1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Saúde
(Audiência Pública Extraordinária)
Em 16 de Abril de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:20
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O SR. PRESIDENTE (Jorge Solla. PT - BA) - Boa tarde a todas e a todos.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família.
Informo aos Srs. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pelo site da Câmara dos Deputados na Internet. Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão logo após o encerramento dos trabalhos e que as fotos do evento serão disponibilizadas no Banco de Imagens da Agência Câmara, na página da Câmara dos Deputados.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 8, de 2019, apresentado pelo Deputado Jorge Solla e aprovado por esta Comissão, para se debater sobre a importância do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — CONSEA.
É importante registrar que o CONSEA é uma conquista da sociedade brasileira, resultante da redemocratização do País e do princípio da cidadania, consagrado na Constituição Federal de 1988. Atua no planejamento, na execução e no monitoramento de programas de políticas públicas para promoção da segurança alimentar e nutricional. O formato de participação popular adotado pelo Brasil na área de segurança alimentar e nutricional serviu de exemplo para diversos países.
O motivo que nos levou a realizar esta audiência foi a Medida Provisória nº 870, de 2019, um dos primeiros atos do atual Governo, que fez mudanças na estrutura dos Ministérios, levando, entre outras mudanças, à extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, retirando-o da estrutura da Presidência da República, com a qual tinha vinculação institucional.
Abro um parêntese importante. Hoje alguns Parlamentares comentaram que a extinção do CONSEA estaria associada ao recente decreto que levou à extinção de dezenas de conselhos, de comissões, mas, na verdade, a primeira medida que o Governo tomou para extinguir um conselho foi através da Medida Provisória nº 870, afetando, no caso, o CONSEA, na mudança da estrutura ministerial.
A realização desta audiência pública busca aprofundar o debate sobre a importância do CONSEA e refletir sobre a decisão que atingirá os setores mais vulneráveis da população brasileira, justamente os que padecem de insegurança alimentar e fome.
Eu queria registrar que, com vistas ao debate, ao contraditório, fizemos todo o esforço — inclusive agradeço à Secretaria da Comissão — para assegurar, de todas as formas, até o último momento, a presença de um representante do Governo Federal, da Casa Civil. Mas, além de não se fazerem representar, informaram à Secretaria da Comissão que não responderiam por escrito, nem por e-mail, nem por ofício.
Deixo registrada a nossa indignação com o desrespeito para com a Câmara dos Deputados. É bom lembrar, inclusive, que o titular da Casa Civil é Deputado Federal. Deveria, pelo menos, ter respondido a esta Comissão se havia decisão ou impossibilidade de comparecimento de um representante da Casa Civil. Deixo registrado, portanto, que a ausência não resultou de falta de convite nem de falta de tentativas de que o Governo se fizesse representar neste debate.
14:24
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Convido para compor a Mesa e participar do debate a Sra. Valéria Burity, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional; a Sra. Elaine Pasquim, representante da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional; a Sra. Ana Carolina Feldenheimer da Silva, representante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável; e a Sra. Nayara Côrtes Rocha, representante do Conselho Federal de Nutricionistas.
Vejam que estou tendo o raro privilégio de ser o único homem nesta Mesa, composta por cinco participantes.
Comunico aos membros desta Comissão que o tempo destinado a cada convidado para fazer a sua exposição será de 15 minutos, prorrogável a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteados. Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos.
Passo a palavra à Sra. Valéria Burity, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que dispõe de 15 minutos.
A SRA. VALÉRIA BURITY - Muito obrigada, Deputado Jorge Solla. Queria dar-lhe os parabéns pela iniciativa e agradecer o convite feito ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Vou começar apresentando rapidamente o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar. Ele é um coletivo que reúne uma série de organizações, de redes, de pessoas, de pesquisadores e pesquisadoras, de movimentos que acreditam e lutam pelo direito humano à alimentação adequada.
O fórum tem e sempre teve como um dos seus propósitos facilitar esse diálogo entre a sociedade civil e o Governo. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que era um órgão de assessoramento da Presidência da República, era um espaço muito importante de incidência do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional — FBSSAN.
O último encontro do fórum, o oitavo, aconteceu no Rio de Janeiro entre 12 e 14 de novembro. Na carta desse encontro, o fórum destaca todos os riscos e as ameaças que estamos constatando em relação ao direito humano à alimentação adequada. Este foi o lema do encontro: Sem democracia não há soberania e segurança alimentar e nutricional. Então, acho que foi um lema superapropriado para o momento que estamos vivendo.
Antes de falar um pouco sobre o CONSEA, é muito importante falar sobre o direito à participação social, que é um direito imbricado com qualquer outro direito. Para realizarmos qualquer direito, a participação social é um elemento relevante.
É importante dizer que a democracia não se limita ao voto, não se limita à atuação dos Parlamentares desta Casa ou do Senado. A participação social é um mandamento constitucional. Está prevista em diversos dispositivos da Constituição, que, já no art. 1º, estabelece que todo o poder emana do povo. Vamos ver que em diversas políticas está assegurado o direito de participação. É, portanto, um dever do Estado assegurar essa participação.
Muito se tem dito que há conselheiros mamando na teta do Estado, que os conselheiros estão vivendo de ser conselheiros. É importante informarmos que o trabalho de conselheiros e conselheiras é voluntário. No caso do CONSEA, o trabalho era de assessoramento do Presidente da República. O custo do Conselho Nacional de Segurança Alimentar era um custo de encontros, de reuniões. Os conselheiros e conselheiras eram voluntários, pessoas que deixam suas vidas pessoais para contribuir para um processo coletivo, para o monitoramento de políticas públicas, para a apresentação de propostas de políticas públicas. É muito importante enfatizarmos isso.
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O então Relator Especial sobre Direito à Alimentação da Organização das Nações Unidas, Olivier De Schutter — em 2014, ele apresentou o relatório final do seu mandato na ONU —, ressaltou a experiência positiva do Brasil em relação à política de segurança alimentar e destacou, como um dos elementos que contribuíram para o êxito dessa política, a existência de um conselho que garante a participação social. Esse não é o único informe. Vários informes internacionais destacam a importância dessa política do Brasil e ressaltam como elemento fundamental para o êxito dessa política a participação social.
É importante falar sobre o custo. Temos um plano de segurança alimentar nutricional, e o custo da participação social é menor do que o de 1% dessa política. Mas é essa participação social que garante que o restante desse orçamento seja fiscalizado, seja bem executado, seja bem implementado, seja efetivamente aplicado naquilo a que se propõe. Então, é muito importante rebatermos o argumento de que a participação social é um custo para o Estado brasileiro. Devemos rebater com muita força esse argumento. É muito importante isso.
Em relação ao CONSEA, vou falar brevemente. Acredito que quem está aqui conhece o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Esse conselho foi reinstituído em 2003, num momento em que a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi anunciada como carro-chefe do Governo. É claro que o anúncio de um tema como carro-chefe tem repercussão em termos de alocação de recursos, de formação de uma equipe para garantir que o tema emplaque de fato na agenda pública. Em 2003, ele é reinstituído como órgão de assessoramento da Presidência da República.
Um terço da composição desse conselho era de representantes do Governo Federal ligados à política de segurança alimentar. Cerca de 19 Ministérios estavam representados no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Dois terços eram representantes da sociedade civil — diversas organizações, movimentos, universidades, pesquisadores, representantes da indústria de alimentos. Tínhamos diferentes representações nesse conselho.
Isto é algo muito importante: o CONSEA considerava que a alimentação é um direito humano. Eu acho que isso faz toda a diferença, porque se passa a ver a alimentação não como aquilo que está previsto na lei, mas sim como um processo. De que precisamos para acessar alimentos, para produzir alimentos sem violações de direitos e garantir a dignidade das pessoas?
Quando o CONSEA imprimia seu olhar sobre qualquer tema, ele o fazia a partir desta visão, a do direito humano à alimentação. Isso permitia que houvesse discussões muito importantes sobre os diferentes temas ligados ao processo alimentar, sobre a produção, sobre a comercialização de alimentos, sobre o consumo, sobre o aproveitamento desses alimentos.
É importante dizer que o CONSEA jamais perdeu sua capacidade de crítica. Ele foi sim reinstituído em 2003 pelo Partido dos Trabalhadores, mas o CONSEA nunca deixou de reconhecer o que vinha de bom do Governo Federal em relação à segurança alimentar e nutricional, como também não se omitia em fazer as críticas necessárias a esse Governo. Portanto, era um conselho de assessoramento não para dizer o que o Presidente ou os agentes públicos queriam ouvir, mas sim para dizer o que era necessário para que as pessoas pudessem se alimentar com comida de verdade. Quando reclamamos da extinção do CONSEA ou quando tentamos reverter a sua extinção, de fato não queremos o retorno de qualquer conselho. Queremos um conselho em que as pessoas possam realmente fazer suas sugestões, suas proposições e também suas críticas. Acho que é isso que faz com que um conselho seja efetivo.
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O CONSEA discutiu diferentes temas, debateu muitos temas. Acredito que Nayara, Carolina e Elaine vão trazer outros temas que o CONSEA discutiu. O CONSEA teve um papel importante, por exemplo, na agricultura familiar. Antes, a agricultura familiar tinha programas que se aproximavam mais da lógica do agronegócio. Com o CONSEA, começou-se a debater esse tema a partir de uma especificidade, de uma preocupação específica com os agricultores familiares. Isso foi muito importante para que o Brasil se tornasse uma referência no fortalecimento da agricultura familiar.
O CONSEA também discutiu o programa de cisternas, que garantia a quem vive no Semiárido o acesso à água, seja para beber, seja para produzir alimentos. Eu não sei se conhecem ou já viram um barreiro no Semiárido. Quem visitava o Semiárido e via que crianças tinham acesso à água de barreiro, bebiam a mesma água consumida por animais, percebia como uma política pública tão simples faz toda a diferença na vida de milhares, de milhões de pessoas.
O CONSEA discutiu fortemente o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa Bolsa Família, muitos outros programas. Isso teve uma repercussão muito importante, no sentido de que esses programas pudessem ser mais adequados e mais efetivos.
O CONSEA também teve um importante papel na construção do marco legal que temos e na do marco institucional para implementar a política de SAN. Antes de a CAISAN — Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional ser efetiva, foram as discussões do CONSEA que fizeram com que o Governo conseguisse se organizar para atender as demandas que vinham dali. Quem acompanha o histórico do CONSEA e da CAISAN vê que o conselho começou já com muita força. A CAISAN foi crescendo e se fortalecendo a partir das demandas do conselho. Então, o conselho foi muito importante para que o próprio Governo se organizasse e conseguisse ter um marco institucional capaz de implementar uma política tão complexa como a política de SAN. O CONSEA teve um papel fundamental para que inseríssemos na nossa Constituição o direito humano à alimentação adequada.
Várias recomendações de órgãos de direitos humanos diziam que era superimportante que tivéssemos um marco legal e que as Constituições dos países incorporassem esse direito. Então, o CONSEA teve uma atuação importante para que o Congresso Nacional incluísse na nossa Constituição o direito humano à alimentação adequada.
É importante dizer que o CONSEA era um espaço relevante para os próprios gestores públicos que participavam das reuniões, ouviam os problemas que ali eram apresentados. Eles tinham ali um espaço, e não só naquele momento. O Governo costumava se organizar antes para participar do CONSEA, e sobretudo nas plenárias do conselho o próprio Governo tinha a oportunidade de ouvir o que estava acontecendo de errado e tentava se organizar para implementar uma política pública.
Tivemos resultados concretos. Acho que o CONSEA, e não só ele, fez parte de uma engrenagem, associada a uma política de valorização do salário mínimo, que foi fundamental para que conseguíssemos garantir a redução da desnutrição infantil, a redução da mortalidade infantil, a redução da pobreza.
Então, é muito importante compreendermos o papel do CONSEA nesses resultados concretos que foram alcançados pelo Estado brasileiro e que estão em franco retrocesso neste momento.
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Eu queria tratar de outro ponto. Quando se extingue o CONSEA, não se extingue só o CONSEA. Há um impacto direto em todo o sistema de segurança alimentar e nutricional e na política de segurança alimentar e nutricional. O CONSEA era o responsável por convocar a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A conferência tinha etapas preparatórias em todos os Estados brasileiros. Quando extinguimos o CONSEA, estamos imediatamente afetando esse processo de conferência que reunia milhares de pessoas em todo o Brasil.
Existia uma correspondência entre o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional — CAISAN, a começar pela composição. O Secretário-Geral do CONSEA, que na época era o Ministro do Desenvolvimento Social, era o Presidente da CAISAN. Os agentes públicos nomeados para participar do CONSEA eram os agentes públicos que compunham a CAISAN. Então, quando se extingue o CONSEA, imediatamente se está atingindo todo o sistema e atingindo componentes desse sistema nos Estados e no Distrito Federal, em um momento em que temos aumento da pobreza. Em 2016, depois de décadas de queda, a mortalidade infantil aumentou 4,8%, e neste momento temos um ataque contra o CONSEA.
É importante dizer que, por causa de tudo isso que colocamos — creio que as colegas vão trazer novos elementos, que a Carol vai falar mais sobre o banquetaço —, reagimos fortemente contra a extinção do CONSEA. Houve uma petição internacional com mais de 30 mil assinaturas contra a extinção do CONSEA. Vamos fazer uma audiência pública nesta Casa no dia 25 de abril. Quatro relatores da ONU escreveram ao Governo brasileiro perguntando por que da extinção do conselho, que tem resultados tão efetivos, e o que viria no lugar dele. Então, houve reação em âmbito nacional e em âmbito internacional também. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, se posicionou, fez uma nota técnica e pediu que fosse declarada a inconstitucionalidade da MP que revoga o conselho. Ficamos muito preocupadas, porque a extinção do CONSEA não se dá em contexto isolado — existem várias outras medidas que vemos como um ataque à democracia. Na própria MP nº 870, que extinguiu o CONSEA já no começo de janeiro, vemos uma tentativa de monitoramento de organizações não governamentais. Então, existem várias iniciativas que nos preocupam e que põem em risco a democracia neste País.
Por fim, é importante enfatizar que, quando nos colocamos contra a extinção do CONSEA, não estamos só pedindo que seja reinstituído um conselho qualquer. Os elementos que faziam o CONSEA ser um conselho efetivo eram ter uma sociedade civil superatuante que conhecia muito o tema, que trazia diferentes olhares sobre a política de segurança alimentar e nutricional e que tinha a liberdade de fazer críticas e ter, de fato, agentes públicos comprometidos em ouvir essas críticas, em participar das reuniões do conselho e em tentar minimamente abraçar essas críticas — é claro que algumas nunca foram efetivamente abraçadas, mas houve, sim, alguns avanços. Então, queremos, de fato, um conselho em que haja efetiva participação social. Não estamos aqui só pedindo que seja formalmente revertida essa situação.
Era isso. Colocamo-nos à disposição para o debate.
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O SR. PRESIDENTE (Jorge Solla. PT - BA) - Obrigado, Valéria.
Agora vamos ouvir a Sra. Elaine Pasquim, representante da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional — RBPSSAN.
A SRA. ELAINE PASQUIM - Obrigada, Deputado Jorge Solla, pelo convite. Obrigada a todos e a todas.
Meu nome é Elaine Pasquim e eu vim falar em nome da rede de pesquisadores em segurança alimentar e nutricional.
Antes de começar, faço uma breve apresentação. Eu sou Analista em Ciência e Tecnologia, do Ministério de Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações e trabalho com segurança alimentar e nutricional na Coordenação Geral de Bioeconomia do Ministério.
Por que eu, sendo representante do Ministério, vim falar em nome da rede de pesquisa? Porque a rede de pesquisa surge justamente dentro do CONSEA, e o CONSEA tinha essa estrutura de diálogo entre Governo, academia, sociedade e movimentos sociais. Então, as políticas eram construídas de forma conjunta, os pensamentos eram construídos de forma conjunta. Da mesma forma que o Governo contribuía com a sociedade, com a academia, também a academia retribuía ao Governo, trazendo suas contribuições.
Qual era o formato do CONSEA? O CONSEA tinha quotas para pesquisadores. Assim como as conferências nacionais que a Valéria citou, havia quotas para pesquisadores, para a academia, assim como para o movimento social e para o Governo. Nesse diálogo, então, foi que surgiu esse contato que facilitou o diálogo entre o Governo e a academia, possibilitando a construção e a identificação de quais seriam as necessidades para uma agenda de ciência e tecnologia.
Juntamente com o CONSEA e o seu grupo de pesquisadores, foi formado, na época, um grupo de trabalho envolvendo os pesquisadores participantes do conselho, e nós começamos a levantar quais seriam as demandas dos pesquisadores e da sociedade para a ciência e tecnologia. Começamos a formalizar parcerias e ver demandas nas quais o Ministério poderia colaborar. Surgiu a necessidade de consultoria para que se fizesse o levantamento das organizações de pesquisadores, dos grupos de trabalho, dos grupos de pesquisa existentes no País. Essa era uma informação dispersa, difícil de reunir, porque muitos pesquisadores não se identificam pelo nome "segurança alimentar e nutricional", alguns são da agroecologia, outros do aleitamento materno, ou seja, essa identificação não é simples. Então nós do Ministério da Ciência e Tecnologia, juntamente com o CONSEA, organizamos um levantamento desses grupos de pesquisadores. A partir disso, também fizemos um levantamento de quais seriam as necessidades de pesquisa, as prioridades de temáticas, as demandas da sociedade e também as dificuldades para a realização da pesquisa que o Governo poderia mediar.
Foi então que sentimos a necessidade de organizar o primeiro Seminário de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional, sempre nessa parceria entre CONSEA, Ministério da Ciência e Tecnologia, o na época MDS e o Ministério das Relações Exteriores.
Para o primeiro seminário, nós chamamos cerca de cem pesquisadores. A princípio, selecionamos os pesquisadores que participavam diretamente de algum CONSEA estadual. Foi a partir da identificação desses pesquisadores que nós os convidamos para participar do seminário nacional.
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Por que quisemos selecionar pesquisadores que estavam envolvidos com os CONSEAs estaduais? Porque esses pesquisadores conheciam a demanda local e teriam uma ideia de qual era a necessidade, a prioridade de pesquisa, de quais eram as lacunas de conhecimento na sociedade, nos locais, para que transformássemos isso num relatório nacional e produzíssemos um documento capaz de ser utilizado pela política pública, no caso de ciência e tecnologia.
Quais foram os objetivos principais, então, desse primeiro seminário? Ele envolvia tanto a necessidade de criação de uma rede de pesquisadores, quanto a necessidade de proposição de uma agenda de pesquisa, além de desafios de financiamento e diálogo entre os pesquisadores e as políticas públicas.
Esse seminário ocorreu em 2012 e, a partir dele, foi criado um grupo pró-rede. Esse grupo, então, passou a se reunir frequentemente de forma virtual e em encontros, para que pudessem discutir a formalização da rede de pesquisadores.
É feita a proposta de uma rede quando acontece o segundo encontro. O segundo encontro aconteceu em 2016, na FIOCRUZ, aqui em Brasília, e já foi aberto à sociedade como um todo: participaram pesquisadores e estudantes do Brasil inteiro, que apresentaram trabalhos, pesquisas e estudos feitos por eles, com a lógica de tentarmos fazer um levantamento na sociedade de quais eram as pesquisas e as lacunas existentes e de como podíamos mediar essa relação com a política pública. Nesse segundo encontro, em 2016, saiu por escrito uma proposta de formalização da rede de pesquisadores, que fomos aprimorando.
Realizamos ainda, em 2017, o III Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Lembro que todos esses encontros e a proposta de rede, que foi escrita em conjunto com todos esses pesquisadores, têm como referência a conceituação da Lei nº 11.346, de 2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional — LOSAN, e foram baseados nos princípios e diretrizes da Soberania e da Segurança Alimentar e Nutricional e do Direito Humano à Alimentação Adequada.
Agora em 2019, de 10 a 13 de setembro, nós pretendemos realizar o quarto encontro da Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, lembrando que no início deste ano, em fevereiro, nós conseguimos realmente formalizá-la: ela já tem CNPJ e está concretizada. Foi um passo que se iniciou no CONSEA, e foram alguns anos para que nós — sociedade, pesquisadores, aí incluídos os alunos que participavam das reuniões, e Governo — construíssemos em conjunto o que deveria ser a rede e detectássemos quais eram as necessidades.
A rede atualmente, então, é presidida pelo Prof. Renato Maluf, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e é formada por pesquisadores do Brasil inteiro, de várias universidades. Servidores, gestores e movimentos sociais também compõem a rede. Como a rede é construída? Quais as necessidades de pesquisa a partir da demanda da sociedade? A princípio, foi levantada a necessidade de formar seis grupos de trabalho. Os encontros baseiam-se em discussões temáticas feitas por grupos. São seis os temas divididos pelos grupos. O primeiro é o direito humano à alimentação adequada. Ali são apresentados trabalhos, pesquisas e relatos de experiências relacionadas ao direito humano à alimentação adequada. O segundo é produção sustentável e processamento de alimentos. O terceiro é abastecimento e consumo alimentar saudável. O quarto são os efeitos da insegurança alimentar e nutricional.
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Geralmente, o grupo que discute esse tema discute pesquisas relacionadas a levantamentos de dados sobre fome, insegurança alimentar e nutricional. Isso é super-relevante neste momento, considerando que vimos monitorando a possibilidade de ver piorar no Brasil, embora tenhamos saído do Mapa da Fome, a situação de insegurança alimentar e nutricional. Nesse sentido, as pesquisas que os professores e os estudantes estão fazendo no Brasil e no mundo — trazemos pesquisadores internacionais para fazer esse diálogo conosco — vão nos possibilitar analisar a evolução dessa insegurança alimentar e nutricional no Brasil.
O quinto grupo discute o tema comida e cultura: os múltiplos olhares sobre a alimentação. Geralmente estão relacionados a este grupo os povos de comunidades tradicionais, os que têm menos visibilidade. O sexto grupo tem por tema a construção da pesquisa em segurança alimentar e nutricional. Nele se avaliam métodos, indicadores e metodologias.
A partir dessas discussões, nós fazemos um levantamento, em cada encontro, sobre o que é preciso avançar e sobre as lacunas, para ver como podemos contribuir enquanto política pública, a partir do conhecimento.
A composição dessa rede é feita a partir de pesquisadores que se associam a ela e que declaram não haver conflito de interesse com a área. Os objetivos principais são estimular a pesquisa e criar espaços de socialização do conhecimento. É importante entender que alguns princípios fundamentais da rede incluem o favorecimento da articulação de conhecimentos interdisciplinares e a promoção de uma pesquisa cidadã, comprometida com a participação popular. Não se trata de uma pesquisa em que o sujeito participa apenas da coleta de dados, mas em que ele pode contribuir desde o momento da criação, do pensar, até o momento da avaliação e de como utilizar essa pesquisa para aplicar na sua realidade.
Então, para a rede de pesquisadores, é importante ressaltar que o conhecimento não sai só da academia. Além do conhecimento acadêmico, é valorizado também o saber popular.
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Alguns desafios que ainda ficam, como a necessidade de fazermos essas articulações entre Governo e sociedade para esse pensamento em torno de pesquisa, de ciência e tecnologia, são porque ainda temos a ausência de linhas de fomento específicas para segurança alimentar e nutricional. Por exemplo, há necessidade de áreas multidisciplinares de avaliação na CAPES e no CNPq. Então, os pesquisadores têm uma dificuldade imensa de se identificar com os comitês atualmente existentes, porque não se encaixam. Essa é uma demanda que é apresentada há vários anos e que ainda não conseguimos solucionar, apesar de todas as articulações que já vêm acontecendo.
A contribuição do CONSEA para a ciência e a tecnologia, para pesquisa em segurança alimentar e nutricional, é fundamental para a construção do conhecimento na área. Entendemos que é essencial que essa construção do conhecimento aconteça com diálogo entre Governo, academia e sociedade. Agindo de forma individual, não vamos conseguir avançar e contribuir realmente com a ciência e a tecnologia.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Solla. PT - BA) - Registro a presença do Deputado Alexandre Padilha, ex-Ministro da Saúde.
Estiveram conosco também o Deputado Otoni de Paula, a Deputada Tereza Nelma, que inclusive ficou de retornar, e o Deputado André Janones.
Passo a palavra agora para a Sra. Ana Carolina Feldenheimer da Silva, representante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
A SRA. ANA CAROLINA FELDENHEIMER DA SILVA - Sr. Presidente, inicialmente quero agradecer a oportunidade de participar desta audiência. Todos nós que estamos aqui hoje estamos em defesa do CONSEA, um ponto que nos é muito caro.
Vim falar um pouco sobre a Aliança, grupo do qual faço parte, que é composta por entidades. Faço parte do membro gestor da Aliança. Atualmente, sou docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e componho o Comitê Gestor da Aliança.
A Aliança surgiu em outubro de 2016.
Somos organizações da sociedade civil de interesse público, profissionais, associações e movimentos sociais com objetivo de desenvolver e fortalecer ações coletivas que contribuam com a realização do direito humano à alimentação adequada por meio do avanço em políticas públicas para a garantia da segurança alimentar e nutricional e da soberania alimentar no Brasil.
A Aliança é um conglomerado de entidades. Somos mais de 37 organizações, além das pessoas físicas, atuando em prol de um tema. Estamos atuando há quase 3 anos. Atuávamos antes também, mas em outros espaços, como um grupo não organizado. A ideia hoje é, por meio de políticas públicas, melhorar a questão alimentar no nosso País.
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A Aliança tem uma agenda muito próxima do CONSEA. Isso nos faz praticamente parceiros. Alguns membros da Aliança eram também conselheiros do CONSEA. Então, temos afinidade com as agendas e com a pauta.
Nós atuamos em dez pontos específicos: promoção do aleitamento materno; apoio a saberes e práticas alimentares tradicionais; fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar; efetivação da proibição da publicidade infantil; restrição da publicidade de alimentos ultraprocessados; melhoria das informações dos rótulos; aprovação de medidas fiscais que consigam melhorar a alimentação no País... Então, são dez temas que fazem parte do nosso rol de atividades. Trabalhamos com eles.
A Aliança vem atuando em vários âmbitos desde 2016. Entre eles, a Aliança frequenta muito o Congresso Nacional — tanto Câmara quanto Senado —, bem como as Câmaras Estaduais e Municipais. Uma questão importante em que atuamos, por exemplo, é o apoio a leis que sejam de interesse público e que melhorem a alimentação da população como um todo. Nós temos interesse em alguns projetos de lei que tramitam aqui na Casa que, em grande parte, sempre foram apoiados e debatidos pelo CONSEA.
Então, o primeiro ponto que para nós é importante é o avanço da política pública. Nós atuamos também com pontos importantes como a questão do ambiente escolar, a rotulagem de alimentos, a melhoria da informação para os consumidores, principalmente no que diz respeito aos agrotóxicos.
Nos últimos 100 dias, essa agenda relacionada aos agrotóxicos teve um imenso retrocesso no Brasil no nosso ponto de vista. Conseguiu-se liberar, rapidamente, uma série de produtos que estavam pendentes de autorização. Esse processo de desburocratização do Estado de maneira tão rápida é que não estamos entendendo. Então, a ideia é discutir esse tema como um todo. E esta Casa é um dos espaços em que estamos fazendo isso.
Outro âmbito em que a Aliança atua é a mídia. Nós temos uma inclinação muito forte para atuar com a opinião pública. Entendemos as questões colocadas e nos posicionamos com matérias de opinião, com matérias que discutam os temas. Nós queremos discutir os temas que estão sendo colocados e queremos que a população tenha uma opinião mais crítica com relação a isso. Então, temos uma atuação...
O SR. PRESIDENTE (Jorge Solla. PT - BA) - Desculpe-me por interrompê-la por um minutinho. Vou pedir ao Deputado Alexandre Padilha que me substitua na Presidência. Preciso ir rapidamente à CPI do BNDES, porque há um requerimento nosso que vai entrar em pauta.
Aqui nós temos que correr, bater o pênalti e cabecear para o gol.
A SRA. ANA CAROLINA FELDENHEIMER DA SILVA - Como todo mundo, não é? (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Jorge Solla. PT - BA) - Mas eu volto rapidinho.
A SRA. ANA CAROLINA FELDENHEIMER DA SILVA - Como eu ia dizendo, a Aliança tem uma inclinação muito grande para fazer um debate com a sociedade e nós consideramos o papel da mídia importante.
Voltando à Câmara, estamos discutindo, por exemplo, uma questão importante, que é a taxação de produtos não saudáveis, que é analisada aqui em vários momentos. Nós queremos ampliar o debate com a sociedade como um todo para melhorar a opinião pública com relação a isso ou criar uma opinião crítica com relação aos fatos.
Nós também fazemos campanhas para as pessoas terem mais informações. Entre os pontos em que a Aliança atua, está a melhoria da informação ao consumidor. Buscamos ampliar o acesso à informação não só por leis, mas por ações educativas, ações de apoio.
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Há uma ação bem importante que está acontecendo no Senado. O CONSEA foi bem ativo nesse processo, diante da proposta de tirar o "T" de transgênico das embalagens, por exemplo, o que foi um ponto importante. Hoje, nos produtos transgênicos, há um "T" amarelo, mas sabemos que há alguns que querem retirá-lo das embalagens. Então, estamos atuando hoje pela melhora da rotulagem dos produtos. Temos campanhas de mídia na televisão, no rádio, no ponto de ônibus, no aeroporto.
Também temos uma campanha importante com relação à agenda internacional. O Jamie Oliver, que é um famoso chefe de cozinha, veio ao Brasil para uma ação junto com a indústria de alimentos, e prontamente nos colocamos contrários a essa ação, entendendo que não havia a necessidade de isso entrar nas nossas escolas, porque temos um programa superbom no País, que é o PNAE. Então, discutimos isso aqui no Brasil.
Também discutimos muito uma agenda sobre a interação entre o setor público e o privado. Como funciona hoje no Brasil a relação entre o interesse público, da política pública, e o interesse privado, das indústrias que atuam hoje no nosso País? Como os conflitos podem ser minimizados ou pelo menos equalizados, de uma maneira que não fique tão desigual a questão do poder?
Vou contar um pouquinho quem nós somos e por que temos o CONSEA como uma questão importante, uma arena de discussão. Nós entendemos que a questão da saúde e da alimentação atua em duas frentes: o indivíduo, que é o que muito se pauta hoje — a agenda liberal colocada atualmente prega que o indivíduo deve cuidar de si mesmo —, e o ambiente. Entendemos que o ambiente pode ajudar o indivíduo a fazer suas escolhas. Eu posso viver em um espaço que tenha feiras livres com preço acessível, com alimentos de qualidade acessíveis ou viver num ambiente que chamamos de deserto alimentar, porque não há escolhas alimentares. Então, entendemos que é preciso atuar tanto na questão individual como na questão coletiva. As duas podem ajudar a população a adoecer menos e a ter uma vida melhor.
Aqui estão alguns projetos de lei importantes em prol dos quais estamos atuando.
Quero falar um pouquinho sobre o CONSEA e a Aliança, que é o que viemos discutir hoje.
Acho que uma questão importante é que o Brasil foi exemplo de ações, de políticas públicas por muitos anos. No campo em que o CONSEA atuava, que é o de segurança alimentar e nutricional e de direito humano à alimentação adequada, o Brasil é o país que mais experiência tem para contribuir com outros países. Inúmeras vezes, o CONSEA, o Governo brasileiro foi chamado a fóruns da ONU, a fóruns internacionais para contar sua experiência de atuação nos últimos anos. Isso inclui o Programa Nacional de Alimentação Escolar — PNAE, a agenda da agroecologia, a agenda dos conselhos, a agenda das políticas públicas participativas. Perguntam, por exemplo, como o Brasil conseguiu, em uma década, superar a fome ou o baixo peso em crianças, uma questão na qual muitos países não conseguem atuar.
O que percebemos é que o CONSEA conseguia atuar congregando em um espaço único experiências que estavam muito além da experiência de outros países. Assim, o Brasil conseguia aplicá-las e, por muitos anos, conseguiu mudar sua realidade.
O CONSEA fazia uma política pública de cunho social um pouco mais avançada: colocava as discussões dentro de uma arena. Como disse a Valéria, custa 1% do orçamento ouvir a população e melhorar o que está sendo colocado.
Então, uma questão importante é que nós sempre fomos um exemplo. Estamos retrocedendo, como já foi falado aqui também pelo Deputado Jorge Solla, por conta da MP 870/19, que, no dia 1º de janeiro deste ano, extinguiu o CONSEA. O CONSEA foi o primeiro conselho extinto. Ao contrário dos demais conselhos, que tiveram a sua extinção na semana passada, não houve nem tempo para uma explicação sobre qual é a importância desse conselho para a sociedade. Ele foi extinto naquele momento, e não houve um debate, um diálogo como o que foi feito agora neste segundo momento de extinção de conselhos, no qual se propôs: "Quem tiver importância coloque-se formalmente e diga o que tem a fazer, como agenda, para contribuir inclusive com o Governo atual e com o Estado brasileiro, que é o mais importante".
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Primeiro, o CONSEA era uma máquina de debates. Para a Aliança, por exemplo, muitas vezes, em debates importantes com o Governo Federal que não conseguiam avançar, nas gestões passadas, não na atual — com a atual não tivemos experiência ainda —, o CONSEA foi, sim, um interlocutor importante para conseguirmos atuar mais amplamente.
Por exemplo, diante da dificuldade que tivemos de abrir um diálogo mais amplo com a ANVISA, que atua na rotulagem de alimentos, uma agenda que é importante para nós, o CONSEA foi um interlocutor importante. Ele colocou numa mesa a ANVISA, a Aliança, os consumidores, os usuários, os agentes do Governo e a indústria também para discutir o que fazer ou não nessa agenda, para ampliar um pouco o debate.
A segunda questão que eu acho bem importante é que o CONSEA conseguia qualificar as políticas públicas. Ele, como espaço de escuta, conseguia ser muito mais efetivo do que a consulta a cada cidadão brasileiro, considerando que o nosso País é enorme. Ele conseguia, por exemplo, mudar rumos, discutir questões e parâmetros que eram colocados, como o Bolsa Família, a alimentação escolar, a agricultura familiar, sobre o que também houve muito debate no CONSEA. Então, o conselho proporcionava momentos para se pensar coletivamente numa ação mais efetiva com o dinheiro que é pago pelo contribuinte. Eu acho que isso, numa democracia, é um valor muito importante, e é colocado para nós, na Aliança, como a questão crucial. Além disso, eu acho que o conselho era um espaço privilegiado de articulação.
Acho que um ponto importante hoje, neste Governo, é o custo dos conselhos, o quanto eles custam, como eles operam. O CONSEA conseguia congregar gente do Brasil inteiro. Então, ele tinha representantes — isto aqui vem da página do CONSEA — de atuação relevante no campo, nas áreas de segurança alimentar e nutricional e de direito humano à alimentação. São pessoas com experiência, com ação no seu território, no seu Estado, no seu Município, que vinham do Norte do País, do Sul do País. Caiçaras, quebradeiras de coco, pesquisadores universitários, todos estavam juntos nesse processo. O Governo tinha um terço dos assentos do CONSEA. Então, o espaço era bem plural, bem diverso. E o trabalho era voluntário. As pessoas vinham aqui para Brasília a cada 2 meses, por 2 dias, para contribuir com a política pública.
Não pensem que a arena do CONSEA era uma arena de paz e tranquilidade. Em vários momentos, havia muito embate entre Governo e sociedade civil, nos Governos passados, não só no Governo que passou, mas também no anterior. Sim, aquele era um espaço de escuta e de formulação da questão social, mas não era um espaço de acordo ou ocupado por pessoas que tinham uma agenda única, cada um vinha com o seu ponto de vista disputar a ação coletiva.
Eu quero destacar dois exemplos nos quais o CONSEA foi importante para a agenda da Aliança, mas posso citar mais alguns. Um deles é o debate sobre o modelo de rotulagem nutricional da ANVISA.
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O Brasil é um país avançado na rotulagem nutricional, mas não na frontal. Há um debate bem grande neste momento acerca do tema, e o CONSEA foi uma arena importante para a ampliação desse debate. Num segundo momento, também, o CONSEA foi importante, por exemplo, para rediscutir a proibição da publicidade infantil, a questão da infância no Brasil. Então, ele também conseguiu discutir isso e fez um estudo bem importante para essa ação.
Por último, há ações que foram feitas depois de 1º de janeiro. A Aliança, com outras entidades, realizou o Banquetaço Nacional no dia 29 de março em várias cidades do Brasil e conseguiu reunir atores da sociedade civil que atuam na produção de alimentos, que trabalham na cozinha.
Quem não faz nada disso também quer apoiar a agenda. Isso é para mostrar à população o quanto essa é uma questão importante. O Brasil está com uma questão econômica bem grande. Deixar de discutir a alimentação é um ponto que fragiliza o País, como nação, na segurança alimentar. Então, é importante colocar esse debate embaixo do tapete.
Então, é isso. Nós queremos discutir a ideia de que o CONSEA deve, sim, voltar. Nós apoiamos a revogação do conteúdo da MP 870.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Ana Carolina Feldenheimer.
Concedo a palavra para a Nayara Côrtes Rocha, que representa aqui o Conselho Federal de Nutricionistas.
A SRA. NAYARA CÔRTES ROCHA - Boa tarde.
Quero cumprimentar as minhas colegas da pauta da segurança alimentar e nutricional.
Deputado, agradeço-lhe a oportunidade de estarmos aqui falando um pouco sobre esse tema tão caro para o CFN que é o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
O CFN — Conselho Federal de Nutricionistas representa 150 mil profissionais entre nutricionistas e técnicos e técnicas em nutrição e dietética no Brasil. Desde o início do CONSEA, ele ocupa uma vaga no órgão, compondo a entidade — às vezes, junto à ASBRAN, a Associação Brasileira de Nutrição — com várias outras organizações.
O CFN vem se manifestando, desde o primeiro momento, quando saiu a MP 870, em defesa do CONSEA. Ele soltou uma nota, que foi divulgada para os nutricionistas e para a sociedade, e, em seguida, uma carta para o Ministro Osmar Terra, tentando fazer esse diálogo sobre o retorno do CONSEA. Houve uma reunião.
O CFN foi também uma organização muito presente no Banquetaço, especialmente aqui, no Distrito Federal, onde teve uma participação bastante importante, bastante significativa. Nós tivemos um movimento bem bonito, como a Carol já disse, no Brasil inteiro, o que mostra um pouco o tamanho da importância do CONSEA e mostra também como a sociedade civil vem conseguindo propor atividades diferentes, atividades para o público, para conversar com mais gente, como foi o Banquetaço, em que oferecemos alimentos adequados e saudáveis.
Nós envolvemos a agricultura familiar, chefes e militantes da segurança alimentar, a academia, a universidade, mostrando um pouco a pluralidade da agenda e também um jeito de reivindicar o que nós queremos, que é comida de verdade para todas as pessoas.
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A questão é: por que um conselho de profissionais estaria preocupado com um conselho de política pública?
O sistema CFN, que tem os Conselhos Federais e os Conselhos Regionais de Nutricionistas, possui uma missão institucional que é contribuir para a garantia do direito humano à alimentação adequada e fazer isso a partir da fiscalização, da normatização e da disciplina do exercício do profissional para uma prática pautada na ética, comprometida com a soberania e com a segurança alimentar e nutricional.
O que isso quer dizer? Quer dizer que partimos de um entendimento de que, para essa missão ser cumprida, precisamos de um sistema alimentar que dê conta de proporcionar uma alimentação adequada e saudável. Para um nutricionista ou para um técnico ou técnica em nutrição e dietética fazer seu trabalho, é preciso olhar para um contexto.
Como nós vamos fazer um plano alimentar para uma pessoa que tem dificuldade de ter acesso a alimentos saudáveis, ou para uma pessoa que, do caminho do trabalho para casa, tem uma oferta gigante de alimentos ultraprocessados e, muitas vezes, não tem oferta de alimento saudável, porque na região onde vive ela tem dificuldade de acessar esses alimentos? Como fazer o planejamento do cardápio de um restaurante, se estamos oferecendo alimento contaminado com agrotóxico às pessoas?
Nutricionista trabalha com promoção da saúde, a partir de uma alimentação adequada e saudável. O alimento é o nosso instrumento de trabalho. Nós precisamos que ele seja bom, acessível e que as pessoas tenham condição de se alimentar de uma maneira digna e adequada a partir de sua cultura.
O CONSEA trabalhava exatamente nisso: em organizar políticas públicas que proporcionassem um contexto favorável a uma alimentação adequada e saudável.
O CONSEA era exatamente esse lugar de onde olhávamos e falávamos: para ter uma alimentação adequada e saudável, do que precisamos? Precisamos que a agricultura familiar, que é quem produz a maior parte do que nós comemos, tenha condição de produzir, de manter essas pessoas no campo, para elas não irem às cidades, inflarem a periferia das cidades e também viverem em pobreza e miséria — que nós sabemos que é o que gera fome e insegurança alimentar e nutricional.
Quando nós temos políticas para manter essas pessoas produzindo alimento de qualidade, nós auxiliamos também o acesso à alimentação saudável. Ao mesmo tempo, nós precisamos de políticas que façam esses alimentos serem distribuídos para todos os lugares, para que as pessoas tenham mais acesso a eles. Precisamos, também, que as pessoas tenham trabalho, tenham dinheiro, tenham acesso e possam comprar esses alimentos para se alimentar. Por fim, elas precisam ter informação nítida, explícita sobre o que estão comendo.
Alimentação é um tema extremamente intersetorial e complexo, e nós não temos ainda uma estrutura que dê conta de fazer esse diálogo, uma estrutura formal, tradicional. O CONSEA era o lugar de fazer essa discussão, onde todo mundo, de vários setores, sentava para discutir o que é preciso para proporcionar alimentação adequada e saudável — não só pessoas dos vários setores da sociedade civil, mas também pessoas do Governo. Discutíamos, como a Carol já disse, não sem embates, caminhos para construirmos isso.
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Eram conselheiros muito diversos, conselheiros de todos os lugares do País. Então, era muita gente que conhecia a realidade, conhecia a especificidade de alguns povos, muita gente que estudava a questão geral da população. Era um grupo muito amplo, muito especializado, com representantes dos próprios povos e de comunidades tradicionais. Gente com muita sabedoria, com muita capacidade de discutir o tema sob vários ângulos, que se reunia a cada 2 meses para propor coisas. Isso era muito importante. Era uma assessoria que as pessoas vinham prestar simplesmente porque elas achavam que aquilo era importante, sem ganhar nada para isso.
Foi isso que o CONSEA fez durante esse tempo.
Tentando concretizar um pouco mais essas experiências do CONSEA, eu pontuei algumas.
Por exemplo, o CONSEA foi um ator muito importante para conseguirmos colocar a alimentação na Constituição brasileira. Isso não é pouco. A alimentação é muito vista como caridade até hoje. Quem sofre a violação da falta de alimentação, em vez de se sentir indignado e exigir seu direito, se sente envergonhado e se esconde. Na hora em que isso vai para a Constituição, adquire uma força política para dizer: "Olha, é um direito, está na Constituição". Ao mesmo tempo, é um instrumento de exigibilidade. Também o CONSEA trabalhava com essa questão de você ter um documento que diga: "Olha, isso aqui é direito, e o Estado é responsável também por responder por esse direito".
Outra ação muito importante foi a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que também é uma lei elogiadíssima no mundo inteiro, porque traz um conceito de direito humano muito abrangente, que trabalha com a questão da cultura, com a questão da qualidade do alimento, com a questão da sustentabilidade, trabalha o alimento desde o começo da cadeia até o final dela. E propõe um sistema participativo, um sistema intersetorial e um plano. Acaba ficando um vácuo sem o CONSEA, que era um elemento de articulação dentro desse sistema.
Dentro desse arranjo, havia o Plano de Segurança Alimentar e Nutricional, que dizia para onde nós devemos ir para garantir segurança alimentar e nutricional e, no final, garantir o direito humano à alimentação e à nutrição adequada para todas as pessoas.
Nós não sabemos, ainda, como estão pensando em fazer esse plano acontecer sem o CONSEA. Nós podemos ter consequências importantes para a saúde da população, se não se definir a partir de onde e como isso vai ser feito.
Outra conquista muito importante que nasce do CONSEA é o Programa de Aquisição de Alimentos — PAA, um programa em que, basicamente, o Estado compra alimentos da agricultura familiar. Muitas vezes, os agricultores não tinham como escoar sua produção de um jeito justo, e o Governo vem — ele já tinha que comprar alimento mesmo — e compra esse alimento da agricultura familiar, fortalecendo-a. E o alimento comprado vai para a alimentação escolar, para hospitais, para unidades de saúde, para unidades de assistência social.
É uma política muito interessante, que trabalha nas duas pontas e que nasceu da discussão no CONSEA, com o mínimo de 30% a ser repassado para alimentação no Programa Nacional de Alimentação Escolar. Como melhorar a qualidade da alimentação escolar e apoiar a agricultura familiar? Fazendo isso: comprando frutas, hortaliças da agricultura familiar e levando-as para a escola.
Ao mesmo tempo, nós apoiamos essa agricultura e melhoramos a qualidade da alimentação, porque vai haver alimento fresco; não vai ser só alimento industrializado. Isso é importante. Isso é saúde para as crianças, para os adolescentes. Essa discussão também partiu do CONSEA, porque ele é um espaço em que você consegue olhar para o todo, para as várias dimensões da alimentação adequada e saudável.
15:20
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Para fechar — ainda temos um tempinho —, estávamos falando de políticas intersetoriais, participativas, que unem as pontas para promover um direito humano. E nós estamos, neste momento, numa conjuntura ruim de crise econômica — de crise política também —, em que estamos com quase 12% de desemprego; estamos, agora, com uma política de salário mínimo desvalorizada, e ela também compromete a segurança alimentar e nutricional. E resolvemos escolher que não é importante falar sobre direito humano à alimentação, quando se extingue o CONSEA. É um contrassenso gigante.
Nós teremos, possivelmente, um aumento da fome — as próximas pesquisas devem mostrar isso —, porque, como eu já disse, a fome não é ao acaso; ela vem da pobreza e da miséria, que estamos vendo, mesmo sem pesquisas. Nós precisamos de pesquisas, mas é possível observar isso nas ruas. É possível nós percebemos o que está acontecendo no nosso dia a dia. As pessoas estão com mais fome. Há mais gente na rua, por exemplo.
No momento em que estamos, provavelmente, aumentando a fome e em que 70% das causas de morte no Brasil são doenças crônicas não transmissíveis, que também vêm muito de uma alimentação inadequada, nós temos a destruição do meio ambiente, também causada por um tipo de alimentação que não é possível neste planeta.
A alimentação está no centro das principais discussões da sociedade neste momento, e o CONSEA discutia todas elas, sob vários olhares. E nós estamos dizendo que isso não é importante; que nós não temos uma proposta coletiva para isso — nós não; alguém. Mas nós, enquanto sociedade, estamos deixando isso acontecer, não é mesmo?
Então, acho que é isso: o fim do CONSEA tem impacto no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, tem impacto no Plano de Segurança Alimentar e Nutricional, que, no final, vai impactar na alimentação, na nutrição, na saúde da população. Isso diz respeito a todo mundo que está aqui hoje e também ao Conselho Federal de Nutricionistas.
Outra coisa para a qual eu também queria chamar a atenção é a importância da participação social, que, agora, virou uma polêmica — que momento é este que estamos vivendo, em que a participação social virou uma polêmica? Nós vivemos num País que não tem cultura de democracia forte, de participação forte. Nós tínhamos os Conselhos como espaços de exercitar isso. Eles eram, também, espaços de formação, de produção de conhecimento, como a Elaine também colocou, e, ao mesmo tempo, de contribuição para que essas políticas atendessem às demandas reais das pessoas que estão ali e que compõem esses Conselhos.
Essas experiências são muito, muito importantes na formação, no exercício da autonomia de todas as pessoas. É lamentável nós termos este momento em que não vamos discutir isso nos Conselhos; este momento em que achamos que essa democracia representativa vai dar conta do tamanho dos problemas que nós temos. Precisamos de mais participação, precisamos das pessoas ajudando a pensar em saídas para os problemas que elas mesmas vivem, e acho que o CONSEA tinha bastante essa função.
Por tudo isso, nós precisamos que ele retorne e que ele retorne com qualidade, com participação da sociedade civil, com diálogo. Nós não precisamos concordar com todas as coisas, mas acreditamos no diálogo. E o Conselho é um espaço para esse diálogo ser feito, com qualidade, com respeito, para melhorar, de fato, as políticas públicas e melhorar a vida das pessoas no final.
Era isso.
Obrigada. (Palmas.)
15:24
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Nayara, representante do Conselho Federal de Nutricionistas.
Estiveram presentes nesta audiência o Deputado Alan Rick, a Deputada Lauriete, o Deputado Otoni de Paula, a Deputada Professora Dorinha, o Deputado Pastor Isidório, o Deputado André Janones, a Deputada Carmen Zanotto, o Deputado Dr. Frederico, o Deputado Enéias Reis, o Deputado Sergio Vidigal, o Deputado Miguel Lombardi, o Deputado Rodrigo Coelho, o Deputado Luiz Lima e a Deputada Tereza Nelma, para quem vou passar a palavra em primeiro lugar, porque já estava inscrita. Eu também já estou me inscrevendo aqui, como Presidente desta Comissão neste momento.
Como nós não temos outros Deputados inscritos neste momento, se houver algum representante de entidade que queira se posicionar, nós podemos abrir pelo menos duas inscrições. Peço somente que levante a mão e, em seguida, apresente a entidade.
Passo a palavra à Deputada Tereza Nelma.
V.Exa. dispõe de 3 minutos, com a condescendência que o espaço da sala vai nos permitir. Deputada, como boa alagoana — minha mãe é alagoana —, se V.Exa. quiser, pode falar mais.
A SRA. TEREZA NELMA (PSDB - AL) - Boa tarde!
É ingrato este momento, porque eu estou agora correndo entre três Comissões, mas não poderia perder esta oportunidade.
Quero dizer do meu compromisso. Eu fui uma das fundadoras do CONSEA nas Alagoas. Sempre batalhei, sempre briguei muito e sempre valorizei o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional. Com ele, vieram grandes avanços, conforme vocês já falaram.
Eu apresentei duas emendas, que até foi o grupo que mandou para nós. Uma emenda é supressiva, para suprimir o inciso III do art. 85 da medida provisória de 1º de janeiro, e a outra é aditiva, para que o art. 24 da Medida Provisória nº 870 passe a vigorar acrescido de um inciso nos seguintes termos: "Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional".
A Comissão da MP 870 já foi instalada na semana passada. Eu estou fazendo parte da Comissão Mista da MP 871. Eu não sabia em qual das duas eu iria brigar mais, Deputado Alexandre, aí eu fiz a opção pela MP 871.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Eu entendo essa agonia, Deputada. São muitos os direitos sendo retirados.
A SRA. TEREZA NELMA (PSDB - AL) - Muitos direitos! Todo dia é uma surpresa.
Ao sair da Comissão da MP 871, encontrei um Deputado das Alagoas que faz parte da Comissão da MP 870 e já falei para ele da importância de fazermos essa parceria para que o CONSEA não seja extinto, para que ele volte a funcionar, conforme a colega falou, com qualidade, porque ele é necessário. Senão, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN vai ficar desestruturado, assim como todas as políticas já criadas.
Eu também não posso deixar de falar da nossa angústia nesse final de semana com o decreto que acaba com inúmeros conselhos, dentre eles o da criança e o da pessoa com deficiência. Nós temos que nos mobilizar, temos que pensar o que fazer.
15:28
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Eu já andei procurando saber, Deputado Alexandre, e descobri que nós não podemos apresentar um projeto de lei para isso, porque traz gastos financeiros. Então, o projeto de lei tem que ser enviado pelo Executivo para o Legislativo. Mas eu estou me movimentando. Nós não podemos permitir esse grande retrocesso na construção da cidadania e da participação popular de todos e todas.
Muito obrigada. Eu estou correndo entre três Comissões, mas estou comprometida com esta aqui.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Deputada Tereza Nelma.
Alguma entidade gostaria de falar? (Pausa.)
Só peço que fale seu nome e o da entidade. A senhora tem a palavra pelo tempo de 3 minutos.
A SRA. MARÍLIA LEÃO - Boa tarde a todas e todos.
Meu nome é Marília Leão. Eu represento aqui o Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília.
Eu queria só reforçar como essa decisão de extinguir o CONSEA foi uma decisão unilateral e autoritária.
Na minha última posição, eu era Secretária-Executiva do CONSEA, e nós tentamos de todas as maneiras fazer algum diálogo com o Governo de transição, com a equipe do Presidente Bolsonaro, para tentar explicar e defender o conselho.
Para quem não sabe, o CONSEA é uma instituição que foi criada no Brasil de baixo para cima. A ideia de um conselho como o CONSEA nasceu na Constituição de 1988, quando nós discutimos a construção do SUS. A ideia era que tivéssemos um conselho, o que finalmente nós fomos conseguir nos anos 90. Fomos realmente estruturá-lo depois, a partir de 2003, quando o Presidente Lula colocou essa questão como uma agenda central.
Nós tentamos de todas as maneiras dialogar com o Governo que estava entrando. Nós fizemos documentos, encaminhamos dossiês, pareceres e solicitações de audiência para defender o CONSEA. Nós temíamos que a extinção do conselho acontecesse, mas não fomos ouvidos. No primeiro dia do ano, nós encontramos na medida provisória a extinção do CONSEA.
Como já foi muito dito, a extinção do CONSEA desarticula totalmente o sistema, que nós criamos de baixo para cima, com muita participação social. Existem 27 Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional. Isso não é pouco num País grande e complexo como o Brasil. Esses Conselhos Estaduais estão sem saber como vão seguir sua luta, como vão seguir seu funcionamento. Existiam orientações e diretrizes nacionais. Os Conselhos Estaduais são autônomos — o sistema prevê que eles o sejam —, mas existe toda uma política nacional, toda uma orientação.
Por fim, queria dizer que agora a decisão está na mão do Congresso Nacional. Do total de emendas à Medida Provisória nº 870 apresentadas, 12% são emendas pela volta do CONSEA, o que corresponde a mais de 60 emendas, apresentadas por muitos Parlamentares, de diversos partidos.
Eu gostaria de deixar esta mensagem porque acho que a volta do CONSEA hoje depende da capacidade de o Parlamento, o Congresso Nacional, negociar isso no âmbito da Comissão que vai analisar a Medida Provisória nº 870.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado.
Vou fazer algumas considerações, mas, antes, pergunto se outra entidade gostaria de se pronunciar.
A SRA. PATRÍCIA GENTIL - Meu nome é Patrícia Gentil. Estou aqui representando o IDEC — Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, uma entidade que fazia parte do CONSEA. Eu só queria dizer que ela está representada aqui. O CONSEA é um espaço de diálogo forte em relação à defesa do consumidor. Também estamos nesse campo de proteção, brigando pelo CONSEA.
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Uma questão muito premente, que já foi falada pela Mesa também, é que hoje estamos, do ponto de vista do rito processual do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, no último ano do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, cuja vigência acaba agora em 2019, e, do ponto de vista prático, vamos ficar sempre lá. Não existe sistema sem CONSEA, porque ele é o braço da sociedade civil, sobretudo para o monitoramento das políticas públicas.
É importante reforçarmos que essa agenda da segurança alimentar e nutricional nasce e cresce muito mais por intermédio da sociedade civil, que impulsiona o Governo. Sabemos com uma clareza muito grande que, sem um plano de segurança alimentar e nutricional, sem uma câmara interministerial de segurança alimentar e nutricional, que é o braço do Governo que articula a agenda pública da segurança alimentar e nutricional, não vamos ter resposta do Estado brasileiro para a garantia do direito humano à alimentação adequada.
Então, esta fala é mais um reforço da relevância da agenda e da importância de o Congresso se debruçar sobre essa agenda e fazer renascer esse conselho, com toda a força que ele representa para a sociedade civil, bem como impulsionar o Governo em relação a essa agenda.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado.
Eu vou fazer algumas considerações aqui e, depois, vou retornar a palavra às convidadas, para que elas possam fazer as considerações finais e dialogar com os questionamentos que foram trazidos.
Primeiro, eu quero agradecer a participação de todas as convidadas, em especial da Elaine Pasquim, relembrando aqui o período em 2004 em que fizemos todo o trabalho de segurança alimentar e avaliação nutricional da população indígena. Agora, pudemos nos reencontrar aqui.
Quero dizer que eu estou aqui por fazer parte da Comissão de Seguridade Social e Família, por ter compromisso com este tema, por querer prestigiar o esforço do Deputado Jorge Solla e também por ser autor de uma emenda à MP 870 para que recuperemos o CONSEA na sua composição e possamos ter esse conselho atuando de forma bastante ativa, com o papel que todos já falaram aqui.
Felizmente, o meu partido, o Partido dos Trabalhadores, me indicou como membro titular da Comissão Especial da MP 870. Quero avisar a todas que amanhã teremos a segunda reunião dessa Comissão Especial, quando deve ser aprovado o seu plano de trabalho.
Nós também somos autores de requerimentos de realização de, pelo menos, quatro audiências públicas, uma delas para debater especificamente não só a retomada do CONSEA, mas um conjunto de outros itens da Medida Provisória nº 870 que impactam no tema da segurança alimentar, como a questão ambiental, a desestruturação de órgãos ambientais, a retirada da Agência Nacional de Águas do Ministério do Meio Ambiente e sua ida para o Ministério do Desenvolvimento Regional, ou seja, vários temas. Como disse a própria Nayara aqui, o tema da alimentação envolve um conjunto de setores, e vários desses itens, além da extinção do CONSEA, estão tendo impacto.
Quero dizer que um dos motivos que fez com que eu quisesse, desde o começo, apresentar emenda a essa medida provisória e estar na Comissão Especial tem a ver com o meu passado profissional, com o meu presente profissional: continuo sendo professor na área da saúde. Dou aula, Nayara, num programa de residência multiprofissional que abrange oito profissões, entre elas a de nutricionista.
15:36
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Aliás, é impressionante como um conjunto de políticas públicas, o nosso guia alimentar nacional, feito pelo Ministério da Saúde, o debate do CONSEA, tudo isso foi apropriado por vários cursos de graduação. É muito legal vermos as nutricionistas e os nutricionistas na residência falando sobre isso. É uma das profissões que mais falam dessas políticas nacionais e mais as incorporaram. Não tenho dúvida nenhuma de que o papel do CONSEA e das entidades que participam dele de difundir isso é uma das razões fundamentais pelas quais essas políticas foram apropriadas pelos profissionais.
Por ser pai de uma menina de 4 anos de idade, estou convivendo, assim como a minha companheira, com a alimentação saudável, sendo estimulado a ter comida de verdade.
E, por motivos felizes e infelizes, convivi com o Betinho. Meu pai conviveu com o Betinho no exílio. Eles moraram juntos. Quando o Betinho voltou, atuou no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas — IBASE. Eu me lembro de uma frase do Betinho que ouvi quando eu era muito pequeno, com 9, 10 ou 11 anos de idade: "Existem várias formas de cometer um erro, mas só sabemos disso quando acontece".
Por que eu estou dizendo isso? Porque, sinceramente, quando vi a Medida Provisória nº 870 — Deputado Jorge Solla, se V.Exa. quiser, pode reassumir a Presidência — e a extinção do CONSEA como parte dessa medida, eu imaginei que o Presidente Bolsonaro estava cometendo um erro talvez por ignorância. Eu achava que ele havia resolvido dar um tiro no CONSEA por aquilo que significava o CONSEA na luta contra a fome e por ter sido reativado pelo Presidente Lula em 2003. Eu imaginava que o Presidente Bolsonaro nem sabia que o CONSEA tinha sido criado em 1993. É verdade que foi desativado logo depois, no final de 1994 ou em 1995, e reativado pelo Presidente Lula. Então, imaginei que ele estava querendo dar um tiro numa das políticas centrais do Governo do Presidente Lula, dar um tiro naquilo que, como dito pela representante do observatório da UnB, foi construído de baixo para cima. O Betinho dizia que o desenvolvimento humano passava pela sociedade quando esta se apropriava da diversidade, da igualdade, da liberdade, da solidariedade, da participação.
Mas estou convencido, Deputado Jorge Solla, de que o tiro não foi dado por um erro, não. Depois de o Presidente Bolsonaro, nos Estados Unidos, diante da bandeira que ele ama mais do que a bandeira brasileira — ele bate continência para a bandeira dos Estados Unidos —, ter afirmado num jantar que reunia a nata da ultradireita americana que há muita coisa que precisamos destruir, não tenho dúvida nenhuma de que a MP 870 é a verdadeira MP da destruição, porque ela ataca um conjunto de instituições do nosso País, algumas historicamente recentes, como o CONSEA, ataca a ida do tema da fome para o centro da política do País, ataca o papel que o CONSEA tem na construção do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e ataca instituições que este País construiu há mais de 80 anos, como o Ministério do Trabalho e Emprego, que ele extinguiu. Como eu falei, ele tirou a Agência Nacional de Águas do Ministério do Meio Ambiente e a colocou no Ministério de Desenvolvimento Regional, tirou do Ministério do Meio Ambiente o papel de coordenar o plano de combate ao desmatamento da Amazônia. Então, eu acho que, no afã da MP da destruição, o Presidente Bolsonaro resolveu atacar uma das políticas mais importantes, mais transversais do último período do nosso País, que, como disse aqui a Profa. Ana Carolina, inclusive colocou o Brasil — não o Governo, mas a sociedade, a universidade, os pesquisadores, as entidades — como referência, como vanguarda para outras políticas no mundo inteiro.
15:40
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Profa. Ana Carolina, há 3 semanas fui convidado para participar de um fórum internacional de parlamentares pela justiça tributária que aconteceu no México. O principal debate que os colegas do Governo mexicano queriam fazer comigo era sobre a nossa experiência na política de segurança alimentar, sobre o que nós fizemos no PAA, sobre como foi criar um mercado público. Referiam-se não só à experiência do Governo Federal, mas à experiência das cidades, como a que eu tive quando Secretário de Saúde, junto com o Prefeito Haddad, e colocamos na merenda escolar pelo menos 20% de produtos orgânicos, o que criou um mercado público para produtor orgânico na cidade de São Paulo. Infelizmente — eu vi a foto da Ana Carolina sobre a farinata lá em São Paulo — estão tentando destruir de forma muito intensa essa política.
Não tenho dúvida nenhuma da importância do CONSEA num momento como hoje. Primeiro, porque, por incrível que pareça, Deputado Solla, voltaram a ocorrer mortes por diarreia no nosso País. Do crescimento da mortalidade infantil de 2016, uma parte importante do corte foi por diarreia. Ou seja, o tema da segurança alimentar voltou a matar crianças no nosso País. Segundo, por causa do tema dos hábitos alimentares e daquilo que a grande indústria tenta nos enfiar permanentemente. O grande sonho da indústria é que comamos aqui em Brasília a mesma coisa que se come em São Paulo, a mesma coisa que se come em Pequim, a mesma coisa que se come em Nova York, a mesma coisa que se come nas aldeias indígenas do povo uaiuai, do povo zo'é, do povo munduruku. Esse é o sonho, porque com isso ela vai ter um mercado de consumo cada vez maior.
Esse peso enorme da grande indústria e de toda a cadeia do agronegócio vem enfiando cada vez mais hábitos alimentares no nosso povo, fazendo com que aumentem as taxas de obesidade, impactando nas doenças crônicas não transmissíveis no nosso País, e fazendo rótulos e publicidade voltados para as crianças.
Um terceiro debate tem a ver com o que já foi citado aqui, que é essa escalada de registros de agrotóxicos. São chocantes os dados apresentados pelo próprio Ministério da Saúde, do Governo Federal. Na semana passada a Ministra da Agricultura esteve aqui e nós mostramos os estudos, por exemplo, da Universidade Federal de Mato Grosso que mostram a presença de registros de agrotóxicos na água das escolas de área urbana — não é mais em área rural. Mostramos também os estudos feitos no Piauí — e também no Mato Grosso — que mostram a presença de agrotóxico em leite materno de mulheres de área urbana, no banco de leite materno num hospital de área urbana no Piauí. Esses estudos mostram cada vez mais a contaminação. Mostramos os dados da FIOCRUZ no monitoramento de 30 produtos alimentares, que registra a presença de até 15, 16 princípios ativos. A Ministra disse que ia contestar os estudos, mas não mostrou tecnicamente essa contestação.
Ontem nós soubemos que agora ficaram públicos os dados do próprio Ministério da Saúde. Mais um órgão do Governo mostra que, no monitoramento da água, há a presença de 27 princípios ativos de agrotóxicos — um verdadeiro coquetel — na água para consumo de grandes cidades. O Estado de São Paulo, que é o meu Estado, é o com o maior número de Municípios: 500 Municípios, entre eles São Paulo, Guarulhos, Santo André, Osasco, Campinas, ou seja, Municípios extremamente urbanos. Estão ficando cada vez mais claras a contaminação que já existia para o trabalhador rural, das pessoas que manipulam de alguma forma os agrotóxicos, do ar no entorno das áreas de produção, dos lençóis freáticos mais próximos e a presença do agrotóxico dentro do sistema de abastecimento das grandes áreas urbanas.
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Não tenham dúvida da importância do CONSEA. Podem ter certeza de que vamos lutar até o fim. Acho que há um clima para trazer esse tema. Como foi dito aqui, há um volume de emendas, perfil dos partidos, variedade dos partidos e, sobretudo, essa reação que houve, desde o começo da extinção do CONSEA, da sociedade civil, da academia.
Eu queria puxar duas perguntas para as nossas convidadas acerca de se o CONSEA estivesse existindo, porque foi extinto no dia 1º de janeiro. Vou citar um exemplo. O Sulfoxaflor, que é um produto sendo banido cada vez mais no mundo inteiro, entrou em consulta pública da ANVISA no dia 26 de dezembro de 2018. Então, no dia 26 de dezembro de 2018, a ANVISA fez consulta pública para a sociedade se manifestar e aparecerem os estudos sobre a toxidade e os riscos das indicações do uso desse produto agrotóxico na agricultura brasileira. No dia 9 de janeiro, ou seja, entre o finzinho do Natal e o Ano Novo e a posse do novo Governo — não se passaram nem 10 dias úteis talvez —, o Ministério da Agricultura faz o registro do Sulfoxaflor para uso industrial, ou seja, já para manipulação da indústria, ignorando totalmente qualquer manifestação em relação à consulta pública da ANVISA, que ainda está em andamento. As senhoras acham que, se existisse, se houvesse reuniões regulares, se não tivesse sido extinto, o CONSEA admitiria e concordaria com um procedimento como esse do atual Governo?
Já existem mais de 120 novos registros de agrotóxico nestes primeiros 100 dias. Qual foi a posição do CONSEA em outros momentos quando isso começou a crescer? No ano passado houve 458 novos registros de agrotóxicos, o que foi o maior recorde. Eu me lembro de que, na época em que eu estava no Ministério da Saúde, em 2011, havia em torno de 100 registros por ano. E não é só a quantidade que aumenta. Está aumentando a toxidade: 81% dos novos agrotóxicos registrados ou das novas orientações de culturas a serem utilizadas são extremamente ou altamente tóxicos. Então, qual seria o posicionamento do CONSEA diante de uma situação como essa?
Vou passar a palavra para as nossas convidadas. Eu acho que, como a Valéria falou primeiro, poderíamos passar primeiro para ela. Vamos marcar 3 minutos para cada uma delas.
A SRA. VALÉRIA BURITY - Obrigada.
Eu só queria reforçar, antes de trazer essa questão que o Deputado Alexandre Padilha coloca, que, de fato, quando trabalhamos o direito humano à alimentação, trabalhamos duas dimensões: uma é a superação da fome e a outra é a garantia progressiva do direito humano à alimentação adequada e saudável.
É importante reforçar que com a extinção do CONSEA, num momento em que se adotam políticas de austeridade, numa crise econômica, ocorre a redução de vários programas de segurança alimentar, programas que, como foi citado pela Mesa, são referências para outros países.
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Há mais de 3 anos uma política de desvalorização do salário mínimo e há uma proposta que chegou a esta Casa, se não me engano hoje, em relação ao salário mínimo de 2020 que é muito preocupante. Há também a reforma da Previdência, e quero destacar o papel da Previdência principalmente no meio rural para a garantia do acesso à alimentação adequada. Nesse contexto de desemprego, ficamos realmente muito preocupados com isso.
Sem dúvida, o CONSEA seria um espaço para questionar todas essas medidas que acabam acentuando e agravando a situação da fome, inclusive apontando quais são os atores, quais são as pessoas mais afetadas pela fome.
O CONSEA não ficava só nisso. Ele ia além, havia uma preocupação com os sistemas alimentares. É importante dizer que no mundo inteiro existe o consenso de que os nossos sistemas alimentares hoje estão falidos, por quê? Porque eles geram disputa por terra, e existem muitos conflitos, e disputa por água.
Houve o lançamento do relatório da CPT — Comissão Pastoral da Terra, que destaca esses conflitos no Brasil, inclusive dizendo que isso aumenta o conflito por água. Há ainda contaminação por agrotóxicos não só da terra como também das águas, dos trabalhadores e de quem está na cidade. Além disso, não conseguimos ainda superar a fome e ainda ganhou problemas como sobrepeso e obesidade, que estão se acentuando de forma muito preocupante em todo o mundo e no Brasil.
Não há um espaço que questione a forma como produzimos alimentos. Acabar com esse espaço no Brasil é muito preocupante para toda a sociedade brasileira. Existe a previsão de que, se continuarmos produzindo alimentos do jeito que produzimos, em 2050 vai haver uma crise sem precedentes. É muito importante entender que, assim como o planeta, o nosso corpo também chegará ao seu limite. Por isso, é preciso que haja questionamentos sobre isso e que haja uma preocupação central sobre a forma como produzimos e consumimos alimentos.
O CONSEA sempre se manifestou em relação aos agrotóxicos com bastante preocupação. Inclusive realizou uma Mesa de controvérsia sobre o tema agrotóxico que tinha algumas bandeiras, como a de algumas áreas livres de agrotóxicos, proibição de pulverização, banimento de produtos já banidos em outros países, entre outras.
Acho que o decreto que revogou os conselhos também fala dos sites oficiais. Eu não sei como estão as informações no CONSEA, mas quem quiser conhecer a posição do CONSEA sobre o tema agrotóxico pode buscar as diferentes exposições de motivos a respeito desse tema, bem como o relatório da Mesa de Controvérsias realizada, que ainda está disponível.
Por fim, quero reforçar o convite do Deputado Padilha e dos Deputados que passaram por aqui para a audiência do dia 25 de abril, quando será novamente lançada a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, momento em que vamos tratar do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Valéria.
Passo a palavra para a Profa. Elaine Pasquim.
A SRA. ELAINE PASQUIM - Retomando, para nós que trabalhamos com segurança alimentar e nutricional, este é um compromisso, como colocou o Alexandre, não de agora, independentemente de onde estejamos.
Ele falou da saúde indígena. Na época do Ministério da Saúde, eu trabalhei com o Pró-Saúde e agora com o PET-Saúde, no Ministério da Ciência e Tecnologia. Essa perspectiva do diálogo com a sociedade para a construção do conhecimento e também para a garantia da segurança alimentar e do direito humano à alimentação e a sistemas alimentares mais saudáveis é uma perspectiva que perpassa não só o nosso pensamento como sociedade brasileira, como também o dos estrangeiros — internacionalmente é entendido dessa forma.
Quando não respeitamos esses princípios, por exemplo, permitindo que essa quantidade de agrotóxicos esteja nos nossos produtos alimentares, sabe que eles vão ser provavelmente rejeitados na exportação de alimentos e vão prejudicar o próprio País. Então, essa perspectiva tem que ser revista.
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Além disso, como a Valéria colocou, o CONSEA, se não me engano, na verdade, fez duas mesas de debates sobre agrotóxicos e transgênicos, e envolveu não só o Ministério da Ciência e Tecnologia, onde fica a CTNBio, onde ocorre, por sua vez, a aprovação desses alimentos, mas também a CONAB, entre outros órgãos do Governo, para que houvesse um debate e se colocassem as posições de cada órgão e da sociedade civil no sentido de se tentar chegar a um acordo. Foram apresentadas recomendações ao Ministério sobre como proceder.
Além disso, é importante dizer, representando aqui também o Ministério da Ciência e Tecnologia e a rede de pesquisadores, que atualmente vemos que se está colocando o descrédito das pesquisas e a deslegitimação de institutos de pesquisa como o IBGE. Então, temos que tomar cuidado quando começamos a questionar esses institutos, que há muitos anos vêm apresentando a situação do País, com dados e informações, porque isso é um risco, inclusive para nós. Baseados em que nós vamos construir as políticas públicas e as ações dos órgãos e dos Ministérios?
Então, destacamos a importância de não desvalorizar, e, sim, na verdade, enriquecer e valorizar esses institutos de pesquisa.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Elaine.
Passo a palavra para a Profa. Ana Carolina.
A SRA. ANA CAROLINA FELDENHEIMER DA SILVA - Com relação à pauta de agrotóxicos e também outras pautas que o CONSEA discutia, acho importante não só se manifestar contrário a uma agenda ou colocar uma opinião sobre, por exemplo, o princípio da precaução — eu trabalho com saúde e temos esse princípio como importante condutor —, mas também ressaltar como conseguiremos articular as questões, não tratá-las pontualmente como uma questão específica, o agrotóxico e o alimento que é plantado.
O que isso impacta? Impacta, sim, a água das cidades. Há vários estudos, hoje, que apontam que em São Paulo a água dos Jardins, um dos bairros mais ricos do País, está contaminada com agrotóxicos, e talvez não haja volta, não haja maneiras de revertermos esse quadro.
Sobre a questão da saúde do trabalhador, sobre como isso afeta o leite materno, acho importante o CONSEA ver uma maneira de articular todos os pontos da agenda, e não só ser contrário ou a favor de uma questão ou gerar evidências. Deve, sim, articular e mostrar essas questões.
Por outro lado, acho que o CONSEA traz uma questão importante: como ter alternativas? Ele não é um conselho só de reclamação ou de questionamento das questões, mas também de construção de alternativas possíveis, tanto para o Brasil quanto para outros países. Acho que isso é superimportante.
Quando pensamos em agrotóxico, vem uma questão, por exemplo: "Está no leito materno, então as mães não deveriam amamentar". Mas ele está no leite da vaca, está na comida que como, está na banana que eu compro na feira, está no alimento ultraprocessado, no salgadinho de pacote que vem do milho ou de algum outro produto. Então, não há como fugir disso hoje. Não há comida que comamos hoje no nosso planeta que não traga contaminação no seu produto inicial ou que não vai ser contaminada até o fim da cadeia. Aliás, há, sim, alternativas de alimentos saudáveis, sem essa contaminação.
Então, é falácia achar que só o produtor agrícola vai ser penalizado. Qualquer um de nós vai acabar sendo contaminado de alguma maneira.
Outra questão importante é o fato de existir uma articulação do CONSEA, mas não só do conselho. O Banquetaço foi resultado de uma articulação importante. O debate vai continuar existindo no nosso País. Ele não vai ser abafado. Mas o que nós pedimos é o Estado como formulador de políticas públicas e, sim, que possa questionar.
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O último ponto, que eu acho importante ser pensado, é que a soberania alimentar está muito ligada à soberania nacional. Nós, como país, temos que produzir os alimentos em quantidade adequada para a nossa população. Quando isso vira uma questão secundária ou terciária, temos questões como as de outros países da nossa região que hoje passam fome. Não queremos voltar a ter fome no nosso País. Então, é importante, para manter o País crescendo e melhorando, discutir, sim, a nossa alimentação como um todo.
Era isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Ana Carolina.
Passo a palavra agora para a Nayara Côrtes, para as considerações finais.
A SRA. NAYARA CÔRTES ROCHA - Eu queria aproveitar que o Deputado Jorge Solla voltou para agradecer pela iniciativa — ele não estava aqui quando falei. Queria agradecer a todo mundo que está aqui.
Eu pontuei algumas coisas e vou falar sobre elas antes de responder à pergunta.
A Deputada que estava aqui falou sobre gastos. Eu acho que esse perrengue que estamos passando, de retirada de direitos, vem de antes. Eu queria trazer um pouco essa questão para pensarmos no que estamos chamando de gasto e no que estamos chamando de investimento. Só nesse tempinho que estamos aqui, nós chamamos de gasto um conselho que discute segurança alimentar nacional, que discute o direito das pessoas de se alimentarem direito e chamamos de investimento a liberação de agrotóxico que é proibido no mundo inteiro. É com esse tipo de contradição que estamos tendo que viver. Quer dizer, não há contradição aí, mas é com esse tipo de coisa que estamos vivendo neste momento.
Eu queria também falar sobre o que foi dito sobre a luta contra a fome ter essa marca e dizer que a luta contra a fome não tem partido. É tão básico o direito humano à alimentação, é uma coisa tão básica, que não dá para ficarmos nessa picuinha sobre quem é o dono da pauta, e acabar com um conselho do tamanho do CONSEA, e acabar com as políticas de segurança alimentar aos poucos, como vem acontecendo. É tão maior do que isso.
A Patrícia falou aqui: "Não vai ter plano de segurança alimentar nacional. E aí? Nós vamos fazer o quê, neste momento, com esta conjuntura e com tudo isso que está acontecendo?". É muito grave mesmo.
Respondendo à questão do Deputado Padilha, quero dizer que o CONSEA não tinha exatamente esse poder de barrar as coisas, mas tinha o poder de trazer o diálogo. Era isso o que ele fazia. Todo mundo aqui já falou um pouco sobre a Mesa de Controvérsias, que foi um momento muito importante do CONSEA. O CONSEA trouxe gente de todos os lados para falar sobre isso. Há um material muito rico, que está disponível. O relatório dessa Mesa traz argumentos técnicos, tanto a respeito da composição dos agrotóxicos quanto a respeito de mercado — para que serve, quem ganha com isso e quais são as alternativas.
O CONSEA também tinha uma inserção importante na sociedade civil, trazia essa discussão para a sociedade, o que também não é pouco, além de a consulta na ANVISA trazer essa discussão para as pessoas, falar com as pessoas sobre isso. Eu acho que isso poderia barrar um pouco, constranger esse avanço de retrocesso, como a Carol disse, esse tanto de retrocesso que temos vivido.
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Após essa Mesa de Controvérsias, nós tivemos uma conclusão, que foi a de implantar um plano de redução do uso de agrotóxicos. Quer dizer, essa proposta já existia, continua existindo e podemos retomá-la. Havia um plano de redução gradual de agrotóxico, que era o PNARA.
Temos outra estratégia, que é a afirmação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a alternativa para os agrotóxicos, uma alternativa possível, viável, que já estamos construindo. Mas precisamos de investimento — isso que eles estão chamando de gasto — para fazê-la funcionar. Nós temos possibilidades de fazer. A questão é com quem estamos comprometidos: se é com a indústria de alimentos ou se é com a alimentação saudável e com a agricultura familiar.
Outra coisa que temos dentro da sociedade civil é a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que reúne 50 organizações e está em 22 Estados. Neste momento, acho que é importante dizer que a sociedade civil precisa se levantar e fortalecer...
Ah! Última coisa, desculpe-me: outra coisa também importante com relação aos agrotóxicos é que, neste momento, se não fortalecermos as agências reguladoras, não adianta haver pesquisa. Se a agência reguladora não puder... Se não for ouvido o que o Ministério da Saúde está dizendo, então, não há o que fazer mesmo. Precisamos fortalecer as agências reguladoras, fortalecer a ação da sociedade civil e, é claro, de quem está do nosso lado nesta Casa e nos outros lugares de decisão do País.
Era isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado.
Quero agradecer muito às convidadas por seus posicionamentos. Acho que esclarecem bastante o tema.
Esta audiência pública foi requerida pelo Deputado Jorge Solla. Quero saudar e parabenizar o Deputado Jorge Solla pela iniciativa. Foi transmitida, o debate está aqui presente, e acho que pode municiar muito a Comissão Especial da medida provisória para a decisão que vai tomar nos próximos meses.
Nada mais havendo a tratar, encerro...
Opa, Sr. Deputado. Sr. Presidente! Venha para cá.
O SR. JORGE SOLLA (PT - BA) - Pode encerrar.
Mas, antes de V.Exa. encerrar, queria fazer só dois registros, muito rapidamente.
A ABRASCO — Associação Brasileira de Saúde Coletiva foi convidada e, por uma intercorrência de última hora, não pôde participar. Queria fazer este registro, infelizmente, da sua ausência.
Eu quero chamar a atenção para o fato de que nós apresentamos duas emendas a essa MP que V.Exa. vai poder ajudar a aprovar lá na Comissão Mista. Essas duas emendas visam a recolocar o CONSEA, a reestruturar sua presença, na estrutura do Governo. Temos a expectativa, a esperança de que teremos sucesso na Comissão, mas também esperamos ter a capacidade de aprovar essa alteração da MP aqui na Câmara e no Senado.
Afinal, a questão do combate à fome, apesar de a Ministra da Agricultura dizer que o povo brasileiro não passa fome porque há manga nas cidades... Eu estive em São Paulo recentemente, passei numa rua central e vi um pé de carambola. Tirei uma foto e disse: "Vou mandar para a Ministra, para dizer que a população pode alternar o cardápio inclusive: num dia come manga, no outro dia come carambola". Então, não está voltando a fome, na concepção dela. Mas não é a realidade, especialmente pelo que os profissionais de saúde estão vendo Brasil afora. A fome voltou, a mortalidade infantil cresceu, e nós precisamos reverter esse processo com políticas públicas tão importantes como a questão da segurança alimentar.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Até porque, Deputado Jorge Solla, um levantamento feito por nutricionistas mostrou que, para consumir o mínimo de calorias, é preciso comer 47 mangas por dia. Não é fácil. (Risos.)
Imagine quantas carambolas! Ainda mais uma carambola ali no centro da cidade, na Praça da República.
Quero saber onde fica essa árvore, Deputado Solla, porque eu moro ao lado da Praça da República.
Agradeço muito.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando reunião ordinária desta Comissão para a próxima quarta-feira, dia 24 de abril de 2019, às 9h30min, neste Plenário 7, para discussão dos itens da pauta.
Muito obrigado.
Declaro encerrada a reunião. (Palmas.)
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