1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional
(Audiência Pública Ordinária)
Em 7 de Maio de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:40
RF
O SR. PRESIDENTE (AJ Albuquerque. Bloco/PP - CE) - Boa tarde a todos.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública promovida pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia para debater o tema Defesa da água no Brasil e o marco de um ano da realização do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), em atendimento ao Requerimento nº 9, de 2019, de autoria do Deputado Edmilson Rodrigues, aprovado em 20 de março de 2019.
Inicialmente, gostaria de agradecer a presença das Sras. e dos Srs. Parlamentares e dos convidados.
Neste momento, tenho a honra de convidar para compor a Mesa o Sr. Thiago Ávila, organizador do Fórum Alternativo Mundial da Água — FAMA; o Sr. Alexandre Bahia Gontijo, membro do Movimento Maré Socioambiental; o Sr. Iury Paulino, Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB; e o Sr. Mirim Ju, representante do Conselho Indígena do Distrito Federal, que não chegou ainda, mas está chegando.
Passo a condução dos trabalhos ao autor do requerimento, Deputado Edmilson Rodrigues.
(Pausa prolongada.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Boa tarde a todos e a todas.
O Presidente que fez a abertura já seguiu o roteiro.
14:44
RF
Dando continuidade à reunião, informo que a lista de inscrição para os debates encontra-se sobre a mesa. O Parlamentar que desejar interpelar os expositores poderá registrar seu nome.
Esclareço aos expositores e aos Srs. Parlamentares que a reunião está sendo gravada para posterior transcrição e será transmitida ao vivo pela Internet. Por isso, solicito que, durante suas exposições, falem ao microfone.
Informo ainda que o expositor não poderá ser aparteado no decorrer de sua exposição. Somente depois de encerrada a exposição, os Deputados poderão fazer suas interpelações, tendo cada um o prazo de 3 minutos, e o interpelado, igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo.
As interpelações deverão ser feitas estritamente quanto ao assunto objeto da audiência pública, nos termos regimentais.
Solicito aos expositores que assinem a autorização para publicação e utilização, pela Câmara dos Deputados, de sua imagem e voz gravadas no decorrer deste evento.
Neste momento vou conceder a palavra. Está aqui presente o Thiago Ávila.
O tempo regimental é de 20 minutos, mas eu até queria sugerir uma flexibilização, de modo que nós indiquemos o tempo de 15 minutos — isso não é algo ditatorial —, porque, assim, depois se enriquece a volta, e até o próprio expositor tem a possibilidade de aprofundar e tornar mais precisa a sua visão. Combinado?
Então, o primeiro orador seria mesmo o Thiago, está bem? Vamos seguir essa ordem.
Concedo a palavra, inicialmente, ao Sr. Thiago Ávila, por 15 minutos.
O SR. THIAGO ÁVILA - Boa tarde a todas e a todos.
Queria agradecer ao Deputado Edmilson Rodrigues, que mais uma vez cumpre um papel muito importante ao trazer um debate fundamental para a preservação da vida na Terra para este ambiente, que, no geral, apesar da brava resistência dele e de tantos outros Parlamentares, é um lugar bastante impermeável ao debate popular. Ações como essas costumam fazer diferença e semear algo, uma sociedade diferente, num ambiente não muito fértil ainda para esses debates. Que se continue semeando isso sempre que possível.
Nós viemos neste momento falar pelo Fórum Alternativo Mundial da Água. Há diversas pessoas aqui que participaram dessa construção, desde pessoas que estão nesta mesa, que estão aqui conosco, até aquelas que estão nos acompanhando pela Internet porque um planeta, uma cidade sem mobilidade não permite que as pessoas compareçam como deveriam a debates fundamentais. Isso não quer dizer que elas não se importam.
Nós estamos diante de uma grande encruzilhada histórica. Estamos vivendo num contexto em que o planeta está em aquecimento e encontra vários limites — perda de biodiversidade, acidificação dos mares, extinção em massa de espécies, além do aquecimento global — que precisam ser trabalhados. No meio desse contexto todo está a água.
A água vai ser a maior fonte de conflitos do mundo neste século, e o Brasil cumpre um papel estratégico nisso. Imaginem se há 100 anos tivéssemos feito uma conversa sobre o quanto era importante o petróleo na Arábia Saudita, por exemplo. Imaginem se um país, no século passado, tivesse um sétimo do petróleo do mundo. É isso que o Brasil tem com relação à água. O Brasil tem, a partir dos seus aquíferos, um sétimo da água doce disponível em forma líquida hoje no mundo. Nós pensávamos que o Aquífero Guarani era o maior aquífero do mundo, com 40 mil quilômetros cúbicos de água, e de repente nós descobrimos que o Aquífero Alter do Chão é muito maior do que se imaginava. Ele, que faz parte do Sistema Aquífero Grande Amazônia, é pelo menos duas vezes maior do que o Aquífero Guarani, e há estudos que indicam que ele pode ser ainda maior do que essa previsão inicial.
14:48
RF
Então, nós estamos falando de um recurso que, se for tratado como mercadoria, pode levar o País a todo tipo de conflito. Mas, se ele for tratado como bem comum dos povos e da natureza, pode dar a garantia de que, pelo menos a partir do Brasil, nós vamos conseguir pensar soluções para o futuro da humanidade em integração com a natureza, que é algo de que precisamos tanto.
Nós não viemos para esta audiência à toa. O Deputado Edmilson Rodrigues apontou bem o que motiva a nossa participação aqui. Há 1 ano, nessa nossa encruzilhada histórica, setores que querem explorar pessoas, oprimir povos e destruir a natureza em nome do lucro organizaram um fórum de corporações aqui no Distrito Federal. Esse evento, o 8º Fórum Mundial da Água, não ocorreu à toa.
Os fóruns mundiais foram criados pelo Conselho Mundial da Água, que foi criado a partir de uma composição de grandes corporações da água. Imaginem a GDF Suez, que é uma das grandes corporações de privatização da água e do saneamento do mundo, criando um conselho, junto com outros grupos, para pensar a governança da água no mundo. Esse conselho começa a atrair pessoas do terceiro setor e do poder público até que ganha o aspecto de um conselho que envolve realmente vários setores sociais. Mas ele não perde o seu vício de iniciativa, de origem, que é ter sido criado por uma empresa privada para trazer legitimidade para um debate que é de privatização, em benefício de uma pequena parcela de grandes empresas multinacionais.
A GDF SUEZ hoje não se chama mais assim. As várias companhias que destroem as coisas no mundo mudam de nome quando isso começa a impactar muita a sua imagem. Agora ela se chama ENGIE, empresa que segue pensando a governança da água no mundo numa perspectiva privada.
Não havia lugar melhor para esse 8º Fórum acontecer, na visão de quem pensa a água como mercadoria, do que o Brasil de Michel Temer, no ano passado, ou, neste momento, o Brasil de Bolsonaro. Esses governantes pensam, sim, em como, à revelia dos povos e da natureza, vão conseguir destruir mais o nosso País enquanto poucos, o 1%, conseguem lucrar mais, apesar das pessoas e apesar da natureza.
O 8º Fórum Mundial da Água contou com profundo financiamento público, o que nos envergonha. Há emendas constitucionais que limitam o teto de gastos públicos, há cortes em diversos serviços sociais, na educação, no transporte, na saúde, na própria gestão da água e do saneamento, e, do outro lado, está se fazendo um fórum de corporações profundamente subsidiado pelo Governo para falar de uma visão de mundo que é antigoverno e antibem comum dos povos.
A lógica da privatização que se defendia no 8º Fórum Mundial da Água é a que ainda se defende hoje com a MP 868/18, que antes era a MP 844/18, derrotada aqui nesta Casa. Nos últimos 3 dias do Governo Michel Temer, que nos envergonhou tanto — o Governo desse Presidente teve a pior aprovação na história do nosso País —, ele deixou um legado muito ruim, porque emitiu a Medida Provisória nº 868, a reedição da MP 844, para acabar com a gestão da água e do saneamento numa perspectiva pública. Ela abriu caminho para a privatização da água, permitindo, por exemplo, a privatização de companhias de água e saneamento municipais, só das mais rentáveis, que é o que vai interessar ao setor privado, e acabando com o subsídio cruzado, por meio do qual cidades onde o saneamento consegue ser rentável subsidiam cidades, grandes comunidades rurais ou territórios indígenas, quilombolas e ribeirinhos que requerem um investimento maior em estrutura. Então, acabar com o subsídio cruzado, na prática, é deixar passar sede e fazer com que fiquem suscetíveis a doenças pequenas comunidades ou cidades onde investir não é rentável para as grandes corporações.
14:52
RF
A lógica da privatização é sempre justificada por "nós não temos dinheiro" ou "não temos capacidade de gestão". Mas essa lógica é uma farsa e vou explicar por quê. As pessoas falam como se fosse uma matematicazinha de padaria. O Estado tem um bem, não consegue geri-lo muito bem, mas precisa principalmente de dinheiro, quer investi-lo em coisas que tragam benefícios para nosso País. Só que não é bem isso o que acontece. Na verdade, o Estado tem um bem, investe em infraestrutura, a partir de investimento, para deixar um legado para a sociedade. Esse investimento é sucateado, depois é pensado num processo de privatização que é direcionado, em seus editais, para grandes grupos econômicos, que não vão tirar dinheiro próprio, praticamente. Há uma quantidade mínima de dinheiro próprio nessas privatizações. É feito empréstimo no BNDES, com juros a perder de vista, para adquirir as empresas públicas. Depois, quando não se consegue pagar, perdoa-se boa parte dos juros, das dívidas dessas empresas, para que elas adquiram a empresa pública, para piorar o serviço, demitir trabalhadores, precarizar o serviço e aumentar a conta para a população.
Toda vez que essa receita dá errado — é uma receita que dá errado —, eles pedem resgate aos cofres públicos. É o que vemos nos casos de Tocantins, de Uruguaiana, em todos os casos em que a privatização das empresas de água e saneamento foi levada a cabo por governos, à revelia da vontade popular. Quando se pergunta a qualquer pessoa, ela vai dizer que a água é um bem essencial à vida e não pode ser mercadoria.
Nós, enquanto Fórum Alternativo Mundial da Água — FAMA, falamos muito sobre isso. Lá havia indígenas, como o Mirim Ju e o Airy Gavião, que estão conosco, que dizem que água não é só direito, mas também é sagrada.
O crime de Mariana, quando destruiu o Rio Doce, deixou a população de Governador Valadares, de Mariana, de Bento Rodrigues, de Regência, no Espírito Santo, sem acesso à água, assim como o povo krenak, que tratava aquele rio como um primo, chamavam-no de watu. Hoje o povo krenak está passando por dificuldades imensas.
Estamos falando de povos que têm uma concepção de água muito diferente. Aliás, são os principais povos responsáveis pela preservação da água e da natureza, porque é nos territórios que a água consegue infiltrar no solo, é no bioma preservado que a água consegue voltar para o lençol freático e seguir seu ciclo natural.
Nós precisamos garantir a manutenção desse processo. Temos que impedir os mecanismos de destruição estabelecidos por este Governo, que é contra a preservação dos biomas. Enquanto Fórum Alternativo Mundial da Água, nós nos reunimos, dos dias 17 a 23 de março do ano passado, para dizer que água não é mercadoria, e sim um direito dos povos e da natureza. Para isso, não poupamos esforços.
Nós fizemos aqui o maior evento em defesa da água do planeta. Contamos com a presença de indígenas, de quilombolas, de ribeirinhos, de lutadores pelas empresas de água e saneamento, que estavam sendo privatizadas, de ativistas socioambientais, do Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB. Está aqui o Iury, que cumpriu um papel fundamental nessa mobilização. O MAB teve uma mobilização histórica, não só no Fórum Alternativo Mundial da Água mas também no cotidiano, na luta pelos povos de Correntina, na luta contra as barragens destruidoras, que estão acabando com nossos rios. Havia lutadores sem terra, sem teto, porque quem está na periferia sempre fica sem água primeiro. Nós passamos por um racionamento no Distrito Federal. Quem estava ao lado da Barragem do Rio Descoberto, que providencia 65% da água que se bebe no Distrito Federal, ficou sem água por 9 dias, enquanto no Plano Piloto e em áreas que têm o IDH semelhante ao da Suécia — no Distrito Federal é tão desigual a esse ponto —, ficaram sem água, no máximo, no rodízio de revezamento e não sentiram por conta dos seus reservatórios.
Nós estamos falando aqui de uma encruzilhada histórica que requer medidas que mudam radicalmente nosso sistema. E nós, enquanto Fórum Alternativo Mundial da Água, juntamos essas pessoas todas em 5 dias de atividade, em que fizemos mais de 175 atividades coletivas e autogestionadas. Depois as juntamos em 3 dias no Parque da Cidade para grandes atividades coletivas, em que se faziam grandes assembleias populares, assembleia dos povos, que juntava todas as comunidades tradicionais. Também está aqui conosco a Letícia, uma das pessoas que participou dessa mobilização que fez história porque nunca tinham se juntado tantos povos numa mesma mesa para conversar sobre uma forma diferente de pensar a sociedade e de acumular forças para enfrentar esse grande trator com rolo compressor acoplado na frente que quer passar em cima dos direitos das pessoas e destruir o nosso planeta.
14:56
RF
Nós, nesses dias, fizemos história não só pelo que deixamos passar, mas também pelo que apontamos para a frente. No Fórum Alternativo Mundial da Água, nós pensamos cinco grandes soluções sistêmicas para seguir uma nova lógica de pensar a água no mundo. Essas cinco soluções são as seguintes.
A primeira, que é a mais evidente, que está em todos os gritos dos povos indígenas de demarcação já, que está também em todos os gritos dos povos quilombolas, que não querem aceitar que a sua demarcação dependa, por exemplo, do agronegócio, é a preservação dos biomas. O primeiro ponto, sem dúvida, é preservar os biomas. Mais floresta é igual a mais água. Precisamos garantir que os biomas não sejam destruídos, não acreditando que só isso seja suficiente, pelo contrário, entendendo que precisamos regenerar o que já foi destruído. Não podemos aceitar que a Floresta Amazônica seja destruída, não só pelo efeito da evapotranspiração, que traz a chuva para cá, mas também pelo nosso papel fundamental para o futuro da humanidade. O nosso País cumpre um papel fundamental, e temos que regenerar o que foi destruído e não aceitar nenhuma destruição mais. A preservação dos biomas é fundamental para que se mantenha o ciclo da água e para que se mantenha uma governança da água enquanto bem comum dos povos da natureza.
A segunda coisa é a educação ambiental efetiva. Os dias do Fórum das Corporações, que aconteceram paralelamente ao nosso, mostraram como pensam a água: pensam a água como insumo do agronegócio. Dizem que estão exportando soja, mas estão exportando também água, solo e sol do Brasil. O País tem essas condições e exporta. Então estamos exportando água através da nossa soja, que vai alimentar o gado da China, da Europa, que não vai ser utilizada na alimentação humana e que no agronegócio impermeabiliza o solo, perpetua injustiças no campo, perpetua uma violência contra os povos e comunidades camponesas e lutadoras. Já aconteceram aqui vários casos muito tristes e muito graves. O Brasil é o país em que mais se assassinam ambientalistas. Então estamos falando de algo muito relevante nesse sentido.
Víamos que no Fórum das Corporações a educação ambiental era uma educação aos moldes bancários. Pensavam: "Olha, a gente tem que preservar, a gente tem que plantar um feijãozinho na nossa escola, a gente tem que escovar os dentes com um copinho". Não dizem quem são os verdadeiros donos da água no mundo, não dizem quanto o agronegócio consome de água no mundo. Mais de 70% da água no mundo é consumida pelo agronegócio. Acreditamos que o agronegócio, as grandes indústrias, todos esses processos de um modelo de desenvolvimento que não nos contempla têm que ser colocados como responsáveis pela crise da água no mundo, e não a população mais pobre, porque ela não escova os dentes com um copinho.
Deputado Edmilson, no racionamento aqui do Distrito Federal, vimos uma coisa. Tínhamos dois bairros muitos diferentes, porque o Distrito Federal, junto com o Estado do Amazonas, é o lugar mais desigual do País, que, embora seja a nona maior economia, está entre os dez países mais desiguais do mundo. No racionamento, víamos um bairro que tinha o IDH semelhante ao de Botsuana ou do Timor Leste, por exemplo, que era a Chácara Santa Luzia, e um bairro que tinha o IDH da Suécia, que era o Lago Sul. A Chácara Santa Luzia consumia, antes do racionamento, 65 litros/habitante/dia de água. Isso é menos da metade do que a ONU recomenda como razoável. Pensávamos que lá não havia muito mais como diminuir o consumo, mas, depois de 1 ano e 2 meses de racionamento, diminuiu de 65 para 50 litros/habitante/dia. Fomos ver o consumo dos outros bairros, especificamente o do Lago Sul. Enquanto a Chácara Santa Luzia consumia 65 litros, o Lago Sul consumia 380 litros. Depois de 1 ano e 2 meses desse racionamento covarde e desigual, vimos que o Lago Sul diminuiu de 380 para 368 litros. Ou seja, quem pagou a conta, para variar, foram os mais pobres, assim como paga a conta do desastre ambiental no geral. É só ver o ciclone em Moçambique. É só ver quem paga realmente a conta desses processos. Então, o segundo ponto é a educação ambiental efetiva, conectada à realidade da população mais pobre, que é quem mais sofre com isso. O terceiro ponto é o investimento público no setor público de gestão de água e de saneamento. As corporações, a iniciativa privada nunca vai pensar isso enquanto bem comum. Eles o pensam como objeto de lucro. Então outra solução é investir para impedir a privatização, contra a Medida Provisória nº 868, de 2018, e investir nos servidores também.
15:00
RF
(Desligamento automático do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - O desligamento é automático. Não fui eu que desliguei o microfone.
O SR. THIAGO ÁVILA - Vou acelerar bastante. Existe a privatização às claras, como a que a MP 868 produz, mas existe também a privatização de baixa intensidade, nas parcerias público-privadas, nas terceirizações. Isso precariza muito também a vida do trabalhador. Investimento público neutraliza isso.
O quarto ponto é que consigamos garantir mudanças em políticas, em tecnologias socioambientais. Não é único caminho pensar empresas de água e saneamento com grandes manilhas, grandes estações de tratamento de água e de esgoto. É possível pensar uma transição agroecológica — eu sei que o Deputado Edmilson faz essa defesa também. É possível pensar agroflorestas para regenerar o que foi destruído e plantar água. É possível pensar bacias de evapotranspiração para um tratamento comunitário de esgoto: cada pessoa tratar o seu esgoto na sua própria casa, produzindo alimento, colocando umidade no ambiente, fazendo um processo que demanda muito menos infraestrutura. É possível tratar água cinza com bacias de biorremediação. É possível captar água da chuva verdadeiramente. Essas mudanças políticas são fundamentais. Uma grande transição agroecológica para a cidade, para o campo e para a floresta é o quarto elemento de uma mudança sistêmica com relação à água.
E o quinto, para concluir, é que nada desse modelo que defendemos de sociedade em que não haja exploração, opressão e destruição do planeta, ou seja, uma sociedade do bem viver, é possível sem que o povo tome as rédeas e decida verdadeiramente. A gestão popular não só da água, mas da sociedade como um todo, a decisão sobre a governança da água em assembleias populares, em que o povo mande e o Governo obedeça, é um caminho fundamental para chegarmos a outro patamar de sociedade.
Nós acreditamos que essas cinco coisas podem fazer a diferença no longo prazo. É isso que nós, enquanto Fórum Alternativo Mundial da Água, defendemos. Esse é um dos legados do maior evento em defesa da água do planeta, que nos honrou muito aqui no Distrito Federal e que segue na luta de cada movimento que participou daquele momento e que leva a batalha, apesar das agressões, apesar da violência política e da violência realmente física que acontece no campo, nas cidades e nas florestas.
Estamos diante da grande missão histórica da nossa geração. Cabe a nós impedir o desastre ambiental planetário e tocar a missão, que já existia antes, de construir uma sociedade emancipada, uma sociedade com justiça social, uma sociedade em que as pessoas se alimentem três vezes ao dia, em que as pessoas tenham tempo livre, em que a automação não seja para escravizar, mas para emancipar, uma sociedade em que consigamos que a felicidade mais plena e verdadeira seja o nosso cotidiano.
É essa a sociedade que sonhamos construir. Por isso, agradecemos este momento. O Deputado Edmilson Rodrigues fez o requerimento para a realização desta audiência pública. Muito nos alegra estar aqui.
15:04
RF
Sabemos que o espírito de um Deputado como o do Edmilson Rodrigues e de vários outros que estão aqui presentes nesta Casa é um espírito que nem sempre dialoga tanto com a gravata, com o carpete, com o mármore deste Parlamento. Precisamos cada dia mais dessa raiva digna e dessa rebeldia. É isso o que pode mudar a situação. A solução se dá a partir dos povos. As pessoas que estão aqui representam essa vontade dos povos mesmo, sem querer substituí-los, mas representá-los. Por isso nos alegra muito estar aqui.
Queria agradecer ao Deputado. É um prazer estar aqui.
Muito obrigado, pessoal. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Thiago. Desculpe-me essa pressão com o tempo.
Vocês percebem que o Thiago quase não gagueja? Isso porque ele trouxe o discurso de "improviso" — entre aspas.
Chegou mais um dos nossos colaboradores, Mirim Ju Yan Guarany. Vocês sabem o que é Mirim Ju? É espinho pequeno, não é?
O SR. MIRIM JU YAN GUARANI - Pequena luz do sol.
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Ah, é luz do sol? Yan?
O SR. MIRIM JU YAN GUARANI - Ju é amarelo da luz do sol.
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Ah, é a variação do tupi para o guarani, que é diferente. Daqui a pouco vamos ouvi-lo. Vamos seguir em frente nessa exposição.
Eu quero dizer que antecipei em uma entrevista dada antes da sessão que nós estamos ainda muito divididos e ao mesmo tempo estamos aqui unindo forças para o bom combate estratégico, como foi falado, para viabilizar essa grande transição agroecológica que o mundo exige de todos nós. Eu dizia isto: por que estamos aqui somando e ao mesmo tempo divididos? Porque neste momento há um grupo de Deputados, de partidos de Oposição, de gente que tem compromisso com o futuro digno, justo, feliz, socialmente justo e ecologicamente equilibrado e fazem um bom combate para tentar inviabilizar a aprovação de um relatório escrito por um Senador que é um dos principais sócios de uma das maiores detentoras do controle dos recursos hídricos no planeta, na Índia, no Brasil, no Peru, na Argentina, que é a Coca-Cola.
Então me refiro aqui ao Deputado tucano Tasso Jereissati, que conseguiu aprovar, apesar do debate tão fundamental que é tratado na Medida Provisória nº 868, um plano de trabalho que se resumiu a duas inicialmente. Com muita luta nós conseguimos uma terceira audiência pública, para se ver como se tratam coisas sérias no País. Três reuniões para debater a privatização de todo um sistema de saneamento ambiental, particularmente de saneamento básico, com sistemas de água e esgoto num país tão continental quanto o nosso e num país que detém 13% da água superficial potável mundial. Então é realmente um escândalo.
Estamos bem representados lá, no meu caso pelo Deputado Glauber Braga, por isso estou mais ou menos tranquilo. Eu devia estar lá como suplente da Comissão tentando contribuir para tentar, digamos, barrar aquele ataque.
Vamos agora ouvir, depois dessa brilhante palestra do Thiago Ávila, o Alexandre Bahia Gontijo.
Quero dizer que a Bahia está de parabéns pela luta da comunidade de estudantes, professores, servidores das universidades que deram exemplo de mobilização ao ocupar a universidade e as ruas para debelar o plano de destruição das federais.
15:08
RF
Tem a palavra o Alexandre Bahia Gontijo, que representa o movimento Maré Socioambiental.
O SR. ALEXANDRE BAHIA GONTIJO - Obrigado, Deputado. Gostaria de agradecer a esta Casa. É um prazer conhecê-lo pessoalmente. Queria parabenizar o Thiago pelo discurso maravilhoso, muito bom mesmo. Vou tentar complementar com alguma coisa, mas basicamente ele disse tudo.
Primeiro eu gostaria de apresentar o movimento Maré Socioambiental, o movimento de resistência socioambiental. Ele é composto por várias entidades, entre elas temos a ASIBAMA-DF, da qual eu sou Presidente, que é a Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente do Distrito Federal. No Maré também está a ASCEMA Nacional, que é Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente. Isso engloba outras entidades também, como o INA, é que é do pessoal da FUNAI. Temos professores da Universidade de Brasília. Temos acadêmicos. Temos pessoas da FIOCRUZ. Temos muitas entidades envolvidas e atores ali dentro do Maré.
A intenção do Maré é tentar agregar o máximo de pessoas que estão preocupadas com essas questões socioambientais, com as mudanças que temos percebido e com os ataques à política ambiental e socioambiental brasileira que estão acontecendo e têm se intensificado nos últimos meses, o que é muito preocupante exatamente por nós sermos um país com tamanho tesouro em termos de biodiversidade e de sociobiodiversidade.
Uma das coisas que mais nos se preocupa, como servidores da carreira, englobando o pessoal do Ministério do Meio Ambiente, do IBAMA, do ICMBio e do serviço florestal, é a questão principalmente ligada à água. Existem vários outros ataques acontecendo, mas a principal questão está ligada à água. Há o fato de se ter retirado do Ministério do Meio Ambiente a Secretaria de Recursos Hídricos. Então, hoje todas as questões ligadas ao tema da água, que antes existiam dentro do Ministério Ambiente, agora passaram para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Isso é muito sério, porque torna evidente a perspectiva do Governo de que a água é meramente um recurso a ser usado pelo setor produtivo. De fato, isso é parte do ciclo da água. É, sim, um recurso do setor produtivo, mas o ciclo é muito maior do que isso.
Não podemos desconsiderar a água da perspectiva do meio ambiente. Primeiro porque ela é um componente dos ecossistemas, principalmente no Brasil. Os rios, os oceanos, os lagos, tudo isso tem a água como um dos seus principais componentes. E lá temos uma grande quantidade de biodiversidade. Segundo porque a água, além de ser um componente dos ecossistemas, é um produto dos serviços ecológicos. Então, como o Thiago mesmo já falou, as florestas têm papel fundamental no ciclo da água, especialmente no Brasil. Isso tem que ser considerado. Não adianta pensar a água só como recurso. Esse pensamento é de décadas atrás, quando achávamos que a água era um recurso infinito. Hoje, sabemos que o montante de água, em termos de moléculas H2O no planeta, não diminuiu ao longo do tempo, mas a sua disponibilização na forma potável muda. Nem toda a água que existe no planeta é possível ser usada. Temos altas taxas de contaminação de água hoje no Brasil, e essa água contaminada não pode ser usada. Então, temos que considerar essas questões do ponto de vista ambiental, do ponto de vista dos ecossistemas, já que são os ecossistemas que disponibilizam essa água na forma potável para as populações humanas e para todo o resto da biodiversidade. Então, retirar esse tema do Ministério do Meio Ambiente é não ter mais esse ponto de vista. Isso é muito perigoso não apenas para o meio ambiente, mas, inclusive, para o setor produtivo.
15:12
RF
Nós já temos vários artigos científicos. Inclusive, há um publicado na Nature, que é uma das maiores revistas científicas do planeta, no ano passado, que faz uma avaliação do valor desses serviços ecossistêmicos para as populações humanas.
No caso do Brasil, já que somos um país cuja economia está baseada no agronegócio e cuja matriz energética é a hidrelétrica, o valor dos ciclos da água, se consideramos as florestas como usinas de bombeamento de água, que colocam água na atmosfera e produzem chuvas, o valor desse serviço desempenhado pelos ecossistemas está nos trilhões de reais. Essa conta ninguém paga. Ela é de graça hoje, mas, se desconsiderarmos a perspectiva ambiental da água, essa conta virá para nós nos próximos anos, inclusive para o agronegócio. O agronegócio precisa de água para poder funcionar.
Então, se continuarmos negando que perder floresta é perder esse serviço ecossistêmico ou se simplesmente não considerarmos isso na conta, não vamos ter como pagar isso. Não tem como repor isso de maneira artificial.
Então, é fundamental ter essa perspectiva no meio ambiente, porque ela está ligada às questões das florestas, dos ecossistemas, à fiscalização ambiental, ao monitoramento dos recursos hídricos. Então, é preciso considerar que, na questão do tratamento de água, o dinheiro que é gasto para tratar a água hoje poderia ser economizado se simplesmente resguardássemos os ecossistemas que produzem água.
Outra coisa que é preciso considerar é que hoje, no tratamento, conseguimos retirar alguns componentes básicos ali, como carbono, fósforo e nitrogênio, mas uma série de outras substâncias tóxicas acabam passando. Não é como, por exemplo, tratarmos todas as substâncias vindas dos agrotóxicos, que hoje estão contaminando os ecossistemas aquáticos. Não há ali nos sistemas de tratamento uma solução para cada tipo de agrotóxico. E a cada mês temos novos agrotóxicos sendo colocados no mercado. E não há um monitoramento disso dentro dos ecossistemas.
Já sabemos, por exemplo, por estudos preliminares, que agrotóxicos que hoje não são mais permitidos, que já tem décadas que foram proibidos, ainda são encontrados nos ecossistemas aquáticos. Eles permanecem. Isso vai se acumulando e vai vir na nossa conta lá na frente, tanto nos produtos que nós temos aqui no Brasil para exportação que podem vir a ter os seus mercados internacionais fechados, quanto na própria biodiversidade que temos, que temos que manter e poderia propor novos mercados do futuro.
Então, isso tem que ser colocado. Não é possível mais negarmos esse ponto de vista. Não é possível mais mantermos a visão sobre a água de 10, 15, 20 anos atrás. Temos que perceber que hoje vivemos em um mundo diferente, que as transformações são extremamente rápidas e que, se não pensarmos com certa antecedência, não vai dar para resolver isso no futuro. As questões de mudanças climáticas são fundamentais de serem pensadas agora. Elas têm relação direta com as questões dos ciclos da água. Então, a disponibilidade de chuvas que temos hoje tem a ver com a manutenção de uma floresta como a Floresta Amazônica.
15:16
RF
Os rios voadores são um fato. Eles não são simplesmente uma ideia de ecologistas, eles são um fato. Isso é mensurável, é matemático, não dá para fazer igual ao que temos percebido, hoje, que os nossos gestores fazem, inclusive no Ministério do Meio Ambiente, e dizer que isso é apenas um modismo de intelectuais e não ter isso como prioridade. Não, isso não tem como não ser prioridade, e mais ainda no Brasil.
Se não levarmos como prioridade a questão de mudanças climáticas aqui no Brasil, que tem a responsabilidade com a maior área de floresta tropical do planeta, que tem um fator importante local, com relação às comunidades e às populações tradicionais que vivem ali, que tem um fator regional, na produção de chuvas, que inclusive alimenta o agronegócio inclusive no Sudeste, uma boa parte das chuvas vem de lá, através dos rios voadores, e tem um papel global, que é na manutenção do clima, assim como nós o conhecemos, se não reconhecermos isso, não vai adiantar, porque o mundo já reconhece. O mundo já olha para a gente com essa visão, ele já sabe que a chuva que cai nos outros continentes tem a ver com as florestas que temos aqui no Brasil.
Então, não adianta falar que nós não vamos levar em consideração a academia e os trabalhos acadêmicos.
Agora, recentemente, 602 cientistas lá da comunidade europeia publicaram na Science um alerta aos governos europeus, dizendo: "Olhe, tomem cuidado com os produtos que vêm do Brasil, que têm a sua produção ligada ao desmatamento na Amazônia, porque isso afeta a gente aqui".
Não adianta negarmos esse trabalho científico, porque os governos europeus não vão negar. Eles levam isso em consideração, eles sabem que isso é importante para eles e que é importante para o planeta.
Então, a água, assim como o Thiago muito bem colocou que já é algo muito claro, principalmente para os povos indígenas, é muito mais do que uma substância química. Ela é um bem sagrado. Eu acho que todo o mundo que convive perto de um rio sabe.
Eu tive uma experiência recente muito dura com isso. Eu sou de Minas Gerais e meu pai vive até hoje nas margens do Rio Paraopeba, que é o rio onde aprendi a pescar, meu pai e meu irmão vivem lá, hoje. O rio morreu, não é só água, era algo vivo que morreu. Eu não vou conseguir mais ensinar o meu filho a pescar naquele rio, como o meu pai me ensinou a pescar ali. Isso tem um peso que não dá para mensurar. Não é só um recurso, é algo visceral demais para poder dizer, sabe?
Então, isso tem que ser colocado sempre. E as pessoas têm que entender. E nós, como sociedade brasileira, temos uma responsabilidade muito grande nisso. Não dá para tratar a água só do ponto de vista da produção, ela é algo muito maior e o tema tem que estar no Ministério do Meio Ambiente, com servidores com formação e capacitação para entender os ecossistemas e entender como que esses ecossistemas estão ligados aos ciclos da água, para poder preservar isso, não apenas para preservar a biodiversidade, mas até para a economia, para economizarmos na hora em que formos tratar, para termos recurso suficiente para manter o agronegócio, que mantém a economia do Brasil.
Então, é insanidade não ter a perspectiva dos recursos hídricos dentro do Ministério do Meio Ambiente, não é possível um País, como o Brasil, não ter no seu Ministério do Meio Ambiente nenhuma secretaria ou nenhum departamento que vá observar as questões hídricas. Isso é fundamental que tenhamos ali.
Então, o que eu gostaria de dizer principalmente é isso. E gostaria de trazer um alerta do que está acontecendo, hoje, dentro do Ministério Meio Ambiente.
15:20
RF
Como o Deputado já disse, tem muita coisa acontecendo hoje. Estamos meio divididos, tentando estar em vários lugares ao mesmo tempo, desafiando as questões da física. Estamos nos desdobrando para fazer este alerta, porque não basta dizer que o Brasil tem a maior área de floresta e que, portanto, não é preciso dizer mais nada. O Brasil tem um papel diferente, e o mundo sabe disso. Nós precisamos reconhecer isso. Precisamos propor um modelo de produção e consumo que leve em consideração o nosso papel no mundo. O Governo precisa entender isso. Não há outra alternativa, porque não há como mudar a percepção do mundo sobre o nosso País, por mais que a nossa percepção não queira reconhecer a realidade.
Então, não ouvir os servidores que trabalham com meio ambiente hoje, como tem acontecido, achincalhar, desmerecer, dizer que eles são pessoas que agem por ideologia, isso é um equívoco tremendo. Nós trabalhamos com a legislação ambiental brasileira e com dados técnico-científicos. Não há espaço para outra coisa no nosso trabalho. Negar o que a ciência nos mostrou ao longo do desenvolvimento da civilização humana é um retrocesso sem precedentes. Não dá para fazer isso dizendo que é coisa de esquerdopata, ou seja, lá o que eles gostem de falar. Isso é ciência! Ciência não tem política, não tem lado. Ciência são fatos, que entendemos a partir da civilização humana, do mundo. Não dá para negar isso mais! É preciso reconhecer isso e trabalhar com os fatos, tentando prever o que vai acontecer, para não vir essa conta de uma vez na cabeça dos nossos filhos. E, quando ela vier, vai ser duro. O sofrimento que vai vir se não tivermos água para beber ou para produzir vai ser muito duro. Um processo de desertificação num país como o Brasil... Olhem para a África! Em alguns lugares da África, as mudanças climáticas já são reais, já são fato. A desertificação é um problema que já acontece em alguns lugares do Brasil, inclusive. Não dá para negar!
Precisamos muito passar esse recado para a sociedade. A sociedade precisa entender que o que está em jogo é a vida dos nossos filhos e netos, além da nossa também, dos mais jovens principalmente. Precisamos trazer os fatos para a sociedade, dar acesso às pessoas do que é a realidade que nós conhecemos cientificamente. Quem tem acesso a esses fatos, quem produz esses fatos é a academia, são os servidores que trabalham com meio ambiente. Nós temos como armas, como pilares fundamentais, os dados técnico-científicos, a legislação ambiental, a Constituição brasileira. Não há nada de ideologia de grupos específicos. Estamos trabalhando com a vida. Nós defendemos a existência da vida a longo prazo, e da vida com saúde. É isso que estamos defendendo aqui hoje.
Muito obrigado. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Alexandre Gontijo, pela contribuição. É uma pena que Deputados que pensam diferente não venham debater conosco.
Quando eu disse que estamos divididos aqui em espaços diferentes do Congresso, para somar, foi porque vivemos um período técnico-científico-informacional, vivemos um tempo universal, e, em certa medida, não somos deuses, mas já exercemos o poder da ubiquidade quando as redes sociais, a web mostra isto aqui ao vivo, para pessoas no mundo inteiro, particularmente os de língua portuguesa. Neste País continental, às vezes meio por cento de audiência já é uma multidão que ganha consciência e sabe que o que está sendo falado aqui é coração, mas, acima de tudo — como tu falaste, Gontijo — é razão. A base é técnico-científica, mas, claro, somos apaixonados pela causa.
15:24
RF
Eu queria agregar uma informação para reflexão dos companheiros que já falaram e dos que ainda usarão da palavra. Concordam que pré-Eco 92 nós tivemos uma conferência importante, a qual, em grande medida, é a base para essa desgraceira toda que tomou conta do mundo, que gerou crises na Argentina, na Bolívia, em vários países, mas que também gerou positividades? Com a crise da água, por exemplo, o Evo Morales e um novo momento histórico de conquistas sociais e de afirmação das identidades indígenas. Então, é contraditória a história. Eu me refiro à Conferência de Dublin. Ali se estabeleceu a ideia de transformar a água em bem econômico e, como bem econômico, precificável, portanto mercantilizável e intencionalmente escasso, porque a escassez é inerente ao sistema do capital. Sem escassez, o valor de uso da mercadoria não se transforma em valor de troca, não pode se realizar enquanto tal, não pode ser vendido se é abundante. Não é à toa que — sou do Pará, portanto da Amazônia — nós vivemos uma escassez cruel de água em todas as cidades da Amazônia, praticamente. Vamos ouvir o Iury Paulino, que já é camarada de longas datas, mas eu falo de um Estado que tem Tucuruí já há algumas décadas, com milhares de camponeses, pescadores, comunidades tradicionais vivendo hoje a violência da dispersão, do desemprego, da urbanização e da verdadeira transumância a centros urbanos, além de comunidades indígenas como a Asurini do Trocará sendo, num processo bem intenso, dizimadas por doenças, pelo alcoolismo, pela violência sexual a jovens indígenas desse povo do tronco tupi, mas também parakanã, gavião e outras comunidades indígenas, que agora sofrem novas violências, com novos grandes projetos alavancando ainda mais esse canhão destrutivo contra o equilíbrio ecológico, os direitos da natureza e os direitos humanos, particularmente das comunidades tradicionais.
Falamos de Tucuruí, falamos de Belo Monte, e eu quero anunciar aqui, com tristeza, que soube ontem de alguns conflitos entre povos indígenas. Não vou me referir a um fato concreto, porque eu não queria que se tornasse público que há parentes disputando coisas porque as empresas entram e oferecem algumas — entre aspas — "vantagens" para destruir a unidade dos povos. Elas são muito eficazes...
(Não identificado) - Quem faz isso não são os índios, os parentes dos indígenas. A gente não briga muito. Quem faz isso é a sociedade branca e o capital...
15:28
RF
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Infelizmente, não vou concordar contigo.
Eu vou citar o exemplo de uma liderança, Sheila Juruna, liderança emergente, estudante universitária que já foi à ONU, realmente uma grande liderança juruna na região de Belo Monte. As empresas investiram naquela comunidade indígena, com carros traçados, motos, cursos, dinheiro, e em alguns meses dividiram o povo. Algumas lideranças foram desmoralizadas, e hoje já não falam mais pelo povo, porque o grande capital é muito eficaz na divisão de todos nós, e os povos indígenas são vítimas, não conseguem fugir dessa violência estrutural que infelizmente existe e tem que ser dita.
Eu queria chamar o companheiro Iury Paulino, porque creio que a questão das barragens se apresenta hoje como um dos problemas mais graves, a expressão mais cruel, talvez, do uso do território pelas grandes corporações, pelas gigantes da água, que incluem a antiga Suez e tantas outras interessadas em lucrar com esses bens naturais.
O SR. IURY PAULINO - Boa tarde a todos e a todas.
Quero agradecer ao Deputado Edmilson Rodrigues. Como ele disse, há longas datas estamos na luta. Sabemos do seu compromisso. Quero agradecer aos trabalhadores desta Comissão pelo esforço que fizeram para que estivéssemos aqui.
Bem, quero dizer da importância deste momento histórico que o Brasil vive, com um debate desta natureza, com a possibilidade de trabalhadores indígenas, acadêmicos, trabalhadores em geral poderem estar aqui fazendo o debate. O projeto que está desenhado é para que isso não possa mais acontecer, porque há um elemento de que eles têm medo em nós: a fala. Nós somos frutos de uma realidade que eles não conseguem controlar, a realidade das contradições do projeto capitalista. É por isso que querem calar as universidades. É por isso querem destruir as universidades. Então, este espaço é muito importante. Por isso é importante termos mandatos combativos, disputados como instrumento de luta também.
O Fórum Alternativo Mundial da Água, conhecido como FAMA, foi resultado de um processo cujos ganhos talvez não consigamos mensurar nos cinco pontos que o companheiro Thiago muito bem colocou. Ele foi um processo de unidade das organizações de trabalhadores, Deputado Edmilson, com muito conhecimento, e conhecimento de vida, que muitas vezes não é sistematizado na academia, ou, quando é, quem o sistematiza perde a dimensão de onde ele foi produzido: o conhecimento adquirido pelo povo. Eu acho que o que nós elaboramos enquanto política popular para podermos tratar a água como um direito humano é de uma riqueza tal, que ainda não conseguimos sistematizar. Porque nós temos experiências que são populares, mas também são científicas. Nós aprendemos, de certa forma fomos domesticados a entender que científico é só aquilo que um doutor coloca no papel — com todo respeito aos doutores —, mas as nossas comunidades também têm doutores, que têm experiência e fazem dessa experiência sua luta no dia a dia pela sobrevivência. Então, é uma prática, a de pensar, a de fazer porque precisa fazer para poder viver, e a de aperfeiçoar essa prática, porque a cada dia vivemos mais dificuldades.
15:32
RF
O Fórum Alternativo foi esse espaço democrático, mas, ao mesmo tempo, intencional e organizado. E ele só foi possível porque foi realizado por organizações que têm essa característica, por pessoas que têm esse objetivo, uma vez que não tínhamos 1% do dinheiro que teve o fórum de mercado da água.
Nós temos que entender que o mundo é dividido em duas concepções, pelo menos. Uma é essa de que a água tem que ser mercadoria, portanto tem que ser escassa: para ter valor. Ela não é vista como bem essencial. Podemos discutir se o melhor termo é "bem", mas o fato é que ela não é vista como essencial à vida, por isso tem que se tornar mercadoria e fonte de lucros para a parcela que tiver força política e capacidade de violência para se apropriar dela. Assim, quem tem que consumir água é quem pode pagar.
Veja, Deputado, um debate perigoso. Estamos discutindo segurança de barragens. Eles pegam os problemas reais das barragens no Brasil, muito invisibilizados... Há várias bombas montadas em cima da população brasileira, sem consideração pelo respeito à vida das pessoas. A pergunta é: se há tantos técnicos — a Vale é uma das maiores empresas do mundo —, por que colocaram um refeitório abaixo da parede de uma barragem? Esses dias um agricultor me dizia: "Eu não vou colocar minha casa embaixo da parede do meu açude. Será que eles são burros?" Não. É que a vida não vale nada. Para eles, 5 minutos de economia no tempo que o trabalhador leva para chegar ao refeitório é mais produtividade, e mais produtividade é mais dinheiro, porque o que gera riqueza é o trabalho do trabalhador, não é a técnica, não são as máquinas, é o trabalho. Se não houver trabalhador, não haverá riqueza, então o tempo é fundamental na equação deles. Por isso a água, nessa concepção, tem que ser mercadoria, por isso ela tem que se restrita, por isso não pode haver controle popular. E aí nós discutimos outra concepção: a água como direito humano, como direito à vida, como direito a outras questões que foram colocadas aqui, como a religião e até, na Amazônia, o transporte.
Mas os problemas da água não estão necessariamente ligados a falta de água. A Amazônia é um exemplo disso, como muito bem colocou o Deputado. O Nordeste tinha um poeta que dizia: "O problema do Nordeste não é a seca, são as cercas". "Ah! o Nordeste tem seca!" O Nordeste não tem seca. Seca existe quando há uma constância de chuvas que de repente acaba. O Nordeste tem uma dinâmica que todo mundo conhece. A ciência sabe quando vai chover, quando não vai chover. Há períodos de 3 anos, de 4 anos, de 5 anos. Do ponto de vista da tecnologia, isso já está resolvido, já tem como se resolver. O povo resolve, porque o povo vive lá, sabe como resolver. Agora, as cercas... Quem sempre mandou no Nordeste foi quem manda na água, e quem manda na Amazônia também é quem manda na água. A riqueza que é produzida com as barragens! Barragem é, acima de tudo, privatização da água. Quem é dono do Rio Xingu? Os acionistas de Belo Monte. Eles é que controlam a vazão do rio, eles é que dizem quando o lago tem que estar cheio, quando não tem que estar cheio, não são as populações que vivem abaixo, não são as populações indígenas e os ribeirinhos que vivem ali. E aquele lago é privatizado. Então, já há um processo intenso de privatização da água. Entretanto, ele não é suficiente para o capital. Eu estava vendo uns dados aqui, que inclusive discutimos muito no FAMA. Nós temos mais de 2,1 bilhões de habitantes sem acesso a água potável no mundo. Esse é um dado assustador! Nós temos escassez de água! Essa escassez já é produzida. A cada 10 pessoas sem água, 8 ainda vivem nas zonas rurais. Nós temos mais de 360 mil crianças menores de 5 anos que morrem por problemas ligados à questão da água, como água de péssima qualidade, no mundo. Então, nós já temos uma catástrofe criada com relação à questão da água. Estes dados são da OMS e do UNICEF. E acredito que eles não sejam reais, porque a realidade é mais cruel.
15:36
RF
Se olharmos para o Brasil, veremos que 61% da nossa população não tem saneamento básico. Nosso Estado do Pará tem 3%, se não me engano, Deputado, segundo o último dado que eu vi. O que nós temos de saneamento básico em Belém e de estrutura feita para minimizar os problemas de enchente e de abastecimento d'água foi feito quando o senhor era Prefeito de Belém, há 8 anos. A situação é muito grave.
O debate da privatização da água está sendo feito e está sendo levado a cabo. Discutir com as empresas esse modelo de saneamento é fundamental. Não que nós concordemos com a forma como as empresas públicas têm atendido o povo. Eu não posso concordar com o serviço que a COSANPA tem prestado no Estado do Pará, mas também não posso concordar que a privatização seja a solução, porque a situação em que estão as empresas de saneamento foi intencionalmente e politicamente organizada para que elas cheguem a uma situação tal, que a população considere a privatização como o mais positivo. Isso é organizado! Não é à toa que essas coisas acontecem.
No Fórum Alternativo Mundial da Água, tivemos a possibilidade de refletir sobre essas questões que estão colocadas. Por isso eu digo que o evento foi parte de um processo que teve uma construção anterior. Essa construção continua, e precisamos sistematizá-la, para poder entender a contribuição que podemos dar à sociedade brasileira no debate sobre o tema da água.
O momento é muito grave, como vimos falando. Nós vivemos um período de saque dos recursos naturais do País. É fundamental entender a importância que o Brasil tem na geopolítica, a importância que a Amazônia tem na geopolítica. A questão é política, de técnica relacionada à política. Nós temos o que esses países precisam ter para manter o seu nível de desenvolvimento — se é que podemos considerar isso desenvolvimento. E nós vamos ser atacados cada vez mais fortemente por isso. Para se ter uma ideia, Deputado, enquanto o Brasil privatiza as suas empresas estratégicas de água, de energia, de petróleo, outros países estão reestatizando as suas que foram privatizadas ou as têm no rol das empresas que são importantes para a soberania nacional e que não podem ser vendidas. Nós estamos na contramão da história. Enquanto outros países estão discutindo sua relação econômica em blocos, nós estamos nos aliando a um império em decadência, que é o império norte-americano. Estamos inclusive nos oferecendo sem nenhuma contrapartida, organizados pela ignorância política, pela estupidez de um grupo que conduz o partido sem nenhuma capacidade de saber nem entender o que é o Brasil. Essa é a realidade grave, e essa realidade já repercute na vida dos trabalhadores. O Thiago já colocou: nós somos o País que mais mata ativistas sociais no mundo. Tivemos agora, recentemente, no MAB, o assassinato da Dilma Ferreira, lá em Tucuruí, dela e de outros cinco companheiros e companheiras. As pessoas me perguntam: "Quem matou a Dilma?" Quem matou a Dilma foi o Estado brasileiro. Trinta anos atrás, a família dela perdeu a terra que tinha conquistado com muita luta, resultado do processo de migração dos que foram fazer a abertura da Amazônia. Até hoje a família de Dilma não tem um palmo de terra. Ela, para ter terra, precisou fazer a ocupação de uma área pública grilada, no Município de Baião, que fica ao lado de Tucuruí. Por isso foi assassinada. E, mais grave ainda, foi assassinada porque era uma liderança política, porque defendia uma pauta não somente dela, mas a pauta do povo daquela região, e assassinada também por ser mulher, por ser negra, por ser pobre, por não ter o direito de defender o seu povo. Tucuruí dizimou daquela região os indígenas da etnia gavião. Vejam a situação em que estão nossos indígenas daquela etnia! Em Tucuruí é feito um processo de produção de alumínio, especialmente num contrato que ninguém sabe como foi feito, com a Hydro Alunorte, que polui todos os anos uma região importante do Pará, atingindo várias pessoas. E Tucuruí tem mais de 2 mil pessoas que vivem nas ilhas e não têm sequer energia elétrica. Estamos discutindo energia elétrica, o essencial do que produz a Barragem de Tucuruí. Mas essa é a situação de toda população atingida por barragens no Brasil. Com Brumadinho e Mariana, com esses dois crimes agora, vem à tona o debate das barragens, um debate, como eu dizia, muito complicado, porque o que é que estão propondo para barragens que não têm empresa responsável, ou não tem dinheiro? Abrir as barragens, ou os usuários teriam que pagar. Mas como as pessoas de um assentamento ou de um reassentamento atingido por barragem vão conseguir pagar pela água que usam? Como elas vão pagar por um plano de segurança de barragem? Não têm condições.
15:40
RF
Então, o processo de privatização, ele caminha em várias frentes e caminha de forma muito organizada. Ele é dirigido de fora para dentro do Brasil. Aqui temos os lacaios que se aliam a esse processo porque têm interesses, porque ganham com esses projetos. Não é de admirar o Senador que propõe essa medida provisória. Ele é conhecido. Sou do Ceará e conheço a história política. Então é fundamental entender e colocar isso no âmbito da discussão política, da discussão de projetos, para que possamos pensar qual Brasil queremos e pensar a água como uma questão fundamental, mas dentro deste contexto de qual Brasil nós queremos. Qual a soberania que nós estamos defendendo? Qual a soberania que nós estamos construindo? Nós do Movimento dos Atingidos por Barragens, Deputado, temos nos preocupado muito com isso, temos refletido muito sobre isso, porque vamos precisar de uma luta muito forte e organizada, com todos os setores da sociedade, inclusive com esses que não entendem o que nós estamos discutindo, e precisam entender. A defesa que as populações indígenas e comunidades ribeirinhas têm feito no Brasil para que se tenha um ambiente equilibrado e uma água saudável é muito mais apropriada para esses que estão aqui na cidade. Esses não compartilham o sacrifício da preservação. Existem sacrifícios também, e esses não o compartilham. Eles só compartilham o benefício disso. Então é uma luta muito grande. Temos que unir muita força. Precisamos fazer outras vezes o Fórum Alternativo Mundial da Água como um instrumento científico e popular para elaborarmos propostas e sistematizarmos ideias. Esperamos que essas ideias também venham do povo; que venham da academia, mas que o povo tenha condições de dizer: "Eu faço assim." Nas comunidades nós temos sistemas de água que são fantásticos e que não foi o Estado que fez, o povo fez, porque, se esperar pelo Estado, não chega lá, não chega a essas regiões. E essas experiências não são conhecidas.
15:44
RF
Nós temos muito a ensinar nessa luta. No entanto, é fundamental colocar essa luta na dimensão política, é fundamental entendermos o que existe por trás, entender qual modelo está em disputa e entender quem está disputando isso, porque, como o Deputado disse, a escassez é negócio, a escassez é dinheiro, e é necessário eles introduzirem na cabeça do povo a ideia de escassez para que gere pânico, gere terror, para que as suas propostas passem sem haver resistência popular. Por outro lado, a resistência popular é a nossa alternativa de reverter isso.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Iury. Estou em plena concordância.
Eu queria até indicar um estudo. Existe um livro de um dos mais importantes cientistas brasileiros, que teve como parte do título a Amazônia — muito marcante. É um livro de centenas de páginas, publicado pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. Aziz Ab'Saber, entre outros, contribui com essa obra.
Existe um estudo importante, assinado pelo Prof. Rebouças, que é um cientista dedicado a vida toda — já aposentado —à questão hídrica do País, que confirma aquilo que o Iury menciona: realmente, mesmo no Semiárido nordestino, a precipitação pluviométrica da região já permite que, nessa região, se houver vontade política, não se falará em escassez de água. Imagine na Amazônia, quando vemos a Maju e outras na televisão falando da zona de convergência tropical e da importância, particularmente, da Floresta Amazônica para o clima do País e para o clima mundial, como disse aqui o Gontijo.
Vamos ouvir, então, o nosso Mirim Ju Yan Guarani, representante de um dos povos que pode falar em resistência histórica.
15:48
RF
O SR. MIRIM JU YAN GUARANI - Boa tarde a todos e a todas, nossos irmãos e irmãs, família. Isto aqui é uma família. A gente aqui não está de passagem, uns esbarrando nos outros. Não é só aperto de mão, é uma vida compartilhada. Cada um do seu modo, cada um do seu jeito, mas não há fronteiras entre nós. Querem que acreditemos que o povo é lá fora e aqui dentro é superior, e, do mesmo jeito, que o povo não é superior ao pessoal daqui, mas é o contrário: o pessoal daqui faz parte do povo. Quando a gente consegue encaixar uma coisa na outra, a gente consegue entender a ação conjunta e o equilíbrio, que é necessário para humildade.
Então, a gente vem aqui agradecer por este espaço muito importante para a gente, onde, com você, irmão de luta, e com os outros irmãos de luta aqui, a gente vê como é difícil este microfone funcionar e esta voz ser ouvida.
A gente quer falar com o povo. O FAMA falou com o povo. Foi banquinha da democracia, falou com o povo, mas o povo não consegue ouvir porque está cheio de poluição no ouvido, poluição na visão. Então, a gente quer falar com o povo, mas o povo está preso no trabalho, está preso na TV, não consegue ouvir. A gente tem que, cada vez mais, criar, dentro do nosso coração, abertura para o diálogo, abertura para entender pontos importantes que podem não ser o mais importante para mim, mas têm uma importância fundamental para muitos, e é aí que vem o respeito. Quando a gente faz de cima para baixo, isso não é respeito. A cachoeira vem de cima para baixo, tem nascente que nasce lá no alto da montanha, mas, na verdade, essa nascente vem debaixo da terra. É igual a uma semente. É assim que a gente tem que viver, como a natureza nos ensina. A árvore pode ter centenas de metros, mas ela nasce de baixo para cima.
15:52
RF
Então, quando a gente começa a entender a natureza de uma forma não mecanicista, materialista, mas a sua consciência, a gente começa a aprender algo que está além do conhecimento inventado, gerado pelo homem; é um saber do qual o homem não é o dono. O homem tenta fazer com que ele seja dono de tudo, por isso que ele quer mercadizar tudo para ser o dono, mas da natureza ele sabe que não pode ser o dono. Então, o que ele faz? Destrói a natureza, destrói o povo indígena, persegue o índio, porque sabe que não vai ser nosso dono. Os povos ribeirinhos, os povos tradicionais, os quilombolas, o povo brasileiro, eles querem botar no bolso, tirando direitos, tirando tudo isso.
Hoje, a gente está aqui neste evento, essa é mais uma atividade do FAMA. A gente está fazendo bastante atividade conforme dá, porque tem que ser igual à água, não é linha reta, são nossos braços que vão de acordo com o relevo, e formando relevo também. Ora a gente vem aqui enquanto FAMA, ora a gente vem aqui como conselho indígena, ora a gente vem aqui como Subverta, ora vêm aqui indígena, preto, agricultor, pessoal da diversidade. Não vou falar de todos agora, senão a gente vai ficar 10 minutos falando da nossa diversidade linda.
Mas é assim a água, é assim a natureza. E é muito legal a gente falar do FAMA aqui. Eu queria falar um monte de coisa, mas vocês já falaram um monte de coisa que eu queria falar. O que isso quer dizer? Que a gente está falando a mesma língua, a língua do sagrado, a língua da água viva, e essa língua é a língua da água. A água tem sua consciência. Então ela tem a sua língua. Enquanto a gente tratar a natureza, que é universal, é viva, é recurso natural, como mercadoria, a gente vai limitar a inteligência da humanidade. Na nossa visão guarani, a mulher nasceu da água. Então, a água é mãe, é matriarca, é irmã. Ela gera vida e não é só mito, é comprovado também pela ciência que a vida nasceu da água.
Então, são línguas diferentes, mas, quando a gente entende a consciência, a gente fala a mesma coisa, a mesma língua, mesmo em línguas diferentes. A gente vai vendo isso e vai vendo os ensinamentos que a água tem para nos dar. A questão da fronteira é uma dessas. Hoje o rio é usado como fronteira política, mas a mesma água que está de um lado está do outro. O irmão ali falou da cerca, e era isso o que eu queria falar. Então, a fronteira da água propicia o necessário para ambos os lados. Isso não é segregar para um lado.
15:56
RF
Quando conseguimos entender isso, passamos a não nos achar mais importantes do que o outro, a não nos achar que o humano é mais importante do que a árvore, os animais, as montanhas, e a entender a importância do equilíbrio. O respeito em equilíbrio é o que equilibra a vida. O equilíbrio da vida é o que é necessário para qualquer outra coisa que vamos falar. Até para estarmos aqui falando existe o equilíbrio da vida. Estamos aqui pelos nossos antepassados e para o nosso futuro. Isso é algo que temos sempre que falar.
Quando estamos na nossa terra, sempre pensamos na futura geração. Eles são os donos. Eles são a herança. Mas outros querem transformar a água em ouro, querem transformar ferro em ouro, querem transformar madeira em ouro, querem transformar vida em ouro. O que eles vão fazer com esse ouro não é o debate agora. Existe tanta coisa que está além do conhecimento público, o que eles fazem com esse lucro, com essa ganância. Não é só iate. Onde está esse iate? Na água. Não são só os prédios. São coisas que vêm de uma lógica de dominação. Eles querem acumular só para si. São visões de mundo.
Quando eu era mais novo, eu falava que era coisa de branco, coisa de índio. Hoje eu entendo que é mentalidade. Essa consciência indígena não é única do indígena, só que entre nós essa consciência é cultivada ancestralmente. A consciência, que para a gente é uma sementinha, é uma floresta. Para muitos não indígenas essa semente está adormecida. Precisa só do quê? Luz, terra fértil, amor para nascer e água! Água é amor, essa forma de amor da terra.
Quando a gente bebe a nossa água, precisa agradecer a água. A gente bebe em um ímpeto da mesma forma que acorda em um ímpeto de já mexer no celular. Tem que se acalmar. Vai beber água, agradece à água universal. Ela já me ensinou como bebe, como faz a reza. Então, agradeça a essa água, geradora da vida. Quando ela desce, agradece que ela está alimentado o nosso espírito. Não é uma questão só do corpo material, mas do corpo espiritual também.
Então, são línguas que não são restritas à materialidade, à política e à economia, não são e não podem ser apropriadas, não podem se tornar propriedades, não podem ser alienadas, tomada a sua posse, como os nossos territórios.
16:00
RF
O que está hoje na votação da 870 e de outros projetos — é um monte de número, um monte de letra — sabemos entre nós, já falamos aqui, é a alienação do comum para o privado, a alienação da natureza, da vida, para a destruição. Como já falou a nossa mãe — ia falar também o Edmilson: só vira mercadoria quando é escassa. Quando é abundante, a sabedoria da água é para ser compartilhada. Nós indígenas aprendemos a compartilhar a água, a mãe terra. Tudo que vem da nossa cultura são ensinamentos da consciência natural.
A natureza tem sua inteligência. Essa coisa da chuva, do vento, da estação do ano, da rotação da Terra não é à toa. Existe uma inteligência em tudo isso, mas isso não é o centro do debate do humano, porque o humano ainda se acha superior. E, do humano, quem é o superior? Aí, sim, tem a visão do branco dominador. Não que seja só o branco, hoje em dia está se misturando, mas é de uma origem que quer a dominação acima de tudo. Aí eles usam a política, usa a economia, usa o mercado financeiro, usa as guerras, usa a discriminação. Tudo isso se torna uma ideologia.
Será que é uma ideologia? Eles formataram tudo isso como se fosse a única verdade, como se fosse o propósito da vida vivermos para ganhar dinheiro e passar em cima do outro. Esse é o propósito da vida segundo eles: tornar uma parte da vida como se fosse a vida inteira. Isso é fetiche! É fetiche da vida achar que a vida é você servir alguém, dar dinheiro para alguém; enquanto isso, você ganha um trocado para pagar suas contas. Mas, quando você tem terra, quando você tem acesso à água, quando você tem acesso à sua própria organização, ao seu livre pensar, ao livre organizar, você não é preso ao sistema que quer dominá-lo. O problema não é um sistema. O problema é o sistema de dominação.
Quando a gente vai refletindo sobre essas coisas, precisamos parar para pensar, porque é muita coisa! Nas nossas aldeias a gente faz muito isso: parar e não fazer nada, meditar, sentar na frente de um rio e ver como ele se movimenta, como ele corre.
Eu peço um pouquinho mais de tempo porque o rio precisa fluir no seu tempo. Em 30 segundos, eu não consigo, porque estou agora conectado com esse rio. Vemos que ele se mexe ali de um lado e lá na frente ele também se mexe. São gotas diferentes, mas é o mesmo rio. Você vê a luz brilhando de um lado, brilhando de outro, você vê que ele é um grande organismo.
16:04
RF
Quando você está olhando o rio, meditando no rio, você o vê como um todo. Então, você levanta os olhos e vê as árvores fazendo o mesmo movimento, vê as folhas. E vê a natureza como um todo. Com essa mesma visão, você olha para sua mão, para o seu braço, juntos, olhando para a terra. E você vê: somos um todo, somos parte desse todo.
Então, não dá para eu privilegiar algo em detrimento de outro. Pode, sim, haver um equilíbrio, um balanço. "Não, um pouquinho eu vou ter que ceder aqui, e um pouquinho aqui, mas não tudo de um lado." Não é só destruição. Nem tudo é soja, nem tudo é boi. A diversidade da natureza é o que garante o equilíbrio da vida.
Desse jeito, eu agradeço novamente os parentes da APIB. Era para eles estarem aqui neste lugar em que estou. Eu era reserva. Eles não puderam vir, mas trouxemos a nossa palavra. Nós estamos sempre juntos com o pessoal da APIB, sempre aprendendo com eles. São nossas grandes lideranças nacionais.
Nós do Conselho Indígena do DF estamos no apoio, juntos, lado a lado, ombro a ombro, junto com o pessoal da APIB, junto com o pessoal socioambiental, junto com todos os povos tradicionais e o FAMA. Reunir tudo isso de gente foi incrível, foi incrível! Não é o urbano mais importante que o não urbano, nem o contrário, mas isso tem que ser equilibrado com respeito e representação.
Nós estamos aqui representando a diversidade. Neste momento, só há homem, mas nós estamos falando do sagrado feminino, que é a nossa água. Da próxima vez, eu tenho certeza, haverá mais mulheres. Nas outras vezes, havia mais mulheres aqui. E não é uma questão de gênero, é uma questão de união o que nós estamos trabalhando aqui, e entra a questão de gênero.
Por isso, eu estou saudando as mulheres. Por isso, nós saudamos a nossa mãe água, a nossa mãe terra, porque dentro de nós também está o feminino. Desse modo também, a água, que é nosso ancestral. Nós temos que agradecer muito além do que a palavra. É um agradecimento que parece ir além. Eu vi hoje aqui: sai do coração e parece que vai como um vento, vai como um sopro. É a energia, não é nem a palavra. Mas a palavra direciona, a mente direciona. Mas é uma entrega.
Quando nós nos entregamos para essa consciência e nos entregamos para a defesa da vida, muita gente quer nos derrubar, quer tirar nossas vidas, quer tirar nossa palavra, quer nos desmoralizar, quer criar inimizade, quer criar coisinhas entre nós. Temos que, antes de tudo, saber que estamos não de um lado nem do outro: estamos vivos, e é pela vida que nós vivemos.
É a favor da vida que nós vemos quem é realmente que está ao nosso lado. E é uma consciência isso. Assim como as pessoas bebem água, espero que bebam consciência, através dessa consciência ancestral, natural. A água é um grande símbolo.
16:08
RF
Estou muito agradecido, meu grande irmão Edmilson Rodrigues, ao Alexandre, ao Thiago, ao Iury! Estou agradecido a todo mundo aqui.
Estamos sempre juntos! (Manifestação em língua indígena.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado. Eu não sou o único emocionado aqui com estas palestras lindas, coroadas pela palestra de um intelectual indígena, que afirma a sua condição indígena no modo de falar e toca em questões tão profundas.
O senhor tocou na tese neoliberal do pensamento único e tocou num tema importante que eu tive, em certa medida, o privilégio de debater e a tristeza de ver aprovado do modo como foi, em 2015. Refiro-me à Lei do Patrimônio Genético e do saber associado, em que as corporações passam a ter um protagonismo e ficaram os povos tradicionais sem a valorização necessária do seu conhecimento ancestral, inclusive para a composição dos conselhos. Isso se deu ainda em 2015, com um projeto que corria no mandato da ex-Presidente Dilma, que foi vítima de um golpe. Infelizmente, nem tudo o que ela mandou para cá obedeceu a esse princípio afirmado aqui como o quinto ponto da visão necessária para uma transição agroecológica, o da gestão popular.
Ouvem-se os laboratórios, mas, para se ter uma ideia — com o pensamento de que "já está aprovado, vamos reduzir danos!" —, o PSOL tentou, nesse debate do patrimônio genético, permitir a inserção apenas das universidades brasileiras, não só das públicas mas também das privadas, desde que o saber fosse feito e que o saber tradicional associado ao nosso patrimônio genético tivesse participação direta de instituições nacionais. Nem isso foi aceito! Esse tema é pouco debatido, mas a lei foi aprovada. E nós vamos perdendo.
Às vezes, há temas que nos tocam mais e ganham mais visibilidade, outros nem tanto, mas vão tirando parte da nossa alma. Tentam fazer com que nós mantenhamos eternamente adormecida essa semente. Não são todos os brancos, não, que têm adormecida essa semente. Há os que estão disponíveis a pensar, a refletir criticamente e a usar o solo fértil, a água ou o sol para tentar reconstruir o futuro. Há uns que querem fazer de tudo isso mercadoria somente e obter lucro. Infelizmente, esses brancos perversos dominam o mundo, dominam as finanças, dominam as políticas.
Dito isso, eu queria indicar o trabalho de um rapaz que nos honra como Coordenador Técnico da bancada do PSOL, apenas como contribuição científica mesmo, porque aqui se falou do saber popular. Falou-se em bem viver. Devemos nos lembrar de um grande pensador latino-americano, o peruano Aníbal Quijano, falecido ano passado, um gênio da América Latina. E o Dr. Pedro Brandão, que fez doutorado na UnB, deu uma contribuição enorme ao analisar este processo de aprovação da Lei do Patrimônio Genético, tendo como referência essas teorias que nos aproximam tanto do saber científico quanto do saber popular, como condição de pensar um futuro verdadeiramente libertador.
16:12
RF
Desculpem a minha prepotência de querer fazer tal indicação. Apenas quero contribuir com aquilo que, de alguma forma, tenho acumulado. E aprendi muito com vocês.
Eu queria anunciar a presença Deputada Talíria Petrone, do Rio de Janeiro, uma importantíssima lutadora do nosso povo.
Pergunto a V.Exa. se não quer assumir a coordenação por alguns minutos, mesmo que tenha outro compromisso, só para que passemos menos vergonha do que estamos passando. Não é totalmente culpa minha, como proponente da sessão. É que as instituições mandam! Poderia ter vindo uma Soninha Guajajara, mais veio um líder importante, que fez uma fala tão linda e profunda! Às vezes, os homens ocupam os espaços que já são ocupados hegemonicamente pelos homens, mas, sempre que possível, embelezamos a paisagem humana. Faça este favor para nós! Eu vou ficar ali assistindo.
Deputado Talíria Petrone, há uma pergunta feita por meio do e-Democracia. Eu queria que V.Exa. a dirigisse à Mesa.
Como todos os palestrantes já falaram, daqui a pouco posso voltar para fazer o fechamento, caso V.Exa. queira.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Olá! É bom compartilhar este momento de resistência com vocês!
A pergunta que chegou é a seguinte: "A poluição pela falta de tratamento de esgoto urbano é o maior problema de poluição de água no Brasil? Nesse caso, o Ministério do Meio Ambiente está correto em definir uma nova agenda ambiental? O que acham?" Quem pergunta é Assis Marinho Novo, por intermédio do e-Democracia.
Devolvemos a palavra para a Mesa, depois abriremos às perguntas novamente.
O SR. ALEXANDRE BAHIA GONTIJO - Obrigado, Deputada Talíria Petrone. É um prazer conhecê-la ao vivo!
Para responder a essa pergunta, temos que falar com muito cuidado, porque são diferentes os usos que temos da água. É claro que a poluição que ocorre no meio urbano é grave, é séria e tem que ser vista com bastante cuidado, mas o uso mais intensivo que temos da água não está nas cidades, mas no campo, pelo agronegócio. O Brasil é um dos países que usa a maior quantidade de agrotóxicos do mundo. Quando se usam esses agrotóxicos nas plantações e esses agrotóxicos são carreados pela chuva e entram no sistema hídrico através dos rios, nós podemos afirmar que o maior impacto de poluição de água está ligado a isso.
16:16
RF
No entanto, há um problema muito grave: nós, atualmente, não temos o monitoramento desse tipo de poluição. Nós não sabemos exatamente o que ocorre, pelo que se faz hoje nos órgãos ambientais. Há algum tipo de monitoramento, mas ainda há muitas lacunas de conhecimento nesse sentido. Nós não sabemos como está sendo a contaminação na cadeia trófica dos ecossistemas aquáticos. Nós não sabemos como essas novas substâncias que estão entrando com os agrotóxicos atuam nos ambientes e nos ecossistemas e como isso podem afetar a saúde humana. O grande problema é que nós sequer fizemos esta questão, sequer levantamos esse dado.
Surge, então, um segundo caso. Neste caso, o MMA está correto em definir uma nova agenda ambiental? O que seria essa nova agenda ambiental do Ministério do Meio Ambiente? Deve-se retirar a questão hídrica do Ministério do Meio Ambiente? Eu estou tentando entender a pergunta. Se o problema da água é grave, está certo retirar esse problema do Ministério do Meio Ambiente?
Eu acho que não, acredito que não. Acho que nós temos que ter ali essa avaliação. O Ministério do Meio Ambiente e os órgãos ambientais precisam ter, entre as suas responsabilidades, o monitoramento dos recursos hídricos brasileiros, tanto na cidade quanto no campo e nas florestas, em todos os sentidos.
Nós temos também as questões das barragens de mineração. A mineração tem grandes impactos nos recursos hídricos. Nós acabamos de ver no Brasil, nos últimos 3 anos, dois grandes rios mortos por mineração. Isso já transcende o que é poluição. Nós temos o assassinato de dois rios grandes. E isso não é uma coisa que foi feita por cidades. Esse problema não estava nas cidades.
Em Minas Gerais, nós temos centenas de barragens nessa mesma situação. Podem afetar e matar rios, tornando-os impossíveis de serem utilizados. É impossível de se pescar ali. No Paraopeba, onde o meu pai vive, estudos recentes demonstram que a concentração de metais pesados é 600 vezes maior do que o aceitável, por causa do acidente de Brumadinho.
Eu não quero colocar que o problema da poluição urbana não é grave; só não se pode deixar de olhar o resto, para olhar só para as questões urbanas, ainda mais em um país onde está a maior floresta tropical do mundo. É como se falassem: "Olhem, esqueçam isso aqui. Vamos olhar só para cá!" Não, é preciso olhar tudo!
E o problema mais grave é que nós nem sequer sabemos. Este é o grande problema.
Portanto, não está certa a política de retirar a questão hídrica do Ministério do Meio Ambiente. Ela tem que estar lá. Os estudos dos órgãos ambientais têm que ser mais claros, mais intensificados. O IBAMA tem um departamento que trabalha com qualidade e avalia essas questões hídricas com grandes profissionais, bastante capacitados. Mas há poucas pessoas. O órgão precisa de mais pessoas para fazer os estudos e precisa de mais recursos, porque não são estudos baratos de se fazer.
Não adianta ficarmos perguntando qual é o maior problema, se nós nem sabemos os dados disso. Primeiro, temos que levantar os dados e entender a realidade, para depois termos alguma posição sobre isso.
16:20
RF
Portanto, acho que a resposta é esta. Acredito que o Ministério está equivocado, ao mudar a sua política com relação aos recursos hídricos. Nós temos que levar isso a sério e ter, em relação à água, a perspectiva ambiental.
Não acredito que seja um erro haver a questão dos recursos hídricos no Ministério do Desenvolvimento Regional — isto tem que estar lá também —, mas não pode estar somente lá. Isso tem que estar no Ministério do Meio Ambiente e ser levado muito a sério.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Tem a palavra o Sr. Thiago.
O SR. THIAGO ÁVILA - Bem, o Deputado Edmilson Rodrigues estava rindo de mim porque no meu papel não havia nada escrito, mas há agora. Eu estava pegando dados para dialogar com essa proposta, com essa pergunta do Assis Marinho, que é fundamental.
O e-Democracia é muito legal. Trata-se de uma forma de tentar fazer com que o debate permeie um pouco mais a sociedade, saia do mármore, do carpete, do terno e da gravata, e venha para o ambiente mais propício, onde as grandes ideias florescem, a partir dos povos.
Há uma das coisas que eu estava anotando para dialogar com o Assis Marinho — e o Alexandre já mencionou a maior parte disto —, para não esquecermos. Trata-se de quando nós pensamos em quantidade mesmo. No ano de 2017, o Brasil depositou no nosso bioma 1 bilhão e 200 milhões de litros de agrotóxicos. É daí que vem aquele cálculo de que o brasileiro ingere 6 litros de agrotóxico por ano, na nossa alimentação. Contudo, na verdade, nós não ingerimos bem isso. Isso vai para os rios e para o oceano. Nós estamos falando de um processo que contamina tudo!
Por isso, quando o Assis Marinho indaga: "Será que o esgoto faz parte realmente do maior problema?", lembro que estamos lidando com a realidade triste no Brasil de que um quarto dos nossos Municípios está contaminado. A água está contaminada com agrotóxico, com água distribuída e tratada antes da distribuição. Nós estamos falando de um problema realmente muito mais grave, cujos impactos dos agrotóxicos são de altíssimas proporções na geração de doenças, como o câncer, e uma série de outras doenças que nós ainda estamos tentando detectar.
O mundo avançou muito nessa detecção. Nós temos tentado, na verdade, a partir do nosso Governo, desmontar a política de detectar impactos e neutralizar os impactos dos agrotóxicos. Nós aprovamos novos agrotóxicos. Hoje está ocorrendo uma audiência pública sobre o glifosato, produzido a partir do Agente Laranja. Nós sabemos que em mais de 70 países o glifosato é agente proibido, e o Brasil é, na verdade, o país que mais consome glifosato no mundo.
Nós estamos falando também — e isto é importante, Assis Marinho, porque esta dúvida faz todo o sentido — que 70% da água captada vai para o agronegócio. Nós estamos falando que o consumo urbano vai de 6% a 8% do consumo de água. Portanto, não dá para se tratar a necessidade de esgoto urbano poluidor de água mesmo, porque existe o processo de tratamento, que é um fator — o Deputado Edmilson disse muito bem isso. Mas se trata de um fator tão minoritário dentro da questão da água como um todo, que não pode justificar a mudança para o desenvolvimento regional, porque, na verdade, essa mudança não é meramente técnica. Trata-se de uma mudança de desmonte, de ensaque e pilhagem, coligada com o processo de privatização.
Quando nós falamos do PLANSAB — Plano Nacional de Saneamento Básico, estamos nos referindo a ele com todo o arcabouço já pautado, como se a MP 868 fosse aprovada e a privatização fosse consolidada.
Na verdade, essa mudança não é meramente técnica, mas de projeto mesmo. Querem desmontar toda a nossa legislação ambiental, querem desmontar a nossa capacidade de execução de uma política ambiental diferente.
Nós temos que lembrar que a água faz parte de tudo o que nós estamos falando. Quando nós falamos que o agronegócio deveria estar sendo debatido junto com a água o tempo todo, é para que pensem na pegada hídrica. Nós falamos aqui de uma transição agroecológica. Para se produzir 1 quilo de carne, no agronegócio, a partir da destruição da Amazônia, consome-se 15 mil litros de água. Para se produzir um quilo de hortaliça — e eu não estou nem falando de regime de agrofloresta, estou falando de um consórcio muito simples para a produção de hortaliças —, gastam-se 360 litros de água. São 15 mil litros para 1 quilo de carne e 360 litros de água para 1 quilo de hortaliças. Se fizermos isso no regime de agrofloresta, estaremos falando, ao contrário, de plantar água, de processo regenerativo.
16:24
RF
Portanto, as grandes soluções não estão no debate feito a partir da infraestrutura urbana, está no modelo de desenvolvimento, porque o agronegócio consome 70% e a produção industrial consome muito mais do que o consumo urbano também. Para produzir esta calça jeans que estou vestindo hoje aqui, gastaram-se 11 mil litros de água. Estamos falando de um modelo de desenvolvimento que explora, oprime e destrói o nosso planeta e que precisa ser superado, para alcançarmos a sociedade do bem viver, como já colocamos. Falamos que é importante, sim, que o "desenvolvimento" regional — e que se coloque muitas aspas nesse desenvolvimento — perpasse o debate sobre a água e a natureza como um todo. A natureza deve ser transversal a tudo o que se faz, num país com a vocação que o Brasil tem.
Por isso, a pergunta do Assis faz todo sentido, tendo em vista ser importante, sim, que o desenvolvimento regional e a produção na agricultura, tudo perpasse o debate de água e meio ambiente, mas não é aceitável que ele seja usado como política de desmonte.
Daí vem esse imenso equívoco da política ambiental deste Governo atual, que não tem nenhum compromisso com o povo, nem com o futuro da humanidade e da natureza.
O SR. IURY PAULINO - Eu penso que os elementos para essa resposta foram colocados aqui pelo Sr. Thiago e pelo companheiro que o antecedeu. E colocaram muito bem. Acho que é difícil avaliar o que não existe. Não existe uma política; existe um desmonte, e desmonte não é política. Se tivesse uma política, nós estaríamos criticando a política. Neste caso, seria outra coisa, é da democracia: você pode ou não aceitar. Mas uma política tem objetivos, método, metodologia, propostas sobre as quais se vai discutir. Nós estamos de um desmonte em nome de aspectos ideológicos, inclusive de fantasmas, que não existem mais.
Devo chamar a atenção que isso vai inclusive na contramão do que o mundo pensa e tem discutido sobre meio ambiente e sustentabilidade. Nós estamos andando para trás, andando para trás na história. E isso é o mais grave, porque as consequências que teremos para o povo brasileiro não são de fácil resolução. Não são consequências que se possa dizer que com uma nova política se resolve. Não necessariamente se resolve, porque são muito graves! Quando se trata de meio ambiente, no geral, tratamos de coisas que demandam tempo, demandam acúmulo histórico. A solução não é um programa de computador ou uma nova ideia que vai fazer com que as coisas no outro dia mudem. Não temos como falar de uma política que não existe.
Falo sobre a comparação. Nós temos uma dinâmica que ainda é a seguinte: você culpa os afetados ou os atingidos pelos problemas de que estes são vítimas. As vítimas são culpadas. O atingido é culpado por não ter onde morar e viver debaixo da parede da barragem. A pessoa que mora em condições precárias, que não teve acesso a saneamento, é culpado de estar poluindo a água. Ele ainda passa a ser o culpado: "É o meu esgoto que polui a água. Eu é que estou poluindo. Foi o copo que eu joguei dentro do rio que poluiu e é responsável pela enchente". Também é, porque no mínimo é falta de educação e não devemos fazer isso, mas esse não é o centro dessa discussão. O central dessa discussão é este: quem acumula com isso? Quem acumula com a miséria? Quem acumula com a privatização? Quem acumula com a escassez?
16:28
RF
Os dados que o Thiago apresentou mostram que, em 2017, 72% da água do Brasil são consumidos pelo agronegócio. Há crianças que estão sendo contaminadas pelo leite materno. Pesquisas de universidades sérias já comprovam isso.
A mineração é outra caixa-preta. Nós temos que tratar da contaminação da mineração. Estamos vendo a tragédia de Brumadinho, que custou — não sei exatamente — 300 ou 400 vidas, o que já é muito grave. Mas a tragédia de Brumadinho contaminou, e não há como negar, um dos principais rios do Brasil, se não o principal, o Rio São Francisco, chamado Rio da Integração. O Rio São Francisco está contaminado!
E vemos alguns debates em que se tenta dizer: os responsáveis pela contaminação do Rio São Francisco são os esgotos que são produzidos em Belo Horizonte. E essa ideia é endossada pela Vale. Obviamente, com esse pensamento, tira-se o culpado. O culpado é a população pobre, que está jogando esgoto dentro do Rio São Francisco. Mesmo que fosse, aquela população não tem culpa de não ter saneamento básico. Portanto, o debate tem que ir por outra linha. E discutir política de saneamento é bem mais profundo do que, necessariamente, a forma que temos discutido enquanto governo, inclusive os governos que nós chamamos de progressistas. A política de saneamento não foi levada a sério. A política de barragens também não foi levada a sério, como deveria ter sido. Por isso, essas bombas que temos hoje, com os problemas que estão colocados, a serem resolvidos.
Portanto, penso que o Governo — não sei se nós podemos chamar "governo" o que nós temos no Brasil — atua no desmonte do que foi construído ao longo da luta dos trabalhadores. A política ambiental nunca foi política de governo, foi política dos trabalhadores. Vamos resgatar a história dos ambientalistas que deram suas vidas para construir a política ambiental que temos no Brasil. É isso que está sendo perdido agora, é o que está sendo destruído! Não é a discussão de quem polui mais ou quem polui menos, não é essa que está colocada. A que se coloca é esta: a universidade pública foi construída pelo povo brasileiro, pelos trabalhadores, que deram a vida para que houvesse a universidade. E estão sendo destruídas, porque a ideia é destruir tudo que o povo fez. É isto que está colocado. As empresas públicas foram construídas pelo povo brasileiro!
Por isso, acho que este é o debate necessário. Temos que poder pensar, de fato, qual política ambiental que nós queremos para o Brasil, porque o que nós temos de avanço foi resultado da luta dos trabalhadores. Não necessariamente a política desses Governos refletiu o desejo dos trabalhadores relacionado a esse tema, nem os ganhos que os trabalhadores poderiam ter.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Anuncio a presença do representante da Universidade de Saberes Étnicos Aldeia Maracanã, do Rio de Janeiro.
Eu queria devolver a condução dos trabalhos para o Deputado Edmilson Rodrigues, porque também quero pronunciar-me rapidamente.
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Deputada.
Valeu a pena ter no comando a Deputada Talíria Petrone!
Passo a palavra imediatamente a V.Exa., Deputada Talíria. Vamos caminhar para a finalização. Daqui a pouquinho, a Mesa retomará a palavra.
16:32
RF
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - De novo, boa tarde a todas e a todos!
Mais do que nunca, é hora de discutir as questões que envolvem esse sagrado que está explícito na natureza e que é tão degradado pela lógica do capital neste momento. Acho que vivemos um período grave de crise civilizatória, crise que tem um viés político, econômico, social, mas também um viés profundamente ambiental.
O que o companheiro Thiago traz a respeito da natureza, que esta deve ser entendida em todos os aspectos de análise nesta Casa, em todos os lugares, significa entendermos que somos parte da natureza e não é possível haver essa separação gravíssima entre homens, mulheres e natureza, o que leva à destruição inclusive de nós mesmos.
A questão do aspecto ambiental da crise que vivemos neste momento é muito importante, e a água está no centro disso. Temos um planeta que deveria ser chamado, na verdade, de planeta água, em razão do papel que a água tem no nosso planeta. Infelizmente, devido a essa lógica produtivista, desenvolvimentista, o que vemos é a água cada vez mais sendo tratada, Deputado Edmilson Rodrigues, como mercadoria, como depósito de rejeitos de minérios, de vazamentos de petróleo, de plásticos, de agrotóxicos, de químicos em geral, enfim, de tudo o que já foi colocado aqui. Essa é uma lógica que tem que ser dita, porque achamos importante todo mundo economizar água em casa e ter outra relação com a água, mas não dá para fechar os olhos diante desse modelo de desenvolvimento que está colocado, dessa lógica predatória da gula do capital, que é o que consome volumes insustentáveis de água e pode levar ao fim do nosso planeta, desde a irrigação das monoculturas de agronegócio até a produção da pecuária, da mineração, da siderurgia.
Se pensarmos no Rio de Janeiro, vemos que a antiga TKCSA possui um consumo anual de água equivalente ao de uma cidade de 6 milhões de habitantes. Vejam que estamos falando de uma empresa, e uma empresa que sistematicamente é acusada de crimes ambientais, crimes contra a vida e contra o povo. É uma empresa antipovo e também antinatureza, porque o povo também é natureza.
Já caminhando para terminar a minha fala, quero dizer que isso acontece neste momento, em que estamos vivendo sob um Governo que aprofunda essa relação com a natureza; aprofunda, na verdade, a negação da própria água como elemento que é nosso, que é parte da questão ambiental; e aprofunda a ideia da água como mercadoria. Temos que nos preparar para enfrentar muitos ataques. Sem dúvida, o FAMA fez, tem feito e precisa seguir fazendo isso.
Há um desmantelamento total do Ministério do Meio Ambiente. A MP 870, a qual estamos aqui enfrentando o tempo todo, coloca a gestão dos recursos hídricos justamente para o Ministério do Desenvolvimento, que é quem mais solicita outorga de água para essas grandes empresas, para esses setores que acabam com o meio ambiente e destroem os povos que vivem nesses espaços. Pensar Brumadinho e pensar Mariana é pensar a trágica morte das pessoas, mas é pensar também a negação da possibilidade de que essas pessoas permaneçam nas suas relações com esses territórios, nas suas relações com a preservação da própria natureza.
16:36
RF
Há também a MP 868, que aprofunda uma lógica assassina — acho que temos que usar a palavra correta — de privatização da água. Entrega para os setores privados os locais com maior potência de investimento, como as grandes cidades, e o déficit fica para o poder público. É o Estado mínimo, mas um Estado mínimo a serviço das grandes empresas. Isso aprofunda a marginalização das periferias, das favelas, dos povos do campo, dos povos indígenas. Precisamos enfrentar isso.
Agora eu termino mesmo! Falei igual a V.Exa., Deputado Edmilson Rodrigues, dizendo várias vezes que já vou terminar. (Risos.)
Eu, enquanto mulher, mulher feminista, acho que é preciso pensar a dimensão de gênero que está colocada nesse modelo predatório de desenvolvimento. Nós mulheres somos as maiores encarregadas pelo cotidiano da vida, seja no campo, seja no espaço urbano, seja onde for. Quando pensamos na crise hídrica, que está aí por conta das grandes empresas, sabemos que quem depois terá que gerir isso no espaço do lar seremos nós. Infelizmente, somos ainda responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos. Quem vai buscar água longe em reservas distantes serão as mulheres e meninas. Quem vai ter que discutir quem vai poder tomar banho no dia serão as mulheres e meninas. Quem vai pensar a respeito da própria louça serão as mulheres e meninas. E isso por responsabilidade de um modelo de desenvolvimento predatório.
Portanto, acho que precisamos, de uma vez por todas, romper com a separação entre homens, mulheres e natureza; retomar a ideia da água como direito humano, como algo que é do povo, que é das mulheres, que é das ribeirinhas, que é das indígenas; e romper com essa lógica da água enquanto mercadoria. Isso significa necessariamente buscarmos uma saída que valorize os povos nas suas relações com seus territórios e que também rompa com esse modelo produtivista e desenvolvimentista predatório.
Por fim, estamos juntos e seguimos na resistência aqui e em todo lugar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Talíria.
Quando Mirim Ju falou que, na visão cósmica dos guaranis, a mulher nasceu da água, ele disse que os cientistas dizem que a vida veio da água, confirmando a tese guarani. Depois da fala da Talíria, ninguém duvida mais disso. É sempre uma contribuição linda, emocionada e emocionante.
Eu não usei o poder regimental que é dado ao autor do requerimento para fazer aquela fala inicial, muito articulada. Preferi fazer comentários e intervenções ao longo do debate. Não quero ter a palavra final, quero apenas usar o Regimento para encerrar daqui a pouquinho formalmente, segundo as normas regimentais preveem quanto ao encerramento da reunião.
No entanto, antes de passar a palavra para a Mesa, se vocês me permitem, quero falar sobre um aspecto que não foi mencionado. Uma abordagem foi feita sobre os recursos hídricos na MP 870, que destroçou o Estado brasileiro para construir um Estado a serviço dessa lógica mercantil. Quando os recursos hídricos saem para o MDR — Ministério do Desenvolvimento Regional, não seria de todo reprovável, mas tira-se a capacidade do órgão licenciador de licenciar e dá àquele órgão que tem a função de autorizar.
16:40
RF
Eu acho que o Alexandre disse bem. Nada impede que o Ministério do Desenvolvimento Regional tenha o seu departamento ou a sua secretaria sobre a questão hídrica, porque ele trabalha com isso, mas não podemos, de forma alguma, eliminar a função do Estado brasileiro de determinar o uso dos recursos hídricos a partir de uma necessidade de manter o equilíbrio da natureza, o equilíbrio ecológico — ou o direito da natureza, se quisermos usar as expressões do bem viver.
Há outro aspecto que o Alexandre e demais companheiros falaram. Os recursos hídricos e a floresta têm relação direta na biodiversidade. Aliás, a sociodiversidade está incluída na biodiversidade. As culturas humanas, antes de serem culturas historicamente determinadas, também são oriundas, como vida, da água.
O Serviço Florestal Brasileiro foi tirado e passado não para o MDR, mas para o MAPA — Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Exatamente quem demanda mais projetos que exigem outorga da água passa agora a determinar, sem muito critério, a ação das corporações, com o objetivo do lucro sobre os recursos hídricos. E quem mais demanda desmatar para plantar soja e outros produtos do agronegócio, e usar muito agrotóxico para nos envenenar, agora é quem vai ter o poder da autorização, porque o Serviço Florestal Brasileiro foi entregue ao Ministério da Agricultura, que é comandado por uma senhora que em sua relação pessoal — digo isto para ser honesto, pois fui Deputado juntamente com a Tereza Cristina — é muito educada, mas tem uma visão muito atrasada em termos sociais e ecológicos.
A visão da Ministra sobre os povos indígenas é aquela mesma visão. A Ministra coerentemente ocupou o Ministério da Agricultura no Governo Bolsonaro. É coerente convidá-la para isso, porque ela tem a mesma visão de que o índio tem que ser integrado ao desenvolvimento, a visão tacanha de que as culturas indígenas, as civilizações indígenas e as várias culturas indígenas são uma negação do desenvolvimento. Na verdade, são o contrário: são referência para o nosso futuro.
A terceira observação que eu queria fazer refere-se ao golpe mortal na Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, que existia dentro do Ministério do Meio Ambiente e coordenava a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de terras Indígenas. Essa história de dizer que os povos indígenas não a usam... Não a usam como mercadoria, mas fazem usufruto da biodiversidade! E, às vezes, até produzem um excedente, não na perspectiva do capitalismo, mas como necessidade de autossustentação e sobrevivência.
16:44
RF
É bom que se diga, quando se fala em povos da floresta, e ampliando um pouco mais: no extrativismo vegetal, vamos lembrar da seringa, que até hoje é utilizada, apesar do pneumático baseado nos sintéticos e no petróleo. A Amazônia continua produzindo, em certa quantidade, a seringa e o balato.
Portanto, a política volta-se para organizar, fomentar, orientar tecnicamente e aprender com o saber tradicional indígena, para o bom aproveitamento, por exemplo, do óleo da andiroba ou da copaíba, que, por não serem plantation, não vamos encontrar milhares dessas plantas num hectare, mas vamos encontrá-las dispersas na floresta. Daí o conhecimento da floresta não ser compatível com a lógica das empresas. Refiro-me à mesma lógica que faz com que a Vale coloque abaixo de uma barragem, que ela sabia que ia desmoronar, alguns diretores e engenheiros de alto nível, que lhe garantiam o lucro. Como disse o Iury, eles tinham que em 5 minutos responder a algumas demandas que garantissem lucros mais vultosos e com procedimentos mais rápidos, para não interromper essa escalada de acumulação.
Realmente, essa PNGATI — Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas é inviabilizada, porque ela desaparece junto com a Secretaria. Isso é muito sério, muito sério! Eles fazem esse discurso do atraso e desconhecem o que os cientistas comprovam, que onde tem terra preta sinaliza a presença indígena, a presença milenar indígena.
Vamos parar por aqui. Quero apenas agradecer a todos e a todas a presença.
Vamos dar a palavra, para considerações finais, aos nossos convidados. Faremos agora o inverso, começando por Mirim Ju. Em seguida, ouviremos os Srs. Iury, Alexandre e Thiago Ávila.
Tem a palavra Mirim Ju.
O SR. MIRIM JU YAN GUARANI - Esta é uma tecnologia nova para mim, estou aprendendo com esse ambiente. Esse ambiente é de aprendizado. Aqui não houve uma palavra que não foi de aprendizado, que não foi de troca para um crescimento coletivo. A gente precisa se nutrir da palavra certa. Para a gente indígena a palavra é sagrada, é espírito. Então, a gente não pode falar errado, não. Não pode falar para fazer mal, como também não pode fazer mal. Quando falam que o desenvolvimento é para o bem do Brasil, eles estão revertendo a lógica do bem e do mal. O bem é ser bom, e ser bom não só para um.
A gente está aqui num trabalho de conseguir trazer essa educação, essa conscientização. Aqui é mais um espaço, mas continuamos em vários espaços. Essa é uma parceira de uma vida inteira, em que nós estamos nos unindo à vida, nós estamos nos unindo à nossa mãe terra, para essa grande consciência.
16:48
RF
Quero agradecer a todos que estão presentes e a todos que estão nos ouvindo. Quero agradecer, em especial, à Airy Gavião, companheira do nosso Conselho Indígena do DF, aos parentes, aos nossos amigos todos de construção, de fama e de caminhar junto. E quem caminha junto? A terra caminha, e a gente caminha junto. Não estamos indo no caminho contrário ao da terra. Existe um sentido correto, e esse sentido correto está dentro do nosso coração. Então, de coração, agradeço a todos.
Vamos juntos! Vamos fortes!
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado.
Vamos ouvir agora as palavras do nosso querido Iury Paulino.
O SR. IURY PAULINO - Gostaria de trazer só mais alguns dados para nós encerrarmos.
Entre 2011 e 2016, os conflitos por água cresceram 150% no Brasil. Desses conflitos, 58% estão ligados à questão de uso e preservação; 31%, à criação de barragens e açudes; e 10%, à apropriação particular da água.
Esses dados são importantes por duas coisas, Deputado. A primeira, eles demonstram que essa é uma questão grave e que é oculta. A segunda, nós não temos um sistema, um espaço que possa catalogar esses conflitos. Quando nós vimos buscar algo aqui, só se tratam de ribeirinhos, de pescadores, de atingidos por barragens. A questão urbana não está colocada aqui, e a água é resultado de conflito na questão urbana. O senhor sabe muito bem como é em Belém.
Eu acredito, como os companheiros que têm feito um esforço danado para ter esses dados, que, se fizermos a próxima atualização, desde 2000, vai explodir em quantidade muito maior, porque não havia Brumadinho nesse momento, e o período que a gente vive no Brasil acirra as contradições. A tendência é que isso aumente porque os trabalhadores vão ser cada vez mais atacados.
É preciso que nós possamos encaminhar — não sei, Deputado, se como uma proposta por meio desta Comissão — um espaço para catalogarmos isso com mais qualidade, para termos elementos mais científicos para tratar, com profundidade, isso que estamos discutindo. Nós já estamos morrendo pela questão de água. Estamos, às vezes, falando do futuro, de que vai acabar a água, mas já existe confusão e gente morrendo por conflitos de uso e acesso à água.
Sei que trazer esses dados até quebra a mística, porque dado é um negócio meio frio, mas quero agradecer muito o espaço e dizer que o que foi discutido aqui tem grande profundidade e tem mística. Quem pensa na água como mercadoria é tão infeliz que não tem capacidade de viver essa mística, não tem capacidade, não desenvolveu, humanamente, capacidade de entender o que está sendo discutido aqui. E eu acho que esta é a base da nossa resistência.
16:52
RF
Então, em nome dos atingidos por barragens no Brasil, em nome da luta dos demais companheiros que temos feito coletivamente, quero dizer que estamos juntos nessa luta, que é coletiva e de resistência. Mas sempre a luta de resistência é uma luta de proposta, é uma luta de alternativa, é uma luta de propor que é possível um modelo diferente.
Para nós, na verdade, não há alternativa a não ser propor um modelo diferente, porque o modelo que está colocado é um modelo vai matar e no qual não cabe todo o mundo. É impossível o capitalismo dar certo, é impossível essa lógica dar certo. Não há gênio no mundo que faça essa lógica dar certo. E a história tem mostrado isso todos os dias.
Então, é fundamental temos a certeza de que a vitória é nossa. Não podemos ter dúvida disso.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Iury Paulino. Peço-lhe desculpas, mas eu me lembrei de Gaudino, que foi um indígena pataxó assassinado, queimado vivo aqui, numa parada de ônibus de Brasília, a Capital Federal. E é chocante saber que os playboys, filhos de ministros e desembargadores, hoje estão em liberdade. Recentemente, a Folha de S.Paulo fez uma matéria mostrando até que alguns fizeram concurso público para ganhar altos salários pagos pelo povo, porque não são salários de professor ou servente de escola.
É triste ver a perversidade do Estado brasileiro quando se trata de bandidos protegidos pelas famílias que dominam os processos de dizimação indígena e de exploração do território ao longo desses mais de 5 séculos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Mas venceremos.
Eu queria, então, passar a palavra ao Alexandre, agradecendo pela contribuição do Movimento Maré Socioambiental, por ele aqui representado.
O SR. ALEXANDRE BAHIA GONTIJO - Obrigado, Deputado. Eu acho que agora eu tenho só a agradecer o quanto uma Mesa como esta, com parceiros tão fortes, nos dá coragem.
Realmente, não tem sido fácil a luta que temos lutado nesse fronte ambiental. Os ataques são intensos. A cada dia, há um ataque novo. Nós temos de sempre ficar tentando trazer à tona as informações e os fatos, trazer um pouco de sanidade para o debate. Às vezes, ficamos um pouco desanimados e cansados. Mas, quando estamos do lado de pessoas fortes como a Deputada Talíria, que estava aqui, o Deputado Edmilson, o Thiago, o Iury, Mirim Ju, isso nos dá uma força infinita e nós conseguimos vislumbrar aquilo por que realmente lutamos, aquilo que queremos.
Então, queria agradecer a vocês que estavam aqui, a meus colegas do trabalho que vieram comigo, que não são tantos, mas são fortes demais, são fundamentais e estão aí na luta também. Meu muito obrigado a todos vocês por essa força. (Palmas.)
16:56
RF
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Alexandre.
Registro a presença do Deputado Pr. Marco Feliciano, que, aliás, é Presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano.
Estamos fechando aqui, Deputado, o debate. A última palavra seria do Thiago, mas, se V.Exa...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Então, eu lhe agradeço pela presença.
Passo a palavra ao representante do Fórum Alternativo Mundial da Água, o nosso jovem e querido Thiago Ávila.
O SR. THIAGO ÁVILA - Queria agradecer ao Deputado Edmilson, à Deputada Talíria Petrone, que estava aqui, ao Alexandre, ao Mirim Ju, ao Iury, a cada uma e cada um que dedicou seu tempo e sua energia para estar aqui neste momento e a quem está nos acompanhando pela Internet.
Nós não estamos falando aqui de nada abstrato, nós estamos falando do grande desafio, da grande missão histórica do nosso tempo. Coube a nós deter um grande desastre ambiental planetário e transformar esta sociedade numa sociedade mais justa, mais igualitária, onde não haja exploração das pessoas, onde não haja opressão dos povos baseada em raça, gênero, orientação sexual, nacionalidade. Este é o momento de nós construirmos uma sociedade diferente, a sociedade do bem viver.
Nós falamos aqui de graves problemas. Há um problema que motiva muitas pessoas heroicas da Maré Socioambiental: o corte de 187 milhões de reais do orçamento do Ministério do Meio Ambiente praticado por este Governo, que não tem nenhum compromisso não só com os povos, mas também com a natureza e com o futuro da humanidade. (Palmas.)
Nós estamos diante dessa encruzilhada histórica. Não cabe a nós fazer simplesmente a denúncia e a negação do que está posto. Este modelo de governo, este projeto de governo é um projeto de destruição que precisa ser combatido. Nós precisamos resistir a essa lógica. Mas só isso não basta.
Aqui nós vemos pessoas que mostram que essa luta vai dar certo. Eu vejo a Luara, uma jovem de 18 anos que está aqui, numa sexta-feira, pensando sobre o futuro e em como mobilizar pessoas. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, há pessoas que estão falando: "Nós temos que parar essa roda de destruição". Eu vejo a Airy Gavião, eu vejo a Letícia, o Pará e todas as pessoas que estão aqui, dedicando o melhor da sua vida, da sua energia de vida para construir outra sociedade.
Nós apontamos cinco caminhos de soluções sistêmicas para a água: preservação dos biomas; educação ambiental efetiva; investimento público nas empresas de água e saneamento, um sistema elétrico público, porque como o Iury falou muito bem existe uma forma de privatização velada da água; mudanças de políticas, para uma grande transição agroecológica na cidade, no campo e na floresta; e a gestão popular.
Sem o povo mandar e o Governo obedecer, nós não vamos transformar essa sociedade. Nós vimos, com esta Mesa hoje, com a riqueza que está aqui, que o nosso dinheiro, o valor do que nós fazemos não está no nosso solo como uma commoditie, está em tudo à nossa volta, está nas pessoas e está na natureza, principalmente quando essas duas coisas agem em integração.
Nós nos desafiamos aqui, nesta atividade, a pensar outro mundo possível: um mundo onde haja justiça social, onde a felicidade seja um parâmetro muito mais importante do que a quantia de dinheiro que se tem na conta bancária ou o lucro trimestral dos acionistas de uma empresa como a Coca-Cola, que quer capitanear o processo de privatização da água e de saneamento do Brasil.
Sobre a MP 868, há o projeto apresentado pelo Senador Tasso Jereissati. E nós estamos falando aqui de pensar um novo horizonte. Nós sabemos que isso é possível porque vimos, na Bolívia, a destruição a partir da privatização da água: a guerra da água derrubou um Presidente lá e fez com que fosse eleito o primeiro Presidente indígena em 500 anos.
Então, nós estamos falando de graves agressões, que nos colocam diante de uma encruzilhada. É necessário resistir, mas é necessário construir essa nova sociedade possível. Aqui há pessoas que fazem os trabalhos mais inspiradores que nós conhecemos, que vão desde a preservação da água e a plantação de forma diferente até o tratamento comunitário de esgoto. Temos aqui grandes soluções, que vêm de baixo, vêm a partir do trabalho de formiguinha. É isso que nos faz saber que, embora todos os painéis climáticos digam que, a cada um grau de elevação na temperatura da terra, serão mortas 1 bilhão de pessoas — e essas pessoas são sempre das populações mais pobres, dos grandes cinturões de pobreza do mundo —, é justamente da América Latina, da África e do sul da Ásia que virão as grandes soluções.
17:00
RF
Esta Mesa está acontecendo no país que tem a maior disponibilidade de água em forma líquida no mundo: um sétimo da água nessa situação está aqui no Brasil. E nós temos que pensar uma solução e construí-la a partir da coletividade.
É um prazer estar aqui. Nós temos que ter esse senso de propósito, pois estamos diante da grande missão histórica da nossa geração, e as futuras gerações não vão nos perdoar se não fizermos nada agora. Felizmente, ao ver as pessoas que estão aqui, nós sabemos que estamos fazendo e que vamos fazer ainda mais.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Muito obrigado.
Então, finalizando aqui o nosso trabalho, eu queria agradecer a valiosíssima contribuição e os esclarecimentos prestados aqui pelos expositores.
Queria agradecer também aos colegas Deputados e Deputadas que participaram desta audiência pública e que a enriqueceram com as suas opiniões. Queria agradecer ao Presidente da Comissão, o Deputado Átila Lins, e aos servidores da CINDRA, que não citar nominalmente, mas que, realmente, são muito dedicados e fazem, com muito carinho e muita competência, esse trabalho.
Queria agradecer aos colegas e às colegas, principalmente, que dão suporte técnico à bancada do PSOL e que nos ajudaram a construir este momento.
Queria agradecer à Simone Terena, indígena que está nos assessorando e que está assessorando a bancada, à Letícia, que está aqui presente e teve lágrimas nos olhos em vários momentos, à Nina, que não está presente, mas é uma lutadora também e está no Senado agora, no debate sobre a MP 868, à Desirée, que está presente e ao Marcelo.
Há outros colegas que eu não citarei e a quem peço desculpas, mas que contribuem para que o Poder Legislativo cumpra o seu papel de espaço das diferenças, mas espaço dos debates estratégicos, e, particularmente, inspirado na defesa do direito à vida como sinônimo de direito pleno a todos os direitos, o direito pleno à cidadania.
Muito obrigado a todos e a todas.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião, convocando os senhores membros para a reunião ordinária deliberativa amanhã, quarta-feira, dia 8 de maio, às 10 horas, neste plenário.
Esta reunião está encerrada.
Obrigado. (Palmas.)
Voltar ao topo