, peço 2 minutos. Eu não poderia deixar de fazer referência à manifestação do Deputado Freixo, que trouxe um artigo do dia 7 de março de 2019, de Douglas Goulart e Rinaldo Pignatari, que saiu no Consultor Jurídico. O artigo fala desta grande preocupação de nós mulheres, do movimento feminista: a excludente da ilicitude do excesso punível do art. 23 não é só para os agentes estatais, ela é para todos. Ela é para todos. E ela faz menção a violenta emoção: "O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Esse dispositivo não é para policiais. Esse dispositivo é para todos.
Traz preocupação às mulheres, sim, a introdução de "violenta emoção" como excludente de ilicitude de um excesso de legítima defesa. Nós sabemos que, nos crimes contra a mulher, uma das alegações comuns dos homens é esta: "Eu estava rebatendo". Ele vai rebater a violência injusta de uma mulher, e ele a mata, e ele a quebra inteira, e ele a imobiliza, porque a superioridade física inevitavelmente existe. É um excesso, e ele pode invocar — é comum que assim invoque em casos de feminicídio e de violência contra a mulher — a violenta emoção.
Neste artigo recentíssimo — Projeto "anticrime" é um tiro na luta pela proteção das mulheres —, os autores invocam o caso Ângela Diniz e levantam preocupante retrocesso na proteção da mulher. Seria muito bom que esta comissão, que é tão preocupada com a questão de gênero, pudesse se debruçar especificamente sobre isso.
Agradeço a referência, Deputado Marcelo.
Agradeço a oportunidade de estar aqui mais uma vez.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Presidente, permita-me fazer uma intervenção.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Nós respeitamos os debatedores. Esta é a primeira audiência. Teremos que nos permitir uma convivência saudável por longos dias. Mas tem me incomodado esse rótulo a respeito de quem tem uma posição mais favorável a uma política de encarceramento, como se isso fosse muito real. Eu acho que até pode nos faltar ou me faltar algumas fundamentações para definir alguns posicionamentos, mas me incomoda construirmos esse rótulo, segundo o qual quem é a favor de uma política mais efetiva é a favor de uma política de encarceramento pura e simplesmente. Eu quero já começar a debater também relativamente a essa perspectiva, certo?
No Brasil, conforme as estatísticas do fórum, que todos usamos, o índice de elucidação de crimes é de 8%. O CONAMP publicou em 2016, e ninguém contestou, que só no Rio de Janeiro, de cada cem inquéritos abertos para apurar homicídio, 96 são arquivados, sem a elucidação dos crimes. Eu fiz uma continha, e a média brasileira é de 68,25%. A base de dados que buscamos é a mesma para os dois lados. O índice de elucidação de crimes é muito baixo. No caso de condenados com mandado de prisão em aberto, o número é da ordem de 800 mil. Na última vez em que Conselheira do CNJ Maria Tereza falou comigo, eram 900 mil. E a população encarcerada é de 700 mil. Como vamos dizer que simplesmente uma política de encarceramento vai dar eficácia à própria legislação que existe hoje? Vamos esquecer qualquer proposta de mudança, vamos dar eficácia à legislação de hoje, quanto à elucidação de crimes, que já existem crimes suficientes para isso.
14:14
RF
Então, eu estou pedindo para termos esse cuidado também, porque, às vezes...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Posso fazer um aparte?
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Claro! Da minha parte, sim. Quem me concedeu a palavra foi a Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - É um aparte do aparte.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Quero apenas perguntar se não é o caso de investirmos em investigação. Se a elucidação de crimes é tão baixa no Brasil, e o que se diz é que investimos mais de 95% do orçamento em repressão, pergunto se não deveríamos fazer um profundo investimento em investigação, para elucidação de crimes.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Pois é, mas, com esse raciocínio, com esse rótulo, se defendermos a elucidação de crimes, daqui a pouco vão dizer que isso também faz parte da política de encarceramento.
Eu só quis focar essa questão do rótulo que vamos ganhando ou colocando nos outros por conta de posicionamentos nesse sentido.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Deputados, eu agradeço muitíssimo a contribuição de ambos, mas vamos retomar o curso da nossa audiência.
Acho que não queremos matar nossos convidados de fome nem morrer de fome. (Risos.)
Passo a palavra ao Dr. Humberto Fabretti, para que faça suas considerações e contemple os questionamentos dos membros deste colegiado.
O SR. HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - Mais uma vez eu gostaria de agradecer a oportunidade. Vou tentar passar por tudo o que foi questionado, vou tentar responder absolutamente o que me foi questionado.
A primeira pergunta do Deputado Fábio Trad é se, havendo uma correção da terminologia, o projeto subsistiria? Pelo menos não me propus a fazer uma análise do projeto todo, eu me detive na metodologia proposta.
Então, pela metodologia proposta, acho que todos os dispositivos não são aproveitáveis. Ainda que fizéssemos as correções, eles continuariam sendo dispositivos desnecessários — volto a dizer, desnecessários — para os fins aos quais este projeto de lei se propõe. Tanto é sintomática essa constatação que os outros projetos que estão servindo de comparativo não trazem esse tipo de problema. Hoje, nós discutimos só o Projeto de Lei nº 882 porque somente ele resolveu entrar nessas questões. É absolutamente desnecessário se entrar nisso neste momento, no atual patamar da doutrina brasileira, da dogmática brasileira e da política criminal brasileira. Nesses pontos específicos, o projeto, ainda que apuremos a nomenclatura, é desnecessário. Vai causar o efeito contrário ao que se propõe.
Eu me perdi aqui nas minhas anotações. Alguém me fez uma pergunta a respeito de qual seria a solução para a diminuição da violência policial, se é que ela existe. Eu acho que são várias. Acho que um projeto que está aqui na Câmara e que poderia ser aproveitado — esse tem sim embasamento criminológico — é o Projeto de Lei nº 4.471, de 2012, que fala dos autos de resistência.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - É de minha autoria.
O SR. HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - Eu sei.
Há alguns anos, o Ministério da Justiça, quando se preocupava com o que a academia pensava e produzia, fez um evento de 4 dias para que discutíssemos esse projeto de lei. Durante os 4 dias que discutimos o projeto de lei, para V.Exas. terem ideia da sua magnitude, o Prof. Zaffaroni, juntamente com promotores e juízes, participou de todas as mesas. Talvez tenha sido o evento em que mais houve discussão sobre um projeto. Depois, V.Exa. sabe melhor do que eu, o projeto não avançou, mas era um projeto que poderia concretamente diminuir a violência policial, porque criava uma investigação obrigatória e proibia os registros dos autos de resistência.
14:18
RF
Com relação à pergunta do Deputado Orlando Silva sobre a violação ao texto constitucional, eu acho que praticamente todos os dispositivos que nós analisamos — volto a dizer que me limito a eles — violam o princípio da legalidade, porque se utilizam de expressões dúbias e que não têm sentido definido. Além disso, o princípio da estrita legalidade proíbe essa utilização pelos legisladores. Então, se não for possível ter a noção do conteúdo, ele é inconstitucional. Essa é uma construção dogmática tranquila. Há de se observar também o princípio da individualização da pena. Todos aqueles que colocam o regime inicial obrigatório como fechado violam o princípio da individualização da pena. Essa não é opinião minha. Trata-se de doutrina, de jurisprudência, de súmula vinculante do STF. Nesses dois pontos, é absolutamente inconstitucional.
A última observação que gostaria de fazer, dando a minha opinião pessoal, não na condição de professor ou de alguém que não simplesmente defende criminoso, mas de alguém que estuda sobre aquilo que está falando — os mestrados e os doutorados servem para que estudemos, do ponto de vista acadêmico, inclusive uma banca legitima esse estudo, que não é autodidata, feito para nós mesmos —, pelo menos do que se produziu até agora, a conclusão especificamente sobre esses dispositivos, de todos os convidados que hoje se manifestaram, é a de que o projeto não é bom.
Não houve um que fizesse a defesa de que o projeto deve passar e de que ele vai resolver os problemas. Todos os palestrantes apontaram erros e atecnia no projeto. Talvez, a questão de que esse projeto pode subsistir ou não, vai demandar, efetivamente, um esforço muito grande de V.Exas. que, pelo menos, nesses dispositivos já analisados, terão de reescrever praticamente todo o projeto, porque, da maneira que está, não subsistirá.
Mais uma vez, eu gostaria de agradecer a oportunidade, especialmente à Deputada Margarete Coelho.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Dr. Humberto. Peço desculpas mais uma vez por ter tomado tanto tempo de V.Sas.
Passo a palavra ao nosso convidado, o Delegado Carlos Eduardo Pellegrini Magro, para fazer suas considerações finais. Fique à vontade.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Vou tentar pontuar todas as perguntas que me foram feitas com a mesma velocidade do professor da USP, se Deus quiser, que é igual ao Ayrton Senna na língua. (Risos.)
Primeiro, eu considero a defensora aqui uma irmã; uma irmã de sangue, brasileira igual a mim, para eu poder traduzir textos em três línguas, estudar em Granada e em Harvard. Os meus antepassados moraram ao lado da favela em Heliópolis, onde eu fui criado na minha infância e adolescência. Tenho olhos claros, mas somos irmãos de sangue, somos todos brasileiros. Queria responder nesse sentido.
Primeiro erro no Direito brasileiro é dizer que o direito é universal. A academia culposamente compra essa ideia ou dolosamente a está propagando. O problema da Finlândia é o mesmo da Tailândia, do Brasil ou da Alemanha? Não. Se o método tem que ser e a sugestão do caso concreto para a norma, vamos esquecer esse outro método dedutivo das academias. Esse método não está funcionando. O método que os professores das academias estão ensinando não está funcionando na segurança pública. Vamos aplicar o método dedutivo do caso concreto para norma. E quem disse que a Alemanha é Brasil? Quem disse que a identidade filosófica de Hegel e de Kant é a nossa identidade analítica? Não é! O nosso problema é outro. Qual é a nossa identidade filosófica? Eu faço essa pergunta ao professor da USP, e gostaria que ele me respondesse durante o café.
14:22
RF
Nós não temos identidade filosófica. Ao lermos os textos dos professores universitários, vemos que são contraditórios, por falta de identidade histórica e filosófica. Direito universal?! Quem vendeu essa ideia foi a Revolução Francesa, e nós a compramos e dolosamente a propagamos para dar base a toda construção ideológica do nosso Direito. Agora queremos pegar a da Alemanha, alegando que a nossa origem é distinta: anglo-saxônica e germânico-romana. Conforme a história, os germânicos são descendentes dos saxões, e quem começou a escrita na Inglaterra foi Júlio César, em 56 d.C. Então, nós temos uma paridade histórica, sim. Precisamos mudar. Por que não implementamos o stare decisis no Supremo? Por que não o transformam em um tribunal constitucional e não ideológico, difundindo o conceito polissêmico? Esse é o grande erro.
Respondendo à pergunta do Deputado, o problema não é projeto de lei, é gestão. Afasta a corrupção endêmica, afasta a corrupção sistêmica e faz gestão no sistema penitenciário.
O estudo que será feito pelo Prof. Von Doellinger, do IPEA, junto conosco, no Ministério da Justiça, unificará toda a base de dados pelo SINESP — Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. Vai acabar a falácia para sustentar posicionamentos ideológicos.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada. Dr. Carlos Eduardo.
Passo a palavra agora à Dra. Lívia Casseres, para que faça suas considerações finais.
A SRA. LÍVIA CASSERES - Obrigada, Deputada Margarete Coelho.
Eu queria retomar rapidamente um ponto mencionado pela Dra. Maria Cláudia. Quero lembrar aos Parlamentares que, caso esse projeto seja aprovado, ele vai ter efeitos retroativos. O que isso significa? Significa que qualquer pessoa condenada, inclusive presa, cumprindo pena hoje por feminicídio, poderá propor revisão criminal para alegar violenta emoção em legítima defesa. Qualquer chacina que tenha sido cometida e o condenado, que está em cumprimento de pena, entender que pode invocar a legítima defesa presumida, poderá propor uma revisão criminal. Isso, sem dúvida, acarretaria uma chuva de revisões criminais nos tribunais brasileiros.
Agradeço a todos os Deputados e Deputadas que trouxeram também suas contribuições e estiveram disponíveis aqui para a nossa exposição. Vou começar respondendo à consideração do Deputado Subtenente Gonzaga. Estou plenamente de acordo com V.Exa. quando diz que essa polarização é muito negativa para o nosso debate. A posição da Defensoria Pública, dos defensores que estão coligados ali na nossa Associação Nacional, é de que nós precisamos de polícia, sim. Nós queremos uma polícia, uma polícia que seja bem paga, uma polícia cidadã, uma polícia que esteja orientada para exercer uma política de segurança que não seja de guerra, mas de segurança cidadã. Em vez da defesa nacional, em vez do combate ao inimigo, ela teria por base a proteção da vida de toda e qualquer pessoa.
Essa é a política de segurança que a Defensoria Pública sustenta e acredita. Não é uma coisa tirada da caixinha dos nossos delírios. Essa é uma proposta da própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem uma avaliação muito crítica das políticas de segurança de todo o Cone Sul, no sentido de que elas ainda são muito viciadas, com heranças dos regimes autoritários que nós vivemos recentemente.
14:26
RF
Há ainda, por exemplo, um passivo muito grande no controle do uso da força. Mas acreditamos que o controle do uso da força envolve não apenas a responsabilidade daquele agente que está lá na ponta, que necessita tomar a decisão de salvar a sua própria vida e efetuar um disparo, por exemplo. Isso envolve sobretudo cadeia de comando e responsabilização de quem está no topo da hierarquia dessa própria cadeia.
A ideia de transparência, prestação de contas e accountability é a diretriz que a Defensoria Pública propõe e acredita para a justiça dessa política de segurança que seja capaz de proteger a vida tanto do favelado quanto do policial, do praça, que está se expondo naquela comunidade a um armamento de alto poderio bélico.
Só quero deixar claro que eu estou de pleno acordo com V.Exa. sobre a importância das polícias para a democracia brasileira, mas com o pequeno grão de areia de que nós entendemos que existem algumas reformas estruturais muito importantes.
Só para complementar, Deputados e Deputadas, sobre a possibilidade de uma política de segurança cidadã real e efetiva, nós acreditamos que existem condições técnicas, sim, de as nossas polícias colocarem isso em prática independentemente do poderio bélico que as facções criminosas utilizam hoje. Por quê? Porque existem dados concretos de políticas menos letais, como os das Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro. Por mais críticas que nós possamos ter a elas, elas representaram uma queda muito importante na taxa de homicídios, na letalidade e na vitimização policial.
O elemento do fuzil é sempre lembrado para justificar o confronto, a intervenção bélica nas comunidades. Lembro de uma celebridade recente, o denunciado Ronnie Lessa, que foi identificado pelo Ministério Público como um dos acusados responsáveis por executar a Vereadora Marielle Franco. A apreensão de fuzis que foi realizada numa das casas identificadas como de propriedade desse senhor foi a maior da história do Estado do Rio de Janeiro. Foram 117 fuzis apreendidos, sem um disparo de arma de fogo, sem colocar nenhum civil em risco, sem representar nenhuma ameaça para aquele bairro e para aquela comunidade.
Isso deixa muito claro que, se houver vontade política de exercer uma política de segurança cidadã, tecnicamente é possível, sim. Basta haver investimento nos setores de inteligência, no aparelhamento, com perícia criminal, para que se melhore esse índice de apuração de homicídios e se reduza inclusive o grau de risco a que nossos policiais estão expostos. Esse também é um dos motivos pelos quais acreditamos que existe viabilidade técnica nisso.
A falta de controle, Excelências, de responsabilidade desses atos abusivos também não é uma coisa que a Defensoria está inventando. Eu acho que hoje o maior medo de um policial — os senhores me corrijam se eu estiver falando besteira — não é ser processado, é ser morto. O bom policial tem medo de morrer, ele não tem medo de ser processado. Em geral, os policiais não são processados por abuso no uso da força. E, quando processados, raramente são condenados. Isso também não sou eu que estou inventando. Existem dois estudos importantes e paradigmáticos no Estado do Rio de Janeiro, um produzido pelo Prof. Michel Misse e outro produzido pelo Prof. Ignacio Cano, que mostram que o índice de denúncia de homicídios perpetrados por agente do Estado é menor do que 1%.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - É estatística do Rio de Janeiro de novo. Depois, vamos ver a de Minas Gerais. (Riso.)
A SRA. LÍVIA CASSERES - Certo.
14:30
RF
Esta é a colocação que eu gostaria de trazer para finalizar: esse padrão sistemático de ausência de controle do uso abusivo da força estatal envolve não só as polícias assim como o sistema de justiça, que é importante também chamar para essa responsabilidade.
Como diz o Delegado Orlando Zaccone, "a polícia não mata sozinha". Não é possível responsabilizar apenas aquele praça que está lá tomando a decisão sozinho, que não tem uma cadeia de comando clara. Ele não tem um superior hierárquico observando tudo o que está fazendo naquela operação para lhe dar umas diretrizes e não tem nem o objetivo da operação com clareza. Muitas vezes, ele sai para cumprir uma ordem sem saber exatamente qual é o objetivo geral daquela operação e qual é a metodologia que vai ser utilizada. E ele é colocado em risco pelos nossos gestores da política de segurança.
Isso envolve também o sistema de justiça no sentido de que, de certa forma, os promotores de justiça, os membros do Ministério Público que estão pedindo arquivamento desses autos de resistência que não são apurados, os juízes e as autoridades judiciais que homologam esses arquivamentos também precisam ser cobrados dessa responsabilidade.
Deputada Margarete, eu só queria pedir 30 segundos para concluir.
Queria fazer um desagravo aqui muito importante, não para a minha pessoa, de forma alguma. Estou muito feliz de estar aqui, estou muito honrada com todas as contribuições que V.Exas. trouxeram, mas gostaria de lembrar a memória das vítimas da violência do Estado do Rio de Janeiro. Especificamente, queria chamar à memória duas crianças: a Maria Eduarda, que foi assassinada no pátio da escola, com um tiro de fuzil disparado por policiais militares que são recordistas de autos de resistência no nosso Estado; e o Eduardo, um menino de 10 anos, que foi morto também por um tiro de fuzil disparado pelos nossos agentes estatais na porta da sua casa.
Em homenagem à D. Terezinha, mãe do Eduardo, e aos familiares da Maria Eduarda, eu gostaria de lembrar que as vidas negras importam, sim. O que vemos de mais grave em todo esse debate — e gostaria que os Deputados tivessem atentos e sensíveis para essa questão — é como o racismo se manifesta na nossa sociedade. O que estamos falando aqui é de desumanização dos corpos negros. No momento em que os senhores e a nossa sociedade tomarem consciência de que o corpo negro, a vida negra importa, todos nós estaremos protegidos, a nossa democracia estará protegida.
Muito obrigada, Deputada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço à Dra. Lívia Casseres.
Passo a palavra para o nosso convidado Maurício Stegemann Dieter.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Muito obrigado.
Deputada, não quero ser indelicado, mas, fatalmente, vou ultrapassar o tempo, porque são muitas questões. Como elas não fazem parte do parecer que eu entreguei, porque foram apresentadas aqui, vou me permitir mencioná-las apenas superficialmente, porque acho que todos estamos de acordo de que chegamos a um horário limite, em que a própria reflexão sucumbe diante das necessidades fisiológicas que nos ocupam.
Deputado Subtenente Gonzaga, há uma provocação interessante na sua pergunta. Talvez nem mesmo o senhor esteja consciente disso, mas ela é muito interessante, porque dá a mediação entre as três formas de polícia que se articulam hoje: a polícia ostensiva, cumprida pela Guarda Municipal, pela Polícia Militar e um pouco por certo setor da Polícia Civil; as Forças Armadas, quando são convocadas nessas operações; a polícia investigativa, no Brasil conhecida como Polícia Judiciária; e a polícia operativa — um nome brega —, que monta operações para prender pessoas em situações mais ou menos seletivas.
Essas três formas de polícia se articulam e exercem atividades típicas e atípicas. Se é interessante ou não do ponto de vista do sistema de justiça criminal brasileiro atribuir à Polícia Militar a possibilidade de investigar, é bastante discutível, porque vamos ter que promover a integração de dois campos hoje que estão bastante separados por formação, por salário, por cultura.
14:34
RF
Parece-me interessante — e aí concordo com V.Exa. — pensar um programa de polícia, como o da polícia britânica, por exemplo, em que o sujeito ingressa e começa a exercer atividades típicas de controle do trânsito, mas que pode terminar como police officer, ao último cargo da carreira, desenvolvendo habilidades tanto ostensivas quanto investigativas, porque elas fazem falta e entre as quais o diálogo asseguraria uma polícia mais técnica.
É claro que isso implica outras medidas, que dialogam um pouco com uma das perguntas lançadas pelo Deputado Marcelo Freixo sobre a redução da letalidade policial, mas o senhor verá que elas irão se articular. Mas a sobrevida é muito interessante do ponto de vista criminológico e ela requer um estudo, que ainda não há no Brasil para promover isso. Existem projetos de lei para reformar a polícia — o Deputado deve estar bem consciente disso. Mas ainda não há uma massa teórica crítica que consolide esse processo. Existem indicativos nas pesquisas, em alguns trabalhos monográficos, em algumas dissertações de mestrado, mas é preciso um acúmulo maior.
Entretanto, Deputado, considere o seguinte: o Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da USP conta com três professores de criminologia; é um dos poucos departamentos de Direito Penal das universidades brasileiras que possui criminologia. O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo cumpre um papel extraordinário nisso, mas ainda falta — falta! Por isso é que precisamos tanto aproveitar as experiências estrangeiras. Por exemplo, é muito difícil se obterem dados sobre vitimização no Brasil. Por essa razão é que sempre acabamos remetendo às mesmas fontes e coincidindo com elas, porque a própria discussão metodológica precisa ainda de maior fundamentação. Então, há muito o que fazer.
Existe essa potência e essa vontade nas universidades. Mas, conforme lembrou a Deputada Carla, eu disse em 2016 que a universidade continua lá. É preciso ter acesso ao Parlamento: "Olha, precisamos de um estudo assim. Vocês podem nos ajudar?"; "Sim, com o maior prazer." Essa interface é importante. Mas, desde lá, não tivemos notícia. Fomos convidados a vir aqui para expor as conclusões, em 20 minutos, que se baseiam nas bibliotecas que consumimos, à custa do nosso sacrifício pessoal, à custa do nosso sacrifício profissional para nos dedicarmos à academia, ao Parlamento e a outras atividades. Mas isso não dá conta da complexidade do tema da segurança pública. Todos aqui estão de acordo que isso leva muito tempo.
Eram essas as considerações breves que eu queria fazer.
Em relação ao Deputado Fábio Trad, agradeço pelo tom cordial. Muitos mencionam que esta é a Casa do Povo, e o Deputado me fez sentir em casa de maneira bastante singela. Obrigado por isso.
Eu vou resistir à coisa tão panfletária de dar nota, porque eu não gosto das iniciativas que foram conduzidas enquanto juiz ou quando Ministro o Sergio Moro. Não tenho diferença pessoal alguma com ele, mas tenho diferença ideológica marcada, bastante clara, e também uma diferença técnica, criminológica, bastante marcada, porque o meu campo é criminologia, e o campo dele é o processo penal. Ele sempre operou nos interstícios do processo penal. Fala-se muito em brecha de lei, mas não lembro ninguém que tenha explorado mais a brecha da lei do que ele, para poder condenar as pessoas que condenou e como condenou. Isso hoje é histórico, nem é mais um assunto em debate. Se ele conseguiu fazer o que fez — e o Prof. Humberto disse isso — com a lei do jeito que estava, a primeira pergunta que faço é se precisamos mudar a lei, já que ele conseguiu deslizar por esse conteúdo legislativo para realizar o que era um desiderato declarado dele e que depois se manifesta na realização política desse desiderato, também novamente um fato histórico.
Mas vou lhe dar como indicativo de nota o seguinte: o Instituto dos Advogados Brasileiros, que mencionei aqui, fez um estudo extraordinário de todas as propostas e disse que só duas eram aceitáveis. Eu fui um pouco mais rigoroso. O Prof. Humberto disse não haver nenhuma; eu acho que há só uma. Mas, nem tanto assim. Quer dizer, pode ser, mas não precisa, que é a Proposta nº 309-A, que diz: "Em casos de evidente caso de justificação, legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento legal, exercício legal do Direito ou consentimento do titular do bem jurídico, quando é evidente que se está em legítima defesa — quando é evidente, claro — você não realiza o flagrante". É a proposta dele. É uma boa medida, só que não é preciso, porque já pode ser assim.
14:38
RF
E aí vou entrar um pouco na literatura técnica. Se você adotar a teoria bipartida, do tipo de injusto, que pressupõe que tipicidade e injuridicidade compõem uma unidade, o requisito para apresentar a ação penal, que é a tipicidade aparente, não se perfaz, porque o tipo de injusto aparente não está presente. Então, a Proposta 309-A é uma medida aceitável, pois diz para não se prender em flagrante quem estiver em evidente caso de legítima defesa. Imagine se você tiver o infortúnio — para mim, não é uma atividade que vai trazer realização alguma — de ter que matar alguém para defender a própria vida e é visto nessa cena, você não tem que ser preso. Pelo amor de Deus, não é preciso mudar a lei! Um pouco de rigor técnico resolveria isso. Mas é uma das mudanças que eu endossaria. Eu falo de uma dentre todas as mudanças, o IAB diz duas, e o Sr. Humberto diz nenhuma. Vamos calcular a nota a partir de uma banca de três professores.
Em relação a algumas provocações, temos perguntas da Carla Zambelli. Eu vim a convite do Grupo de Estudo. É uma honra ser convidado para vir aqui. Não é a primeira vez que venho; salvo engano, é a quinta vez que participo. Mas, por favor, tentem pensar no lado de quem está aqui. Seria mais cômodo eu ficar em sala de aula, para alguns, doutrinando os meus alunos. Quem me dera; alguns dormem durante a aula, outros ficam olhando o celular. Imaginem se eu posso doutriná-los. Eu tenho coisas para ler, estudos para fazer, relatórios, e-mails... Professor universitário hoje responde mais a e-mails e faz mais relatórios do que estudos. É uma rotina difícil. Fora isso, há a parte da advocacia. É a parte central da minha vida: eu me dedico mais a ser professor, que é a minha vocação. E venho para cá expor conclusões em 20 minutos.
Eu pareço locutor de jóquei no final, porque eu gostaria de transmitir as preocupações honestas que tenho. Vai haver infiltração ideológica? É óbvio que vai haver, porque política se faz com convicção. E tenho a convicção de que nós estamos no caminho errado, porque os índices de letalidade são elevadíssimos, porque a polícia é vítima e vitimizadora, porque a academia tem problemas orçamentários, etc.
Estar aqui significa mudar a ideia da vontade popular, estou expressando a minha opinião. Os Deputados não estão aqui para serem mera expressão da vontade popular, eles são representação qualificada! Os senhores precisam ser melhores do que nós, sociedade civil, precisam ser mais inteligentes, mais estudiosos, mais dedicados, mais beligerantes. Se os senhores fossem simplesmente o populacho, a rua, a turba que pede o linchamento, Deus me livre deste Congresso! Se venho para cá para tentar qualificar este debate a partir do meu ponto de vista, das minhas perspectivas, com dados e teoria, eu o faço de coração aberto, e viria sempre.
Agora vou dizer o que a Universidade de São Paulo representa nesse sentido. A Profa. Janaína Paschoal foi minha colega da Universidade de São Paulo, com quem tenho uma ótima relação, é Deputada eleita pelo PSL, realiza seu trabalho parlamentar, e nós somos colegas de departamento! Se isso não é atestado de democracia, de convivência, de divergência de ideias num espaço que respeita o pressuposto científico, fica difícil dizer o que é.
Em relação às dez medidas, estava certo no que disse. Tanto é verdade que eu estava certo que esse projeto foi para o espaço. E o primeiro a renegá-lo foi o próprio Ministro Sergio Moro, que poderia tê-lo resgatado, mas é outro poder. É aí que digo que aparece um interesse corporativista, que é um interesse privado, porque não é um interesse universal, em que nós sublimamos a condição do indivíduo para realizar algo universal como conceito de cidadania, por exemplo. Não. É a defesa de um interesse corporativista, particular, no sentido de pertencer a uma classe, e que agora teve a via facilitada sob o pretexto de combater a violência, o crime organizado e a corrupção. Não é esse o caso. É isso que eu preciso dizer aos senhores.
Deputado Marcelo Freixo, primeiramente, quero dizer que é uma honra me dirigir ao senhor, cuja biografia conheço. Inclusive, tenho muito orgulho de estar na mesma sala que o senhor. Esse é o nível de admiração, para dizer em palavras francas. Acho que o senhor faz um trabalho extraordinário aqui e quero dizer que a sua preocupação me parece correta. Eu fiz parte da Comissão para reforma da lei de drogas. Passei 6 meses aqui em Brasília, junto com o Ministro Rogerio Schietti, com o Ministro Ribeiro Dantas, com o Desembargador Ney Bello, com o meu colega Pierpaolo Bottini, para pensarmos uma nova Lei de Drogas. Repito, foram 6 meses. É óbvio que a saída tem que ser por ali. Veja como é um problema que ultrapassa partidos políticos e ideologias. Quem produziu o encarceramento em massa no Brasil foram os Governos do Partido dos Trabalhadores. Se nós pegarmos a curva ascendente disso, foi com a reforma da Lei de Drogas. Então ali que está o problema. Se os senhores querem descriminalizar e diminuir a população carcerária, o ponto nevrálgico — qualquer abolicionista diria: "Olha, o primeiro caminho seria começar a regulamentar, de maneira estrita, produção comércio e consumo. Não há outra saída". Vejam, 2 horas de estudo sistemático vai lhe apontar essa mesma direção. A polícia está cansada de matar e morrer numa guerra que é infinita. O consumo de drogas não diminui, a qualidade das drogas aumentou e tem gente morrendo em nome disso. Pedir que os policiais continuem a morrer na guerra às drogas é o grande problema a ser enfrentado, em termos de redução da letalidade dos dois lados. Nisso acho que concordamos absolutamente, em diagnóstico.
14:42
RF
Quero lhe indicar um projeto, Deputado, pela sua importância, pela sua projeção, pelas posições que sempre teve de maneira coerente, sem demérito aos outros Parlamentares, mas como essa é sua militância e causa específica, quero lhe indicar um projeto do CNJ agora chamado Justiça Presente que mereceria o seu olhar. Trata-se de uma iniciativa que visa à redução dos presos provisórios — esse é um grande problema —, por meio das audiências de custódia, que não se realizaram completamente ainda, no sentido de evitar que as pessoas sejam presas preventivamente. Por isso, é uma forma catalisadora de criminalização. Quanto antes a pessoa ingressa no sistema carcerário, muito provavelmente ela será ou criminalizada ou praticará um novo crime. Portanto, há um foco muito grande nas audiências de custódia, há um foco muito grande em trabalho como mobilidade social dentro do cárcere. O que é o trabalho hoje no cárcere? Passar o tempo, certo? Se o sujeito tiver sorte de ter trabalho, vai costurar cueca, vai fazer bola. É muito difícil ele ter trabalho, e, quando tem, é pouco. O sujeito não sai instrumentalizado para utilizar aquele trabalho para poder ter inserção social. Ele não tem nem documentos. Essas são alternativas que o CNJ está enfrentando com muita coragem, preciso lhe dizer. Acho que mereceria sua atenção nesse sentido como sugestão.
Em relação aos policiais, o Deputado Subtenente Gonzaga vai concordar comigo. Não dá para haver trabalho paralelo. Enquanto o policial tiver duas, três jornadas, ele está em risco, porque ele está exposto, ele vai ser identificado como policial. Então, a valorização dos policiais, para que eles não tenham que ter o bico, para que não tenham que ter uma atividade secundária, também parece algo óbvio que faz parte de um programa complexo como esse. Eu já estou encerrando.
Em relação à pergunta do Deputado Orlando Silva — ele teve que nos deixar — sobre prescrição, lamento, mas não há tempo para enfrentar isso. Só quero colocar duas questões para a reflexão dos Deputados. A primeira é a seguinte: o que está previsto para prescrição será reduzido. Diz o projeto que é para crimes violentos à pessoa, crime organizado e corrupção. Deputados, os senhores já viram qual é a pena máxima de corrupção, para crime organizado e a maior parte dos crimes violentos contra a pessoa? Esses crimes não prescrevem. Os senhores terão que procurar na jurisprudência, pinçar na jurisprudência um caso de homicídio que tenha prescrito. Existe? Sim, eles servem de espantalho, certo? Mas a maior parte dos crimes violentos contra a pessoa e dos crimes de corrupção são praticamente imprescritíveis, especialmente depois das reformas que foram feitas na segunda década do milênio, de 2010 em diante.
Essas reformas que alteraram a prescrição já tornam muito difícil. Quem é advogado aqui pode testemunhar isso. Tente prescrever um caso desses. É muito difícil! Agora, injúria, crimes que ofendem pessoas ricas em certos contextos são fáceis de prescrever. Os crimes por exemplo como furto, que estão sujeitos à prescrição, são: subtração sem violência ou grave ameaça. Quer dizer, não é o objeto do projeto. Então, nisso o projeto é mentiroso, porque ele diz que vai mirar numa coisa mas acaba afetando outra. Mexer na prescrição hoje, que ainda é a principal causa de absolvição, vai produzir um efeito difícil de ser mensurado. Será como um efeito bola de neve a soma dessas condenações adiante. Para encerrar, o Deputado Hildo Rocha falou do aumento das milícias, em relação ao Deputado Marcelo Freixo, e depois o Deputado Paulo Teixeira falou sobre o problema do projeto Alexandre de Moraes.
14:46
RF
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Desculpe, podemos dialogar sobre esse assunto depois? Eu tenho que terminar a minha fala para poder apresentar isso.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - O senhor fala por 20 minutos?! Eu estou me sentindo desrespeitado aqui.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Se a Presidência lhe facultar a fala, acho legítimo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Deputados, só um instante.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Poxa, pelo amor de Deus, representante da Casa do povo.
O senhor fala e eu não falo. A sua afirmação é falsa.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Tudo bem. Cabe à Deputada Margarete Coelho cumprir ou não.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Por que a afirmação é falsa?
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Mantenha a ordem nesta Mesa.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Deputados, por gentileza.
Eu vou permitir, Deputado, mas por gentileza, esta Mesa tem uma coordenação. Eu estou nesta coordenação. Eu não vou abrir mão dela. O senhor me desculpe.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Desculpe, Deputada, mas eu estou me sentindo desrespeitado, porque eu obedeço ao tempo, a lei e a ordem.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Até agora, o senhor percebeu que todo o tempo que foi utilizado em excesso eu garanti aos demais as falas.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Então eu posso falar 20 minutos a mais.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Se o senhor quiser, eu estarei aqui disposta a lhe ouvir. Não sei se os demais, mas eu estarei. Eu lhe garanto isso.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - A afirmação da senhora é falsa.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Convidado, eu estou com a palavra.
Por gentileza, vamos ouvir atentamente cada um. Esta Mesa tem uma coordenação. Se o senhor quiser falar por 20 minutos, eu vou ouvi-lo. O senhor está aqui a nosso convite. Este é o meu dever. Agora, é nosso dever também ouvir os demais enquanto eles estão com a palavra. Agradeço muitíssimo a compreensão de todos.
Vou permitir ao nosso convidado que conclua. Já está tarde, todo mundo está cansado, eu entendo. Peço a compreensão dos senhores.
Peço que conclua, Prof. Maurício.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Desculpe. De certa forma, dou razão ao Delegado, porque realmente ultrapassei o tempo. Eu disse que faria isso. Vejo a dificuldade que tem este Grupo de Trabalho, não é? Precisam debater temas complexos, põem questões importantes, e aí eu posso não respondê-las, fica por isso mesmo. Este debate não é público e não se caracteriza assim.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Sra. Presidente, eu apenas queria dizer que o fato de ele estar falando e nós ouvindo significa que estamos interessados em ouvi-lo. Acho que ele está respondendo as questões que nós formulamos e estamos interessados em ouvi-lo, senão nós teríamos já deixado o ambiente. Então, não há desrespeito algum.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu não cortei o tempo de absolutamente ninguém. Só quero deixar anotado isso.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Ele está falando já há 15 minutos.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Mas se o senhor quiser esse tempo de volta, eu já lhe disse que o senhor terá essa garantia. Não precisa de tanto inconformismo. Tenha paciência.
Vamos lá, conclua, por favor.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Bom, Deputada Margarete Coelho, novamente peço desculpa. Sei que avancei no tempo, não é uma questão de descortesia, nem de desrespeito pessoal. Enfim, como enfrentar uma pergunta de um Deputado da estatura do Deputado Marcelo Freixo, a quem respeito demais? Como posso atender uma questão dessas acadêmica e dizer que vou responder em 3 minutos? V.Exas. sabem que isso é impossível.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu lhe agradeço o excesso de tempo.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Enfim, o projeto Alexandre de Moraes é um problema, porque a metodologia que nos foi passada pela Presidência inclui apenas essa alteração específica na relativização dos critérios para legítima defesa. Espero ter exposto bem quão perigoso é você elastecer o âmbito da situação justificante que caracteriza a possibilidade de uma ação justificada. O que o projeto do Sergio Moro faz é as duas coisas: ele amplia a possibilidade da situação justificante, porque ele cria risco iminente de conflito armado, que é um conceito absolutamente indefinido ou inaplicável à realidade brasileira e, na ação justificada como reação, ele flexibiliza o uso imoderado de meios desnecessários na medida em que — e aí veja o contraditório — ele falou por muito tempo que ia afiançar a validade do Tribunal do Júri. Só que o que ele faz, permitindo que o juiz possa exculpar, perdoar a pena, é permitir um veredito condenatório e absolver. Ou seja, você está tirando o poder do Tribunal do Júri, e não atribuindo a ele um poder maior. Essas são as últimas questões que eu ia mencionar.
14:50
RF
Os dados corretos de 2018 são 51 mil. Acho que esse é um problema. É claro que eu tenho que estudar mais. Todos temos que estudar mais. Estudar mais é da condição do professor, do pesquisador. Por favor, todos estudemos muito mais sempre! Agora, é preciso, primeiro, poder ler. A pesquisa do Google que indica que há 62 mil mortos é de 2016. Aí nós estamos confundindo critérios. Temos o IPEA, que faz essa pesquisa; o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a produção do Atlas da Violência e Mapa da Violência. Metodologias de dados, que têm que ser verificadas, implicam esse tipo de recorte. O primeiro resultado, embora pareça ser o correto, nem sempre o é. O dado que nós temos — do meu ponto de vista, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública tem a melhor metodologia para a análise disso — é que era de 59,5 mil em 2016 e de 51 mil em 2018. Mencionei isso não é para, de nenhuma maneira, fazer apologia da violência. O número de mortes é só para indicar um fato: que não existe correlação clara ou necessária entre mudanças legislativas draconianas e redução da letalidade entre as pessoas ou pela autoridade pública.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Sra. Presidente, eu queria apenas fazer um reparo à fala do Dr. Dieter.
Dr. Dieter, a nova Lei de Drogas foi aprovada em 2006, no Governo Lula, mas não é de autoria do Governo Lula. Ela foi relatada pelo então Senador Romeu Tuma. Quando eu me elegi para esta Casa, em 2007, logo me apresentei como um crítico dessa legislação, junto ao Governo do então Presidente Lula, dizendo que ela poderia ser altamente encarceradora. Mas, por justiça, não foi da iniciativa do Presidente Lula, do Governo do PT.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sra. Presidente, quero fazer uma defesa aqui da minha pergunta. Não teve caráter panfletário. Mas mesmo tendo tanta gentileza o nosso Prof. Maurício, ele indiretamente ele deu nota, sim, porque, se ele aprovou um ponto num projeto que tem vinte, a nota é meio. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Por ser regimental, Dr. Carlos Eduardo, eu estou concedendo ao senhor a tréplica. Por gentileza, pode fazer uso do microfone para isso.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - É por isso que a segurança pública não funciona no Brasil. Ninguém respeita a estrutura de poder, lei e ordem. Eu tentei respeitar os 3 minutos. É por isso que nós criamos ideologias em acórdãos e faz 170 páginas prolixas para defender uma ideologia.
Primeiro, o projeto em momento nenhum...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Dr. Carlos...
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Eu vou ser técnico agora.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Espere um pouquinho. A palavra continua ainda com a coordenação, que tem prioridade.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Perfeito.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Na verdade, a crítica que o senhor dirige é à nossa coordenação. Realmente, eu entendi, por estarmos todos cheios de boa vontade aqui e termos todos extrapolado o tempo, que não devia cortar a palavra de ninguém. Essa foi uma opção minha, uma discricionariedade minha. Eu aceito a crítica que o senhor fez, mas fiz isso com muita consciência. Então, o senhor também tem inclusive o direito de extrapolar o seu tempo.
(Não identificado) - E a Presidenta teve o apoio de todos os membros do grupo.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Muito obrigado, Presidente.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Presidenta, eu apenas quero dizer que o Prof. Dieter, assim como outros, tiveram um maior número de questões também. Então, por isso eles utilizaram mais tempo. Nós estamos aqui, às 15 horas, sem almoçar, ouvindo. Então, o tempo para nós é para essa finalidade.
14:54
RF
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Eu vou tentar abordar todas as questões aqui que eu não consegui em respeito ao tempo. Agora que posso extrapolá-lo, vou falar sobre todas as minhas anotações.
Primeiro ponto, o projeto não fala em inimigo. Isso é uma construção ideológica. O projeto não fala em mudanças draconianas. Isso é uma construção ideológica. Todo mundo sabe que a construção da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é a pena-base no mínimo. E pena-base no mínimo tem levado, sim, conforme estatística da Polícia Federal em crime de corrupção, à prescrição. Prescrição é uma matéria de direito material. Ele não é nem processual. Causa até horror ouvir de um professor de uma universidade que a prescrição vai levar à morosidade no processo. Isso é mentira! No Código de Processo Penal — basta uma simples leitura —, você vai ver que há prioridades para determinados crimes. Em crimes hediondos, principalmente, há prioridade no trâmite.
Segundo ponto, a Corregedoria da Polícia Federal é extremamente atuante. Os inquéritos de corrupção não demoram mais que 2 anos para serem instruídos e relatados, apontando autoria, individualizando conduta e comprovando a materialidade. E são crimes complexos, porque envolvem organização criminosa ou associação criminosa. Isso é fato. Permito ao professor sair da USP, atravessar a rua e ir à Polícia Federal. Ele pode pagar esses dados estatísticos ou me passar um e-mail que eu lhe passo esses dados estatísticos da Polícia Federal em relação a combate de crime contra corrupção.
É por isso que eu falo que a academia está distante da realidade social. A academia não visita nem a Polícia Federal nem a Secretaria de Segurança Pública para fazer essa troca de informação. Municia-se com informação de institutos privados. É por isso que eu falei: o SINESP, agora, numa sinergia entre o Ministério e o IPEA, vai acabar com esses dados estatísticos que estão formulando teses ideológicas e chamando o projeto de inimigo. O ex-agente da KGB Yuri Bezmenov deu uma palestra nos Estados Unidos, em 1983, explicando por que chamam tais projetos de inimigos, de draconianos — esses rótulos aí. O senhor vai entender por causa desses rótulos utilizados.
Terceiro ponto, o projeto do Alexandre de Morais, nas suas comissões de notáveis, em momento algum abordou legítima defesa, em momento algum abordou parte geral do Código Penal. Ele passou em livramento condicional. Por isso, vocês não conseguiram nesta Comissão discutir assuntos relativos à teoria geral do crime ou teoria geral da pena. Estava lá nos efeitos dessa pena.
Vamos lá. Agora que eu tenho a palavra e vou usar todas as minhas anotações que eu preparei para vir aqui, conseguirei abordar todos os temas. Outro tema. Prescrição. Ele coloca outras causas interruptivas da prescrição: sentença condenatória. É justo! Deixem-me pegar aqui a minha anotação. Eu fiz tantas anotações, mas o meu respeito profundo a esta Casa é tamanho que eu utilizei apenas os meus minutos.
Permita-me, por favor, só tenho mais algumas anotações que já vou passar a todos. No projeto, na parte que trata sobre a prescrição, se o oferecimento da denúncia é causa interruptiva, por que uma sentença condenatória, em que houve instrução criminal, em que houve inquérito policial... Não pensam vocês que o Ministério Público vai investigar, quem investiga é a atividade persecutória policial. E até tem que ser assim para haver uma isonomia, até uma igualdade, uma imparcialidade, uma produção de prova isenta. A Polícia, quando investiga, não investiga para punir. Ela investiga o fato. Há a causa interruptiva: publicação da sentença ou do acórdão recorrível. É uma causa interruptiva justa que não vai causar morosidade à investigação nem ao processo, nesses casos.
14:58
RF
Nós poderíamos até complementar, dizendo: "O trâmite dos procedimentos de corrupção, crimes graves e crimes de organização criminosa, criminalidade organizada têm uma tramitação diferenciada".
Eu prefiro, entretanto, destruir o projeto, trazer o estigma ideológico do inimigo, do draconiano... Isso aí não cola mais. Gramsci já enterrado e revelado, não dá mais para agir pelas sombras. Não sei quem citou Confúcio. A Terra lá não é mais de Confúcio. A Terra é de Mao Tsé-Tung. Se Confúcio estivesse vivo, já teria sido exterminado naquela terra que é de Mao Tsé-Tung.
Então, por que draconiano? Não entendo. Acho que é justo: publicação da sentença, acórdão recorrível, início da execução provisória. Sim, início da execução provisória, para combater a cultura de impunidade que existe neste País, cultura de impunidade dos servidores cooptados, que fazem dos nossos tributos arrecadados moeda de troca e da criminalidade que os menos abastados sentem. Eu sentia lá quando morava próximo à favela de Heliópolis até minha adolescência. Compartilhei aqui com a minha irmã de sangue.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Somos, sim, somos todos brasileiros. Você é minha irmã de sangue.
Então, lá eu sentia isso, eu sentia a impunidade...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Dr. Carlos, o senhor tem mais 2 minutos para concluir.
O SR. CARLOS EDUARDO PELLEGRINI MAGRO - Depois que esses dados estatísticos forem contabilizados de forma científica, tenho absoluta certeza de que se comprovará que a bala do fuzil que chega à favela de Heliópolis, onde eu morava, é mais do traficante do que policial.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço muitíssimo a V.Sas.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Quero só fazer um registro.
A bancada da bala foi citada aqui. Pelo menos fizemos uma coisa bacana: o SINESP, que vai permitir esta estatística.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu gostaria imensamente de agradecer, em primeiro lugar, a todos os membros da nossa Comissão, pelo compromisso com o nosso Grupo de Trabalho, muitíssimo obrigada, Sras. Deputadas, Srs. Deputados.
Quero agradecer enormemente a todos os nossos expositores: minha querida amiga, Dra. Maria Cláudia Bucchianeri, muitíssimo obrigada; muitíssimo obrigada também ao Coronel Elias, que não se encontra mais aqui presente; Dr. Humberto, muitíssimo obrigada; Dr. Carlos Eduardo, muito obrigada por sua fala; também Dr. Maurício Dieter, obrigada; Dra. Lívia, muitíssimo obrigada, é um prazer enorme tê-la aqui conosco.
Gostaria de reiterar o pedido que V. Sas. encaminhem ao nosso Grupo de Trabalho as suas contribuições, para que nós as disponibilizemos não só ao Grupo de Trabalho, mas também para estudantes, pesquisadores, jornalistas.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta audiência pública.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Presidenta...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Vou falar rapidamente.
Parabéns a V.Exa. pela paciência e pela conduta!
Queria agradecer a todos e todas e aproveitar para sugerir que as próximas reuniões sejam transmitidas pela TV Câmara.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Está sendo transmitido pela Internet ao vivo.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Pela Internet sim, mas não pela TV Câmara.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Presidenta...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Presidenta, permita-me parabenizá-la pela condução bem feita desta Mesa. A senhora nos honra como Deputados.
15:02
RF
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos, antes convocando audiência pública para o dia 23 de abril, às 9h30min, para debate e análise do tema 2 do roteiro de trabalho em plenário a ser definido.
Está encerrada a presente reunião.
Voltar ao topo