Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSDB - AL) - Bom dia a todas e a todos aqui presentes.
Declaro aberta a reunião ordinária de audiência pública destinada a debater o tema Os Impactos da Reforma da Previdência nos Direitos das Pessoas com Deficiência, em atendimento ao Requerimento nº 14, de 2019, de autoria das Deputadas Erika Kokay e Tereza Nelma.
Informo que este plenário está equipado com tecnologias que conferem acessibilidade, tais como aro magnético, bluetooth e sistema FM para usuários de aparelhos auditivos. Além disso, temos o serviço de intérprete de LIBRAS.
Informamos também que esta reunião pode ser acompanhada pela sala virtual no e-Democracia, cujo link pode ser acessado pela página da Comissão no site www.camara.leg.br/cpd.
Quero dizer, de início, que hoje é um dia muito corrido, porque há muitas atividades na Casa, reuniões e audiências públicas, em função da reforma da Previdência. E nós não poderíamos hoje deixar de debater aqui esse assunto.
Convido para tomar assento à mesa a Sra. Maria Aparecida Gugel, Subprocuradora-Geral do Trabalho e Vice-Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e da Pessoa Idosa — AMPID; o Sr. Márcio Raniere de Carvalho, Coordenador do Coletivo Nacional de Pessoas com Deficiência da Central Única dos Trabalhadores; a Sra. Marisa Furia Silva, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Autismo e membro do Conselho Nacional de Saúde; o Sr. Marco Aurélio Serau Júnior, professor da Universidade do Paraná, doutor e mestre em direitos humanos e Diretor Científico do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário — IBDP; e a Sra. Ana Claudia Mendes de Figueiredo, representante da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Informamos que o Sr. Moisés Bauer Luiz, Presidente do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência — CRPD, irá participar da reunião por videoconferência. Informo a todas e a todos que o Sr. Moisés já está a postos, esperando dar início a sua fala.
Registro a presença da Deputada Silvia Cristina, do PDT, uma mulher comprometida com a justiça social, com todos os brasileiros e brasileiras que mais precisam. Por isso, nós estamos aqui.
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Vamos dar início à nossa discussão sobre os impactos da reforma da Previdência nos direitos das pessoas com deficiência, que hoje representam cerca de 23,9% da população brasileira, ou seja, mais de 45 milhões de pessoas, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE. E quero dizer para vocês que existe outro estudo mostrando que houve uma redução desse número. Trata-se de um novo estudo, de um novo olhar sobre os questionários que foram aplicados. A meu ver, isso também merece ser objeto de uma audiência pública. E vamos convidar o representante do IBGE para vir a esta Comissão tratar desse assunto.
Muitas vezes, fico lembrando: até 2010, essa população representava 14,5%; segundo o censo de 2010, 23,9%. Agora, de acordo com esse novo estudo, em parceria com o Grupo de Washington, ligado também à ONU, esse percentual foi para 6,7%. Então, nós precisamos fazer essa discussão. O momento não é hoje, mas é bom precisarmos esse assunto.
O texto da proposta do Governo Federal para a reforma da Previdência — Proposta de Emenda à Constituição nº 6, de 2019 — modifica diversas regras na aposentadoria e outros benefícios da Seguridade Social para todos, incluindo as pessoas com deficiência, retira dos mais vulneráveis aquilo que já é pouco e menospreza direitos já conquistados anteriormente com tantas lutas e sacrifícios.
Diz-se que a reforma busca igualdade. Mas como debater igualdade em uma proposta que rebaixa as pessoas com deficiência a um patamar de miséria? Ela é um verdadeiro desmonte de direitos sociais. As pessoas com deficiência contribuintes da Previdência Social, tanto segurados como servidores, por motivo de desgaste funcional precoce, obtiveram o direito à aposentadoria especial antecipada, de acordo com a Emenda Constitucional nº 47, de 2005, que alterou os arts. 40 e 201 da Constituição Federal.
Vale ressaltar que estudos científicos apontam que a expectativa de vida das pessoas com deficiência pode ser inferior à da população sem deficiência por inúmeros fatores: desgaste funcional, com repercussão na condição de vida laboral e social; alguns apresentam fragilidade na saúde, o que ocasiona maior vulnerabilidade a acidentes ou a patologias; falta de acessibilidade nos ambientes gerais e no trabalho, dentre outros fatores. Para deixar isso ainda mais claro e realista, vamos somar a isso a entrada tardia no mercado de trabalho pela falta de oportunidade e pelo próprio preconceito social.
Podemos, então, concluir que, apesar da incrível capacidade de desenvolvimento e superação dessas pessoas, todos esses fatores interferem na possibilidade de os trabalhadores com deficiência cumprirem o mesmo tempo de contribuição que os demais. Por isso, é importante que tenhamos este momento para ouvir e debater juntos possíveis ações que venham a minimizar esses danos e, principalmente, unir forças para que as pessoas com deficiência não sejam afetadas tão injustamente por essa triste reforma.
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Antes de conceder a palavra aos convidados, eu gostaria de apresentar os principais pontos que vamos debater aqui. Nossa equipe, tanto a do nosso gabinete como a do gabinete da Deputada Erika Kokay, Dra. Aparecida, achou por bem mostrar aqui por eslaide alguns pontos. É claro que existem outros pontos. E aí nós estamos abertos. Vocês vão ver como foi que nós nos organizamos. Nós não somos especialistas, mas estamos nos dedicando, estudando junto com vocês. Sintam-se todos participantes. Sintam-se todos com o direito de reivindicar.
(Segue-se exibição de imagens.)
Hoje há duas modalidades. A primeira é o tempo de contribuição sem idade mínima: deficiência grave, 25 anos para o homem e 20 anos para a mulher; deficiência moderada, 29 anos para o homem e 24 anos para a mulher; deficiência leve, 33 anos para o homem e 28 anos para a mulher. Observação: o salário do benefício é 100% do salário de contribuição. Segunda: idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher.
Como a PEC faz a sua proposta? Deficiência grave, 20 anos de contribuição, homem e mulher; deficiência moderada, 25 anos de contribuição, homem e mulher; deficiência leve, 35 anos de contribuição, homem e mulher. Salário do benefício: 100% da média de todos os salários.
O próximo impacto é sobre a aposentadoria por invalidez e incapacidade. Hoje a aposentadoria é 100% do salário do benefício, respeitando o teto do RGPS, independente do tempo de contribuição.
A PEC propõe a seguinte mudança no art. 201, inciso I: "cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho em idade avançada."
Propõe a PEC 6/19: aposentadoria baseada em 60% da média aritmética das contribuições, com acréscimo de 2% ao que exceder 20 anos de contribuição. Se a incapacidade ocorrer antes dos 20 anos de contribuição, o valor da aposentadoria será de 60% do salário do benefício. Na hipótese de acidente de trabalho, doenças profissionais, doenças do trabalho, o valor do benefício será 100% da média.
O próximo impacto é sobre o Benefício de Prestação Continuada. Hoje pessoas com deficiência recebem 1 salário mínimo. Condições: qualquer idade — pessoas que apresentam impedimentos de longo prazo, mínimo de 2 anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Renda familiar per capita: um quarto de 1 salário mínimo.
Com a PEC 6/19, pessoas com deficiência receberão 1 salário mínimo.
Condições: em qualquer idade — haverá avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar; renda familiar de um quarto do salário mínimo; patrimônio familiar de até 98 mil reais — do Programa Minha Casa, Minha Vida; vedada acumulação com outros benefícios assistenciais.
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O próximo impacto é sobre a pensão por morte. Hoje é possível a pessoa com deficiência acumular duas pensões: a de pai e a de mãe. A PEC já diz que a pessoa vai ter que fazer a opção, porque ela só vai poder receber uma pensão.
Eu não vou fazer a discussão, porque aqui nós temos os especialistas que vão declinar sobre esses temas. Nós levantamos alguns impactos, mas pode haver outros impactos que vocês já sabem e que podem ser acrescentados.
Esse eslaide mostra o que nós propomos: manutenção do benefício integral do BPC. Propomos que a regra do BPC não seja mudada com essa reforma, que ela fique como está. Se não for para ajudar, se for para colocar o BPC a partir de 70 anos, quando o indivíduo vai ter direito ao salário mínimo, então propomos que seja retirado todo esse assunto do BPC da reforma da Previdência. Isso também já é uma posição do Colégio de Líderes da Câmara e da Confederação Nacional de Municípios, que requerem que seja retirado do texto da reforma da Previdência o Benefício da Prestação Continuada.
Também propomos: aposentadoria por invalidez com proventos integrais — 100%; aposentadoria especial para a pessoa com deficiência com proventos integrais — 100%; auxílio-inclusão, nos termos da LBI, de até 50%. Quando a pessoa com deficiência vai para o mercado de trabalho, para que ela tenha um estímulo para continuar, ela tem direito a receber pelo menos 50% do benefício, mas a reforma coloca só 10%. Qual é o estímulo que um deficiente vai ter para entrar no mercado do trabalho e só receber 10% do benefício?
E mais: pensão por morte com reversão de cota e possibilidade de acumulação com benefícios previdenciários e assistenciais.
Essas são as propostas que nós pensamos em trazer aqui para termos pelo menos um norte, Dra. Aparecida, e daí termos outras discussões a acrescentar.
No nosso último eslaide, fomos mais além. Nós colocamos uma proposta de agenda para que nós nos organizemos. Por exemplo: colocamos a data 26 de abril, sexta-feira, para estarmos aqui na Câmara e recebermos propostas de emendas, que podem ser enviadas inclusive por e-mail. A minha assessoria está aqui: a Adriana Toledo, Chefe de Gabinete; a Fabiana Maziero, que também é do nosso gabinete; o Odenildo; e o Michel, do gabinete da Deputada Erika Kokay. Nós fizemos essa agenda como uma sugestão.
Espero que até sexta-feira recebamos as emendas, para que possamos estudá-las. Vamos passar o final de semana trabalhando, mas, para a semana, nós temos que ter um grupo de pessoas, todos vocês ou mais pessoas, para nos ajudar a colher as assinaturas.
A emenda só vai ter validade na Comissão Especial se tiver 171 assinaturas. Então, nós precisamos estar juntos. Isso não depende só da Deputada Tereza Nelma, da Deputada Erika Kokay, do Deputado Eduardo Barbosa, da Deputada Silvia Cristina, depende de todos nós.
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Eu quero dizer para vocês que nós estamos um pouco atrasados. Vários movimentos já estão aqui nos corredores nos pedindo assinatura para emendas. Nós também precisamos apresentar, principalmente as pessoas com deficiência, os idosos, as nossas emendas e pedir apoio a cada um. Eu faço um apelo a quem conhece um Deputado ou Deputada: converse com ele para que ele abrace as emendas que vão ser apresentadas. Isso depende de cada um de nós, não depende apenas de um, e sim do conjunto. Somos 513 Deputados e Deputadas, mas precisamos do apoio de um terço, que são 171 assinaturas.
Então, não nos deixem sós para nós fazermos isso. Nós precisamos que todos vocês participem. É como vocês dizem: "Nada sobre nós, sem nós". Não é ficar no muro da lamentação, não é ficar dizendo porque não, porque eu, porque eu sou... Vocês têm que vir junto conosco. Nós estamos junto de vocês.
(Segue-se participação por videoconferência.)
O SR. MOISÉS BAUER LUIZ - Bom dia, Exma. Deputada Tereza Nelma. É uma alegria poder participar desta audiência, mediante o seu convite. Quero cumprimentar em seu nome todos os Parlamentares que integram a Comissão Permanente de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara.
Em nome da Dra. Maria Aparecida Gugel, quero cumprimentar todos os integrantes dessa Mesa, que compõem junto comigo este momento muito importante da nossa luta.
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Antes de entrar no mérito dos pontos da reforma proposta pelo Governo atual, os quais, entendemos, causam impacto na vida das pessoas com deficiência, eu quero dizer que o Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência representa sete organizações nacionais de pessoas com deficiência, a saber: Associação Brasileira de Autismo — ABRA, cuja Vice-Presidente Marisa Furia dá-me a honra de dividir esta Mesa comigo; Comitê Paralímpico Brasileiro — CPD; Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos — FENEIS; Organização Nacional de Cegos do Brasil — ONCB; Organização Nacional de Entidades de Pessoas com Deficiência Física — ONEDEF; Federação Nacional das Associações Pestalozzi; e Federação Nacional das APAES.
Então, é em nome dessas sete organizações que eu tenho a honra de estar compondo esta Mesa e poder trazer algumas das nossas reflexões e preocupações sobre o tema ora proposto.
Inicialmente, eu quero destacar alguns aspectos que entendemos ter, sim, aspectos positivos nesta proposta de reforma da Previdência no que diz respeito às pessoas com deficiência. O primeiro aspecto que nós consideramos positivo diz respeito à previsão expressa no Regime Próprio de Previdência, na verdade, mais especificamente agora na proposta apresentada de uma nova Previdência: ampliar expressamente para os servidores públicos com deficiência as mesmas regras hoje asseguradas especificamente para as pessoas com deficiência que estão no Regime Geral da Previdência, ou seja, os celetistas.
Até então, com a vigência da Lei Complementar nº 142, de 2013, as pessoas com deficiência contratadas pelo regime da CLT estão podendo gozar de uma aposentadoria especial. Já as pessoas com deficiência que são servidores públicos, independente da esfera, ainda não conseguem exercer facilmente o direito da aposentadoria especial. Essa proposta traz expressamente essa previsão para ambas as situações: tanto para as pessoas com deficiência do regime celetista quanto para as pessoas com deficiência do serviço público.
Outra previsão expressa nessa reforma, o que me deixa bastante satisfeito, é o tratamento dispensado aos servidores públicos com deficiência. A proposta traz expressamente as diversas esferas de Governo. Se esperássemos a existência de uma norma para o servidor público federal, para que depois cada Estado ou Município fizesse a sua norma própria, isso ia trazer muita dificuldade, aliás, já estava trazendo dificuldade na vigência da atual Constituição.
Então, eu considero esses aspectos bastante positivos. Acredito que seja muito fruto do diálogo que nós desenvolvemos ao longo dos últimos anos, enquanto movimento social, com os técnicos da Previdência que estão trabalhando desde outras épocas nessa proposta de reforma da Previdência.
Outro aspecto que considero positivo nesta proposta de reforma da Previdência que estamos debatendo é a equiparação de homens e mulheres com deficiência, porque o que está em jogo é a situação de deficiência, não é a diferenciação de perfis, de anatomias, de condições de sobrecarga de trabalho pelo perfil de gênero, mas sim a situação de deficiência que está acima de outras questões.
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No momento em que a reforma da Previdência equipara homens e mulheres com deficiência para definir o tempo de serviço necessário para a aposentadoria, eu entendo ser bastante acertado. Nesse aspecto, a deficiência grave do homem é reduzida em 5 anos, para equipará-la à da mulher com 20 anos de serviço; a deficiência moderada do homem é reduzida em 4 anos, de 29 anos para 25 anos, o que é favorável, enquanto a da mulher é atrasada em 1 ano. A mulher com deficiência moderada, em vez de trabalhar 24 anos, com a proposta atual vai trabalhar 25 anos. Isso é um prejuízo de 1 ano, mas, diante de todo o contexto em que essa reforma está sendo tratada — de contenção, de corte, de redução, de limitação, de uma série de questões econômicas que envolvem direitos —, parece-me que ajustar em 25 anos é algo razoável. Em relação às pessoas com deficiência leve, o homem teve 2 anos a mais, de 33 anos eleva-se para 35 anos; e, no caso da mulher, eleva-se de 28 anos para 35 anos, 7 anos.
Então, diríamos que as mulheres com deficiência leve terão um prejuízo de 7 anos a mais de trabalho. Sim, é um prejuízo, não dá para negar — é matemático esse prejuízo —, porém nós ainda contamos com a situação de não termos idade mínima para aposentadoria. Isso é bastante importante. A interpretação que faço é que, no caso da pessoa com deficiência, independentemente se leve, moderada ou grave, independentemente se homem ou se mulher, não se exige idade mínima para fins de aposentadoria. Isso, em relação às demais pessoas, aos demais trabalhadores sem deficiência, já é um reconhecimento bem significativo.
E me parece, feitos esses destaques e essas observações, bastante razoável, bastante satisfatória essa proposta de tempos para deficiência leve, que em tese é a que ficou mais prejudicada, mas se trata de uma deficiência leve — é importante levarmos isso em conta. E as deficiências moderadas e graves tiveram tratamento, na minha avaliação, nitidamente favorável e mais positivo do que o texto vigente para os trabalhadores celetistas.
Bom, agora comentarei aspectos não tão favoráveis ou negativos. Começarei pela ordem de complexidade: do menos complexo para o mais complexo. Eu penso que é positivo trazer uma regulamentação, uma definição para o auxílio-inclusão, que a Lei Brasileira de Inclusão criou em 2015, com vigência em 2016, mas criou sem condições de ser aplicado porque não determinou o valor nem a fonte financiadora — apenas disse que haverá o auxílio-inclusão, que exige normatização por lei futura.
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O auxílio-inclusão, assim como a Deputada Tereza Nelma apresentou no preâmbulo desta audiência, deve servir como um estímulo para que a pessoa com deficiência deixe de receber o BPC para passar a trabalhar no mercado formal. Muitas pessoas com deficiência, é importante registrar, além de receber o BPC, trabalham no mercado informal. E 10% desse salário mínimo certamente não é nenhum estímulo, até porque, com o BPC, vendendo um bilhete de loteria na esquina, vendendo a bala de goma dentro do coletivo, essa pessoa com deficiência ganha muito mais do que 10% do salário mínimo. Infelizmente isso não é um estímulo. Isso é para não aprofundar a ideia que já é cada vez mais realidade nos países mais evoluídos e também nos países mais ricos de que a deficiência tem um ônus, a deficiência tem um custo que as pessoas que não têm deficiência não possuem.
Então, esse auxílio-inclusão, para além de estimular as pessoas a deixarem de receber o BPC e irem para o emprego formal, também tem o sentido, na minha percepção, de ser uma espécie de compensação ou indenização do Estado em razão dos ônus que a deficiência acarreta para quem a possui. Países como Portugal e França já aplicam essas políticas de benefícios de natureza compensatória. Não olham apenas o aspecto social, mas sim o custo que a deficiência exige, para atribuir benefícios compensatórios. E o auxílio-inclusão, com esse percentual de 10%, não atinge em nenhuma hipótese esses sentidos que acabei de expor.
Entendo que a proposta que as Deputadas Tereza Nelma e Erika Kokay apresentam, a de que esse valor seja no mínimo 50% do salário mínimo, é pelo menos um ponto de partida, e nós entendemos que esse é o mínimo a ser negociado. Sendo assim, há todo o respaldo do nosso comitê de entidades para que a proposta de 50% do salário mínimo como valor do auxílio-inclusão seja apresentada pelas Deputadas e pelos Deputados na Câmara dos Deputados.
O segundo aspecto negativo — estou aumentando aqui o grau de complexidade — diz respeito à restrição patrimonial no valor de 98 mil reais para concessão do Benefício de Prestação Continuada. Tal restrição parece-nos completamente sem sentido, porque não é um patrimônio de 99 mil reais ou de 100 mil reais que vai dar a uma pessoa condições de sobreviver, de garantir a sua subsistência.
Então, nós também entendemos que o número de pessoas que eventualmente venham a ser prejudicadas por esse tipo de limitação deve ser muito pequeno. Eu não tenho esse quantitativo, provavelmente nem a Secretaria da Previdência tem esse quantitativo. Assim, isso nos parece, além de desnecessário, com pouco resultado prático na economia a que se propõe.
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O que não vai ter reparação, sem dúvida alguma, é o prejuízo que vão ter as pessoas que realmente precisam de um benefício de prestação continuada. Por terem um imóvel, vão deixar de receber o BPC, ou, pior, vão acabar se desfazendo do seu imóvel e passar a pagar aluguel, por exemplo. Consequentemente, vão deixar de ter algum patrimônio. Isso estimula muito mais a miséria, a pobreza do que proporciona economia para o Erário. Essa é a nossa avaliação.
O terceiro aspecto que consideramos negativo nesta proposta de reforma da Previdência é que o diz respeito — isto já foi destacado, por isso eu disse que é muito esperançosa para nós a abertura desta audiência — à aposentadoria por invalidez.
Se nós estamos falando em invalidez, embora esse termo esteja sendo cada vez mais colocado em desuso, infelizmente, estamos considerando que essa pessoa ficou com uma deficiência grave, tão grave a ponto de não conseguir ser readaptada no trabalho. Se ela ficou com uma deficiência moderada ou grave, em condições de ser readaptada, ela não vai ser aposentada por invalidez, ela vai ser readaptada. Agora, se ela ficou em uma condição de tal gravidade, que não vai conseguir sequer retornar ao trabalho ou a outra função, não dá para se pensar em reduzir o vencimento, a remuneração dessa pessoa. Ela vai precisar de mais recursos, porque, como eu disse anteriormente, a deficiência tem um ônus, e o Estado brasileiro ainda não consegue perceber a deficiência como um ônus, e sim como objeto de assistência meramente. Não dá para admitir que a aposentadoria por invalidez não seja em termos de vencimentos integrais do que vinha recebendo essa pessoa, independentemente de ela ter se acidentado no trabalho, como é a previsão da proposta, ou fora do trabalho, pois a situação de deficiência vai ser a mesma. Não importa a causa dessa deficiência. Então, entendemos ser bastante grave e preocupante essa redução dos valores da aposentadoria por invalidez.
Por fim e não menos importante — pelo contrário, é o que considero mais grave, mais complexo — é a pensão reduzida por morte. Se hoje uma pessoa com deficiência grave torna-se dependente de pai e de mãe, é porque tem deficiência grave, não está trabalhando e precisa de cuidados 24 horas, em regra. Para pai e mãe vivos essa é uma grande preocupação. Sem dúvida alguma, a Marisa vai falar muito bem sobre essa preocupação, bem como as outras pessoas que compõe a Mesa.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSDB - AL) - Moisés, peço ao senhor que conclua, por favor.
Os pais de pessoas com deficiência têm a grande preocupação de como seus filhos vão ficar após a morte deles, mesmo podendo deixar integralmente pensões para que eles tenham estrutura e serviços de cuidadores. Imaginem, neste novo cenário, que os pais, além de deixarem os seus filhos desassistidos das suas companhias, das suas presenças físicas, ainda vão deixá-los com uma renda reduzida, em alguns casos, talvez, em um quarto do que recebiam, ou seja, com 50% da cota familiar, mais 10% por dependente! Isso é praticamente um quarto do que essa pessoa poderia estar recebendo. Isso é muito grave! Nós entendemos que esses aspectos devem ser abordados.
Certamente, nós estamos juntos com as Sras. Deputadas e com os Srs. Deputados para fazermos, a partir da semana que vem, essa via-sacra, vamos assim dizer, dos gabinetes, batendo de porta em porta, pedindo apoio, para que consigamos atingir as 171 assinaturas e uma proposta de emenda que contemple todos esses pontos.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSDB - AL) - Obrigada, Moisés, pela sua contribuição.
Antes de ler para todas e todos as normas para o debate, eu quero registrar a presença — daqui a pouco S.Exa. vai assumir a Presidência dos trabalhos — do nosso querido Presidente Gilberto Nascimento, que nos tem dado essa abertura para que construamos essa cidadania tão almejada por todos.
Registro também a presença do colega Deputado Bira do Pindaré, do PSB do Maranhão. Muito obrigada por também estar aqui.
Antes de passar a palavra para os convidados, peço a atenção de todos para as normas do debate, que passo a ler agora. Os expositores disporão de até 15 minutos para suas explanações. A lista de inscrição para os debates de Parlamentares está aberta — está ali com a assessoria da Comissão.
Os senhores convidados não deverão ser aparteados no decorrer de suas exposições. Eu quero dizer a vocês que a discussão não é individual — não é o meu caso, não é a minha situação; a discussão é coletiva, é para o Brasil, para os brasileiros e brasileiras. Então, tenhamos cuidado e paciência para não apartear o debatedor quando ele estiver falando. Aqui o espaço é nosso.
Somente após encerradas as exposições, os Deputados serão os primeiros que poderão fazer os seus questionamentos, tendo um prazo — até os Deputados terão prazo, viu, Presidente Gilberto? — de 3 minutos. O interpelado terá igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo.
Esta reunião está sendo gravada, por isso solicito que falem ao microfone, informando o nome, quando não anunciado por esta Presidência. Eu estou tendo o cuidado de observar se há algum colega nosso aqui.
Antes de passar a palavra para a Sra. Ana Claudia Mendes de Figueiredo, que aqui representa a Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, pelo prazo de 15 minutos, convido o Presidente da Comissão, o Deputado Gilberto Nascimento, para assumir a condução dos trabalhos.
Peço desculpas a vocês, mas eu tenho outro compromisso. Estou aqui comprometida e compromissada com todos vocês. Não esqueçam: nós temos tempo para apresentar as emendas e temos um serviço a fazer, que é conquistar os Deputados e as Deputadas para assinarem nossa proposta.
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O SR. PRESIDENTE (Gilberto Nascimento. PSC - SP) - Bom dia a todas e a todos. Obrigado, Deputada Tereza Nelma, que, de forma tão brilhante, comandou esta reunião até agora.
A SRA. ANA CLAUDIA MENDES DE FIGUEIREDO - Bom dia a todos e a todas. Para as pessoas cegas eu quero dizer que me encontro do lado direito da mesa.
O SR. PRESIDENTE (Gilberto Nascimento. PSC - SP) - Solicito silêncio à plateia, por favor.
A SRA. ANA CLAUDIA MENDES DE FIGUEIREDO - Eu quero também agradecer o convite para participar deste momento de debates sobre essa reforma que afeta milhões de brasileiros. E o faço em nome da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que é formada por entidades associativas que atuam na defesa e na garantia dos direitos da pessoa com deficiência, entre as quais a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, da qual eu faço parte e sou Vice-Presidente.
Nós elaboramos um documento em que apontamos todos os grandes e graves prejuízos que a reforma trará caso seja aprovada. Nós divulgaremos esse documento e o encaminharemos para a Comissão, Deputado. E solicitamos que ele seja integrado aos documentos desta Mesa, deste debate, e divulgado entre os Parlamentares, para que possa inspirar a produção de emendas.
A Rede Brasileira de Inclusão manifesta sua profunda discordância em relação à proposta da reforma, principalmente quanto às modificações relacionadas ao Benefício de Prestação Continuada, à aposentadoria da pessoa com deficiência e ao benefício pensão por morte.
Eu, a Dra. Cida Gugel e o Dr. Marco Serau dividimos alguns dos tópicos para que esta fala não seja repetitiva para os senhores e as senhoras. Assim, cada um de nós, poderá se aprofundar mais em cada um dos tópicos.
Nessa lógica, eu vou me deter mais em alguns princípios e normas constitucionais, cuja observância entendemos ser imperativa e impositiva para esta Casa, para todos os poderes públicos. Eu vou falar também sobre a pensão por morte e sobre o auxílio-inclusão.
O ordenamento jurídico brasileiro é repleto de normas que se destinam à construção de uma sociedade justa, solidária, fraterna e tem como um dos seus pilares o princípio da dignidade da pessoa humana.
Também estão postas na Constituição da República normas que comprometem o Brasil com a prevalência dos direitos humanos, com a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, com a sobrevalorização, isto é, com o valor excedente dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, evidenciada pela equivalência que a Constituição atribuiu a esses tratados, a equivalência de norma constitucional.
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Na linha dessa tradição pautada nos direitos humanos, o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2009 e o seu protocolo facultativo, o que assegurou a esses documentos o valor de norma constitucional. Em outras palavras, eles integram a nossa Lei Maior. A aprovação desta convenção com esse status constitucional significou, sem dúvida, o maior passo na história brasileira no sentido de reconhecimento, afirmação, proteção e promoção dos direitos sociais, civis, econômicos e políticos das pessoas com deficiência.
Ao ratificar essa convenção, o Brasil assumiu perante as comunidades nacional e internacional a obrigação de dar efetividade às normas nela consignadas, entre elas a que impõe ao Estado o dever de assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência. Assumiu também a obrigação de realizar consultas estreitas — é o que diz o texto constitucional — e envolver ativamente as pessoas com deficiência, por meio das suas organizações representativas, em processos de decisão que as afetem, bem como o dever de tomar as providências necessárias para salvaguardar e promover sem discriminação a realização de tais direitos.
Feitas essas breves considerações — depois, a Dra. Cida vai aprofundar mais essa questão dos pactos internacionais —, cumpre assinalar nossas preocupações em relação às mudanças legislativas, que, caso aprovadas, como eu já disse, agredirão frontalmente os direitos das pessoas com deficiência. E por que nós defendemos a estrita observância da proteção jurídica das pessoas com deficiência?
Primeiramente, a Deputada Tereza Nelma já citou aqui o conceito de pessoa com deficiência: é aquela que tem impedimento de natureza mental, sensorial, intelectual ou física, o qual, em interação com barreiras, pode obstruir sua participação plena na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Como seguem vigentes e fortes as barreiras a essa participação, é obrigação da sociedade garantir-lhes um tratamento distintivo, um tratamento diferenciado. E isso nós chamamos de ação afirmativa. Nós promovemos ação afirmativa para promover igualdade, em última análise, para garantir tratamento isonômico. Essa "desigualação", importa que se diga, não se dá para garantirmos privilégios ou para garantirmos favores e benesses, mas sim para assegurarmos a efetivação de direitos que já estão assegurados, que já estão reconhecidos para essa população em normas constitucionais. Então, em razão dessas especificidades, essas precisam ser observadas na elaboração das normas.
Uma segunda razão para esse tratamento diferenciado reside na expectativa de vida das pessoas com deficiência, se comparada à da população sem impedimentos corporais.
Isso se dá em decorrência dos desafios da própria deficiência e da sobrecarga que elas enfrentam para a realização das suas atividades diárias. Pessoas com síndrome de Down, por exemplo, têm expectativa de vida média de 65 anos, o que se aproxima da idade mínima para aposentadoria colocada na PEC. Esses fatores todos precisam ser levados em consideração.
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Outro motivo para esse tratamento diferenciado é o menor tempo de vida laboral da pessoa com deficiência, porque ela acumula maior desgaste funcional na realização das atividades diárias, tanto no trabalho como na sua vida social, que se soma ao agravamento das limitações e das sequelas que advém do avanço da idade. Também determina esse ciclo menor de vida profissional o ingresso tardio no mercado de trabalho, em decorrência muitas vezes de um percurso mais demorado da sua vida escolar ou ainda das dificuldades de acesso e permanência no mercado de trabalho. Além disso, há todas aquelas barreiras arquitetônicas, urbanísticas, de acesso à informação, de acesso à comunicação. As barreiras atitudinais também dificultam esse acesso e permanência no mercado de trabalho.
Uma terceira razão é o custo adicional da deficiência, decorrente de gastos extras que essas pessoas têm com acompanhante, com cuidador, com terapias, com medicações, com adaptações, com equipamentos de saúde e outros bens e serviços que são necessários para que essas pessoas tenham uma vida minimamente digna.
Em razão desses cursos adicionais, a propósito, a Lei Brasileira de Inclusão criou o auxílio-inclusão, que a PEC nº 6 fixou no valor irrisório e ultrajante de 10% do benefício assistencial suspenso, o que esvazia completamente o objetivo desse auxílio, que é o de minimizar tais despesas, os custos adicionais da deficiência, e propiciar a essas pessoas acesso, permanência e efetivo desenvolvimento das atividades laborais.
E agora, caminhando para o fim, vou falar rapidamente sobre a pensão em relação a esse aspecto. A PEC iguala, ela comete uma grave injustiça ao estabelecer regras gerais para as pessoas sem deficiência e com deficiência, porque estas necessitam também, quanto a esse benefício, de disciplina específica para o atendimento das suas necessidades, conforme já mencionado.
Entre os danos mais evidentes determinados por essa proposta, encontra-se a redução do valor da pensão por morte dos atuais 100% no Regime Geral de Previdência hoje para uma cota familiar de 50% mais 10% por dependente. A pensão para uma pessoa com deficiência, um único dependente, conforme as novas regras do Regime Geral, em vez de 100%, será de apenas 60% da aposentadoria que o segurado que faleceu recebia ou daquela a que ele teria direito se estivesse aposentado.
É preciso então assegurar em ambos os regimes públicos, tanto no Regime Próprio quanto no Regime Geral de Previdência, a equivalência, a correspondência entre os valores dos proventos ou da potencial aposentadoria e a pensão a ser recebida, uma vez que esse benefício previdenciário, essa pensão vai substituir aquela remuneração que assegurava à pessoa com deficiência, enquanto estavam vivos seus genitores ou aquelas pessoas que estavam do lado dessa pessoa, o sustento necessário, a concretização do seu projeto de vida e a manutenção de um padrão digno de existência.
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Outro agravo para todas as pessoas, importa dizer — uma vez que se pagou contribuição para ter uma determinada pensão —, é a irreversibilidade das cotas dos dependentes que perdem essa condição, o que gerará, com o falecimento consecutivo de outros membros da família, um curso de declínio inversamente proporcional à elevação dos agravos próprios da deficiência. À medida que as pessoas da família forem morrendo, vai-se declinando o valor da pensão e, na mesma medida, vão-se aumentando os gastos dessa pessoa que tem deficiência por causa do avanço da sua idade. É preciso que essa regra seja excluída da proposta de reforma.
É igualmente prejudicial a retirada do art. 201, inciso V, da imposição de que a pensão no regime geral observe o disposto no § 2º, que determina que nenhum benefício previdenciário terá valor mensal inferior ao salário mínimo. Nós não podemos desvincular a pensão do salário mínimo.
Por fim, mas não menos gravoso, é o enquadramento do filho com deficiência, inclusive deficiência grave, intelectual ou mental, como dependente apenas na data do óbito do segurado. Sabemos que esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Esse é um entendimento que impõe um sofrimento demasiado às famílias, um sofrimento emocional pelo receio de que as famílias têm de que, quando morrerem, seus filhos só então terão reconhecida a condição de deficiência e poderão estar resguardados. A família vive eternamente com a angústia e com o temor de que eles não sejam reconhecidos como dependentes.
Importa dizer que a persistência da dependência econômica nesses casos de deficiência intelectual, mental ou grave decorre muitas vezes não da incapacidade para o trabalho. Às vezes, muitas dessas pessoas têm possibilidade de trabalho e um trabalho que rende uma remuneração pequena, mas que gera para ele uma sensação enorme de pertencimento ao mundo. A dependência econômica é determinada pela incapacidade do autossustento. Então, nesse sentido, também se agregam à incapacidade do autossustento as dificuldades de ingresso e de permanência no mercado de trabalho e a precariedade das relações de trabalho que conseguem estabelecer. Por isso, eles vão auferir uma renda muito pequena ou não vão auferir renda alguma, de forma que não conseguirão — estou caminhando para o fim — se aposentar.
O requerimento então, nesse tópico, é o de autorizar o reconhecimento ainda em vida do enquadramento dos filhos inválidos, com deficiência mental, intelectual ou deficiência grave. A desconsideração desses aspectos, senhores e senhoras, determinará o abandono desses dependentes à própria sorte, o qual poderá acontecer pela ausência da condição de essas pessoas contratarem um cuidador ou um apoiador ou então pela imposição de um ônus excessivo à família que vai acolher essa pessoa com deficiência e que vai trazer o custo adicional dessa deficiência, ou ainda pelo ingresso dessas pessoas em instituições incapazes de responder às necessidades dessas pessoas.
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Sigo para o fim da minha fala enfatizando que, se as condições propostas na reforma são danosas para a população em geral, são inequivocamente ainda mais perversas para as pessoas com deficiência, que se inserem em situação de vulnerabilidade e enfrentam notórias e inequívocas dificuldades para inserção e manutenção no mundo do trabalho e na vida social como um todo.
A Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência espera que as suas preocupações e discordâncias aqui manifestadas relativamente à PEC 6, de 2019, sejam levadas em consideração pelos Srs. e Sras. Parlamentares por ocasião da apreciação e deliberação da proposta, a fim de ensejem ao final normas previdenciárias justas e isonômicas.
Assinam o documento que nós compartilharemos com os senhores para que constem desta audiência: a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência, a Escola de Gente — Comunicação em Inclusão, a Rede Brasileira do Movimento de Vida Independente, a Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade — APABB, a Mais Diferenças — Educação e Cultura Inclusivas, o movimento Visibilidade Cegos Brasil, e tem o apoio da Coletiva de Mulheres com Deficiência do Distrito Federal e do Fórum de Inclusão das Pessoas com Deficiência do Distrito Federal, e com certeza terá o apoio de mais entidades, porque nós não tivemos o tempo ainda de coletar essas assinaturas.
O SR. PRESIDENTE (Gilberto Nascimento. PSC - SP) - Nós agradecemos à Sra. Ana Claudia Mendes de Figueiredo, da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Neste momento, vamos passar a palavra ao Sr. Marco Aurélio Serau Júnior. Já aproveito para anunciar também a presença do representante do Senador Paulo Paim, um grande lutador pela causa, Luciano Ambrósio, que, em função da ausência do Senador Paulo Paim, está aqui conosco. O senhor tem nossos aplausos.
(Palmas.)
O SR. MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR - Bom dia a todas e todos aqui presentes. Cumprimento o Deputado Gilberto Nascimento, Presidente da CPD, o Deputado Rodrigo Coelho, e todas as pessoas com deficiência presentes nesse auditório, os ativistas e ativistas de direitos sociais. Nós combinamos, eu e a Dra. Ana, e me coube aqui falar sobre a aposentadoria das pessoas com deficiência. Enfim, temos algumas mudanças importantes a esse respeito na PEC 6.
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Uma primeira observação que eu gostaria de apresentar está contida no art. 201, § 7º, do texto da PEC 6. Coloca-se lá uma expressão de que a nova lei complementar, a Previdência Social reformada, ainda vai exigir uma futura lei complementar para novas mudanças, para outras alterações ainda num segundo momento. Essa nova lei complementar, o texto da PEC 6, coloca que ela poderá estabelecer critérios diferenciados de idade mínima e tempo de contribuição. Vejo aqui inicialmente um primeiro risco, no sentido de que a futura lei complementar sequer mexa nessa matéria. Então, a expressão "poderá trazer critérios diferentes para a aposentadoria da pessoa com deficiência" fica muito frágil, fica muito frouxa. Não se diz aqui "a nova lei complementar estabelecerá critérios distintos..." Diz que "poderá". É claro, posso entender isso como autorização de que é possível, mas também não é obrigatório.
Então, já alerto para um primeiro risco a esse respeito. Não é certo que virá um critério distinto, talvez fique com o que está nas regras transitórias, caso aprovada a PEC 6.
Esse é o primeiro apontamento que trago a todos, uma expressão que consta da PEC muito frágil, não assegura direitos, é muito frágil realmente.
A mudança de sistema das aposentadorias para a pessoa com deficiência é muito significativa, sobretudo no aspecto do aumento de contribuição.
O aumento de tempo de contribuição que afeta a população como um todo aqui vai acontecer de modo bem acentuado. Hoje, já foi dito, temos aqui para deficiência em grau leve 33 anos de tempo de contribuição para o homem e 28 anos para a mulher; deficiência moderada, 29 anos de tempo de contribuição para o homem e 24 anos para a mulher; no caso de deficiência grave, 25 anos e 20 anos. Esses tempos contributivos são todos aumentados. Então, aqui 35 anos, 25 anos e 20 anos no caso de deficiência leve, moderada ou grave.
Uma questão que tem que ser pontuada aqui é que a Previdência Social é contributiva, exige contribuição. A Previdência Social não depende apenas do trabalho, exige um fator de contribuição. Isso é algo que não podemos afastar. O sistema baseia-se na contribuição, na exigência de contribuições previdenciárias. Porém, o que deve ser pensado é um termo de razoabilidade para que se exija a contribuição previdenciária não de modo geral, mas pensando em casos específicos, em casos particulares.
O tempo de contribuição que se aumenta na PEC 6, que se eleva na PEC 6, atinge de modo muito duro toda a população pelos aspectos de empregabilidade, desemprego estrutural, que temos observado nos últimos anos. No entanto, esse impacto, o aumento do tempo de contribuição que é exigido da pessoa com deficiência, é acentuado, é mais grave, porque, como já foi dito nas falas iniciais, a pessoa com deficiência tem uma inserção no mercado de trabalho mais dificultosa. Temos que considerar esse fator. Em geral, há um desemprego estrutural, há dificuldade de empregabilidade, e esse elemento é muito mais acentuado no caso da pessoa com deficiência.
Vinte anos, 25 anos ou 35 são realmente tempos de contribuição muito altos para um tipo de trabalho exercido com dificuldade, com momentos de ausência de trabalho, enfim. Então, nós temos esse aspecto que deve ser considerado. O sistema é contributivo, porém a razoabilidade deve ser ponderada, deve ser aplicada. O tempo de contribuição deve ser, realmente, moderado para o tipo de situação que nós temos em frente.
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Além disso, há outro aspecto da PEC 6, que é o art. 195, §§ 14 e 15, que também diz respeito a como se dá essa contribuição. Então, se a contribuição incide sobre um valor menor do que o salário mínimo, ela não vale. A pessoa trabalha, recolhe contribuições e não valem. E nós temos aqui algumas situações possíveis que podem afetar de modo bem incisivo a pessoa com deficiência. Se, por exemplo, houver uma jornada de trabalho de tempo parcial, um contrato intermitente, enfim, situações que o direito do trabalho prevê e que vão ensejar um salário menor do que o salário mínimo, é possível que essas pessoas trabalhem, recolham um tanto de contribuição, mas não valha, não conte.
Como a PEC 6 resolve isso? Ela sugere duas possibilidades: ou a pessoa com deficiência — ou qualquer trabalhador e trabalhadora — complementa por si mesmo, chegando ao valor compatível a um salário mínimo, ou vai juntando meses até que chegue ao valor correspondente a um salário mínimo. Então, pelos dois caminhos trazidos pela PEC 6, nós temos aqui uma situação também muito complicada: a pessoa trabalha, recolhe, mas não vale. Como é que eu vou chegar a esses 20, 25 ou 35 anos de contribuição? Isso, em geral, já está sendo complicado pela questão de desemprego estrutural, e é acentuado pela questão da vulnerabilidade das pessoas com deficiência.
Há outro ponto a respeito da aposentadoria. Nós temos aqui uma nova forma de cálculo, o benefício é calculado através de uma média das contribuições, e é adequado que seja assim, pensando na vida contributiva, na vida laboral dessas pessoas. Porém, a PEC 6 traz um formato diferente do que o que se aplica hoje. Será feita uma média, considerando todo o tempo de vida laboral, todo o tempo de vida contributiva dessas pessoas, ou seja, desde um período em que eu estou bem empregado até um período em que eu estou em uma situação desfavorável, em um emprego não tão bem remunerado, enfim. E, aí, nós retomamos a ideia da empregabilidade da pessoa com deficiência, que sempre é mais dificultosa. Então, esse aspecto do período de cálculo também é muito nocivo.
Portanto, são aspectos que nós devemos ponderar, porque são normas propostas inadequadas à realidade dessas pessoas. E digo que são normas inadequadas no sentido de que o direito aqui acaba não sendo bem trabalhado, a política pública previdenciária, o serviço público, o direito previdenciário acaba não sendo bem lapidado, estruturado para essa realidade. Como a Dra. Ana Claudia falou inicialmente, o direito brasileiro, seja o direito constitucional, sejam os compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário, traz um direito às pessoas com deficiência: que sejam tratadas de modo razoável, adequado, que as políticas públicas, os direitos previdenciários, como pensão, aposentadoria, sejam adequadas a essa realidade. Não se trata de um favor, não se trata de um assistencialismo, de uma bondade; trata-se de uma adequação do direito a essa realidade.
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O direito previdenciário trabalha dessa maneira, com a adequação para aquela realidade, para o trabalhador rural, para a pessoa com deficiência, para o idoso, enfim, várias situações são pensadas de modo específico, concreto. E esse novo formato de aposentadoria que é pensado, que é proposto, parece-me muito inadequado para essa realidade em que boa parte de vocês atua como ativistas ou enfrentam cotidianamente. Então, a minha análise a respeito desse ponto da aposentadoria é de que são exigências que destoam da realidade, exigências que destoam dessa realidade pessoal e laboral.
Por fim, avançando um pouquinho sobre o tema do BPC, eu só quero registrar aqui que, na proposta a respeito do BPC, da assistência social, volta-se a falar em transferência de renda e não mais em direito, ou seja, eu diminuo o que é um direito assistencial, não é mais um direito, é só uma transferência de renda. Eu passo um dinheiro daqui para lá, e isso não é um direito. E volta-se a falar em miserabilidade, abandonando o conceito de hipossuficiência econômica, que é simplesmente uma carência financeira, não uma miserabilidade.
Então, temos esses aspectos que vêm na PEC 6 e que, como eu disse a vocês, são inadequados para essa realidade pessoal, social, econômica, e o direito previdenciário não trabalha com essa linguagem. O direito previdenciário, a partir da Constituição e dos tratados de direito internacional, pontua que eu devo pensar na realidade concreta, devo adequar a norma para isso. Isso não é benesse, não é favor, enfim, não é nada disso, mas um direito fundamental.
O SR. PRESIDENTE (Gilberto Nascimento. PSC - SP) - Agradeço ao Sr. Marco Aurélio Serau Júnior, Diretor Científico do IBDP — Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Parabéns pela sua contribuição.
Com alegria, registro também a presença da Deputada, sempre presente, Dra. Soraya Manato, do PSL do Espírito Santo, e do Deputado, tão presente quanto, Ted Conti, do PSB e também do Espírito Santo.
A SRA. MARIA APARECIDA GUGEL - Obrigada pela acolhida, Deputado Gilberto Nascimento. Quando conhecemos as pessoas há muito tempo, nós ficamos com essa facilidade de comunicação, digamos assim, uma comunicação amorosa, sensível, mas é porque nós somos do grupo dos "enfim, libertos da tinta", para sempre.
(Palmas.)
(Segue-se exibição de imagens.)
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E, quando lemos essa PEC nº 6, nós nos descontrolamos emocionalmente, porque vemos nela uma crueza, uma crueldade, uma desumanidade intensa em relação à pessoa com deficiência e à pessoa idosa. E eu falo desses dois grupos porque estou aqui representando a AMPID, que é uma associação que congrega membros do Ministério Público de todo o Brasil — Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério Público de Contas, junto ao Tribunal de Contas —, e todo esse quadro associativo de procuradores e promotores de Justiça cuidam no seu cotidiano da implementação do direito da pessoa com deficiência e da pessoa idosa.
Então, nós, no dia a dia, sabemos como se processa essa exclusão da pessoa com deficiência, desde o seu nascimento até a sua velhice. Aqui nós falamos em nome da nossa própria atribuição, mas voltada para a pessoa com deficiência e para a pessoa idosa. Isso nos faz legítimos para, digamos assim, pontuar aquilo que entendemos mais grave nessa proposta de reforma previdenciária.
Nós estávamos brincando aqui com a Dra. Ana Claudia Figueiredo que os iguais se juntam. Nós recebemos muitas manifestações. Nós, na AMPID, fazemos as manifestações e estamos aqui sempre em contato com os projetos de lei das Sras. Deputadas e dos Srs. Deputados. Nós emitimos as nossas notas críticas ou favoráveis ou desfavoráveis e, às vezes, colocamos um nome bem pomposo de repúdio à alguma colocação, mas isso é para justamente termos o diálogo com esta Casa.
Nós acabamos recebendo muitas manifestações também do próprio movimento. Eu recebi lá em minha caixa postal um pedido de pelo menos "Nós estamos com vocês" do movimento Visibilidade Cegos Brasil e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, e não sabia que encontraria aqui o Dr. Marco. Então, nós encontramos algum alento, quando vemos descritas e escritas palavras, posicionamentos e argumentos que consolidam aquilo que, por exemplo, a nossa associação, a AMPID, pensa a respeito da reforma.
Feitas essas colocações, vamos aqui para o que interessa. Como nós dividimos falas aqui, vou me fixar na questão da desconstitucionalização do direito à previdência. Isso me parece grave. Então, todo mundo fica dizendo: "Mas como? E agora? A Previdência vai ser tratada por lei? Então hoje ela vai ser assim e amanhã ela vai ser diferente?" Isso gera uma insegurança na sociedade brasileira, que vê no direito à previdência um direito social. Está escrito lá na Constituição da República que nós todos, num determinado momento, pensamos para o Estado brasileiro.
Então, essa insegurança gerada pela proposta da Previdência é que eu quero demonstrar a todos onde está o fundamento, por que essa segurança existe e por que nós não podemos nos voltar contra aquilo que nós elegemos em 1988, quando preparamos a nossa Constituição da República Federativa do Brasil.
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Quando colocamos que não pode existir retrocesso em direitos conquistados, nós estamos falando de compromissos que o Brasil assumiu perante a comunidade internacional, especificamente perante a Organização das Nações Unidas — ONU e a Organização dos Estados Americanos — OEA. Esse é um compromisso que nós assumimos internacionalmente para sinalizar que nós precisamos avançar progressivamente na busca pela segurança dos direitos reconhecidos nesses compromissos.
O primeiro compromisso e o mais relevante deles é o pacto internacional sobre direitos — vejam como andam juntos — econômicos, sociais e culturais. Nós não dissociamos o direito econômico do direito social, e por óbvio. O lucro precisa andar junto com o progresso da pessoa, do indivíduo, do grupo de pessoas, do coletivo de pessoas. Se nós invertemos e dermos relevância para um determinado, digamos, segmento, no caso, o econômico, nós estaremos ferindo o direito social, que é o direito de todos: o direito de todos à moradia, o direito de todos ao trabalho, o direito de todos à Previdência Social e o direito daqueles que não têm esses direitos resguardados à assistência social. Então tudo isso caminha junto. Por isso que o Brasil é signatário desses pactos internacionais, os quais fazem com que o Brasil se coloque no patamar de Estado desenvolvido e Estado Democrático de Direito. Por quê? Porque observa, preserva, preocupa-se com o direito da sociedade, no caso, a sociedade brasileira, que também é formada por pessoas com deficiência e pessoas que estão à margem desse progresso que são as pessoas que estão hoje na assistência social.
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Então nós temos que ver esse conjunto de pessoas sob esse aspecto, mas sempre sob o aspecto positivo, aquilo que queremos para o nosso Brasil, aquilo que queremos para todos os cidadãos brasileiros. Nós queremos alcançar o progresso. Para isso, o direito e o acesso a esse direito e a esses bens e serviços — aí é outra conversa — têm que ser equânimes, iguais para todos. Nós não podemos ter categorias de pessoas, categorias de gente, nós precisamos que todos alcancem seu bem-estar social. É isso que está escrito na nossa Constituição.
Se nós nos fixarmos nesses pactos internacionais, o protocolo que diz respeito à nossa região e o da Organização dos Estados Americanos, nesses dois momentos, diz que os direitos devem ser progressivamente alcançados por todos, homens e mulheres, por todos, e não por alguns.
A reforma da Previdência não pode ser feita para alguns em detrimento de outros. É essa leitura que nós temos que ter dos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Por aí nós conseguimos compreender que se o Brasil tomar uma iniciativa que nos coloque em xeque perante a comunidade internacional, ai, ai, ai, ai, ai, nós vamos ter que responder por outras questões, além das econômicas e sociais. O Brasil precisa ser visto como um País que progressivamente melhora a vida do cidadão e da cidadã brasileira e não um País que, a partir de um determinado momento, parece que volta 50, 60, 70 anos atrás na conquista dos seus direitos. Então esse estofo de conquista de direitos precisa ser visto e lembrado no momento da discussão dessa PEC previdenciária.
E não são só aqueles dois essenciais documentos. A Dra. Ana Claudia colocou que a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência também exige um olhar qualificado para esse grupo de pessoas com deficiência. A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência também fala em assegurar progressivamente o pleno exercício de todos os direitos, inclusive o direito à uma aposentadoria digna.
Se nós cortamos, se nós podamos o acesso a esse direito a uma aposentadoria digna, nós estamos dizendo, no frigir dos ovos, como se diz, no resumo, que a pessoa com deficiência, no momento da sua aposentação, passa a ser um cidadão de segunda categoria. Por quê? Porque, com a diminuição dos seus ganhos para o sustento, ela passa para um outro patamar — infelizmente existem diferentes patamares no Brasil —, até atingir aquele patamar indesejável que é o da miserabilidade.
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Então, nós temos que pensar nesse grupo de pessoas que, por conta da sua própria condição, exige que, no momento da aposentação, tenha resguardados ganhos reais para o seu sustento.
É esse o raciocínio que temos que fazer quando falamos que o Brasil é signatário desses pactos mundiais. Ao tratar da Previdência Social da forma como ela está sendo tratada, desculpem-me, Srs. Parlamentares, se isso for concretizado, o Brasil estará virando as costas para os pactos internacionais assumidos. E nós sabemos que, quando viramos as costas para pactos internacionais importantes dos quais somos signatários, nós temos que responder por questões também importantes internacionalmente perante os organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos.
Srs. Parlamentares, nós pedimos que abram os olhos para isso. O Brasil pode ter que responder internacionalmente pela pobreza que causará aos seus futuros aposentados.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência nos traz alguns desafios — eu vou fazer um breve resumo para não tomar o tempo. Um deles é o desafio de retirar a pessoa com deficiência da pobreza. E como se retira a pessoa com deficiência da pobreza? Dando-lhe condições dignas de vida no período produtivo, enquanto trabalha, e no período inativo, ao adquirir o direito à aposentadoria. E a aquisição do direito à aposentadoria não pode ser de qualquer forma. Isso precisa ser resguardado, sob pena de levarmos a pessoa com deficiência ao nível de miserabilidade. E nós sabemos que isso pode acontecer.
O Brasil, a partir de 1988, vem construindo o Estado Democrático de Direito olhando para a igualdade entre todos.
Não é dando supremacia ao mais rico em detrimento do mais pobre, mas dando essa igualação a todos. E essa igualação persiste em todos os direitos, incluído o direito a uma vida digna na aposentação.
Se nós temos aqui uma diferença entre direito previdenciário e direito assistencial, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, por favor, olhem com atenção. Se estamos tratando de previdência, como vamos colocar no mesmo pacote o direito à assistência social? Um não se comunica com o outro, as bases são diferentes. Então, devemos, de imediato, afastar da discussão o direito assistencial, porque ele não conversa com a Previdência Social, ele não pode conversar com a Previdência Social. Isso é o que pede a nossa Constituição, é o que diz a nossa Constituição. Então, não vamos pensar no direito assistencial da mesma maneira que estamos pensando o direito previdenciário.
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Agora, rapidamente, eu vou pincelar algumas questões que estão diretamente imbricadas com esse direito à aposentadoria. A pessoa com deficiência não pode ser vista, nesse mundo da aposentação, nos mesmos termos que a pessoa que não tem deficiência. Ela é diferente sim. E, como ela é diferente, ela precisa ser tratada diferentemente, quando estamos tratando do direito à Previdência Social. Ela precisa dessa desigualação para poder, ao final, ao cabo, ser igual àqueles que não têm deficiência.
Então, o olhar, a perspectiva desse direito à Previdência Social da pessoa com deficiência é diversa pela própria natureza da deficiência que exige essa diferenciação. Então, por favor, olhem com olhos de diferenciação, para que a pessoa com deficiência possa, feitas as devidas adaptações, ser igual àquela pessoa que conquista sua aposentadoria em igualdade de condições.
Esse é o diferencial que os senhores precisam ter bem presente no momento de discutir as regras. A pessoa com deficiência precisa desse olhar atento; a pessoa com deficiência, no seu dia a dia de trabalho, em qualquer área da vida, não é igual à pessoa que não tem deficiência.
Ela precisa dessa desigualação para depois se tornar igual. Ela precisa ser vista como diferente para poder, ao final e ao cabo, ter a mesma sincronia de direitos que temos todos nós aqui, Sras. e Srs. Deputados, senhoras e senhores assessores. Nós precisamos ver a pessoa com deficiência com essas qualificações, para poder decidir o momento da aposentação, o tempo de aposentação, de que forma ocorrerá essa aposentação.
Trago só mais um lembrete. Em relação à Previdência Social, mais uma vez, eu volto a solicitar aos Srs. Parlamentares: retirem urgentemente, por uma questão de justiça social, a questão da assistência social da Previdência. Elas não podem se comunicar. Elas não se comunicam. Diz o nosso pressuposto constitucional. Ele é inabalável. A PEC não pode alterar esse pressuposto fundamental. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A previdência nós alcançamos pelo fruto do trabalho. A assistência é devida porque nós brasileiros — nós, Brasil — não fizemos todo o nosso dever ainda, que é o de tirar pessoas da miserabilidade, tirar brasileiros e brasileiras da miserabilidade.
Não pode haver uma linha do Benefício da Prestação Continuada dentro das concepções da Previdência Social. Eles não se comunicam. Eles são diferentes. Os grupos são diferentes. O Brasil tem uma dívida muito grande com aqueles que dependem da assistência social.
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Por favor, Sras. e Srs. Parlamentares, tenham um olhar qualificado, retirando do texto toda e qualquer menção ao Benefício da Prestação Continuada. Ele não pode estar ali. Ele não deve estar ali. O Brasil será julgado por isso. Nós seremos julgamos por isso.
Em rápidas palavras, é muito mais uma, digamos assim, maneira de lembrar a todos que, dentro desse debate, há uma série de pressupostos que nós não podemos esquecer. A pessoa com deficiência precisa ser vista de forma qualificada no texto que virá a ser a reforma da Previdência. As Sras. Parlamentares e os Srs. Parlamentares têm esse dever com a Nação brasileira, têm o dever com os brasileiros com deficiência. Por favor!
O SR. PRESIDENTE (Gilberto Nascimento. PSC - SP) - Muito bem. Parabéns à nossa Cida Gugel.
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Também registro a presença do nosso querido Sérgio Caribé, que é Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União — TCU.
A Deputada Erika Kokay estava aqui, mas teve que voltar correndo à Comissão. S.Exa. está para voltar. Assim que voltar, eu vou ter a oportunidade de passar a presidência a ela, que é inclusive a autora do requerimento.
Antes de iniciar a minha fala, gostaria de agradecer ao Deputado Gilberto Nascimento, à Deputada Erika Kokay e à Deputada Tereza Nelma por este espaço, afinal eu estou cansado de ligar a TV e ver especialistas em economia discutindo a reforma da Previdência.
A reforma da Previdência vai além de receitas e de despesas. Ela faz parte de um contexto da Seguridade Social que diz o que é o nosso País e como o nosso País pensa as pessoas com deficiência e as pessoas mais fragilizadas socialmente.
Estou aqui representando o Coletivo de Trabalhadores com Deficiência da Central Única dos Trabalhadores — CUT, que está presente em todas as regiões do nosso País. Vou tentar trazer na minha fala esse olhar do trabalhador com deficiência, um olhar mais pragmático, até porque falar depois da Dra. Maria Aparecida Gugel não é fácil.
(Risos.)
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu queria fomentar logo uma questão. No final do ano passado, esta Casa aprovou o Projeto de Lei nº 1.118, de 2011, que trata da redução da idade para considerar a pessoa com deficiência uma pessoa idosa.
(...) apesar dos avanços, a expectativa de vida das pessoas com deficiência não é idêntica à média daquelas sem deficiência. E, embora seja incontroverso que o envelhecimento não afete as pessoas da mesma forma, no caso das pessoas com deficiência o processo acomete-se mais precocemente, seja por razões genéticas, por sobrecarga dos sistemas corporais, bem como pelas adversidades ambientais e sociais que enfrentam durante toda a sua vida, pois, via de regra, vivem em ambientes não inclusivos.
Como bem ressaltado no Parecer nº 14, de 2003, do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência — CONADE, “o envelhecimento será tanto mais acelerado quanto mais severas as limitações originais e mais adversas as condições de vida a que foram submetidas as pessoas com deficiência”.
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O envelhecimento precoce acomete os variados tipos de deficiência, demandando, por conseguinte, apoio e recursos específicos para que as pessoas possam vivenciar esse período da existência de uma maneira digna, com acesso garantido aos seus direitos fundamentais. Um achado comum das pesquisas realizadas sobre o tema aponta que a deficiência crônica não permanece estática durante todo o período de vida da pessoa. Segundo estudo intitulado Envelhecendo com Deficiência, publicado pela organização Disabled Peoples International — DPI, "pessoas que vivem vinte ou mais anos com uma deficiência ou que têm quarenta anos ou mais de idade apresentam novos problemas médicos, funcionais e psicossociais que não eram esperados anteriormente". Embora as causas exatas desse envelhecimento prematuro ainda permaneçam desconhecidas, é fato que as pessoas com deficiência não envelhecem da mesma maneira que as pessoas sem deficiência.
O referido estudo assevera, ainda, que enquanto o envelhecimento típico não vem acompanhado de problemas funcionais e médicos mais graves até os 70, 75 anos de idade, nas pessoas com deficiência tais problemas se apresentam cerca de 20 a 25 anos mais cedo. Ademais, pessoas com deficiência têm três a quatro vezes mais probabilidade de apresentarem problemas de saúde secundários, comparativamente às pessoas sem deficiência: as taxas de doenças do aparelho respiratório são quatro vezes mais alta em pessoas com síndrome pós-pólio; o diabetes acomete seis a sete vezes mais as pessoas com deficiência; as doenças cardiovasculares são a segunda maior causa de morte entre as pessoas com lesão medular; as fraturas são cinco vezes mais comum em pessoas com paralisia cerebral idosas; e a osteoporose afeta quase 70% das pessoas com deficiência que apresentam limitação de mobilidade.
Bem, caso se aprove um projeto que considera a pessoa com deficiência idosa aos 50 anos de idade, parece-me ser controverso aprovar um projeto de lei que endurece a aposentadoria das pessoas com deficiência.
Eu vou tratar, de forma prática, de algumas mudanças que já foram abordadas aqui, que estão presentes nessa PEC, mas tentando trazê-las um pouquinho para a realidade da pessoa com deficiência.
O primeiro ponto é o auxílio-inclusão. Primeiro, acho que temos que refletir sobre o que é o auxílio-inclusão e como ele foi pensado. O auxílio-inclusão ganhou muita força depois que houve uma mudança na lei que dispõe sobre as pessoas que necessitam do Benefício de Prestação Continuada, que foi a possibilidade e a tentativa de incluir essas pessoas no mercado de trabalho. Ao contrário do que muitos pensam, as pessoas com deficiência querem entrar no mercado de trabalho, mas a deficiência gera impeditivos, e a sociedade não colabora com a solução desses impeditivos.
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Com a mudança dessa lei — acredito que tenha sido em 2013 —, foi permitido ao usuário do BPC solicitar a suspensão do seu benefício para tentar ingressar no mercado de trabalho. Foi um fracasso, na verdade, essa tentativa, porque das 500 mil pessoas que tinham condições de entrar no mercado de trabalho naquele momento, considerando a idade, apenas 600 pessoas aderiram à suspensão.
Aí se começou o debate: por que as pessoas com deficiência não entram no mercado de trabalho? Depois de vários debates — e lembro que a Secretaria de Direitos Humanos, na época, trouxe representantes tanto do Governo quanto da sociedade civil organizada para debater essa questão —, chegou-se à conclusão de que a pessoa com deficiência que recebe o LOAS não entrava no mercado porque, em primeiro lugar, ela não conseguia chegar ao mercado de trabalho, ela não conseguiria chegar ao trabalho, uma vez que a mobilidade no nosso País ainda é muito precária. Em segundo lugar, porque existem deficiências que geram custos. Se a pessoa está em casa e não sai para ir ao trabalho, ela não vai gastar; se ela sair para o mercado de trabalho, ela terá gastos a mais. E há um detalhe, quando a pessoa com deficiência tenta ingressar no mercado, normalmente ela vai entrar com salários pequenos, salários menores. Então, ficaria mais caro para a pessoa com deficiência entrar no mercado de trabalho do que ficar em casa recebendo o benefício assistencial. Esse debate culminou no auxílio-inclusão, que foi instituído pela LBI — Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, em 2015, que aguarda regulamentação.
Há nesta Casa também um projeto, que eu acho que foi muito bem debatido, que trata do auxílio-inclusão de forma diferente da que vem sendo pensada na PEC, que é apenas um incremento de 10%. Não é uma questão de estímulo apenas de 100 reais aproximadamente, é uma questão de correção social pelos problemas que a pessoa com deficiência vai enfrentar ao entrar no mercado de trabalho. Então, o percentual de 10% é um valor irrisório.
Eu fiz um cálculo na época. Vou trazer minha experiência profissional. Eu trabalho, e o meu gasto, por conta da minha deficiência, é em torno de 500 reais. Só porque eu tenho deficiência, esses são os encargos que eu tenho. Isso é uma questão pessoal, mas minha deficiência é uma deficiência comum. Eu tenho uma tetraplegia traumática.
Então, 10% é um valor que foi instituído por pessoas que não conhecem a realidade da pessoa com deficiência e que não conhecem a dificuldade do dia a dia.
Só para os senhores terem uma ideia, eu vou fazer um comparativo do auxílio-inclusão com o auxílio-acidente, que é um benefício da Previdência Social, não é da Assistência. Se o trabalhador que não tem deficiência se acomete de algum problema e se torna uma pessoa com deficiência, que perde a capacidade laborativa, o INSS lhe assegura um benefício que corresponde a 50% do valor do benefício do auxílio-doença.
O auxílio-doença é pago ao trabalhador que está afastado.
Quando ele retorna ao mercado de trabalho com uma sequela, com perda da capacidade laborativa, o INSS lhe assegura um auxílio-acidente no valor de 50% do valor do benefício, que é, mais ou menos, a ideia do auxílio-inclusão. Então, por que tratamentos tão diferenciados se, na prática, o objetivo é o mesmo, que a pessoa com deficiência fique ou ingresse no mercado de trabalho? Esse é um ponto importante.
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Aposentadoria por invalidez. De cara, com a nova proposta, já há uma perda no cálculo. Em todo o cálculo do benefício, como disse o colega Marcos, de imediato já há uma perda significativa, porque vai deixar de considerar as menores contribuições. Na prática, a pessoa que se aposentar por invalidez vai perder de 5% a 15%, em relação ao cálculo que se faz hoje. Se essa deficiência for causada por uma doença eventual, como, por exemplo, um AVC sofrido num final de semana, quando a pessoa não estava trabalhando e torná-la inválida, esse benefício já cai para 60% desse valor. Então, não é considerada a questão da invalidez, e sim a forma como a pessoa ficou inválida. Nós precisamos fazer essa reflexão.
Há outra questão que a PEC não traz. Hoje a pessoa inválida, nos termos da lei, que precisa da assistência de terceiros, tem uma majoração no benefício de 25%. A PEC não traz isso. No cálculo, de imediato já perde 15%; se não for uma doença de trabalho, o benefício cai para 60%; e, se precisar do auxílio de terceiros, não vai ter a majoração de 25%.
Então, que economia é essa de 1 trilhão de reais? Quando se pensa na economia de 1 trilhão de reais, vê-se que é em cima disso que se vai economizar. Setenta e cinco por cento do que vai ser economizado, pela proposta apresentada, recai sobre as pessoas que recebem abaixo de 3 salários mínimos, gente! Como é que isso vai corrigir a desigualdade no nosso País?
Outra questão é a capitalização. Como que a aposentadoria por invalidez vai ser tratada numa capitalização, em que o indivíduo deixa de ter a participação do Estado, deixa de ter a participação do empregador e ele está sozinho ali?
Vou dar um exemplo prático: um trabalhador contribui, num mundo perfeito, durante 10 anos com base de 4 salários mínimos. Se esse trabalhador for acometido por uma invalidez — e ele teria que ter contribuído por 40 anos —, num cálculo básico, a média salarial dele ficará em torno de 1 salário mínimo, no momento que ele mais vai precisar. O regime de capitalização é isso.
O exemplo mais prático que nós temos é o Chile, onde mais de 50% dos aposentados têm uma perda de mais de 40%, abaixo do salário mínimo. Como é que nós vamos discutir essa questão com uma pessoa com deficiência? Parece-me que a pessoa com deficiência deveria ficar de fora dessa reforma, se quisermos considerar o aspecto da nossa Constituição Cidadã.
Quanto ao BPC, perdoem-me, mas eu não entendo como é que se apresenta uma proposta dessas.
Hoje, para a pessoa com deficiência, além do estado de miserabilidade — a renda per capita da família tem que ser abaixo de um quarto do salário mínimo, aproximadamente 250 reais —, acrescenta-se mais um critério, que é o patrimônio familiar de 98 mil reais. Na prática, vai ser assim: se eu tenho deficiência, estou numa situação de miserabilidade, mas moro numa casa, por exemplo, que recebi de herança dos meus pais, que tem um valor aproximado de 100 mil reais, eu não vou fazer jus ao benefício. Aí, para não morrer de fome, eu vendo a casa para pagar aluguel e fazer jus ao benefício. É isso? Foi isso o que entendi da proposta.
No caso da pensão por morte, já se reduz no cálculo o valor do benefício. Não se considera que nessa família pode ter uma pessoa com deficiência, uma pessoa, como colocou a colega Ana Claudia, que participa do sistema de cotas. A pensão vai reduzindo, vai piorando, a partir do momento em que as pessoas que dependem da pensão vão saindo do mercado, diferentemente do que é hoje, em que a cota vai aumentando para quem for ficando. Com a proposta atual, ela diminui. Ou seja, jogam uma regra geral e incluem a pessoa com deficiência no meio dessa regra. Não foi pensado na pessoa com deficiência nesse aspecto.
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E no caso de falecimento do cônjuge da pessoa com deficiência, na prática, reduz-se a quantia de dinheiro que entra na sua casa, o valor será reduzido. Aí essa pessoa vai necessitar do auxílio de um terceiro. A pensão não pode ser jogada numa regra geral! A pessoa com deficiência não pode ser tratada dessa forma!
A cereja do bolo da emenda constitucional é a aposentadoria por idade. Hoje, a pessoa com deficiência que não consegue alcançar os requisitos propostos na aposentadoria por tempo de contribuição, se for mulher pode se aposentar com 15 anos de contribuição e 55 anos de idade e, se for homem, aos 60 anos de idade. Isso simplesmente deixa de existir. A pessoa com deficiência vai para a regra geral, que aumentou a idade mínima: 65 anos para o homem e 62 anos para a mulher. É outro absurdo! Quem pensou nisso não sabe o que significa o termo dupla jornada para a mulher, seja para a trabalhadora rural, seja para a mulher com deficiência, seja para a professora, seja para a servidora pública, seja para a trabalhadora do Regime Geral. A mulher com deficiência não tem jornada dupla? A mulher, de uma forma geral, não tem jornada dupla, gente? Então, eu acho que essa é uma reflexão que a sociedade tem que fazer. Os nossos Parlamentares que estão aqui presentes têm que fazer essa reflexão.
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Quanto às normas de aposentadoria por tempo de contribuição, eu vou discordar da fala do primeiro colega. Na prática, se formos observar, verificaremos que aumentou em 7 anos — 7 anos! — o tempo de contribuição para a mulher com deficiência. Gente, e não são só 7 anos! Nós temos que entender que o mercado de trabalho não é um mundo perfeito. E para a pessoa com deficiência, ele é menos ainda. Além das barreiras que enfrentamos com relação à mobilidade, à comunicação, existem as barreiras atitudinais do mercado. São oferecidas vagas com menores salários. Não é verdade? Parece que as pessoas com deficiência não têm competência para estar nos cargos altos, mas isso acontece porque eles não são oferecidos a elas.
Então, parece-me que a emenda constitucional vai na contramão do que nós vimos lutando nos últimos anos. A Profa. Maria Aparecida Gugel tem um livro que trata de como, historicamente, a nossa sociedade excluiu as pessoas com deficiência. Parece-me que a PEC vem reforçar essa exclusão, porque, ao contrário do que a nossa Ministra falou, a pessoa com deficiência não quer ficar em casa, não. Os pais das pessoas com deficiência não querem ficar em casa. Nós queremos estar no mercado de trabalho.
(Manifestação na plateia: Queremos qualidade de vida!)
Por fim, há a regra para o servidor público, que vai seguir as novas regras do Regime Geral. A única observação é a comprovação do tempo. Ele vai ter que ter 20 anos no serviço público e 5 anos no cargo. Beleza! Na fala inicial, foi dito que isso é importante. É importante regulamentar. Mas nós não precisamos mudar a Constituição para fazer uma regulamentação dessa — não é verdade? E nós precisamos considerar as particularidades.
Encerrando, eu trago dois aspectos. Um é a desconstitucionalização. Tudo que discutimos, que apresentamos aqui, desde o início da nossa fala, pode ser desfeito. Por quê? Porque a Previdência, na prática, vai deixar de ser uma política de Estado para ser uma política de Governo. Gente, é isso que nós queremos? Isso é muito sério! Se todos os pontos da reforma forem rejeitados, e esse ponto específico passar, nós acabamos com a Seguridade Social.
Eu tenho a impressão de que as pessoas ainda não se atentaram para esse item da reforma.
Desconstitucionalizar a Previdência é mudar a forma como a Constituição trata o povo brasileiro. E aí eu faço uma pergunta: as nossas riquezas, os nossos impostos têm que ser voltados para pagar juros da dívida ou para cuidar da qualidade de vida do trabalhador, do brasileiro?
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Na capitalização — eu acho que já fiz uma ressalva — o trabalhador, incluindo o trabalhador com deficiência, vai estar sujeitos aos riscos de mercado. Falando em risco de mercado, quando a pessoa adere à capitalização, ela fragiliza a previdência coletiva. Vai existir um custo de transição para isso, que o Governo não traz. Nos países onde se implementou a capitalização, esse custo foi muito alto. A capitalização, como eu já falei, para a pessoa com deficiência é uma grande incógnita. Nós não sabemos o que vem por aí. Vamos refletir sobre esses dois aspectos: capitalização e desconstitucionalização.
Encerrando, e agora eu vou encerrar mesmo, Presidente, eu trago um trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Art. 25 traz que toda pessoa tem direito a um padrão de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família saúde e bem-estar, serviços sociais necessários, segurança no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em outros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
O SR. PRESIDENTE (Gilberto Nascimento. PSC - SP) - Muito obrigado ao nosso Márcio Raniere, do Coletivo Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência, da CUT.
Eu gostaria de começar a minha fala acrescentando algo na declaração que as pessoas com deficiência sempre fazem: nada sobre nós, sem nós e nossas famílias. Eu acho que, no caso de todas as pessoas com deficiência que conseguiram chegar a algum caminho, a família foi primordial. Eu falo isso, porque sou mãe de quatro filhos, e o meu terceiro filho tem autismo. Então, eu sou da Associação Brasileira de Autismo — ABRA, defendo a área da pessoa com deficiência, da pessoa com autismo, há quase 40 anos.
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Eu percebi, já com a PEC 287/16, que nós iríamos ter um prejuízo muito grande com relação às mudanças na Previdência, principalmente na pensão por morte. Nós da Associação Brasileira de Autismo fizemos uma carta, que eu entreguei pessoalmente a vários Deputados e Senadores, fomos a audiências. O CRPD — Comitê Brasileiro de Organização Representativa das Pessoas com Deficiência fez a mesma carta, com documentos, solicitando que houvesse uma cláusula prevendo a possibilidade de acúmulo da pensão por morte. Nós encaminhamos a carta, via CRPD, para os dois candidatos, a fim de que as propostas de governo não mexessem nessa parte e para que pudesse haver a pensão cumulativa.
A pensão por morte jamais deveria estar nessa PEC. Na realidade, a PEC não vai afetar só as pessoas com deficiência, mas também toda população brasileira. Vai afetar mesmo quem não tem pessoa com deficiência na família, porque, na hora que o cônjuge morre, o aluguel não diminui pela metade, o IPTU não diminui pela metade, o condomínio não diminui pela metade. Um velhinho que cuida de outro vai precisar de um cuidador. O gasto vai aumentar, porque as pessoas já vão estar com idade. Então, não tem nem sentido isso fazer parte dessa mudança na Previdência.
Isso nos afetou muito. Na hora em que nós não estivermos mais aqui, como será a vida de nossos filhos com deficiência? Eu falo da parte da população mais grave, que são aqueles que não receberam o BPC porque seus pais trabalharam. Eu trabalhei, meu marido trabalhou. O nosso foco realmente foi que, quando nós não estivéssemos mais aqui, o Renato recebesse o benefício da Previdência acumulado dos dois. Se a pessoa com deficiência já não tem mais pai nem mãe, como é que fica o custo dela? Não é necessário apenas um cuidador. São 24 horas de atenção, então são quantos cuidadores?
O Governo não está dando a atenção devida para essa população mais grave, na área da pessoa com deficiência, que são as pessoas com deficiência intelectual, síndrome de down, transtorno do espectro do autismo mais grave. Eu estou focando essa parte bem mais grave, que não tem um atendimento adequado ainda no País. As políticas estão postas. Há os centros de reabilitação, as residências, mas não estão funcionando a contento. Eu dou uma ênfase à pessoa com transtorno do espectro do autismo, porque é considerada pessoa com deficiência por lei. Então, ele não é deficiente físico nem auditivo. Ele tem autismo. É uma outra categoria. Eu sempre os coloco junto para as pessoas se familiarizarem com isso.
Para vocês terem uma ideia, há uns 10 ou 12 anos, eu estava fora de São Paulo e meu marido tinha que sair para votar. Ele estava preocupado, porque tinha que levar o Renato, e eu não estava junto. Então, antes de sair, ele fez um crachá com a identidade do meu filho, os dados dele, o que ele tinha, o telefone dele e pendurou no Renato. Quando eu voltei e vi aquilo — eu já estava pensando em fazer uma etiqueta nas roupas —, deu-me um insight, mandei fazer um silk em todas as roupas do meu filho. Qual é a mãe que faz isso?
Nas roupas dele, está catalogado que ele tem autismo. Se alguma coisa acontecer comigo, se eu tiver uma síncope quando estiver andando com ele no Ibirapuera, eu não sei qual vai ser a reação dele, mas alguém vai achar em algum momento um homem que está com a roupa marcada com o nome dele completo, com a inscrição "Eu tenho autismo e posso precisar de ajuda" e com os telefones da família. É muito duro para uma família ter que nominar o que seu filho tem para preservá-lo. Já aconteceu de ele sair de casa, quando encontrou a porta aberta. Nós não sabemos se ele pode se perder ou se vai saber voltar para casa. A comunicação é complicada.
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Então, essa parcela da população das pessoas com deficiência tem que ser preservada, sim. Nós consideramos que, dentro da PEC, se essa parte for mexida — e ela tem que ser mexida, deveria ser eliminada até —, tem que haver um artigo que garanta esses direitos. Eu falei com várias pessoas que dizem que isso não vai acontecer, vai ficar como está, porque é só com cônjuge, não é com os filhos. Eu não sei. Eu não entendo tão bem disso. O que eu sei é que eles realmente podem não receber, porque diz na PEC que não vai haver duplicidade. Então, nós queremos que haja um artigo dizendo que, na família que tiver um filho com deficiência grave, transtorno do espectro do autismo grave, o cônjuge que ficar viúvo deve receber a pensão na íntegra e acumular com a aposentadoria que tiver ou vier a ter. O filho com deficiência grave ou transtorno do espectro do autismo receberá a pensão na íntegra do pai e da mãe, sem corte, acumulando as duas pensões, quando eles falecerem. Isso é extremamente importante. Tem que haver isso. Não pode tirar isso dessa parcela da população, que não é uma parcela muito grande.
Hoje, nós temos uma população muito maior de pessoas com deficiência do que provavelmente teremos daqui a alguns anos, porque as metodologias, os atendimentos serão outros. As pessoas hoje estão melhorando com as metodologias que estão sendo aplicadas a elas. Mas hoje nós temos uma população grave, sim, que vai depender exclusivamente da pensão dos seus pais.
Eu vou complementar o que os colegas todos falaram, porque já falaram de tudo. O meu foco maior é a pensão. Não tem nem sentido colocar o patrimônio. Esse critério tem que sair mesmo, se a PEC for adiante, porque a assistência social, que definiu o BPC... O INSS simplesmente faz o pagamento pela estrutura. Não tem nada a ver com a aposentadoria mesmo. Então, esse critério tem que realmente sair de uma vez. Não tem sentido essa parte do BPC ficar comprometida dessa forma. Eu acho que todos os meus colegas já falaram muito. Eu gostaria realmente de dar ênfase a essa parte, para que os Deputados a avaliem muito bem. Nós não podemos ser prejudicados.
O Sistema Único de Saúde vai ter uma sobrecarga enorme, se essa PEC for aprovada. As pessoas vão adoecer muito mais, porque vão ter que trabalhar muito mais. Então, a PEC como um todo causará um prejuízo grande para a área do Sistema Único de Saúde. E há outros meios de o Governo fazer economia. Eu vou falar um deles aqui, que acho que vai afetar inclusive esta Casa, que está relacionado ao seguro-saúde. Nós temos o Sistema Único de Saúde.
Sugiro que os Governos parem de pagar o seguro-saúde para os seus funcionários, incluindo os Deputados e os Senadores. Cada um pague o seu seguro-saúde, se quiser. É assim que o povo brasileiro faz: ou usa o SUS ou paga o seu plano de saúde.
Eu gostaria muito que algum Deputado fizesse a contabilidade de quanto custa o seguro-saúde nos três Poderes, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, neste País e quanto o Governo iria economizar deixando de pagar o seguro-saúde, deixando que cada um realmente pague o seu ou simplesmente use o SUS. Eu acho que essa é uma conta que tem que ser feita. Nós estamos na Casa do Povo, e o povo pede a vocês que façam essa conta.
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Agora, não mexam na Previdência principalmente das pessoas que trabalharam. A situação das pessoas com deficiência que trabalham é totalmente diferente. Eu acho que quem faz isso não pensa, não tem um familiar com deficiência, não analisou profundamente o tema, não veio conversar conosco. Há o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência — CONADE, que representa todas as áreas da deficiência neste País e está em risco também. Ele está em risco, porque não foi criado por lei. Ele não foi extinto ainda, tem o prazo até dia 28 de junho. O conselho está reunido agora e inclusive tem que apresentar o motivo por que deve continuar. Ele foi criado por decreto, não por lei. Se extinto, isso vai ser um prejuízo muito grande.
Então, peço aos Deputados que, quando forem fazer qualquer lei que tenha como foco a pessoa com deficiência, entrem em contato com o CONADE, com o Conselho Nacional de Saúde — e o Conselho Nacional de Saúde tem a Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência —, com as entidades, como o CRPD, que representa todas as entidades na área da pessoa com deficiência neste País, para podermos conversar juntos.
(Intervenção fora do microfone.)
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Vamos assegurar a palavra daqueles que compõem a Mesa.
A SRA. MARISA FURIA SILVA - Quando eu falei sobre o grave, eu falei por causa desse artigo da pensão. Eu acho que a pensão por morte não tem que ir para uma pessoa com deficiência que trabalha. Ela tem que ir para uma pessoa com deficiência que é interditada, que não tem condições de trabalhar, que não recebe o BPC. Aquele que trabalha...
(Intervenção fora do microfone.)
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARISA FURIA SILVA - Bom, eu não sei. Esse é um pensamento nosso, porque a pessoa com deficiência mais grave não tem condições de ir para o mercado de trabalho. E há aquele que não recebe o BPC porque os seus familiares trabalham. Como funciona a pensão? A pensão é para o filho de até 24 anos. Depois de 24 anos, o filho que não tem deficiência não recebe mais, e o filho que tem deficiência recebe até morrer.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARISA FURIA SILVA - Aquele que não recebe o BPC. Eu trabalhei, o meu marido trabalhou. Outros pais trabalharam. Então, porque trabalhamos, o filho não pôde receber, porque não se encaixou naquele corte de um quarto do salário mínimo. Ele nunca recebeu o BPC, nem vai receber.
Então, o que nós queremos é que seja cumulativa, sim, a pensão por morte, porque nós trabalhamos por este País, nós contribuímos.
Esta aposentadoria foi paga e será revertida, na íntegra, para os filhos que não puderem trabalhar. Esta é uma proposta. Outras pessoas com deficiência que trabalharam seguem o regime normal da Previdência.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu quero agradecer à D. Marisa a exposição e a participação nesta Mesa.
Passo a ler a lista de inscritos: Anna Paula Feminella, Liliane Morais, Jailson Kaludo, Francisco Djalma de Oliveira, José Roberto Santana, Lucimar Sintório da Silva, Daiane Mantoanelli e Melina Sales dos Santos. Cada um dos inscritos disporá de 1 minuto.
Antes de conceder a palavra aos Srs. Parlamentares, eu gostaria de registrar a presença da Sra. Carlivan Braga, do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Luís, Maranhão; da Sra. Anna Paula Feminella, do Coletivo de Mulheres com Deficiência do Distrito Federal; do Sr. Jailson Kaludo, do Sindicato dos Professores no Distrito Federal; da Sra. Liliane Moraes, do movimento Visibilidade Cegos Brasil; do Sr. José Roberto Santana da Silva, do Sindicato dos Bancários em São Paulo; da Sra. Daiane Mantoanelli, da CUT/CONADE; do Sr. Aristides Neves da Silva, do SINSEP do Distrito Federal; da Sra. Isabelle Passinho, do Gabinete do Deputado Estadual Duarte Junior, do Maranhão; da Sra. Gisele de Souza Cruz da Costa, do Conselho Federal da OAB/CONEDE; da Sra. Ana Paula Morais, Presidente da Associação de Pessoas com Esclerose Múltipla no Distrito Federal; da Sra. Cleonice Bohn de Lima, Presidente da Associação DF DOWN; da Sra. Melina Sales dos Santos, organizadora da Caminhada Down do Distrito Federal; da Sra. Beatriz Carvalho, do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência no Maranhão; da Sra. Sabrina Costa Monteiro, da Comissão de Inclusão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região; da Sra. Edilamar Carvalho, da Liderança do PSB, assessora dos Deputados Ted Conti e João Campos; da Sra. Juliana Barbosa, assessora parlamentar do MDB; do Sr. Phillip Ponce, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB do Distrito Federal; do Sr. Plínio Zenon, da Associação dos Trabalhadores de Baixa Renda de Samambaia; do Sr. Sérgio Caribé, Procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União. É um prazer tê-los aqui.
Feitos esses agradecimentos, vou conceder a palavra aos Srs. Parlamentares, por 3 minutos, e em seguida, aos inscritos. Ao fim, devolverei a palavra a cada convidado da Mesa, para uma consideração de 1 minuto.
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A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Boa tarde a todos e a todas.
Quero, primeiramente, parabenizar as Deputadas Erika Kokay e Tereza Nelma pela inciativa de realizarem esta audiência pública. Entendo que é necessário um evento como este porque precisamos exaurir todas as dúvidas que temos. Portanto, o tema que envolve os impactos da reforma da Previdência nos direitos das pessoas com deficiência é extremamente importante para esta Casa.
Quero cumprimentar todos os palestrantes, meus colegas Parlamentares e todos os visitantes que vieram participar desta audiência pública.
Como já disse aqui, eu vejo esta reforma como algo muito preocupante porque, sem sombra de dúvida, vai retirar, Marisa, os direitos principalmente de quem mais precisa. Eu sou mãe de uma mocinha de 21 anos com deficiência: ela tem autismo. Eu sinto na pele que o Estado não pode de forma alguma retroceder. E percebam que nós temos condições de dar um tratamento digno aos nossos filhos. Porém, temos que pensar também nas famílias que não têm condições nenhumas de dar aos filhos uma assistência melhor, não têm condições de lhes proporcionar uma melhor qualidade de vida.
Nós que temos filhos com deficiência sabemos muito bem a situação de cada um deles — eu posso citar os autistas. A mãe de um autista não tem condição nenhuma de trabalhar, porque precisa dar toda atenção ao filho, por causa da situação que envolve esse tipo de deficiência. Dependendo do grau da severidade, a doença é muito séria, muito séria mesmo. Portanto, eu vejo com muita preocupação a diminuição do benefício para a metade de um salário mínimo, quando nem um salário mínimo é suficiente para suprir as necessidades das pessoas com deficiência, que, dependendo do grau da deficiência, como eu já disse, têm que tomar muita medicação, têm que se alimentar direito, de forma saudável, para suportar a carga da medicação. Assim, se um salário mínimo já não é suficiente, imaginem agora, quando pensam em reduzir o benefício à metade. Trata-se de algo inconcebível.
Com relação à empregabilidade, eu ouvi a fala do Márcio e achei muito importante. Aliás, quero parabenizá-lo. Eu apresentei um projeto de lei para que não se retire, de imediato, o Benefício da Prestação Continuada, na medida em que as pessoas com deficiência são inseridas no mercado de trabalho, diante da complexidade que já foi mencionada, em relação às barreiras atitudinais e a outras que envolvem a acessibilidade. Tudo isso dificulta a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho.
Voltando ao impacto da Previdência, foi mencionada uma nova exigência com relação a um patrimônio menor do que 98 mil: criou-se mais uma dificuldade para quem já tem muitas barreiras e dificuldades a enfrentar.
Esta é a intenção do Governo, para que se possa receber o Benefício de Prestação Continuada.
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12:32
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Acho que foi muito importante o exemplo que você citou porque, se o patrimônio passar de 98 mil e se a pessoa adquirir um patrimônio de 100 mil reais, ela terá que optar por vender seu imóvel e viver de aluguel para poder receber o Benefício de Prestação Continuada. Eu acho que é uma judiação muito grande.
Deputada Erika Kokay, eu creio que nesta Casa há um sentimento de não aprovar a Previdência com a retirada dos direitos dos mais pobres com relação ao BPC, que envolve também o idoso carente, que vive numa situação de miserabilidade, além dos rurais. Há também uma preocupação com as mulheres, que desempenham jornada tripla.
Eu estou aqui no Parlamento trabalhando, mas sempre trago minha filha para cá, porque ela sente necessidade de eu estar perto dela. Eu também sinto esta necessidade, porque tenho que dar atenção a ela, que depende muito de mim. Eu sempre trago minha filha para meu gabinete, para que ela entenda por que eu não estou em casa com ela, porque estou trabalhando. Eu procuro explicar esta situação para minha filha.
Portanto, vejo um retrocesso brutal com relação aos direitos humanos, especialmente no caso de um segmento que precisa de muito cuidado, de muito carinho e de muita atenção.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputada Rejane Dias, pela belíssima fala. Parabéns!
O SR. RAIMUNDO COSTA (PR - BA) - Boa tarde a todas e a todos.
Esta é minha primeira fala nesta Comissão. Eu fui Vereador do meu Município por 6 mandatos. Sou oriundo da estrutura rural, particularmente da pesca artesanal. Há quase 2 anos, sofri um acidente gravíssimo de carro. Sabemos o impacto que isso causa na vida das famílias, não só da pessoa que sofreu o trauma. Quando eu cheguei ao hospital, recebi o laudo de paralisia dos membros inferiores. Sabemos o que isso gera ao ambiente não só da nossa família, mas também das outras famílias, dos amigos e, efetivamente, dos brasileiros, porque fazemos parte de uma grande família. Eu tive o privilégio de ser Deputado nesse período, mesmo com as condições adversas de um candidato a Deputado Federal. Se Deus me deu a missão de continuar trabalhando e de chegar até aqui, esperamos poder contribuir um pouco por meio do nosso mandato.
É uma satisfação participar desta Comissão. Fiz questão de me indicar membro dela. Agradeço ao PR, que trabalhou pela minha participação. É uma alegria ver aqui Parlamentares de várias áreas, sociais e econômicas, com a sensibilidade de tentar ajudar e fazer diferente. Não tenho dúvida disso, membros da Mesa.
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12:36
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Falar da reforma da Previdência já mexe com todos os brasileiros: com os que já saíram e com os que virão. Este tema efetivamente nos remete a uma grande reflexão: será que o capital é mais importante que o trabalho? Será que a economia é feita apenas do dinheiro? Onde estão os valores daquilo que o Márcio falou aqui?
Antes de mais nada, quero parabenizar as Deputadas Erika Kokay e Tereza Nelma pela iniciativa de trazer este tema específico. É muito importante ouvirmos manifestações de sensibilidade e entendimento, como manifestou a Deputada Rejane Dias.
Não vou dissecar o tema, mas apenas fazer um comentário. Como Deputado, acho que há um retrocesso. Este tema, agora, está na Comissão, assim como o que diz respeito à aposentadoria rural e tantos outros. Estão tentando retirá-los da pauta. Todos os temas direcionados à deficiência e às pessoas com mais idade teriam que ser banidos desta reforma. Não é possível continuaremos discutindo isso. Era para estarmos discutindo aqui outros temas, visando à valorização de tudo aquilo que efetivamente uma família passa.
Eu estou ao lado da Vereadora Vane Costa, do Município de Valença, Bahia. Ela é minha esposa e conhece o que nos afetou e o que ainda nos afeta, quando passamos por este processo de que eu falei. A Medicina e a família, especialmente, são fundamentais. A família não pode ser vista de forma isolada: ela tem que ser integrada no processo dos benefícios da Previdência.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputado Raimundo Costa, pela fala, importante para todos nós.
Antes de passar a palavra ao Deputado Ted Conti, passo a ler algumas mensagens que aqui chegaram pelo e-Democracia. Nós vamos encaminhá-las aos palestrantes para posterior resposta por escrito, porque não teremos tempo para responder a todas elas.
Fernando Cotta diz: "As pessoas com deficiência severa, sem condição laboral, não podem deixar de receber a pensão como se dá hoje para receber apenas um quarto do valor atual, porque, além da falta do pai e da mãe, vão ter que contratar cuidadores e gastar mais com medicamentos próprios da velhice. O que os senhores acham?"
Valdir Cavazzan Dornelas diz: "Bom dia. Por que os aposentados por invalidez vão perder 40% de sua aposentadoria, se eles não podem mais trabalhar e alcançar os 100 % da renda? Isso não é inconstitucional e retira direitos dos portadores de deficiência, contrariando a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015?"
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12:40
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Carol Fejuba pergunta: "Que tal uma previdência em que quem ganha menos (por exemplo, a média salarial de 3 salários mínimos) permaneça nas regras atuais de idade e tempo de contribuição, uma outra regra para salários intermediários, e, finalmente, quem ganha mais (por exemplo, de 10 a 15 salários mínimos) mais idade e maior tempo de contribuição?"
Alessandro de Sousa pergunta: "Como fica a aposentadoria das pessoas com deficiência que necessitam de cuidador? Terão direito ao adicional de 25% na aposentadoria?"
Valdir Cavazzan também pergunta: "Por que o tremor essencial, uma doença incurável, degenerativa, que impossibilita seus portadores de diversas atividades no dia a dia, emprego, nunca foi abordado pelos órgãos de proteção aos deficientes físicos? Nem consta do rol de doenças incapacitantes do INSS?" Ele continua: "Existe até um abaixo-assinado para os portadores de tremor essencial". Ele dá o endereço do abaixo-assinado e pergunta: "Como ter acesso a estas emendas e às assinaturas?" Pondera: "Se querem economia, por que não cobram dos Municípios o depósito da contribuição do INSS do trabalhador, onde eu, em particular, tive de 2009 a 2013 sem a Prefeitura ter pago meu INSS? Foi comunicado ao INSS, e nada foi feito". Continua: "Uma pergunta a todos, o maior defensor é o Senador Paulo Paim, que o monocular não é considerado deficiente, tendo sido reconhecido em 23 Estados menos na lei federal. Por que esta discriminação contra os monoculares, algo emperrado na Câmara dos Deputados?"
Nós vamos reproduzir estas perguntas e encaminhá-las a todos os palestrantes. Ao final, a Secretaria desta Comissão fará o apanhado e a memória de todas as sugestões feitas aqui, e elas serão encaminhadas para todos os membros da Comissão Especial. Deveriam ser encaminhadas também aos membros da CCJ.
O SR. TED CONTI (PSB - ES) - Muito obrigado. Uma boa-tarde a todos e a todas!
Quero parabenizar a Deputada Erika Kokay pelo requerimento. Esta discussão é muito importante e esclarecedora para todos nós. Eu acho que nós vivemos um momento em que temos que privilegiar mais o ser humano e buscar mais a igualdade social. Algumas coisas ditas aqui foram muito importantes. Retirar brasileiros da miserabilidade é nossa obrigação. Retirar direitos dos deficientes é algo que realmente não tem cabimento.
Eu passei por um momento na minha vida que representou uma virada na minha forma de pensar: repensei todos os meus conceitos, minha forma de valorizar as coisas. Quando minha primeira filha nasceu, ela teve um problema gravíssimo: uma transposição de grandes vasos. Logo que ela nasceu, os médicos disseram que ela não viveria nem 24 horas. Se a operassem, ela morreria. Se não a operassem, ela também morreria. Eu me apeguei à mais profunda fé que eu tinha, uma fé que eu pude encontrar. Minha esposa, que é médica, estava no quarto, pós-operada. Eu não tinha dito nada para ela. Resolvi absorver todo aquele problema naquele momento e busquei forças em Deus para poder resolver a situação.
Por uma questão divina, havia um cardiologista pediátrico que não era do hospital onde minha esposa havia ganhado neném.
No entanto, ao saber da situação, ele correu ao hospital e me disse que, se conseguíssemos manter aberta uma valvulazinha no coração dela por 12 horas, daria um jeito de salvá-la. Eu precisaria de um avião-UTI para levá-la de Vitória, no Espírito Santo, para Belo Horizonte.
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Na empresa em que eu trabalhava, graças a Deus as pessoas viram nosso desespero. Conseguimos um avião-UTI, que eu não tinha condições financeiras para pagar, e levamos minha filha. Em 24 horas, ela passou por um cateterismo e conseguiu ficar esse tempo viva para ser operada. Ela foi salva: hoje está com 20 anos. A cirurgia que a salvou é cirurgia de Jatene — um brasileiro! Hoje esta cirurgia salva pessoas pelo mundo inteiro.
Eu percebi a importância da valorização do ser humano. Dinheiro não vale nada. Dinheiro é bom quando dá dignidade a nós. Posição social, poder, tudo isso deve vir em segundo plano. O mais importante é o ser humano.
Durante a campanha que fiz para Deputado Federal, eu percorri várias APAEs, acompanhei várias situações de pessoas com deficiência e vi realmente a necessidade de valorizar a pessoa. A primeira coisa que eu fiz aqui foi me colocar à disposição da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Hoje sou titular e tenho muito orgulho de participar desta Comissão com vocês.
Nós vivemos num país continental. Nós temos desigualdades para todos os lados. Se observarmos, hoje mesmo, Deputada, na Região Norte a expectativa de vida é de 70 anos, e está subindo. Na Região Sudeste, a expectativa de vida é de 77 anos. Como podemos fazer uma PEC com o mesmo nível, se temos tantas situações diferentes país afora?
Eu concordo plenamente que temos que retirar esta questão da Assistência Social da Previdência. Eu acho que ela tem que ficar de fora. Nós temos que, cada vez mais, fortalecer esta política para as pessoas com deficiência.
Contem comigo. Estou à disposição. Eu estou começando agora. Este é o meu primeiro mandato. Tenho muito que aprender com vocês. Mas acho que o mais importante é nos colocarmos à disposição.
Espero que, daqui a algum tempo, eu tenha a bagagem e a maturidade que V.Exa. tem, Deputada. V.Exa. discursa com tanta facilidade e consegue explicar com muita clareza todos os seus raciocínios. Eu estou seguindo este caminho e espero, como já disse, contribuir bastante para que nossa Comissão cresça e consiga fazer políticas públicas cada vez mais justas para as pessoas com deficiência.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Deputado. Uma belíssima fala, um belíssimo depoimento!
Eu peço autorização para fazer uso da palavra de onde estou, ao tempo em que passo a Presidência ao Deputado Ted Conti.
Daqui a pouco, inicia-se a reunião da Comissão de Constituição e Justiça que vai analisar a admissibilidade e a constitucionalidade da proposta.
Eu e a Deputada Tereza Nelma tivemos a ideia de realizar esta reunião porque vimos que é preciso considerar as pessoas nos diversos lugares onde elas estão e que é preciso considerar as especificidades, muitas vezes ignoradas por uma lógica padronizante, que acha que o ser humano não tem diferença, não tem diversidade. É na diversidade que nós reconhecemos nossa humanidade. Essa lógica ignora o impacto desta proposição, que, penso eu, é extremamente nociva para o povo brasileiro, porque penaliza sobremaneira a população mais pobre.
Nós vemos a intenção do Governo de arrecadar 1 trilhão de reais, dos quais mais de 700 bilhões de reais virão do Regime Geral da Previdência Social, em que a aposentadoria média é de 1.300 reais, e da aposentadoria rural, o que vai dificultar e impedir a aposentadoria da população do campo. Portanto, isso é gravíssimo.
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Quando a Constituição organiza este pacto social, na tentativa de fazer o luto das casas-grandes e das senzalas e o luto das salas escuras da tortura, ela tem como princípio fundante a dignidade humana, assegurando os direitos da população do campo, direitos fundamentais, estruturantes, para que tenhamos vida nos Municípios. Os rendimentos da população de baixa renda vão direto para a economia, são injetados na economia. Tem-se ali uma parte dos recursos que são aplicados e que viram renda, são garfados pelo rentismo.
O recurso do trabalhador de baixa renda vai todo para a economia, acionando-se as cadeias produtivas, tanto é que grande parte dos Municípios brasileiros, por meio do BPC e das aposentadorias, tem um rendimento maior que o próprio Fundo de Participação dos Municípios. Portanto, esta situação também vai impactar o desenvolvimento do País.
Por volta de 190 bilhões de pessoas vão sair do BPC e do abono salarial. O abono salarial recebido pelo trabalhador que ganha entre 1 e 2 salários mínimos funciona como um salário extra por ano. O trabalhador vai perder este benefício, que vai ficar restrito a quem ganha um salário mínimo.
A Ana Claudia nos mostrou uma cláusula de ingerência do Poder Executivo sobre o Poder Judiciário. Quando se diz que as decisões judiciais vão ter que ser justificadas do ponto de vista financeiro, as decisões judiciais estão sendo cerceadas, ingeridas e organizadas. Portanto, uma cláusula pétrea está sendo ferida: a cláusula da independência dos poderes. Ao mesmo tempo em que se retira a prerrogativa do Poder Legislativo de interferir ou de apresentar proposições do Direito Previdenciário ou em que se estabelece que é o Poder Judiciário Federal que deverá abrigar as ações do Direito Previdenciário, organiza-se o Poder Judiciário a partir de outro poder, e fere-se uma cláusula pétrea. Fere-se também a cláusula das garantias e dos direitos individuais.
Dizem que a Previdência não é uma garantia ou direito individual, mas sim um direito social. A Previdência e a aposentadoria são direitos individuais, um direito que está sendo ferido, assim como é uma cláusula pétrea.
Na fala da Maria Aparecida Gugel, ela disse que há uma vedação, não apenas pelos acordos internacionais, mas também pela própria Constituição, aos retrocessos. Nós estamos retrocedendo no BPC, retrocedendo no direito à aposentadoria, o que significa uma crueldade sem tamanho, penso. Como uma pessoa com deficiência não vai ter direito à pensão ou à totalidade da pensão? Como isso pode ser pensado? Como se pode pensar não poder acumular dois benefícios, se houve contribuição para dois benefícios? Se há a contribuição do pai e da mãe, e o indivíduo vem a falecer, vamos ter duas contribuições que não podem ser apropriadas pelo Estado. Para mim, isso representa uma apropriação indébita.
A aposentadoria também não pode ser acumulada com a pensão, é apropriação indébita. Se a pessoa contribuiu, ela tem que ter o direito garantido.
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12:52
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À medida que vamos tomando conhecimento desta PEC, ficamos muito assustados com tudo o que está acontecendo, inclusive com a ausência de dados. Quando o Governo decreta sigilo sobre os dados — nós temos cobrado os dados —, ele se coloca como réu confesso, dizendo que não vai passar os dados antes da aprovação. O Governo diz que não será analisado o mérito, mas, a partir dos dados, podemos analisar a constitucionalidade. De acordo com os dados que estão postos, se eles avançam sobre a dignidade humana e se representam a falência do Estado naquilo que é assegurado como dever dele na própria Constituição, podemos, com base nos dados, determinar ou formar uma opinião sobre a constitucionalidade ou não da matéria.
Nós decidimos fazer esta discussão porque, penso eu, nós vamos ter um longo caminho de luta. Nunca foi fácil para a pessoa com deficiência. Se há crise no País, ela vai atingir muito mais as pessoas com deficiência, principalmente as mulheres. Tem razão Simone de Beauvoir. Qualquer que seja a crise, ela vai incidir de forma diferenciada a partir de segmentos da população que foram inferiorizados ou menorizados na nossa construção de uma sociedade em que os seres humanos são hierarquizados.
Nós estamos aqui para dizer que o ser humano não se hierarquiza. É isso que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que tentou fazer o luto dos fornos crematórios e dos campos de concentração, quando se disse que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Quando não somos mais vistos como seres humanos, quando somos vistos como apêndices de máquina ou como objetos de planilhas de custo, nós perdemos a noção do que é fundamental para a construção de uma sociedade pautada por um marco civilizatório, e não pela barbárie estabelecida.
Por isso, queremos tirar daqui uma série de proposições. Queremos tentar ver e fazer muito rapidamente uma publicação desta plenária — eu não sei se haverá tempo. Queria, formalmente, autorização para utilizarmos as falas aqui manifestadas para fazermos uma publicação. Que nós possamos fazer um grande movimento para assegurar todos os direitos!
Nós estamos falando do BPC, que é mais um entrave. Sim: 98 mil estão dentro da faixa inicial do Minha Casa, Minha Vida. Portanto, há que se constatar a situação de miserabilidade. Nós estamos falando de pessoas que têm renda per capita familiar de um quarto do salário mínimo; pessoas que vivem com muito poucos recursos.
Nós não podemos considerar que, se estas pessoas têm algum tipo de benefícios, às vezes até do Minha Casa, Minha Vida, elas têm a restrição no Benefício da Prestação Continuada. Para que se tenha igualdade, é preciso caráter equânime.
A Dra. Maria Aparecida Gugel disse que precisamos ter a consideração das desigualdades para que construamos a igualdade de direitos. Neste sentido, nós temos uma imensa preocupação com as ameaças que rondam o próprio CONADE. São muitas e muitas preocupações.
Nós queremos fazer um grande movimento para a preservação deste instrumento.
Nós sabemos que este é um período de avaliação, mas corremos o risco de não termos a participação popular, para que haja, primeiro, a intersetorialidade, que é a participação de vários órgãos do próprio Estado, e a participação da própria sociedade, que tem que dizer: “Nada de nós sem nós; nada de nós sem nossa voz”.
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Não queremos mais que outros falem por nós. Queremos ter um protagonismo, que é coisa de gente também. Só um ser humano que consegue ter consciência da sua vida e pegá-la pelas próprias mãos é que consegue transformá-la.
Neste sentido, a luta e a transformação nos fazem humanos, como a afetividade nos faz humanos, como a alteridade nos faz humanos, como a diversidade nos faz humanos, como a liberdade nos faz humanos.
Por isso, queremos organizar uma discussão para trabalharmos na perspectiva da manutenção dos Conselhos. Repito: democracia e participação popular, para que este Brasil suado, marcado pelos ferros dos grilhões, por aquilo que hoje se transformou no aço das balas que assassinam nossos jovens negros e pobres, ou o aço das algemas sobre os punhos dos nossos jovens negros e pobres. Eu diria que é fundamental que este País, tão marcado por tudo isso, preserve seus instrumentos de democracia e de participação popular.
Esta não é uma luta menor, não é uma luta que se precifica. Nós não vamos dizer quanto custa a participação popular porque nós, se continuarmos com este raciocínio, alguém depois vai dizer que as eleições são muito caras neste País, que elas têm que ser precificadas e podem ser anuladas, porque é preciso eliminar os custos. Não se precifica a participação popular. Portanto, nesta Comissão, nós queremos discutir e tirar uma posição formal em defesa do CONADE.
Com isso, passo a Presidência ao Deputado Ted Conti, para darmos continuidade a esta audiência. Peço inúmeras desculpas a todos, porque tenho que ir à Comissão de Constituição e Justiça neste momento.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Dando sequência à audiência, passo a palavra à Sra. Anna Paula Feminella, por 1 minuto.
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13:00
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A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Gente, está difícil falar: se temos angústia com relação ao nosso futuro, com esta PEC, realmente perdemos o sono.
No campo ou na cidade, nas praças, florestas, escolas, igrejas, comércios e hospitais, somos ambulantes, pedintes, desempregadas, trabalhadoras domésticas, rurais, donas de casa, cotistas no serviço público, aposentadas, artesãs e estudantes.
Quantas tiveram o direito à educação negado? Quantas ainda vivem encarceradas em suas casas, hospícios e asilos insalubres? Nega-se até o direito de fazerem exames de saúde porque médicos e máquinas nos rejeitam.
Com nossos corpos extraordinários nas ruas, provamos que é sempre bela quem vai à luta por justiça social.
E como ficam as pessoas responsáveis por pessoas com deficiência que não têm como se prover? Nem morrer se permite mais?
Destrói políticas sociais que minimizam a fome e melhoram as condições de vida das pessoas que mais precisam do Estado.
Tal qual o operário em construção, que um dia aprendeu a dizer não, gritaremos de todas as formas: essa história não acaba aqui!
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13:04
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O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Agradeço à Sra. Anna Paula Feminella as palavras.
Primeiro, eu gostaria de agradecer à Dra. Maria Aparecida Gugel a acolhida do nosso documento. Nós encaminhamos um documento em que avaliamos a reforma da Previdência sob a ótica da pessoa com deficiência, em especial da pessoa com deficiência visual, foco do nosso movimento.
O movimento Visibilidade Cegos Brasil é composto por um grupo de pessoas que, nas redes sociais, no WhatsApp, no Facebook e nos grupos de e-mail, discute todas as questões referentes à pessoa com deficiência, principalmente os projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional.
Eu tenho participado de muitas audiências públicas, não apenas das que ocorrem nesta Comissão, mas também de várias outras que não envolvem diretamente a pessoa com deficiência, mas que transversalmente têm a ver com nossas questões. Um exemplo são as discussões do servidor público, que eu tenho acompanhado de perto.
O que tenho a dizer sobre a reforma da Previdência é que, em âmbito específico, existem itens, como disse a Dra. Maria Aparecida, impensáveis na composição desta reforma. Um deles é o Benefício de Prestação Continuada — BPC.
Nosso clamor inicial é pela retirada do Benefício de Prestação Continuada do texto da reforma. No âmbito geral, nós nos colocamos contra a reforma da Previdência porque sabemos que ela vai prejudicar não só a pessoa com deficiência, mas também todos os trabalhadores, principalmente os de menor poder aquisitivo.
Temos, no âmbito estrito, uma crítica à aposentadoria por invalidez, que, como foi dito, vai retirar direitos primordiais do trabalhador, ao restringir o acidente de trabalho à condição de integralidade na aposentadoria. Isso, sabemos, é impossível. Nós colocamos esta avaliação no nosso documento porque, especialmente no caso da pessoa com deficiência, sabemos que o trabalho é extremamente estressante. Nós não temos a acessibilidade no serviço público, nem nas empresas privadas. Muitas vezes, estamos ociosos dentro do serviço público — temos vários relatos disso.
Esta condição de estresse nos leva, muitas vezes, a adquirir doenças, que podem nos levar, por exemplo, a um acidente vascular cerebral ou a uma série de problemas de cunho mental, emocional etc. Nós podemos ter um acidente vascular cerebral, o que pode nos levar a uma aposentadoria por invalidez, que pode ser totalmente fora do local de trabalho.
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13:08
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Eu gostaria de agradecer também a Anna Paula Feminella a acolhida no grupo de articulação PCD Congresso. Nós temos dois grupos, o Visibilidade Cegos Brasil e o PCD Congresso, para monitorar todos os projetos de lei que temos aqui.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, Sra. Liliane Moraes.
O que eu tenho a dizer é que a resposta do Movimento da Pessoa com Deficiência está na união. Uma vez, a minha mãe me disse: "Meu filho, você pode chegar a qualquer lugar, através da educação e do respeito". E a coisa que eu quero dizer aos Srs. Deputados é que não mexam com a pessoa com deficiência. Peço a V.Exas. que nos apoiem, porque V.Exas. não sabem a força que têm as pessoas com deficiência e as mães dessas pessoas.
Eu sou filho de uma maranhense e de um piauiense — eu vi que a Deputada que falou ali é piauiense, minha conterrânea, porque eu me sinto piauiense —, e minha mãe sempre me falou: "Nunca desista!" E hoje eu estou me sentindo muito feliz, porque eu estou no meio de grandes amigos, pessoas que viram a minha trajetória, tanto na política da pessoa com deficiência como nas trilhas, nas esquinas por onde eu passo todo dia.
Não é fácil ser deficiente, porque o preconceito existe. Mas eu não deixo isso me abalar, porque eu tenho alma de pessoa com deficiência. Eu quero, eu exijo respeito pela pessoa com deficiência. E eu vou levantar essa bandeira com os meus companheiros e as minhas companheiras de luta.
Não estamos aqui para pedir esmola, não estamos aqui para pedir um arranjo, mas, sim, para exigir dignidade, através de educação, saúde e trabalho. É isto que os trabalhadores e trabalhadoras querem: sair da invisibilidade. Nós queremos ser vistos. Eu e meus companheiros queremos ser vistos nos sindicatos, nas centrais, no trabalho, na vizinhança. É isto que nós queremos: respeito e dignidade.
Eu torno a dizer, Sras. Deputadas e Srs. Deputados: nós estamos aqui e vamos bater na porta do gabinete de vocês. E vamos chamar todos e todas do País inteiro. Imaginem pessoas com deficiência de todos os Estados batendo à porta de vocês! E não só eles, mas os familiares e amigos deles também, exigindo que não se aprove essa PEC, porque isso significa um grande genocídio do trabalhador e da trabalhadora com deficiência; daquele companheiro que não teve a condição que eu tive de estudar e trabalhar; daquela mãe que todo dia cuida do filho que não pode ir à escola ou não pode trabalhar.
São companheiros também, e vou lutar por eles, assim como todos os outros vão lutar.
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O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, meu colega jornalista — também sou jornalista — Jailson Kaludo.
Eu sou Diretor da Associação de Pais e Amigos de Pessoas com Deficiência do Banco do Brasil e da Comunidade e, nesta audiência, sou um dos representantes do CONADE. Eu e mais três Conselheiros fomos designados para vir a esta audiência.
Eu achei extremamente positiva e rica a forma como os expositores apresentaram e dividiram os temas e queria fazer uma consideração quanto à fala da colega Ana Claudia, em que ela diferencia bem as especificidades das pessoas com deficiência daquelas que não têm deficiência.
Eu gostaria de dar dois depoimentos pessoais com relação a essa especificidade da pessoa com deficiência. Eu tenho um colega autista no Banco do Brasil. Ele passou no concurso e atende as pessoas lá. Quem chega para ser atendido por ele não percebe que ele é autista. Mas, ao conversarmos, ele me disse que o grau de concentração que ele precisa ter para atender a uma pessoa é muito diferente do grau de concentração que precisam ter as pessoas sem deficiência. Então, imaginem o desgaste mental e intelectual dele durante todos os anos de sua vida de trabalho! É disso que se fala, quando pensamos na questão da reforma da Previdência.
Tenho outro exemplo dentro de minha casa. Tenho um filho com paralisia cerebral que tem 14 anos e outro filho sem deficiência. O que tem deficiência precisa acordar mais cedo, porque ele tem que colocar órtese, porque passa mais tempo para fazer a higiene pessoal, porque leva mais tempo para sair de casa, porque leva mais tempo para subir a rampa da escola. Isso ele vai levar para a vida dele. É sobre considerar essas diferenças na hora da aposentadoria desses trabalhadores que falamos aqui, porque esse meu filho vai entrar no mercado de trabalho e vai levar essas especificidades para o resto da vida, tendo que acordar mais cedo e sendo exigido mais dele para realizar suas funções laborais.
Eu acho que é preciso deixar bem evidente esse ponto. A Deputada Erika já falava de fazer um resumo desta audiência para que sirva de documento, a fim de que, na hora em que os Srs. Deputados forem votar a reforma da Previdência, levem isso em conta.
A outra questão sobre a qual eu gostaria de falar é que a PEC lembra a questão das diferenças de deficiências nos vários graus: leve, moderado e grave. Existe uma forma de apurar essa deficiência, e está na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a avaliação biopsicossocial. Essa maneira de avaliar a deficiência já deveria estar em vigor desde janeiro de 2018. Até hoje, passado mais de 1 ano — 1 ano e 4 meses, para ser exato —, ainda não foi colocada em prática. Então, é preciso, para que haja justiça, na hora de avaliar a deficiência, na hora de ponderar sobre a questão da idade para se aposentar, que se leve em consideração a necessidade obrigatória de se fazer a avaliação biopsicossocial.
Eu queria deixar esse alerta aqui para que as Sras. e os Srs. Deputados façam essa consideração, para que isso também seja colocado em prática, a fim de que, na hora de se tratar das questões de idade e tempo de contribuição, isso seja definido com base numa avaliação biopsicossocial.
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13:16
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O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, Sr. Francisco Djalma de Oliveira, pelas importantes questões levantadas.
Parabenizo os Deputados, na pessoa da Deputada Erika Kokay, que organizou esta plenária para podermos estar juntos com vocês.
Assim como muitos já falaram, eu reafirmo: nada sobre nós sem nós! Precisamos ser mais vistos, para que possamos participar dos debates sobre esses temas, porque é muito fácil alguém chegar com uma caneta Bic lá, fazer uma assinatura e tirar os direitos dos trabalhadores, tirar os nossos direitos de trabalhadores com deficiência. Para sermos reconhecidos como pessoas, nós sofremos muito. Nos tempos antigos — se vocês consultarem a história verão isto —, as pessoas com deficiência não podiam nem sair de casa, e muitos eram até mortos. Hoje, as pessoas com deficiência têm visibilidade, têm direitos. E nós queremos, sim, participar de todos os momentos e de todas as instâncias, principalmente daquelas que querem retirar os nossos direitos.
Uma frase muito marcante dita aqui foi: "Quem não se informa se conforma com qualquer reforma". Nós estamos informados e estamos nos informando para não aceitarmos essa reforma. Nós do Coletivo de Pessoas com Deficiência da CUT somos totalmente contra essa reforma.
Por que não vão atrás dos banqueiros que estão devendo milhões de reais à Previdência? Eu não vou citar nomes, mas há bancos que devem milhões ou bilhões de reais. Vamos cobrar de quem realmente tem, e não tirar dos trabalhadores que estão na luta, na batalha pela sobrevivência.
Se fere a minha existência, eu serei a resistência! Todas as pessoas com deficiências seremos a resistência, estaremos na luta, estaremos na rua para defender os nossos direitos e defender os direitos dos nossos idosos, porque todo mundo aqui um dia chegará a essa idade e todo mundo vai precisar da aposentadoria.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, Sr. José Roberto Santana.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Dando sequência, então, passo a palavra à Sra. Daiane Mantoanelli.
(Pausa.)
A SRA. DAIANE MANTOANELLI - Bom dia a todos e a todas. Eu sou Daiane Mantoanelli e represento o Coletivo de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da Central Única dos Trabalhadores.
Nós nos posicionamos contra essa reforma, que, na verdade, não é uma reforma, mas a retirada do direito a uma previdência social. Com certeza, ela vai atacar principalmente a nós, pessoas com deficiência.
Gostaria de destacar aqui que, como mulher com deficiência e trabalhadora, muito me decepciona ouvir um homem falar que igualar homens e mulheres com deficiência não traz prejuízos às mulheres.
Nós mulheres com deficiência, desde o nascimento, ficamos em uma situação de muito vulnerabilidade. Somos expostas a inúmeras violências: violência sexual, assédio moral, violência patrimonial, violência com a questão do cuidador e dupla jornada. Como fica essa situação?
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13:20
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Portanto, nós, pessoas com deficiência, trabalhadoras com deficiência, queremos os nossos direitos e que eles sejam garantidos. Somos contrárias a essa reforma, que é arbitrária e nega a nossa existência. Então, nada sobre nós sem nós. É importante este local de fala, que faz com que exerçamos ainda mais o nosso protagonismo. Conto com a colaboração de todos.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, Sra. Daiane.
Eu acho que já foram explanados muito bem pelas pessoas da Mesa os principais pontos e problemas dessa reforma da Previdência. Mas eu, como mãe de uma criança com deficiência, queria que, aproveitando essa reforma, tentássemos fazer algo positivo para essas mães. Eu acredito que é necessário que seja feita uma emenda ou algo nesse sentido para que as mães das pessoas com deficiência também tenham um tipo de aposentadoria especial. As mães das pessoas com deficiência são também, em geral, as cuidadoras.
A minha filha tem deficiência intelectual. Ela tem síndrome de Down. Eu conheço várias outras mulheres com filhos com síndrome de Down, paralisia cerebral, autismo. Se a mulher já tem uma jornada dupla, ouso dizer que a mulher mãe de uma criança com deficiência tem uma jornada tripla ou quádrupla, porque ela trabalha, tem que levar seu filho ou sua filha para as terapias, tem que acompanhar seu filho ou sua filha nos hospitais, nas questões médicas. Existe toda uma preocupação. Então, essas mulheres, além de trabalhar, têm um envelhecimento precoce, em razão da preocupação e desse trabalho extra. Assim, por questão de justiça, como estamos na Casa do Povo, eu acredito que os Parlamentares terão sensibilidade com esse assunto. Eu acho que seria preciso e urgente que fosse feita uma emenda a essa reforma, considerando as questões das mães de pessoas com deficiência, porque elas ficam com os filhos até o final.
Existem diversos dados que mostram que, em geral, as cuidadoras das pessoas com deficiência, de fato, são as mães, as mulheres. Muitos dos homens, dos pais, infelizmente, abandonam a família. Quem cuida das pessoas com deficiência são as mães. Eu acho que é preciso que seja feito um recorte e que esse caso das mulheres que cuidam seja olhado de uma forma especial. Quem cuida dessas mulheres? Quem cuida de quem cuida? Essa é a pergunta que fica e que eu deixo aqui para a Comissão, para que pensemos sobre isso.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, Sra. Melina, pelas justas colocações.
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Quero finalizar cumprimentando todos os painelistas e todos os que puderam intervir também a partir do plenário da Comissão.
Como mensagem final, eu gostaria apenas de ressaltar que, por mais que tenhamos eventualmente alguns pontos divergentes aqui, em algumas falas, parece-me que há um número muito grande de pontos convergentes. Nesse sentido, como destaquei na minha fala, não percebo na PEC 6/19 apenas aspectos negativos relacionados às pessoas com deficiência ou no que diz respeito à aposentadoria das pessoas com deficiência. Temos, sim, ressalto, aspectos positivos, como a redução do tempo de serviço para homens e mulheres com deficiência grave e moderada, em especial os homens. Isso representa uma parcela significativa das pessoas com deficiência.
Está havendo primazia na atenção às deficiências graves e moderadas, o que me parece bastante razoável. E, nesse aspecto, o Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência se une aos Parlamentares para buscar apoio dos demais Parlamentares, propor uma emenda que corrija os equívocos, os prejuízos apresentados por todos nós aqui nesta audiência pública, e que possa ter a sua aprovação, contemplando alguns avanços, algumas conquistas, como aquelas às quais eu e outros nos referimos, no que diz respeito, por exemplo, ao tempo de serviço de homens e mulheres com deficiência, servidores públicos e trabalhadores celetistas, assim como o auxílio-inclusão num valor mais justo.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Agradeço ao expositor Moisés Bauer Luiz.
A SRA. ANA CLAUDIA MENDES DE FIGUEIREDO - Como eu falei de pensão, eu gostaria apenas de me posicionar contrariamente a uma fala da Mesa com relação às pensões.
Nós da Rede e, especificamente, da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down temos defendido que esse benefício não é cabível apenas para deficiência grave ou autismo. Nós temos defendido que ele é devido também por deficiência intelectual, por deficiência mental ou por deficiência grave, e vou explicar por quê. Foi dito também que ele seria devido apenas a pessoas que têm deficiência grave ou autismo que não trabalhem e que estejam interditadas.
Bom, eu sou mãe de uma jovem com síndrome de Down que tem hoje 27 anos. Ela trabalha, mas eu sei que, no caso do meu falecimento, ela não teria condições de autossustento. É por acreditar nisso que continuamos lutando para que esse direito seja estendido a essas pessoas. Isso já está previsto numa lei geral, e eu vou falar sobre isso.
Em primeiro lugar, não há mais falar em interdição da pessoa com deficiência, porque a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência reconheceu a capacidade plena de todas as pessoas. E a Lei Brasileira de Inclusão fez a mesma coisa: alterou o Código Civil e manteve ainda apenas a interdição de pessoas que não conseguem exprimir a sua vontade. São casos excepcionais. É uma medida extraordinária, aceita apenas nesse caso.
Acreditamos, inclusive, que é uma hipótese que no futuro tem chance de ser minimizada, porque a interdição é uma morte civil que nós não precisamos impor às pessoas com deficiência.
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Então o direito ao trabalho não pode impedir o direito à pensão. Não é porque a pessoa trabalha que ela vai perder o direito à pensão. Afinal de contas, às vezes o trabalho dela é de meio período e ela ganha meio salário mínimo. Por causa disso ela não vai ter direito à pensão? Nós não podemos determinar a questão do trabalho como impedimento da pensão. Ao contrário, precisamos pensar que, dentro desse grupo de deficiências do qual eu falei — deficiência intelectual, deficiência mental ou Deficiência grave —, no momento em que eles não tiverem possibilidade de autossustento, aí, sim, eles terão direito à pensão.
Nesse sentido que eu estou defendendo já existe a lei do Regime Geral da Previdência Social, a Lei nº 8.213, de 1991, que garante, em seu art. 77, § 6º, a compatibilidade entre o trabalho e o recebimento da pensão por parte das pessoas com deficiência intelectual, deficiência mental ou deficiência grave. Então, a lei já reconhece que os dependentes de servidores da iniciativa privada, de celetistas, podem trabalhar sem perder o direito à pensão.
Pensando nisso e no princípio da igualdade, que deve reger os regimes básicos, o Regime Próprio e o Regime Geral, nós apresentamos uma emenda à Medida Provisória nº 871, de 2019, que estabelece critérios para regular os benefícios previdenciários, editada recentemente. A emenda foi acatada pela Senadora Mara Gabrilli — é a Emenda nº 448 —, justamente para levar para o Regime Próprio, para os filhos dos servidores públicos, esse mesmo direito à compatibilidade, para que filhos de servidores públicos, como a minha filha, possam ter garantida a pensão, no caso do falecimento dos pais, mesmo que esses estejam trabalhando. E que eles não sejam interditados, porque também é um direito ter a sua capacidade mantida. Dentro desse contexto, que seja garantido o direito à pensão por morte.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Obrigado, Sra. Ana Claudia Mendes de Figueiredo, pelas suas palavras.
O SR. MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR - Eu só gostaria de discorrer um pouquinho mais sobre um aspecto que a Deputada Erika Kokay mencionou muito brevemente, a questão do limite à judicialização.
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Essa regra, que já existe em termos parecidos, é uma regra de estrutura do sistema. Quando o Congresso Nacional edita uma lei, quando o INSS estipula o seu serviço público, são esses órgãos que devem pensar na prévia fonte de custeio. A decisão judicial não segue essa lógica. Isso aqui é uma regra de interpretação de lei, não é uma decisão judicial. O Judiciário não se baseia nisso. O Judiciário examina o caso concreto, examina a lei, dá interpretação analógica, extensiva e assim por diante. Então há na PEC uma restrição indevida no acesso à Justiça, que é muito importante no tema que nós estamos discutindo.
Por exemplo, a renda per capita de um quarto do salário mínimo é um critério para a concessão do BPC, mas o Judiciário, por alguns mecanismos, diz: "Aqui não existe o critério matemático, mas eu encontro a hipossuficiência por outros critérios". Em relação ao acesso às novas tecnologias e a medicamentos para doenças raras, por exemplo, o SUS deve fornecer. Deve haver tecnologias assistivas para pessoas com deficiência. Não se poderá obter esse tipo de direito ou de serviço público junto ao Judiciário porque haverá uma regra de restrição de julgamento, o que é um grande absurdo. Há uma preocupação muito grande também por esse aspecto. Não havíamos falado isso anteriormente, então aproveito esses minutinhos finais para acrescentar esse ponto.
No geral, eu gostaria de frisar para vocês que, do ponto de vista do direito previdenciário, da estrutura da legislação previdenciária, deve-se observar e respeitar o aspecto de identidade. As regras diferenciadas para a pessoa com deficiência, conforme eu expus na minha fala anterior, não são uma benesse, são um direito fundamental que apenas corresponde a uma específica identidade.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Muito obrigado, Sr. Marco Aurélio Júnior.
Eu também tinha pensado em ressaltar o § 5º do art. 195 da Constituição Federal. Depois que o Renato fez a sua colocação, eu recebi manifestação de alguns colegas e me sinto na obrigação de dizer que nenhuma lei, qualquer que seja, pode calar outro Poder. O que estão querendo fazer com essa proposta, no § 5º do art. 195, é calar todo o Judiciário a respeito da possibilidade de discutir a validade ou não de um pedido de aposentadoria ou de assistência social. Isso é inadmissível, num país que vive e deve continuar a viver num Estado Democrático de Direito.
Na nossa percepção aqui — e estou aqui representando o Ministério Público —, essa alteração proposta do § 5º do art. 195 é absolutamente inconstitucional e não pode estar dentro de uma proposta que quer ser séria.
Então, nesse aspecto, registramos nosso total repúdio a essa proposta de alteração do § 5º do art. 195. Concordo integralmente com o Dr. Marco nesse sentido.
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Para entender o que é a conquista da aposentadoria pela pessoa com deficiência, precisamos entender o que é a pessoa com deficiência no trabalho, enquanto está na sua vida produtiva, buscando a conquista da aposentadoria.
A aposentadoria, para todos nós, pessoas com deficiência e sem deficiência, é fruto de uma conquista. O Estado brasileiro pensou, lá em 1988, que a aposentadoria deveria ser digna para cada um dos cidadãos e das cidadãs brasileiros. Então, nós temos que enxergar a aposentadoria nada mais, nada menos do que uma linha de complemento a nossa vida produtiva.
Ora, se nós passamos boa parte do nosso tempo de vida — 30 anos, 35 anos — trabalhando, como é que vamos, no momento da nossa aposentação, tratar das pessoas sem deficiência e com deficiência sem dar dignidade ao valor das suas contribuições por 30 anos, 35 anos, 40 anos? Há pessoas que trabalham 40 anos, 50 anos ou sei lá quanto. Por essa proposta, vamos ver esses valores reduzidos a nada e essas pessoas serem levadas a uma provável condição de miserabilidade. Então, Srs. Parlamentares, nós precisamos pensar o contexto da aposentadoria como conquista, e não colocar a mulher e o homem com deficiência à margem desse processo.
A aposentadoria, para todos nós que vivemos num Estado Democrático de Direito, desde 1988, é conquista, não pode ser pesadelo. E essa proposta de reforma está nos tirando o sono. Ela nos tira o sono e, mais do que isso, ela nos tira a dignidade.
Então, precisamos pensar seriamente em como enfrentar as questões econômicas, mas precisamos pensar na pessoa humana. A vida não é constituída só de questões econômicas. A vida das pessoas sem deficiência e com deficiência é integral. Tudo o que uma pessoa sem deficiência pensa uma pessoa com deficiência também pensa, também quer, também anseia. E o momento da aposentadoria não pode ser um pesadelo. Ele precisa ser o marco de uma conquista.
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A pessoa com deficiência entrou mais tarde nesse sistema — todos nós sabemos disso, porque temos os dados do IBGE —, a pessoa com deficiência entrou mais tarde no mundo do trabalho por conta dos agravos da profissão, da saúde, do seu dia a dia. Ela merece e deve ser vista na sua inteireza. Daí por que ela precisa ser considerada com tratamento desigual para alcançar a igualdade no momento da conquista da aposentadoria. Por isso, não é possível aceitar paridade entre homens e mulheres. Isso é o óbvio.
(Palmas.)
Estamos na Casa do Povo. Por favor, considerem tudo isso que foi falado aqui. E, principalmente, Sr. Presidente desta Mesa, peço que se dê voz às pessoas com deficiência, por favor.
O que nós temos que avaliar na vida de uma pessoa é um trabalho digno e produtivo. E o resultado desse trabalho digno e produtivo é uma aposentadoria também digna, porque a vida dessa pessoa foi produtiva. Quem não está nesse abraço da Previdência, porque o Brasil ainda é muito injusto, estará no abraço da assistência. Mas a assistência social não tem nada a ver com previdência social. Assim, vamos saber separar o que é previdência social e o que é assistência social, também escolhida por esta Nação como fator de dignidade daqueles que não conseguiram um trabalho, que não conseguiram fazer o seu tempo de serviço, etc. Tudo é complementar.
Aqui nós estamos querendo trazer a voz de todos aqueles que, por serem deficientes, entram mais tarde no mercado de trabalho. E já sabemos disso, pois as estatísticas, os dados do IBGE e os dados de todos os coletivos de trabalhadores atestam isso. A pessoa com deficiência entra mais tarde no trabalho porque ela tem agravos em sua saúde, em suas condições sociais, e isso também a leva à necessidade de sair mais cedo do mercado de trabalho. Portanto, tudo isso tem que ser visto com equanimidade, com isonomia. Deve-se tratar os diferentes de forma diferente para se alcançar a igualdade. Aqui dentro, nesse campo da Previdência Social, também tem que ser assim. Não é só no mundo do trabalho, enquanto produtivos, que nós queremos isso, como, por exemplo, quando pensamos na reserva de vagas.
Para conquistar a aposentadoria também é necessária essa diferenciação, a fim de sermos iguais no final, quando todos estivermos aposentados, porque conquistamos a aposentadoria. Esta é a Casa do Povo e, como tal, precisa ouvir o povo também.
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Com isso eu concluo. Peço desculpas porque o tema realmente emociona, seja pela vida da emoção chorosa, seja pela via da emoção irada, no sentido de dizer: "Ouçam o Movimento das Pessoas com Deficiência, ouçam as pessoas com deficiência, ouçam o que os agravos decorrentes do trabalho exigem para uma aposentação digna". E essa aposentação digna tem que ser desigual para tornar todo mundo igual lá na frente. Precisamos ter esse olhar atento.
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Dar voz às pessoas com deficiência é nosso dever e nossa obrigação, com certeza.
O SR. MÁRCIO RANIERE DE CARVALHO - Eu fiquei muito satisfeito com o debate aqui travado. Acredito que conseguimos alcançar, pelas falas da Mesa e das pessoas presentes, o objetivo de refletir sobre o quanto essa reforma é prejudicial, em especial para o trabalhador com deficiência.
Eu não poderia deixar de ressaltar que me incomodou o fato de um dos colegas da Mesa ter citado pontos positivos na reforma. E, como exemplo, citou que o tempo para aposentadoria do homem com deficiência moderada foi reduzido em 4 anos. Não podemos fazer uma avaliação superficial desse número, porque, na prática, as pessoas com deficiência grave e moderada não têm acesso ao mercado de trabalho. Quando o Governo criou essa margem e estipulou isso, ele pensou o seguinte: "Nós vamos reduzir aqui, mas na prática, financeiramente, isso não vai gerar impacto nenhum". Vocês entendem?
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Para finalizar, lembro que a colega de Mesa Maria Aparecida falou sobre a questão da dignidade. Eu acho que a maioria das falas aqui trouxe a questão da dignidade. Então, eu queria encerrar com o conceito de dignidade de Immanuel Kant, que diz que dignidade é aquilo que não tem equivalência, não tem preço; aquilo a que não se consegue achar algo equivalente. A dignidade da pessoa com deficiência, durante a sua aposentadoria, é fundamental. O bem-estar e a qualidade de vida são fundamentais. Não há equivalência para essas coisas. Isso é dignidade. Eu espero que nós atendamos a essa dignidade.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ted Conti. PSB - ES) - Muito obrigado ao Márcio Raniere.
Antes de encerrar, eu gostaria de lembrar todos das contribuições sobre as quais a Deputada Tereza Nelma falou no início da audiência. Aqueles que quiserem apresentar sugestões enviem para o e-mail da Comissão: cpd@camara.leg.br.
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