1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Audiência Pública Ordinária)
Em 23 de Abril de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Boa tarde a todos e todas.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados destinada a debater a questão da mineração da região do Rio Tapajós, no Estado do Pará.
O requerimento desta audiência é de autoria do Deputado Nilto Tatto. O proponente está ao meu lado.
Comunico a todos que o evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet e poderá ser gravado pela TV Câmara para ser exibido posteriormente na grade da programação.
Solicito a todos que forem fazer uso da palavra que sempre utilizem o microfone, porque a reunião está sendo gravada.
Convido a ocupar a mesa os nossos debatedores: o Dr. Erik Leonardo Jennings Simões, médico neurocirurgião da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde; a Dra. Heloísa do Nascimento de Moura Meneses, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará; o Dr. Gecivaldo Vasconcelos Ferreira, Delegado da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, da Polícia Federal; e a ativista indígena Alessandra Korap Silva.
Registro ainda que nós tivemos duas justificativas de ausência. O Presidente da FUNAI, por motivo inadiável de compromisso público relacionado ao Abril Indígena, informa a impossibilidade de participar da referida audiência, datado de 4 de abril, e o Diretor de Proteção Ambiental e Coordenador-Geral de Fiscalização Ambiental do IBAMA, Sr. Renê de Oliveira, comunica a impossibilidade de comparecimento também por compromissos já agendados. Essas são as justificativas da FUNAI e do IBAMA para ausência nesta audiência pública.
Nós da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável estamos muito preocupados com toda a questão relacionada à mineração na bacia do Rio Tapajós, uma das mais importantes e maiores de toda a Bacia Amazônica. Ali existe um interesse muito grande de exploração de hidrelétricas. Acredito que o principal motivo está relacionado à questão do garimpo em toda a região.
Passo a palavra ao proponente do evento, Deputado Nilto Tatto, e depois aos expositores.
Agradeço a todos os senhores a presença. Sintam-se em casa. Todos foram convidados para que possamos debater e, ao final, chegar a conclusões que levem a soluções para os desafios aqui impostos.
Quero agradecer ao Deputado Camilo Capiberibe, Vice-Presidente da Comissão, a presença. Convido S.Exa. para ficar no meu lugar e assumir a Presidência dos trabalhos.
Muito obrigado a todos.
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O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Bom dia a todas e todos.
Eu também quero agradecer ao Presidente da Comissão, Deputado Rodrigo Agostinho, que precisa participar de outra audiência pública, sobre a Medida Provisória nº 870, que trata da reestruturação de toda a organização do Estado.
Agradeço aos indígenas presentes especificamente para esta audiência. Na outra audiência, para onde o Presidente da Comissão se dirige, também há muito interesse dos povos indígenas, porque se trata da medida provisória que está discutindo o destino da FUNAI. Justifico, portanto, a ida do Presidente para essa Comissão.
Cumprimento o Vice-Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Deputado Camilo Capiberibe, e agradeço a cada convidado a presença.
Quando apresentei o requerimento para a realização desta audiência pública na Comissão de Meio Ambiente, isso é algo natural, porque nesta Comissão temos a missão e a responsabilidade de cuidar do patrimônio ambiental brasileiro. Matérias que saíram nos jornais dão conta de pesquisas e levantamentos feitos, por exemplo, sobre a contaminação da água por mercúrio e metais pesados advindos da atividade de mineração. Também é citado o impacto que pode haver sobre os povos indígenas que habitam aquelas terras.
A intenção de trazermos este debate hoje está dentro da nossa missão como Deputados e membros da Comissão de Meio Ambiente, para podermos acompanhar e entender melhor o que está acontecendo, porque envolve tanto a questão ambiental quanto o impacto sobre as populações. A partir deste debate, haverá um pouco mais de clareza na atuação da nossa Comissão no Parlamento, que tem a sua responsabilidade.
Devolvo a palavra ao Presidente.
Vamos ouvir os convidados e, ao final, ver como será o encaminhamento.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Gostaria de cumprimentar o Deputado Nilto Tatto, proponente desta audiência pública, e todos os que estão na mesa. Lamento mais uma vez a ausência de representantes do Governo Federal, que teriam uma participação fundamental neste debate. Infelizmente, eles não puderam — ou não quiseram — estar presentes nesta oportunidade.
Vamos passar a palavra aos expositores.
Com a palavra o Dr. Erik Leonardo Jennings Simões, médico neurocirurgião da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, pelo tempo de 15 minutos.
14:25
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O SR. ERIK LEONARDO JENNINGS SIMÕES - Muito boa tarde a todos.
Gostaria de agradecer ao Deputado Nilto Tatto e a toda a Comissão pelo convite para estar aqui, numa Casa que é superimportante para discutir não só os problemas ambientais, mas também a condição humana de toda a população, principalmente da população amazônica. Meu muito obrigado.
Começo falando que os impactos da mineração no Tapajós sobre a saúde humana é uma problemática que já vem de muito tempo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu sou médico neurocirurgião. De longa data é sabido que a atividade de mineração na Bacia do Tapajós causa vários problemas de saúde, entre eles malária, leishmaniose, doenças sexualmente transmissíveis, violência, desnutrição, porque existe uma quebra principalmente da autonomia socioeconômica das populações indígenas que estão nesses territórios. Mas o que nos tem preocupado muito é a intoxicação mercurial.
Como acontece isso? Basicamente, temos que lembrar que, como existe muito ouro na Amazônia — e esse é o grande problema —, também há muito mercúrio no solo, que é rico nesses metais. Outra fonte, além do solo, é o sequestro de mercúrio da atmosfera. Acontece ainda fenômeno muito importante: o encontro dos pequenos rios com os grandes rios na Amazônia facilita, por causa das diferenças de temperatura, a metilação do mercúrio. E isso já ocorre há três décadas.
Estes trabalhos científicos mostram toda a problemática da atividade garimpeira e do manejo do solo amazônico, o que já está muito bem documentado. Quer dizer, não só a atividade garimpeira joga no rio o mercúrio, o azougue — usado para formar a amálgama —, elevando o nível desse metal nos rios, mas também o próprio trabalho no solo disponibiliza mais mercúrio para ser metilado nesses rios. Para completar a situação, as queimadas no entorno também são fontes de mercúrio.
Os estudos vêm desde a década de 90, com o Dr. Fernando Branches, cardiologista de Santarém que começou a relatar os primeiros casos, junto com os Profs. Malm e Harada. Em 1994, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Pará encontrou elevados índices de metilmercúrio no cabelo das pessoas em torno do Tapajós, principalmente em Barreiras e em São Luís do Tapajós. E já em 1994 existia uma recomendação da universidade e de outros grupos de pesquisa para haver um monitoramento muito estreito dos níveis mercuriais nessa população.
Estas são algumas fotos de minha autoria tiradas em sobrevoo nessa região.
Nesta foto aparecem balsas.
Este aqui é o Jamanxim, rio de água mais clara.
Este é o Rio Cururu, no qual não há atividade garimpeira. Então, a água é mais clara.
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Aqui aparecem as queimadas do entorno, colaborando para que os níveis de mercúrio sejam muito elevados.
Aqui é a atividade de uma PC — é um filme recente, desta semana — no Rio das Tropas, dentro do território Mundurucu. Há toda essa destruição do leito do rio, e essa lama vai para o rio maior. Esse sedimento é rico em mercúrio, que, posteriormente, vai ser metilado. Basicamente, é isso o que acontece.
O mercúrio que está ali, no canto direito da imagem, no solo, inativo, não venenoso, é jogado no rio. E, nesse ambiente de pouco oxigênio, ele é metilado e entra na cadeia alimentar dos pequenos peixes. Obviamente, o final da cadeia será o homem, que vai sofrer as consequências.
O mercúrio é o metal não radioativo mais tóxico para o ser humano. Ele consegue atravessar facilmente a barreira hematoencefálica, estrutura que protege nosso cérebro dos metais e de várias outras substâncias. Ele também atravessa a placenta. E aí ocorre uma lesão irreversível do sistema nervoso, muitas vezes do coração, tireoide e sistema imunológico. E isso acontece basicamente por ingesta de peixes, em especial peixes carnívoros.
Os sintomas são estes: deficiência de inteligência, atraso no desenvolvimento motor, transtorno de linguagem, etc. Muitos deles são difíceis de reconhecer em um primeiro momento. Em Minamata, demorou 24 anos para se reconhecer que aqueles sintomas eram de intoxicação mercurial. Na Amazônia, há hoje uma falsa sensação de não intoxicação. Mas, na verdade, as coisas já estão acontecendo, e vou mostrar alguns dados.
Estes sintomas foram verificados em um paciente de 32 anos, que trabalhou por 2 anos na região do Tapajós, quando começou a se alimentar apenas de peixes. Depois, ele começou a perder os movimentos, a coordenação motora, estando hoje quase restrito ao leito.
Este outro paciente está indicado com a marcação em vermelho. O índice de mercúrio encontrado nele é 14 vezes maior do que deveria. Ele basicamente não apresenta sintomas, mas está sendo acompanhado.
No DSEI Tapajós atendemos 232 indivíduos, sendo 90% crianças cujo diagnóstico não está claro para nós. Muitas delas vêm do Tapajós. Pode ser uma lesão hipóxico-isquêmica? Pode. Mas também pode ser intoxicação mercurial, porque a espasticidade, as lesões clínicas são muito semelhantes ao mal de Minamata. Elas, no mínimo, precisam ser estudadas — no mínimo! E essas crianças estão vindo principalmente de áreas que já têm um longo histórico de mineração. Por exemplo, são crianças do Tapajós que adotam posturas muito semelhantes ao mal de Minamata, embora ainda não apresentem a dosagem do mercúrio. A incidência dessa patologia em crianças, no Tapajós, está duas vezes superior ao esperado.
Os senhores podem ver neste gráfico que essas crianças estão vindo, principalmente, da região de Teles Pires, onde o histórico de garimpo é de mais de 30 anos. Isso gera um custo social e de pagamento de benefícios sociais muito grande, principalmente para as famílias que têm que cuidar dessas crianças, as quais são totalmente dependentes de cuidados familiares.
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Neste mapa, vemos outro dado. São locais onde foram estudadas as concentrações de mercúrio no cabelo das pessoas. O que chama a atenção é isto: não só no Alto Tapajós encontramos no cabelo das pessoas altas concentrações de metilmercúrio; encontramos na foz também. Então, em todo o rio encontra-se alto nível de metilmercúrio no cabelo das pessoas. Ou seja, esse não é um problema só do Alto Tapajós ou do território Mundurucu, mas de todo o Rio Tapajós. O que se está fazendo lá em cima afeta quem mora, por exemplo, em Santarém.
Neste outro mapa, tudo o que está em vermelho são pontos em que já detectamos alterações cardiológicas e neurológicas em pessoas que têm algo nível de metilmercúrio. Se forem ver, em toda a Bacia do Tapajós, inclusive na foz, encontra-se essa correlação.
A Profa. Heloísa Meneses vai mostrar a tese dela, que corrobora os dados desses trabalhos que estou mostrando aos senhores.
O diagnóstico é basicamente clínico, com a dosagem no sangue e no cabelo. Infelizmente, não existe um tratamento de cura, mas só de reabilitação, terapia ocupacional, além de se tentar eliminar a exposição dessas pessoas ao mercúrio.
Para concluir, a população da Bacia do Tapajós tem uma exposição muito acima da média mundial ao metilmercúrio, ao mercúrio total, devido a fatores geológicos, hidrológicos e culturais, assim como pela degradação ambiental.
Há o risco de grande injustiça social quando se priva o cérebro de suas reais potencialidades. E as crianças são as mais afetadas.
O monitoramento clínico e laboratorial dessas populações é uma urgência sanitária. E aí é muito importante esta reunião proposta pelo Deputado Nilto Tatto, porque essa é uma urgência sanitária. Isso está sendo solicitado pelos cientistas há mais de 30 anos.
Participamos da Convenção de Minamata, em que os países signatários — e o Brasil é um deles — comprometeram-se a monitorar os níveis de metilmercúrio nas populações vulneráveis, o que não estamos fazendo há 30 anos. Gestantes e crianças são as mais afetadas. Isso é uma injustiça.
Precisamos de treinamento das equipes. Então, o DSEI Tapajós, por exemplo, deve ser visto com carinho, a ponto de ter mais médicos, mais enfermeiros e mais treinamento das equipes para reconhecerem essas alterações em campo.
É fundamental, obviamente, que o Estado brasileiro tenha políticas de incentivo, de mais estudos científicos, com maior qualidade e amplitude, para que consigamos proteger a saúde de milhares de pessoas.
Era isso o que eu tinha para falar.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Presidente, pelo tempo que resta, como a reunião é gravada e depois transmitida, inclusive para nós, talvez o Dr. Erik pudesse repetir com mais detalhe como o mercúrio entra na cadeia. É o início. Estão muito claras as consequências, mas, talvez, não seja de fácil entendimento como o mercúrio entra na cadeia.
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O SR. ERIK LEONARDO JENNINGS SIMÕES - Aquele mercúrio que se usa, muitas vezes, na restauração de dentes é difícil entrar no corpo humano. Para tanto, é preciso que ele sofra metilação. Mas o mercúrio não orgânico que está no solo é levado para o fundo dos rios e para o leito deles através de desflorestamento, de dragas, do garimpo etc.
Quando ele começa a ser muito oferecido no fundo do rio, as bactérias anaeróbias, principalmente, pegam esse mercúrio inorgânico, não venenoso, digamos assim, e acrescentam o radical metil. Esse mercúrio, então, é assimilado pelas pequenas algas do fundo do rio. Os pequenos peixes alimentam-se dessas pequenas algas e já começam a se contaminar com o mercúrio. O peixe menor é comido pelo peixe maior, e, no final da cadeia, encontra-se o homem.
É importante esclarecer que não é só o mercúrio usado hoje em toneladas pela garimpagem, na Bacia do Tapajós, que é jogado no rio. Ele é queimado, muitas vezes, ou reaproveitado, mas parte dele vai para o rio. Existe essa disponibilidade, mas, principalmente, o solo amazônico é rico em mercúrio, diferentemente de outros solos do resto do planeta.
Então, qualquer atividade de desflorestamento e, principalmente, a remoção do fundo do rio, vai aumentar a quantidade total de mercúrio ali, e ele vai ser disponibilizado para essa cadeia de bactérias. É isso o que acontece. E mais: alguns estudos nos Estados Unidos e no Canadá, onde houve esse tipo de agressão, provam que o mercúrio está presente no local há mais de 100 anos.
O que nós já causamos na Bacia do Tapajós, segundo a ciência, vai demorar, no mínimo, uns 50 anos para ser revertido. Mas o principal é que os mais acometidos e prejudicados não são as florestas, não são os peixes, mas os seres humanos.
Eu trabalho com uma tese junto às populações indígenas e na minha cidade de que hoje o homem amazônico está mais doente e ameaçado do que a própria floresta. Essa é a tese que a problemática do mercúrio nos fala também.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Eu quero agradecer ao Dr. Erik Leonardo Jennings Simões, médico neurocirurgião da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, a exposição, que foi muito didática.
Quero registrar ainda a presença do Deputado Federal Airton Faleiro, do PT do Pará, que participa desta audiência pública.
Eu passo a palavra à Dra. Heloísa do Nascimento de Moura Meneses, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará, por 15 minutos.
A SRA. HELOÍSA DO NASCIMENTO DE MOURA MENESES - Boa tarde a todos.
Eu sou Heloísa, bióloga, Bacharel em Genética pela UFRJ, Mestre em Genética pela UFRJ, Doutora em Ciências pela Universidade Federal do Oeste do Pará, professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFOPA e Coordenadora da Residência Multiprofissional em Estratégia Saúde da Família.
Eu vou falar para os senhores sobre os resultados da pesquisa que desenvolvemos na universidade desde 2013. Eu comecei com essa pesquisa na época da minha tese de doutorado, e, desde então, continuo com esses estudos. É um estudo que ainda está em andamento, nem de perto está concluído. Eu vou mostrar alguns resultados, mas é importante frisar que o estudo está em continuidade, mais devagar do que nós queríamos, infelizmente, por conta até da problemática dos recursos financeiros para pesquisa mesmo.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Vou passar mais rapidamente os eslaides, porque o Dr. Erik já tratou de alguns assuntos que eu ia falar também. Por isso, vou focar mais nos nossos resultados.
O mercúrio, como já foi dito, é um dos metais mais tóxicos para a saúde humana, porque ele circula em todos os tipos de ambientes — terrestre, aquático, atmosfera. As três principais formas químicas são mercúrio metálico, mercúrio inorgânico e mercúrio orgânico, que está ligado aos átomos de carbono. Cada um tem solubilidade e toxicidade diferente, mas o metilmercúrio, tanto falado aqui, é o mais tóxico para a saúde humana devido justamente a essa capacidade de bioacumulação e biomagnificação que o Dr. Erik estava explicando sobre os peixes nos rios.
No ambiente amazônico, a fonte de mercúrio é natural, os solos são naturalmente ricos em mercúrio, mas ele também é transportado pelo ar, ou seja, transporte atmosférico. Isso é importante destacar, porque, por muito tempo, imaginava-se que apenas as áreas próximas ao garimpo eram expostas ao mercúrio. No entanto, isso não é verdade, porque o mercúrio metálico também pode ser transportado pelo vento. A outra fonte de origem de mercúrio, nesses ambientes, é a antrópica. Há o garimpo, o desmatamento, os incêndios florestais, mudança no uso da terra, hidrelétricas. Tudo isso vem contribuindo para o que chamamos de remobilização do mercúrio. Ou seja, aquele mercúrio que estava ali, depositado no solo devido a fatores naturais ou mesmo antrópicos, com o processo de desmatamento, os incêndios florestas e a erosão do solo, ele está se tornando novamente disponível para o ambiente, podendo, então, ser metilado, no processo que o Dr. Erik explicou. Então ele se torna biodisponível para os peixes e, consequentemente, para os seres humanos.
Aqui temos uma imagem de como seria esse ciclo do mercúrio. Ele é lançado no ambiente por atividades antrópicas ou naturais na forma de mercúrio elementar, metálico; depois, no ambiente, ele se transforma em metil inorgânico e, pela ação da chuva, é carreado para um ambiente aquático, onde pode ficar depositado ou se transformar em metilmercúrio. Esse metilmercúrio tem a capacidade de bioacumulação e biomagnificação, podendo chegar até o homem.
Falamos, atualmente, em dois tipos de exposição na Amazônia: a ocupacional, relacionada com esse ambiente de trabalho, com o garimpo, devido à inalação por vapor de mercúrio; e a ambiental, através da ingestão de peixe contaminado com metilmercúrio, que é a principal forma de exposição atualmente.
Na literatura há vários autores que descrevem que os peixes do Rio Tapajós estão contaminados com nível de mercúrio acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde. E, considerando que o peixe é a base alimentar, a fonte proteica dessas populações ribeirinhas, é possível concluir que a população está sob risco de efeitos tóxicos dessa exposição mercurial. A Organização Mundial da Saúde preconiza um nível de mercúrio no sangue de até 10 microgramas por litro, ou seja, indivíduos com níveis acima de 10 microgramas por litro de mercúrio no sangue já estão sob risco de apresentar sintomas relacionados à exposição mercurial.
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Não se tem muito claro qual é o nível necessário para o aparecimento desses sintomas, porque há vários fatores que podem estar relacionados com a suscetibilidade desses níveis de mercúrio. Então, avaliamos diferentes fatores, como, por exemplo, genéticos, nutricionais, epidemiológicos, pois todos eles, em conjunto, podem favorecer o aumento ou até mesmo a redução, porque tanto há fatores que oferecem risco como há os que oferecem proteção em relação aos níveis de mercúrio. Então, precisamos estudar um conjunto de fatores, não podemos olhar para um só. Todos esses fatores em conjunto, então, podem estar afetando a toxicocinética e a toxicodinâmica do mercúrio, que originam essa ampla variedade de sintomas. Isso faz com que pessoas que têm níveis altíssimos, às vezes, apresentem sintomas não muito detectáveis; outras vezes, a pessoa tem um nível bem mais baixo, mas um número muito maior de sintomas. Então, essa suscetibilidade depende muito desse conjunto de fatores.
A exposição ao metilmercúrio pode ser aguda, intermediária ou crônica. Na Amazônia, ocorre a exposição crônica, visto que há consumo frequente de peixe pela população. O mercúrio pode atingir diferentes órgãos, mas o principal alvo é o sistema nervoso central. O mercúrio também pode atingir o feto, porque tem a capacidade de atravessar a placenta, como foi dito. Isso faz com que gestantes expostas ao mercúrio possam transmitir o metilmercúrio para os fetos, fazendo com que eles nasçam com problemas neurológicos. Segundo a literatura, os níveis de mercúrio necessários para desencadear esses problemas neurológicos no feto são pequenos. Então, a gestante pode ter níveis altos e o feto pode tê-los bem menores, mas eles são suficientes para desencadear problemas nesse feto.
Aqui estão elencados alguns dos sintomas que o Dr. Erik já mencionou. Também temos relatos de autismo, más-formações congênitas e doenças cardiovasculares.
A mobilidade do mercúrio no sangue é favorecida pela capacidade que ele tem de se ligar com o grupamento tiol. Então, o principal carregador do metilmercúrio no sangue, que faz com que ele seja transportado para tantas células e tantos tecidos do nosso corpo, é a glutationa, um tripeptídeo abundante nas nossas células. Ele, então, se liga ao metilmercúrio e permite o transporte dele por diferentes tecidos e células do nosso corpo.
Como eu disse, desde 2013 vimos desenvolvendo este projeto: Perfil epidemiológico, clínico e molecular de populações ambientalmente expostas ao mercúrio na região do Baixo Amazonas. Inicialmente, a proposta era fazer um estudo de caso-controle, em que Santarém seria o controle, porque, pela literatura, havia indícios de que ali os níveis de mercúrio eram baixos e não haveria exposição. Porém, logo nas nossas primeiras análises, vimos que não era assim, quando passamos a focar também no próprio Município.
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O nosso objetivo geral é avaliar a exposição sob o ponto de vista da saúde, olhando todas as características que eu já mencionei: perfil epidemiológico, molecular, clínico, enfim, um conjunto de fatores que possa estar afetando a saúde das populações expostas.
Os objetivos específicos desse projeto são avaliar os níveis de sangue dos indivíduos residentes nas áreas urbana, de planalto e de várzea dos Municípios do Baixo Amazonas, fazer uma associação desses níveis com o estado de saúde dessas populações e verificar quais desses fatores podem estar promovendo o aumento ou a redução dos níveis de mercúrio nesses indivíduos.
Aqui apresento um mapa da mesorregião do Baixo Amazonas, que é formada por 15 Municípios. Temos a microrregião de Santarém, Município que estamos estudando no momento. Santarém está na confluência dos Rios Amazonas e Tapajós. Até o presente momento, nós já coletamos material de 402 residentes das áreas urbana, de planalto e de várzea de Santarém.
Aqui estão algumas das comunidades já estudadas, tanto das margens do Rio Amazonas quanto do Rio Tapajós. Basicamente, avaliamos os níveis de mercúrio e relacionamos esses níveis com o consumo de peixe, com o tipo de peixe consumido, com a frequência e a quantidade de peixe consumido. Também avaliamos os fatores genéticos, epidemiológicos e nutricionais. Depois fazemos atividades de extensão voltadas para educação e saúde dessas populações, visto que não tem como dizer para essas populações não comerem peixe. Então, precisamos ter práticas de educação ambiental e de educação em saúde para que eles saibam diversificar a alimentação, como consumir frutas, que, segundo a literatura, têm efeito protetor. Fazemos também essa parte.
Aqui estão alguns resultados iniciais. Como eu falei, é uma pesquisa que está em andamento. De 402 residentes, dos quais coletamos material, até o momento temos o resultado da quantificação de mercúrio para 374 indivíduos. Coletamos o sangue e medimos o mercúrio no sangue, porque também fazemos a parte genética. Então, precisamos do sangue para também fazer a extração de DNA. Desses 374 indivíduos, observamos que 77,5% deles estão como os níveis acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, chegando a um nível médio de 85,9 microgramas por litro. O recomendado são 10 microgramas por litro no sangue, e o nível médio encontrado é de 85,9 microgramas por litro. Se olharmos as comunidades estudadas, veremos que as do planalto, da várzea e dos Rios Amazonas e Tapajós também estão com níveis acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, chegando, nas comunidades do Tapajós, a uma média de 124,6 microgramas por litro, ou seja, valores bem altos.
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Numa conclusão inicial, verificamos que 77,5% dos indivíduos estudados estão com níveis acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, sendo que, desses, 95,2% consomem peixe frequentemente, o que seria a base da exposição ambiental, e o nível médio de mercúrio encontrado nesse grupo seria de 88,9 microgramas por litro — um nível altíssimo.
Como eu disse, nós também avaliamos outros fatores, porque o consumo de peixe não é o único fator responsável pelos níveis de mercúrio. Com esse estudo, nós já conseguimos demonstrar que homens apresentam níveis mais altos que as mulheres, que existe uma correlação positiva entre o nível de mercúrio no sangue e a idade devido ao processo de bioacumulação, e verificamos que indivíduos que têm uma deleção do gene GSTM1, que é um gene relacionado à detoxificação do mercúrio, também apresentam níveis de mercúrio mais altos. Então, um conjunto de fatores estão contribuindo para que esses indivíduos tenham níveis altos de mercúrio. Portanto, há uma exposição crônica e ainda esse conjunto de fatores.
Além desses genes, outros genes são estudados, porque também há aqueles que conferem proteção. Então, precisamos entender quais genes têm efeito no aumento do nível de mercúrio e quais têm efeito protetor. Temos as duas situações.
É importante frisar que os efeitos e os sintomas dessa exposição não ocorrem devido a um único fator e, sim, a um conjunto de fatores: sociais, ambientais, genéticos e epidemiológicos. Existem ainda diferentes suscetibilidades entre os indivíduos. Isso varia entre os indivíduos.
Portanto, são necessárias atividades de educação em saúde e de educação ambiental, para se ter o entendimento da redução das práticas de desmatamento, de mineração, garimpo, porque é tudo isso que leva o mercúrio até o ambiente.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Agradecemos à Dra. Heloísa do Nascimento de Moura Meneses, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará, a exposição.
Neste momento eu queria informar aos palestrantes, Parlamentares e demais presentes que esta Comissão está promovendo um debate interativo por meio do portal e-Democracia, ferramenta interativa da Câmara dos Deputados. Servidores desta Comissão estão encarregados de moderar as perguntas dos internautas que acompanham esta audiência pública, as quais serão respondidas pelos convidados ou pelos Parlamentares ao final do debate.
Convido neste momento para fazer uso da palavra o Delegado Gecivaldo Vasconcelos Ferreira, da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, da Polícia Federal, por 15 minutos. Informo-lhe que há um cronômetro à esquerda para controle do tempo.
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O SR. GECIVALDO VASCONCELOS FERREIRA - Boa tarde, senhoras e senhores. Vou falar deste lado, porque eu e o perito criminal Gustavo Caminoto, que aqui se encontra, vamos dividir o tempo da exposição. Eu falarei da parte investigativa e jurídica, e, como o assunto tem desdobramento ambiental, também trataremos do dano ambiental, no que diz respeito à esfera da garimpagem clandestina. O perito criminal Gustavo, que é um profissional da área de meio ambiente, irá fazer a abordagem referente à parte de dano ambiental, que considero bastante relevante para a discussão.
Primeiramente, quero esclarecer que fui designado pela Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico para representar a Polícia Federal nesta audiência. No entanto, tanto eu quanto o perito Gustavo trabalhamos na Delegacia de Santarém, inserida nesse contexto da problemática que está sendo discutida nesta audiência pública.
(Segue-se exibição de imagens.)
Santarém é o maior Município dessa região, com cerca de 300 mil habitantes, sede da Universidade Federal do Oeste do Pará, onde também o Dr. Erik exerce suas atividades. Então, em certa medida, com o Dr. Erik e outros profissionais da UFOPA — ainda não tivemos o prazer de ter contato com a Dra. Heloísa —, temos discutido bastante essa temática e nos ajudado no que é possível para tentar dar uma resposta em relação a ela.
A Delegacia de Santarém, em si, é muito sensível e tem como um dos assuntos prioritários a atuação na repressão à garimpagem clandestina. Eu e o perito Gustavo temos feito ene reuniões, para buscar alternativas, porque o problema, para quem o conhece ou pretende fazer um estudo dele, é realmente muito grave. Então, dentro desse aspecto da atuação da Polícia Federal, ela vai se voltar justamente para a vertente da clandestinidade, no sentido de reprimi-la, que é o que caracteriza o crime.
O que seria essa questão da extração mineral clandestina, sendo que, na região do Tapajós, o principal minério é, sem dúvida, o ouro, que as pessoas buscam extrair do meio ambiente? Basicamente, em um conceito formal, a extração clandestina é aquela que ocorre sem a autorização da Agência Nacional de Mineração, antigo DNPM, e também sem a autorização ambiental pertinente. Nessa esfera, no ano passado, 2018, a Delegacia de Santarém, com o apoio da Direção-Geral, levou a efeito três operações de maior porte: Pajé Brabo, Dilema de Midas e Levigação. Além disso, passamos a implementar diligências constantes no aeroporto de Itaituba para fiscalizar a circulação do minério proveniente de extração clandestina.
As vertentes de atuação — e aqui nós tentamos fazer uma demonstração sistemática — voltam-se para quê? Essa repressão volta-se para a extração, o transporte e a comercialização. Tradicionalmente, a repressão é feita na extração, que são justamente os pontos de garimpagem clandestina. A equipe vai lá — o órgão ambiental, a Polícia Federal — e tenta desmobilizar aquela extração clandestina. O problema é que, na região do Tapajós, e quem lá reside e já se deparou com essa problemática sabe disto, a grande maioria das áreas de garimpagem clandestina fica em áreas inóspitas, distantes, de dificílimo acesso. Para se fazer uma operação, quase sempre é preciso o apoio de aeronaves, sobretudo de helicópteros, já que, muitas vezes, aviões não conseguem pousar nessas áreas porque não há pista. Enfim, essas situações demandam planejamento e o engajamento de um contingente bem grande.
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Partindo disso, começamos a discutir soluções, a procurar alternativas a essa repressão. Passamos a atuar relativamente ao transporte e à comercialização. Isso rendeu operações. Ficamos satisfeitos com os resultados, conseguimos bloquear recursos em volumes consideráveis, na casa de milhões, de pessoas que estavam naquele processo de adquirir minério de origem clandestina. Passamos a atuar então de forma a subir naquela cadeia, a atuar em relação não só a quem está ali fazendo a extração mas também a quem está vendendo e a quem está comprando ouro de origem clandestina. Tudo isso que estamos ilustrando gera riqueza — pelo que vimos nas operações, muita riqueza. Fica até difícil mensurar que riqueza seria essa, mas, pelas cifras a que tivemos acesso, são cifras bem elevadas.
O que percebemos estudando a matéria? Conversando com o perito Gustavo e a equipe da delegacia de Santarém, eu indaguei a eles: "Como vou saber quem são os principais vendedores? Quais são as principais áreas de que está vindo o ouro?" Pensou-se o seguinte: "Vamos buscar essas informações em algum banco de dados". Para nossa surpresa, não existe banco de dados. "Beleza, não existe banco de dados, vamos então pedir as notas da Receita Federal, porque a Receita Federal tem essas notas, e vamos digitar uma a uma numa planilha de Excel que o perito Gustavo montou." Imaginem o que é digitar manualmente mais de 10 mil notas. Estou fazendo aqui uma estimativa, mas acho que foi bem mais do que isso. Fizemos isso para que houvesse dados consolidados que pudessem ensejar uma ação concentrada em relação àquelas pessoas que realmente estão tendo acesso à maior parte dos recursos de toda essa cadeia ilegal que estamos tentando mapear.
Quando obtivemos esses dados, depois de alimentarmos a planilha, nós verificamos que havia n inconsistências. A principal inconsistência qual era? Muitas empresas estavam comprando ouro de origem clandestina em massa e estavam emitindo notas fiscais dizendo que aquele ouro vinha de áreas legalizadas, estavam "esquentando" o ouro. Não vou citar nomes, mas uma das empresas que analisamos adquiriu praticamente 90%, 95% do ouro naquele determinado período por meio dessa sistemática. O ouro vinha de área clandestina e era "esquentado", como se viesse de área legalizada, e muitas vezes sem o conhecimento do titular da área legalizada. Em algumas situações, chamamos o titular, que disse: "Olhe, eu não sei desse ouro".
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Pedimos um relatório, o Relatório Anual de Lavra, que eles apresentam à Agência Nacional de Mineração. E, perante a Agência Nacional de Mineração, a situação de muitas dessas lavras que estavam alimentando essa empresa era esta, a de que a lavra simplesmente não tinha sido iniciada. Houve vários casos como esse. "Como não foi iniciada?" Então, nós percebemos que há uma distorção.
Não há como esmiuçarmos isso aqui, porque os detalhes técnicos são bem específicos, mas depois nos colocamos à disposição dos Deputados para formular sugestões para que seja aperfeiçoado esse controle. Não se trata de um controle que inviabilize a atividade, não é isso, e sim de um controle que funcione e garanta também o exercício legal dessa atividade por aqueles que estão tentando fazê-lo de forma correta. Percebe-se que há uma concorrência entre aquele que age de maneira ilegal e aquele que está tentando agir de forma correta. Acredito que, ao se melhorarem esses controles, vai-se conseguir dar uma contribuição bem significativa. Isso é normatização, basicamente.
Até comparamos essa questão com a da madeira, que, hoje em dia, já tem uma normatização bem firme. Nós, no Pará, estamos acostumados com isso. O ouro ainda está engatinhando nesse sentido. Já evoluiu, mas, por essas distorções que percebemos, ainda está engatinhando.
Estes são crimes inerentes à atividade da garimpagem clandestina. Vou dar oportunidade ao perito Gustavo de falar. Realmente, o tempo é bem restrito, mas depois podemos conversar mais sobre o assunto. (Pausa.)
O SR. GUSTAVO CAMINOTO GEISER - Boa tarde a todos.
Obrigado pelo convite, Deputado Tatto.
Vamos falar agora sobre a parte da questão ambiental relativa a esses garimpos ilegais. Trata-se de uma atividade majoritariamente artesanal. Então, não estamos falando de empresa de mineração, estamos falando de garimpo mesmo, onde a pessoa fica lá com o pé na lama, realiza um processo manual, por mais que use máquinas.
Os três principais tipos de garimpo lá são estes: o de aluvião, que é o que fica nas baixadas onde existe ouro; o garimpo de poço, em que se faz uma escavação em terra firme, até se chegar ao veio, e o trabalho é feito diretamente no veio; e o das dragas, realizado no leito dos grandes rios. As dragas têm uma importância bastante grande nessa questão de revolvimento do solo, de disponibilização de mercúrio, etc., mas não vou me aprofundar nisso agora. Vamos falar principalmente dos garimpos de aluvião, que são, conforme temos percebido, o principal problema ambiental, principalmente no caso dos garimpos ilegais. Toda atividade de mineração gera impacto ambiental, mas, quando a atividade é licenciada, ocorre antes um processo de avaliação do impacto ambiental e há um compromisso do detentor da área de recuperar a área degradada em decorrência da atividade. Quando o garimpeiro realiza a atividade de maneira ilegal, obviamente não vai arcar livremente com o custo de reparação ambiental, ele vai abandonar a área.
Problemas fundiários que existem lá contribuem para essa falta de responsabilização e para o abandono da área. Estamos falando a respeito de garimpagem em terras devolutas, em unidades de conservação e em terras indígenas. O garimpeiro, portanto, não é proprietário da área, não há um indivíduo que se diga reclamante daquela área destruída, e a área é simplesmente abandonada, e a recuperação ambiental não ocorre depois.
Outra coisa é a estrutura dos garimpos. Não há um proprietário único ou uma relação contratual única. Um monte de pessoas trabalha no garimpo, há diferentes contratos. Responsabilizar cada uma delas pelo dano é muito complicado.
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Por isso, eu e o Gecivaldo temos apostado muito nesse trabalho em cima da comercialização, porque, nesse caso sim, os grupos já são mais organizados.
O passivo ambiental é o grande problema de que estamos tratando. Realmente é grave, como vamos ver aqui.
Como funciona o garimpo de tipo baixão, garimpo artesanal? Vou dizer como funciona, até para que aqueles que nunca visitaram um garimpo tenham ideia do tipo de dano ambiental que causa. Primeiro, é retirada a camada superficial do solo, com escavadeira hidráulica PC. Antigamente, essa erosão era feita com jato d'água. Depois, faz-se o desmonte hidráulico daquela camada de solo que contém ouro e o bombeamento dessa polpa de solo com água para as caixas de concentração. Essa polpa de solo, após passar por caixas onde o ouro fica preso, é descartada. Em uma área licenciada, esse descarte ocorre com certo critério, para evitar a poluição do rio. Para diminuir os custos, isso é descartado no rio mesmo. Posteriormente, esse carpete é lavado, e o ouro, com outras substâncias que estão nesse carpete, é recolhido. De novo é mecanicamente lavado. É feito o amálgama com o mercúrio, para a separação do ouro. O mercúrio é indispensável no garimpo artesanal. Nós podemos melhorar o processo, mas o uso do mercúrio é indispensável em garimpo artesanal. O garimpo licenciado pode comprar mercúrio legalizado e tem métodos para evitar que esse mercúrio contamine o ambiente. Mas, em estruturas precárias e não preocupadas com o meio ambiente, reduz-se custo e infelizmente se contamina mais o meio ambiente.
Vamos exibir um vídeo, rapidamente, enquanto vou apresentando explicações.
(Exibição de vídeo.)
O SR. GUSTAVO CAMINOTO GEISER - Este vídeo foi postado no Youtube pelo próprio garimpeiro. Eu só o estou exibindo para que tenham uma ideia de como é essa estrutura.
Há esses buracos. A escavadeira hidráulica retira essa camada de solo que não lhes interessa. O próprio garimpeiro está falando aí. Há esse sistema de bombeamento na camada inferior do solo, que é a que contém ouro, e posteriormente é jogado nas caixas de concentração — daqui a pouco, ele vai mostrar o solo retirado.
Esses buracos que a máquina está cavando mostram a realidade da maioria dos tributários do Médio Tapajós. Há milhares dessas crateras. Pode-se imaginar que é impossível que a vegetação nativa se recomponha sozinha nessas áreas. Há essa erosão do solo, com consequente liberação de mercúrio, como disse o Dr. Erik. Essas são as caixas em que essa lama é jogada. Depois de descartada, o ouro fica nos carpetes.
Mostrei esse vídeo para que tivessem uma ideia do que é esse garimpo artesanal. Volto agora à apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Se olharmos essa região no Google Earth, vamos ver o Rio Crepori e o Rio Jamanxim bem tingidos já de argila. Todas essas manchinhas claras no mapa, que infelizmente está distorcido pelo problema de configuração, representam pequenos rios com as margens destruídas. Isso é solo exposto, e é solo exposto por causa dessas crateras abertas pelo garimpo.
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Temos mais algumas imagens aqui. Esse é um zoom em uma dessas áreas em que mal se vê o riozinho no meio, há essa sequência de crateras. Algumas áreas estão com crateras, mais claras, e piscinas de água, que são as áreas que estão ativas, e essas outras são áreas completamente abandonadas.
Nós estávamos discutindo ontem a respeito de uns dados do ISA sobre número de garimpos na Venezuela e no Brasil, etc. Nessas regiões, sequer é possível falar de unidade de garimpo. Há um continuum de garimpos em alguns igarapés mais auríferos, vamos dizer assim, mais promissores para garimpagem. Há um continuum, é o igarapé inteiro. Esse é outro exemplo de áreas que nunca vão ser recuperadas. O subsolo está exposto.
Estas são fotos aéreas que tiramos dessas regiões. Quando o garimpo não está regularizado e o proprietário não se compromete a reflorestar ou pelo menos não mais poluir a área, ficam essas crateras. Temos outros exemplos aqui. Quanto mais pás carregadeiras são disponibilizadas para o garimpo, mais fácil é cavar essas grandes crateras.
Esta é outra imagem que eu quero lhes mostrar. Essa é a região do oeste do Pará. Os quadrados verdes, azuis e roxos representam pedidos de lavra garimpeira. Os vermelhos representam lavras garimpeiras autorizadas. Como podem ver, praticamente não existem áreas autorizadas. A maioria dos garimpeiros iniciam o processo como uma tentativa de garantir que a área é dele. Então, o DNPM admite a prioridade dele para garimpar aquela área, mas ele não tem interesse em dar continuidade ao processo, até porque não tem interesse em se responsabilizar pelo passivo ambiental. Ele só garantiu uma espécie de propriedade em relação à área.
Esta imagem mostra um dos tributários do Rio Tapajós. Acho que é o Rio Rato. Vê-se, em lilás, que há um monte de pequenos polígonos de lavras garimpeiras que estão em processo de licenciamento. Alguns, em vermelho, estão licenciados. Vê-se também o curso dos rios, essas manchas claras. Sequer têm relação com a PLG. Então, o garimpo come solto, sem relação com essa área supostamente licenciada.
Isso é o que o Delegado Gecivaldo vinha investigando. O ouro, muitas vezes comercializado num ponto de compra autorizado, vem de qualquer lugar, menos daquela área licenciada, que existe e trabalha direitinho, até onde sabemos.
Então, com o que estamos mais preocupados aqui? Estamos falando sobre alteração da qualidade das águas. Podemos dizer que esses rios são destruídos. Inclusive, falando agora sobre as comunidades indígenas, em algumas regiões não há mais peixes. Comunidades que contavam com a pesca como fonte de alimentação passam a ficar, muitas vezes, dependentes do garimpo. Elas passam a precisar ter uma fonte de renda para comprar comida, para comprar frango congelado, via de regra, porque não pescam mais nada. Então, mesmo para aqueles que não participam do garimpo, passa a ser uma necessidade o garimpo, no momento em que se destrói a fonte de subsistência anterior.
Um dado bastante alarmante que conseguimos levantar no ano passado foi um laudo feito pela unidade de perícia de Santarém sobre a quantidade de lama que esses rios garimpados derramam no Tapajós. Chegamos a este número: 7 milhões de toneladas por ano. Mais para frente, para que tenham uma ideia disso, vou mostrar uma imagem da foz do Rio Crepori, que é a região mais intensamente garimpada.
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Só para efeito de comparação, cito o desastre da Samarco. Aquele desmonte das bacias de rejeito derramou mais ou menos 84 milhões de toneladas de lama no Rio Doce. Então, a cada 12 anos, uma quantidade de lama idêntica ou semelhante à que a Samarco jogou no Rio Doce é derrubada no Rio Tapajós. O volume é bastante expressivo. Isso não recebe até hoje, acho eu, a devida atenção.
Esta é uma imagem da foz do Rio Crepori. Se pesquisarem isso no Google, vão ver essa cena. Devem ter visto, na época do desastre da Samarco, as fotos aéreas da foz do Rio Doce. O Crepori é assim todo dia. Os outros rios com garimpo intenso também. O Tropas, por exemplo, da Terra Indígena Munduruku, ainda não tem um volume tão intenso, mas vem ficando mais barrento a cada dia.
A nossa preocupação vai além da questão do mercúrio, mas esse solo removido e derramado no Tapajós também significa biodisponibilização de mercúrio. Esse é o alerta do trabalho técnico que temos feito na Polícia Federal.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito bem, eu lhe agradeço.
Antes de passar a palavra à próxima expositora, eu queria apenas dizer a quem nos assiste pela Internet que, se quiser participar desta audiência — já recebemos perguntas que daqui a pouco serão feitas à Mesa —, basta entrar na página da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, clicar no ícone Participe e encaminhar suas perguntas. Nós já temos aqui várias perguntas que chegaram por meio dessa ferramenta. Quem está em casa nos assistindo pode participar assim desta reunião.
Passo a palavra a Alessandra Korap Silva, ativista indígena, que dispõe de 15 minutos.
A SRA. ALESSANDRA KORAP SILVA - (Ininteligível.) Boa tarde a todos.
A apresentação do Dr. Erik e a da professora foram bem interessantes. A gente não entende muito a questão de dados, mas vive o dia a dia, come peixe todo santo dia, sabe do risco. Nem todos sabem do risco que estão correndo dentro da comunidade.
Eu vou falar um pouquinho do território. Eu sou da Aldeia Praia do Índio, do Médio Tapajós. Trabalho com dez aldeias. Sempre estou no território Sawré Muybu.
Eu estava esperando o Presidente da FUNAI nesta Mesa, porque ela é muito importante. Falar do rio, falar da floresta, ele não está interessado nisso. Ele está interessado em explorar, em vender, em expulsar ao mesmo tempo. Isso é meio doído. Ao sair de casa para chegar até aqui, eu sabia que as barreiras não iam ser fáceis. Sempre vão existir.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Isto está dentro do território. Já faz 3 anos que ela parou. Esse território que a imagem está mostrando é o território sagrado Daje Kapap. Imaginem se fossem derrubar a casa de um presidente, e não é sagrada, o povo colocou ele ali. Nesse momento, não foi colocado, foi criado. Karosakaybu criou esse território, que, de repente, está sendo explorado, por garimpo clandestino, ilegal, como foi falado.
Olhem esta imagem! Isso está dentro do território Sawré Muybu. A gente já fez várias denúncias, mesmo para a FUNAI, para o ICMBIO, para o IBAMA. Há mais de 10 anos a gente vem denunciando, os caciques vêm denunciando, e não é feito nada. Isso já acontecia em outros Governos. E agora? Como será agora, em 2019, em 2020, daqui a 4 anos? Como será depois deste Governo? A gente teme, porque está tendo invasão mais. A invasão começou há muito tempo. Infelizmente, não era feito nada, e agora piorou mais.
Esse rio azul é o Rio Tapajós. Esse rio que está bem do lado, que está barrento, é o Rio Jamanxim. Ao lado está a aldeia Sawré Muybu. É o território Sawré Muybu que está desse lado, para cá. E para cá está outra aldeia, a Sawré (ininteligível), em que no ano passado, na seca, eles não estavam conseguindo achar água. Eles estavam cavando com as próprias mãos. Com o que eles tinham de material eles estavam cavando, procurando água, porque eles não têm assistência do Município. O Município não dá assistência, abastecimento de água. A SESAI tem uma demanda muito grande, não trabalha só no Médio Tapajós. Trabalha com os parentes caiapós, trabalha lá no alto com apiacás também. Então, fica difícil.
Nós indígenas não podemos beber água do rio. Infelizmente, a gente tem que beber essa água. A única água é barrenta, que a gente fica bebendo. Antigamente não tinha aborto espontâneo, e agora está tendo. Tem que estar direto no hospital, no pré-natal.
É difícil. Essa foto foi do Lalo. Como a gente não tem material para filmar de cima, a gente pediu para ele mandar umas fotos. Ele foi lá com drone e tirou essa foto. Isso aqui é quando está no verão. No verão! No inverno, ela é toda barrenta. Os igarapés onde os caciques, a comunidade bebe água, infelizmente, o rio toma conta, e eles têm que beber água do rio. É isso que acontece. Crianças têm dor de barriga. Não tem o que dizer do peixe porque todo dia nós comemos peixe. Não vamos deixar de comer peixe, senão vamos morrer de fome. A única fonte que nós temos é o peixe.
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Esta foto é de dentro também do território Sawré Muybu. A invasão é muito grande. É por isso que eu queria que o Presidente da FUNAI visse isso. Não é o índio que está explorando, é o branco. Que autorização ele está tendo para estar lá dentro? Aqui nós temos um representante de Itaituba, que é Diego Mota, que era para estar fiscalizando (falha na gravação). Está sendo explorado dentro. Não adianta a gente denunciar, porque isso está acontecendo ao vivo.
Essa draga está na frente do território Sawré Muybu. O barulho é enorme. É dia e noite aquele barulho incomodando. Não é só uma, são várias, no Rio Tapajós e no Rio Jamanxim. Estou falando a parte que eu vejo, que os caciques veem, que todo jovem vê. Eu não posso falar de uma coisa que não estou vendo. Estou falando o que eu estou vendo. Estou presenciando isso.
Quando foi tirada esta foto, eu não conseguia nem olhar para dentro. Cavando lá no fundo do rio, tirando aquela lama horrível. O meu avô ensinou para nós que o rio é sagrado, e hoje não está sendo mais sagrado. Não é sagrado para o homem branco.
Em 2016, a gente fez uma carta para a FIOCRUZ para fazer análise dos nossos cabelos, dos peixes também, mas, infelizmente, foi muito o corte de verbas. Esta semana eles estão lá para tentar nos ajudar, para ver de que forma podem ajudar os povos indígenas, os ribeirinhos.
No caso deste território, a gente estava brigando pela demarcação. A gente está lutando ainda. Mesmo não tendo parceria nem com o IBAMA nem com o ICMBIO nem com a FUNAI, a gente está na luta.
Esses são os caciques mostrando para fora do País que a gente depende sim da natureza, a gente depende sim da floresta, do rio.
Esta é a imagem da carta que nós fizemos, a Carta do povo Munduruku à Fiocruz, pedindo socorro. Essa carta é de 2017. Essa carta diz que a gente não pode ficar parado. O Governo está querendo vender a nossa terra, explorar mais a nossa terra, mas a gente tem que pensar no futuro. O Rio Jamanxim já está morrendo. O que será daqui a 20 anos, 30 anos? Será que vai viver essa água?
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Em 2018, no ano passado, em julho, a gente foi dar uma volta no território. Infelizmente, a gente passava o dia todo procurando água limpa, minadouro, e acabava não encontrando, porque a água estava barrenta. A gente não conseguia encontrar. No meio da Amazônia, a água está suja. Não é olhar para Amazônia só para dizer que a Amazônia é uma floresta linda de cima. Ela está pedindo socorro. O desmatamento está muito grande, mineração, soja, gado. Cada um que chega lá para explorar encontra tudo muito mais fácil, mas, para lutar por ela, está sendo difícil.
O nosso Rio Tapajós está pedindo socorro. Existem projetos muito grandes de soja. Na frente da minha aldeia, existem três. E eles querem expulsar os indígenas, querem expulsar os ribeirinhos, querem expulsar as pessoas que já moram lá há mais de 30 anos, querem expulsar eles de lá. É a base do agronegócio. Não é isso que nós queremos. Queremos viver em paz.
Eu saí da minha aldeia para fazer Direito. Eu quero me formar e voltar para lá não para vender a aldeia, não para explorar, mas para ajudar o povo, porque ele está pedindo socorro também. As nossas futuras gerações dependem de nós, depende dos jovens, depende dos caciques, depende do pajé.
A obrigação do Estado é demarcar o território, e não é isso que está acontecendo. O território está sendo invadido, vendido, junto com nós dentro, junto com indígenas. Sangue indígena está sendo derramado dentro da Amazônia. A gente grita, mas ninguém está ouvindo o nosso grito. A gente está pedindo socorro, mas ninguém está ouvindo.
Estamos aqui só para falar? Nós podemos apenas dizer que somos ameaçados em nosso território? A terra não é nossa? Ali tem terra preta, ali tem a história do povo arapium, do povo mundurucu, borari, cumaruara. Ali tem uma história. Não é só chegar, fazer turismo, achar bonito, ver umas árvores e sair. Não. Ali tem uma vida. Tem que mostrar a realidade que está acontecendo.
A FUNAI infelizmente acabou. Quanto mais a gente luta pelo fortalecimento da FUNAI, mais ela desmorona. Diz que gosta de índio. Como gosta de índio? Qual é o tipo de gosto? Será que o índio é objeto do homem branco? O índio tem que aparecer para tirarem uma foto dele e pronto? Não, nós somos seres humanos! Nós somos capazes de realizar nosso sonho e não ser explorados. Não podem apenas tirar uma foto e nos explorar, não. Têm que perguntar que tipo de luta o índio vive. Hoje o índio está em todo canto da cidade, está fora do País, pedindo socorro.
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Será que nossos governantes pensam apenas em acabar com isso? A Constituição serve para quê? Só para se ter? É como se dizer que se conhece a Bíblia e não se saber o que está escrito nela. Com a Constituição, está acontecendo a mesma coisa. Só têm a Constituição na mesa, mas não sabem o que está escrito nela. Dizem que estão respeitando, mas, na realidade, não estão respeitando a Constituição.
Quando o Brasil surgiu, a gente já existia, já existiam nossos antepassados. Querem arrancar nossas raízes, mas as nossas raízes são fortes, estão lá dentro, no fundo. Cada vez que tiram nossas raízes, a semente brota, ela cai e floresce e nascem mais povos indígenas para a luta. A gente não pode deixar só a gente gritar por socorro. Todos têm o direito de lutar. Eu estou lutando pelo meu território. Ele tem vida, tem os animais, tem os pássaros. Os pássaros também precisam viver, os animais precisam viver.
Tenham compaixão da natureza, tenham compaixão da vida. Água limpa também é vida. Água morta não é vida. Os animais mortos não são vida. Eles precisam produzir. As abelhas, por mais que sejam pequeninas, saem de um brotinho e vão para outro, vão fazendo eles florescerem. Os pássaros também. Pensem nisso, não deixem que acabe a natureza, não deixem que acabe a nossa Amazônia. Não entreguem nossa Amazônia para quem não entende o que é vida. Entreguem a Amazônia para nós, para cuidarmos dela. Demarquem! É dever do Estado demarcar o nosso território. Demarquem! É a única coisa que os povos indígenas pedem. Demarquem a terra, porque ela é o futuro, ela precisa viver.
Tenham compaixão! Como vocês dizem, Jesus Cristo morreu, mas ele ressuscitou. Se querem matar a Amazônia, ressuscitem, reflorestem, plantem, mas deixem ela viver, deixem ela criar, deixem ela crescer. Se ela for morrer, deixem que ela morra por ela mesma, mas não matem ela, não. Ela precisa viver. Vocês precisam deixar a Amazônia em paz!
Sawe! (Manifestação na plateia: Sawe!) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Agradeço a exposição da ativista indígena Alessandra Korap Silva, que mostra algo que vai além dos dados técnicos, mostra o impacto nas populações originais da região. Ela fez uma fala contundente, que mostra a urgência da ação do poder público, do Congresso e também do Governo Federal.
Vou explicar um pouco a sistemática. Foram feitas todas as exposições que estavam programadas para esta audiência pública, mas o tema é rico e estão aqui pessoas que podem contribuir.
Há três Parlamentares inscritos. Vamos dar prioridade aos Parlamentares, porque alguns deles participam, por exemplo, da Comissão de Constituição e Justiça, onde uma batalha está sendo travada. Vamos dar prioridade ao Deputado Airton Faleiro, à Deputada Joenia Wapichana e ao Deputado Nilto Tatto. Vamos ouvir os Parlamentares e, depois, abrir espaço para as pessoas que participam presencialmente desta audiência pública. Vou ler as perguntas endereçadas à Mesa ou aos Parlamentares, as quais serão posteriormente respondidas.
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Chamo para fazer uso da palavra o Deputado Airton Faleiro, do PT do Estado do Pará. Disporá de 3 minutos, com a tolerância desta Mesa.
O SR. AIRTON FALEIRO (PT - PA) - Espero que a Mesa seja bem tolerante. (Riso.)
Presidente, Deputado Camilo Capiberibe; nosso colega proponente da audiência, que é do meu partido, Deputado Nilto Tatto; Deputada Joenia, um abraço!
Para quem não sabe, estou me sentindo em casa, porque a maioria dos membros da Mesa é do meu Município de Santarém: o Dr. Erik, grande neurologista, respeitado nacional e internacionalmente, profundo estudioso das questões amazônicas; Heloísa, da nossa querida UFOPA (o Instituto de Saúde Coletiva tem dado orgulho à UFOPA, parabéns pelo trabalho!); o Delegado Gecivaldo; e o meu vizinho de sítio, o Gustavo.
Eu deixei para cumprimentar por último a Alessandra porque acho que ela deu uma aula de Direito Constitucional, de Direito Ambiental e de vida. Mostrou inclusive caminhos para fazermos com mais força o enfrentamento, nesse debate tão acirrado nesta conjuntura, do ataque aos povos indígenas, aos territórios dos povos da Amazônia e também ao meio ambiente.
Parabéns pela exposição, Alessandra!
É muito importante que saibam que hoje é um dia muito complicado para a realização desta audiência, porque ela acabou coincidindo com a reunião em que a Comissão de Constituição e Justiça debate exatamente se aprova hoje ou não a PEC sobre a reforma da Previdência, que, na nossa avaliação, é outro ataque.
Estranhamente o Governo decretou — é bom que saibam — que os estudos que embasaram a proposta da reforma da Previdência são sigilosos. Nem nós temos acesso a esses estudos. Ninguém tem acesso a eles. Eu já vi coisa parecida no tempo da ditadura militar. Nem o Congresso tem acesso aos estudos que embasaram a proposta de reforma da Previdência.
Há um comentário sobre um acordo com o Centrão. Na nossa avaliação, pelo que foi anunciado, é um acordo super-rebaixado, em que deixaram todos os problemas da reforma da Previdência. Mas eu não vou me deter neste assunto, porque também vou ter que sair daqui a pouco para falar nessas reuniões de Comissões, e ainda está rolando a sessão no plenário.
Eu estava dizendo aqui para o Deputado Nilto que ando nessa região por água, por terra e pelo ar. Nós conhecemos bem essa região. Tenho até várias fotos nos meus arquivos, fotos aéreas do local, da região, devido às nossas andanças.
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De forma resumida eu diria que existem lá, no caso, três tipos de atividade. Há as empresas estrangeiras que fazem exploração mineral, do ouro, há as empresas locais e há a mineração artesanal. Houve um tempo em que essa região tinha 52 mil garimpeiros, inclusive moradores do local, pessoas que moram nas vilas e fazem essa exploração.
Eu gostei muito da exposição. Mostrou como questão central a irregularidade da atividade. Há muitas empresas regulares, mas a grande maioria é irregular. Ela trouxe o problema do mercúrio — sou consumidor indireto de mercúrio, já que como peixes do Rio Tapajós —, mostrou o crime ambiental que atinge a água. A exposição da Alessandra foi muito forte quanto a esse ponto de vista. Isso tem implicação também na saúde.
Minhas perguntas vão para a Mesa. Gostaria de saber se esse é um problema de ausência de legislação — estamos no Poder Legislativo — ou se é de cumprimento da legislação. Poderia ser realizada alguma ação legislativa para avançarmos, para se evitar esse cenário drástico em que vivemos? Temos uma legislação sobre isso. Ela responde? Não corresponde? Ela é cumprida? Há alguma coisa que podemos fazer no campo da legislação, em favor dessa área?
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Quero agradecer a intervenção do Deputado Airton Faleiro, que é do Pará, é da região afetada, sobre os fatos debatidos nesta audiência pública.
Anuncio que o chefe da divisão de fiscalização da Agência Nacional de Mineração está presente. Poderá fazer uso da palavra na próxima rodada e, eventualmente, esclarecer algumas das questões que agora estão sendo levantadas.
Passo a palavra à Deputada Federal Joenia Wapichana, da REDE de Roraima, Deputada indígena que nos lidera na Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas durante esta semana, uma semana de muita luta.
A SRA. JOENIA WAPICHANA (REDE - RR) - Sr. Presidente, nobres colegas, Deputado Nilto, que também acabou de retornar de missão oficial desta Comissão, ressalto que estamos chegando hoje de uma visita ao povo indígena uaimiri-atroari, em missão oficial pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e pela Frente Parlamentar Ambientalista.
Quero saudar a presença do delegado, que tem uma grande responsabilidade em relação a esse tema, do Dr. Erik e da liderança Alessandra, que veio nos trazer um assunto de extrema importância não somente para o Pará mas também para todo o restante do Brasil: a mineração que está atingindo terras indígenas. É bom deixar bastante claro que mineração em terras indígenas é ilegal. A Constituição fala que é necessária a regularização para haver a atividade, e essa regularização ainda não existe. Existem proposições no sentido de tentar a regularização desde 1996, com muitos pontos inconstitucionais, somente se garantindo o lado individual dos que as propuseram. O nosso olhar como indígenas, como movimento indígena, até mesmo das comunidades indígenas, é que tem feito o máximo possível para que as ilegalidades não passem.
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Eu quero me solidarizar com a Alessandra nessa preocupação, que é uma preocupação legítima dos povos indígenas, tanto no Pará como em Roraima. Em Roraima, temos visto o quanto estão crescendo os impactos não somente ao meio ambiente, não somente relacionados à terra, mas também com relação à saúde humana, dos povos indígenas e, eu diria, daqui a algum tempo, dos não indígenas também.
Vemos a contaminação dos rios por mercúrio. No ano passado, nós tomamos conhecimento de um estudo da FIOCRUZ que apontava a presença de mercúrio no sangue do povo indígena ianomâmi. E há contaminação das águas do Rio Uraricoera e do Rio Mucajaí, que são águas que não ficam paradas, que correm, que têm peixes, os quais são vendidos e consumidos não só por indígenas, mas por não indígenas também. A questão do mercúrio é bastante séria, porque afeta a saúde, e não somente de imediato: depois de 10 anos, 15 anos ou 20 anos, começam a aparecer os sintomas.
Então, essa questão da mineração é uma ilegalidade que deve ser combatida. E deve haver investimento para esse combate. Não se pode somente registrar os casos em relatórios sobre a violência. É preciso tomar providências de imediato. Existem invasões de terras indígenas, existe a contaminação das águas, existe risco de vida de pessoas e existe risco de contaminação de alimentos.
Eu creio que a própria Comissão deveria amadurecer mais este debate sobre a mineração em terras indígenas e seus impactos, no sentido de estendê-lo para além da região do Rio Tapajós, que eu sei que é muito grande. A violência contra os povos indígenas que estão no Tapajós é enorme. As consequências das hidrelétricas, as consequências do avanço da mineração e outros impactos exigem que nos debrucemos sobre soluções, inclusive proposições legislativas. Temos pensado: se existem proposições em PECs justamente para facilitar a degradação, a invasão das terras indígenas, por que não haver proposições no sentido de retirar da Constituição, por exemplo, mineração em terras indígenas? Essa seria uma proposição positiva, no sentido de evitarmos maiores danos, desastres como os que ocorreram agora, recentemente. A população do Brasil todo assistiu ao debate sobre o desastre em Brumadinho, em Minas Gerais. Nós não queremos ver isso acontecer, mais ainda com os povos indígenas.
Era isso que eu tinha a dizer. Quero deixar minha palavra de apoio à Alessandra e dizer para ela que vamos fazer o acompanhamento e que ela pode contar conosco.
Quero aproveitar para anunciar para os Parlamentares que estão aqui nesta Comissão que nesta semana os povos indígenas vão estar aqui em Brasília justamente para apresentar essas demandas, essas urgências. Eles estão esperando que possam ter o direito de fazer essa manifestação, de mostrar às autoridades a situação dos povos indígenas que se encontram hoje aqui e vão estar, do dia 24 ao dia 26 de abril, aqui em Brasília. E é justamente com essa proposta de expor às nossas autoridades que eles vieram e vão estar... Aliás, não sei se estão chegando, mas estão anunciando isso. No dia 25 nós vamos discutir a situação da MP 870 numa audiência pública também, aqui no Plenário 2. Obrigada.
15:49
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O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Deputada Federal Joenia Wapichana, nossa Presidente na Frente Parlamentar Mista. Estou muito feliz por poder ser liderado por V.Exa. Este é um ano em que temos pela frente grandes lutas.
Neste momento eu passo a palavra, pela ordem, para o Deputado Nilto Tatto, que está inscrito.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Primeiro, quero agradecer aos expositores.
Como disse no início, propus o requerimento para fazer a audiência pública justamente para debater algumas questões. Este caso específico do garimpo no Rio Tapajós nos faz refletir sobre o momento, sobre esta conjuntura.
Primeiro, como V.Exas. perceberam, fizemos questão de trazer para a Mesa especialistas também da área de saúde, da área de pesquisa. Quando se apresentam dados do impacto que tem o mercúrio na cadeia alimentar, no meio ambiente e também na saúde das pessoas, isso é feito com base em pesquisa, levantamento, estudos. Os expositores são doutores, professores, não são pessoas que estão falando de forma genérica aqui. Estou dizendo isso às pessoas que estão presentes neste momento e àquelas que estão em casa assistindo à audiência. Isso é fundamental, porque vivemos um momento em que se relega, se releva, não se dá atenção à produção do conhecimento, à pesquisa.
Nós vivemos um momento em que temos um Governo — sabemos como funciona o garimpo no Tapajós e em vários outros lugares — que incentiva a divisão inclusive dentro das comunidades indígenas, dentro dos povos indígenas, com consequências drásticas para aquele povo e para o meio ambiente. Hoje, em vez de termos uma FUNAI ou um centro do Governo que tente buscar um diálogo e, quando se for fazer determinada atividade econômica, uma alternativa econômica que trabalhe com a perspectiva de agir com licenciamento, com avaliação de impacto, com base em estudo, temos o contrário: hoje temos dentro do Governo a possibilidade de ampliar cada vez mais a divisão e o tipo de atividade que é insustentável do ponto de vista ambiental e dos impactos sociais que pode causar nas comunidades. Isso eu queria explicitar, porque é um caso sintomático que está sendo colocado aqui.
15:53
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Não é de graça que não temos a presença do IBAMA aqui, ainda mais quando vimos as exposições e ouvimos, como foi relatado por todos aqui, que a maior parte do garimpo que está acontecendo lá não tem licenciamento. Mesmo quando há licenciamento, você está sujeito aos impactos no meio ambiente e aos impactos na saúde humana, com todos os cuidados que o processo de licenciamento estabelece para o desenvolvimento de tal atividade econômica. Quando não há o licenciamento, faz-se qualquer coisa, e aí as consequências são drásticas para o meio ambiente, para os animais e para as pessoas. E a maior parte do garimpo que está lá não tem esse licenciamento.
Então, não é de graça que o IBAMA não está aqui presente. Não é de graça que a FUNAI não está aqui presente. Eu tenho claro para mim que a justificativa dada aqui é uma justificativa fajuta. A FUNAI não está aqui porque não quer assumir a responsabilidade. A Presidência da FUNAI não quer se meter em mais nenhuma confusão, para ver se se garante, para permanecer lá. Até entendemos a pressão, porque querem, inclusive, tirar o Presidente da FUNAI para botar alguém pior ainda — pior ainda. É essa a perspectiva do Governo que temos aí hoje, do Governo Bolsonaro.
E quero também ressaltar que os técnicos do IBAMA que estão lá na ponta, os técnicos da FUNAI que estão lá na ponta, os agentes da Polícia Federal que estão lá na ponta não estão tendo condições adequadas para trabalhar. O que temos visto nos últimos dias é, inclusive, ameaça de perseguição. Se um funcionário, um servidor público for executar sua atividade lá na ponta, ele é desautorizado pelo Chefe de Estado, pelo Chefe do País, como aconteceu esses dias, quando o próprio Presidente da República desautorizou os servidores da FUNAI que estavam exercendo sua atividade como manda a Constituição, como manda a lei. Eles foram desautorizados. Também foram ameaçados de inquérito administrativo os funcionários do ICMBio. Então é essa a conjuntura que estamos vivendo hoje. Servidores, na ponta, não têm condições para trabalhar. Se forem trabalhar, estarão sujeitos a ameaças, correndo inclusive risco de vida no campo.
Esta audiência, por aquilo que já ouvimos, traz à luz os desafios que estão sendo colocados, para nós pensarmos no âmbito da Comissão de Meio Ambiente. Como podemos nos juntar mais, como podemos nos articular mais? Não se trata de uma coisa específica, um problema específico lá. Evidentemente temos que verificar aqui, no âmbito da Comissão, com que mecanismos podemos fazer com que aconteça a fiscalização, o acompanhamento, e com que cesse o garimpo de forma ilegal. Na Comissão temos que fazer esse papel.
Mas temos que tirar um saldo daqui e entender que a situação não é isolada; a situação é generalizada e tende a piorar com o Governo Bolsonaro da forma como vem acontecendo. Hoje, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente está completamente subordinado à agenda do agronegócio, à agenda do Ministério da Agricultura. A FUNAI perdeu todo o seu papel e também está sujeita à agenda do Ministério da Agricultura, aos interesses do agronegócio. Aqui dentro do Congresso Nacional se começa a trabalhar para aprovar uma legislação que dê garantia à ilegalidade que hoje está sendo patrocinada pelo Governo Central, pelo Governo Bolsonaro, em todas as áreas, não só na mineração. Eles querem acabar com conquistas, acabar com direitos das populações e, ao mesmo tempo, mudar a legislação para permitir esse tipo de atividade ilegal, para tentar legalizar a forma como ela está sendo feita hoje, insustentável do ponto de vista social, do ponto de vista ambiental, do ponto de vista da perspectiva de vida das comunidades, principalmente dos povos indígenas.
15:57
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Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito bem, Deputado Nilto Tatto, do Partido dos Trabalhadores do Estado de São Paulo, proponente desta audiência pública.
Cumprimento e convido para fazer uso da palavra o Deputado Vavá Martins, do PRB do Estado do Pará.
V.Exa. está com a palavra.
O SR. VAVÁ MARTINS (PRB - PA) - Gostaria de fazer primeiro um agradecimento ao Presidente e ao Deputado Nilto Tatto, que fez a proposição desta audiência, a qual é de muita relevância e muita importância para o nosso Estado do Pará. Temos visto a devastação, a degradação, que é muito grande. O impacto ambiental é muito grande. Nossa amiga Alessandra Korap deu uma entrevista ao G1, se não me falta a memória, e deixou bem claro o que têm enfrentado todos os ribeirinhos e povos indígenas que residem ao longo de todo o nosso Rio Tapajós. Temos visitado, temos trabalhado, temos andado por lá e temos visto muitas coisas erradas.
Gostaria de fazer, então, algumas observações. A primeira é que, além da devastação causada, a saúde das pessoas tem sido prejudicada ao extremo. No garimpo, muitos não têm licença, e a fiscalização é muito pouca. Precisamos nos mobilizar, precisamos fazer alguma coisa em relação a isso. Esta Comissão precisa reagir, precisa tomar atitude. O Deputado Nilto Tatto falou sobre o IBAMA e a FUNAI, que deveriam se fazer presentes nesta Casa, nesta Comissão, para que juntos viéssemos a lutar e a fazer o que tem que ser feito e não tem sido feito. Nossa gente está morrendo, o povo do Tapajós está sofrendo.
Como representante daquele povo, daquelas pessoas, estamos aqui para lutar, para trabalhar e chegar a um consenso juntos, para que essa situação venha a mudar. Quero me colocar à disposição para lutar junto com todos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado ao Deputado Vavá Martins, do Pará, pela participação.
Passarei a palavra ao Deputado Joaquim Passarinho. Na sequência, nós vamos ler as perguntas que chegaram pelo instrumento de interação democrática da Câmara. Passaremos a algumas inscrições que estão aqui.
Concedo a palavra ao Deputado Joaquim Passarinho.
16:01
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O SR. JOAQUIM PASSARINHO (PSD - PA) - Sr. Presidente, senhores convidados, quero primeiro pedir desculpas pelo atraso. Eu estava no Senado discutindo a medida provisória.
Eu sou do Estado do Pará também e conheço a fundo os garimpos. Já estive em vários deles, pelo menos em cinco ou seis garimpos, em Itaituba, em Jacareacanga, para conhecer a realidade dessa atividade dentro do garimpo. O que temos é falta de fiscalização e de estrutura no Estado.
A Agência Nacional de Mineração — ANM, que antigamente era o Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM, teve no Governo passado, no ano passado, mais de dois terços dos seus recursos bloqueados. E esse bloqueio é indevido, é ilegal, porque, pela lei, uma parte dos recursos, 7% da CFEM, se não me engano, deve obrigatoriamente ir para a agência — anteriormente, para o DNPM. Como é que eu posso falar em regularização, como é que eu posso falar em fiscalização se mais de dois terços dos recursos são bloqueados durante o ano? O DNPM, ou a agência criada, não tem estrutura, não tem carro, não tem avião, não tem diária, não tem funcionário, não tem concurso há anos e anos. Acaba havendo o garimpo ilegal. A pior coisa para contaminar e poluir o meio ambiente é a ilegalidade. Na ilegalidade, as pessoas têm que fazer a coisa com muita rapidez, com medo da repressão.
Antigamente, os garimpeiros utilizavam bateia; hoje, utilizam PC. Não adianta o IBAMA chegar lá e queimar a PC, porque aquela PC está financiada, e a primeira coisa que a pessoa que financia aquela PC faz é dar outra PC para o garimpeiro, porque sem a PC ele não consegue pagar aquela que foi queimada. Então, nós precisamos entender como funciona esse mecanismo para fazer essa fiscalização.
Nós temos no Pará — V.Exa. sabe o tamanho do Estado, porque é nosso vizinho do Amapá — uma gerência da Agência Nacional de Mineração na Capital, Belém, e uma pequena unidade da ANM em Itaituba, com dois funcionários: um chefe e um subordinado. Como é que um garimpeiro, que às vezes não tem estrutura, não tem conhecimento, vai sair de Jacareacanga de barco para chegar a Itaituba, pegar um avião até Santarém e de lá pegar outro avião para chegar a Belém para tirar uma licença de lavra? Ele não vai fazer isso, não vai fazer isso. Temos que dar estrutura para que a Agência Nacional de Mineração esteja próxima ao local da atividade e licencie quem possa ser licenciado, para que, tendo o CPF ou CNPJ de quem está fazendo a garimpagem, possa cobrar deles.
O que mais polui no meu Estado é a falta de definição sobre a legalização ou a não legalização, a falta de estrutura governamental, que só chega para reprimir. Isso não adianta nada, porque a agência reprime e só volta dali a 6 meses, e o garimpeiro sabe disso. Ele fica lá trabalhando do mesmo jeito.
Então, vamos debater essa falta de estrutura aqui. Temos que garantir recursos para que a agência possa estar constantemente lá, não só fiscalizando, mas dando licença para aqueles precisam da licença. Nós defendemos aqueles que querem e podem fazer a garimpagem de maneira correta, certa, proibindo aqueles que não podem, principalmente em áreas indígenas, onde o garimpeiro acaba entrando, o que é totalmente errado. Se não fizermos isso, vamos chover no molhado. Temos que estruturar a Agência Nacional de Mineração para que ela fique próxima e fiscalize o garimpo. Se não fizermos isso, continuará a ilegalidade, e o que mais polui é a ilegalidade.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Agradeço à intervenção do Deputado Joaquim Passarinho, do grande Estado do Pará.
Neste momento, passo à leitura das perguntas feitas pelos internautas participantes do e-Democracia.
16:05
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A participante Luíza Caroline faz uma pergunta direcionada ao representante da Polícia Federal: "Acredita que a criação da delegacia de Polícia Federal em Itaituba vai melhorar o atendimento à população da região e as investigações sobre mineração clandestina na região do Rio Tapajós?"
O participante Joeser Álvares envia três perguntas.
Primeira pergunta: "O mesmo quantitativo de mercúrio despejado na Amazônia foi despejado nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, desde a época colonial. Por que esse passivo ambiental não é mencionado, nem causa alertas semelhantes?"
Segunda pergunta: "Se a contaminação e o risco à saúde da população são tão graves, quais são as políticas públicas de mitigação e os protocolos de atendimento disponíveis no sistema de saúde para atender às supostas vítimas?"
Terceira pergunta: "Como combater a propagação do mercúrio na Amazônia se, primeiro, faltam recursos para fiscalização; segundo, o Governo acena relaxar as medidas punitivas, como incendiar as dragas e equipamentos apreendidos; terceiro, o tema do mercúrio não entra no radar da sociedade, fora quando a imprensa mostra algo?"
O participante Jaime Gesisky pergunta: "O Brasil ratificou no ano passado a Convenção de Minamata sobre Mercúrio. Com isso, o País tem novos mecanismos para punir o uso ilegal de mercúrio. O Ministério do Meio Ambiente criou um grupo de trabalho sobre o mercúrio, que está desativado. Qual será o futuro dessa agenda no Governo?"
Uma pergunta foi para a Polícia Federal. Acredito que o representante do Ministério da Saúde e a pesquisadora talvez possam responder à outra. No final, todas as questões poderão ser respondidas de uma vez só.
Convido o representante da Agência Nacional de Mineração, o Sr. Glauber Santana da Silva Cosenza, para fazer uso da palavra — e para lamentar que a agência no Amapá também esteja sendo redimensionada, então vamos ter perdas naquele Estado.
O SR. GLAUBER SANTANA - Boa tarde a todos. Primeiramente, quero cumprimentar a Mesa, por meio do Deputado Camilo Capiberibe, e todos os Deputados aqui presentes, especialmente os do Estado do Pará: Deputado Joaquim Passarinho, Deputado Vavá Martins e Deputado Airton Faleiro.
Deputado Camilo Capiberibe, eu acho que a fala do Deputado Joaquim Passarinho acrescenta muito à realidade da Agência Nacional de Mineração. Mas eu ouso, Deputado, colocar isso num patamar além desse. Eu acho que foi muito correto da sua parte falar que a logística muitas vezes desanima o garimpeiro de se regularizar. Porém, existe toda uma complexidade de legislação minerária e ambiental.
Só para que tenham noção, eu queria compartilhar alguns dados com vocês. Quando falo em Itaituba, eu me refiro à Reserva Garimpeira do Tapajós, que inclui o Município de Itaituba, o Município de Trairão, o Município de Jacareacanga e o Município de Novo Progresso. Esses quatro Municípios ocupam uma área maior do que o Estado de Sergipe.
16:09
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Hoje, a média de permissões de lavras garimpeiras outorgadas é de cerca de 500 permissões. Sabe, Deputado Camilo, quantos requerimentos existem pendentes na agência porque o garimpeiro não consegue apresentar o licenciamento ambiental? Existem 18 mil. Isso quer dizer que a agência só consegue liberar 500 permissões de lavra garimpeira — PLGs, porque se tem o licenciamento ambiental, mas, para 18 mil requerimentos de PLGs, a agência não consegue outorgar o título, porque não se tem licenciamento. E sabe de que ano mais ou menos são esses requerimentos? De 1993, 1994, 1995, 1996. E não se consegue fazer a outorga.
Eu acho que a Comissão tem que fazer uma reflexão, Deputado Vavá, acerca do fato de que a legislação ambiental às vezes atrapalha o desenvolvimento da regularização dos próprios garimpos. E, muitas vezes, o garimpeiro é forçado a trabalhar 6 meses por ano, porque ele só consegue trabalhar no verão. Por exemplo, agora estamos no fim do inverno em Itaituba, e ninguém consegue trabalhar no Município; o garimpo é parado. Por causa disso, o que o garimpeiro faz? Ele abandona a área e corre para áreas mais promissoras.
É daí que vem a explicação, Deputado Joaquim, de por que o garimpeiro hoje está avançando para a terra indígena. A questão da terra indígena hoje envolve, muitas vezes, o posseiro, o grileiro, que domina uma área e impede o garimpeiro de dar continuidade seja ao patamar de legalidade, seja ao de ilegalidade. Aí, muitas vezes ele caminha para a reserva indígena.
Isso é o que acontece — eu acho que o delegado da Polícia Federal pode também falar sobre esta questão — na reserva dos mundurukus, em que há outra realidade. Hoje em dia no Tapajós são liberadas, por área licenciada, em torno de 5 toneladas de ouro, oficialmente; não oficialmente, são 30 toneladas. Sabe o que isso significa, Deputado? Essas 30 toneladas que saem por ano de Itaituba correspondem, em média, à produção de duas minas de ouro no Estado do Pará. Vou dar um exemplo para os senhores. Hoje, em média, a mina de Altamira, da Belo Sun, que teve todo aquele problema com a questão indígena, com o bloqueio da Hidrelétrica de Belo Monte, produz 15 toneladas. Em Tapajós, ilegalmente, sai o dobro disso.
Ouso dizer, Deputado Camilo, que não se trata de um problema apenas do Estado do Pará; a questão do Tapajós é uma questão nacional. É absurdo eu, como geólogo e representante da agência, dizer que no escritório de Itaituba tem dois funcionários. Como você vai resolver os problemas? Não há como. Em muitas dessas áreas, depende-se de avião. A legislação para se liberar... Por exemplo, um fiscal hoje não pode pegar um avião, porque a legislação veda isso. Ele só pode pegar um carro, alugá-lo por 800 reais. Oitocentos reais no Tapajós é o valor de uma diária. O combustível lá no interior não custa 4,50 reais; custa 6 reais, 7 reais, 8 reais.
16:13
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Então, considerando a complexidade, temos que ter uma flexibilidade no âmbito ambiental, o que acho que é o maior gargalo. Tanto é que a gerência da Agência Nacional de Mineração do Estado do Pará hoje é subordinada à do Estado de V.Exa. O Estado não consegue suprir essa questão. Como um garimpeiro que está lá no garimpo de Bom Jesus, de onde ele só consegue sair de avião, porque fica a quase mil quilômetros da Capital, vai se regularizar em Belém? E ainda há mais: o escritório de Itaituba não tem autonomia; tudo é subordinado a Belém, até o pagamento de diária de hotel. As dificuldades são imensas.
Eu acho que é preciso que se tenha um olhar crítico para a questão administrativa e para a questão do próprio ambiente de trabalho dos fiscais. Hoje, para se ter uma noção, a Agência Nacional em Belém tem de 10 a 12 profissionais aptos para trabalhar na fiscalização de todo esse Estado, e ainda temos a responsabilidade de fiscalizar o Estado de V.Exa., que tem outras complexidades, como nos Municípios de Calçoene e Pedra Branca do Amapari.
Eu deixo o meu registro aqui e coloco à disposição a Agência Nacional de Mineração para qualquer eventualidade.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito bem. Agradeço os esclarecimentos dados aqui pelo Glauber Santana da Silva, Chefe da Divisão de Fiscalização da Agência Nacional de Mineração da superintendência, ou melhor, da gerência do Pará, que não se chama mais superintendência com a reforma. O cartão ainda é do DNPM. Não atualizaram o recurso nem para fazer o cartão novo.
Vamos ouvir o Diego Mota, Vereador do Podemos no Município de Itaituba.
O SR. DIEGO MOTA - Excelência, muito obrigado por permitir a nossa humilde contribuição. Cumprimento toda a Mesa.
Quero me apresentar. Eu sou Vereador pelo Podemos no nosso Município e, a princípio, pedi a palavra porque achei que faltou outro ponto de vista, que acabou se encaixando com a presença do nosso Deputado Passarinho, do Deputado Vavá e com reconhecimento do próprio chefe do órgão de que há necessidade de se ampliar a estrutura.
Foi falado muito aqui que não existe fiscalização. Eu sou presente, eu participo na comunidade, na cidade e no interior, e posso dizer que as fiscalizações são rotineiras, são frequentes. A Polícia Federal recentemente fez operações. Acredito que fez pelo menos três no último ano, com o fechamento de algumas grandes empresas, com prisões, com bloqueio de bens. Os órgãos IBAMA e ICMBio são muito ávidos em toda a sua estrutura para fazer essas operações. Eles não ficam lá constantemente, mas, quando chegam, fazem aquela espécie de arrastão: é aquele momento em que vemos três helicópteros, aviões, caminhões, caminhonetes, um efetivo da Força Nacional. Então, existe fiscalização na nossa região.
Mas, como representante da coletividade e da sociedade, gostaríamos de dizer a V.Exas., que, embora haja essa complexidade dos prejuízos que temos na saúde, nós temos também que entender que a comunidade daquela região vive com recursos quase 100% provenientes do ouro. O ouro não abastece simplesmente uma compra de ouro de um comprador que está lá em São Paulo; o ouro abastece o supermercado, a venda de pneus, o pequeno comércio. Aquele pequeno garimpeiro que vai ao garimpo produzir 50, 40, 30 gramas de ouro o manda para a sua família que está na cidade.
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Quando nós temos esse tipo de fiscalização, os efeitos são imediatos. O prejuízo vai parar lá no nosso Legislativo. As pessoas começam a passar dificuldades, começam a passar fome. Então, na minha humilde participação, o que eu queria pedir? Não é mais fiscalização, mas o mesmo empenho da fiscalização no consentimento de um auxílio ao garimpeiro, para que ele possa se informar melhor, para que ele tenha condições de se legalizar, de se estruturar.
Aqui ficou bem claro, pelo que mostrou o representante da Polícia Federal, que a agência realmente tem inúmeros pedidos, e não se consegue formalizar, não se consegue finalizar esse processo. As pessoas têm o desejo de se legalizar no meu Município, do pequeno garimpeiro ao empresário, mas elas não conseguem fazer isso pela morosidade, pela burocracia imposta pelo sistema. É isso que precisa ficar bem claro.
Gostaria que V.Exa. fizesse a análise também sob esse ponto de vista, porque nós temos as questões ambientais, as questões sociais, as complexidades, mas temos uma realidade local: se o garimpo para, passamos fome.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Quero agradecer a participação do Vereador Diego Mota, do Município de Itaituba, no interior do Pará, região que é afetada.
Nós vamos ter mais uma rodada de falas de Lideranças que estão participando desta audiência pública. Mas, antes disso, vou passar para uma rodada de respostas da Mesa. Os nomes ainda não estão aqui comigo. Se já estivessem, eu já poderia passá-los diretamente, para fazermos uma rodada só. Acho que fazer uma rodada só é melhor, não é verdade? Assim é possível abordar tudo de uma vez, senão terminamos levando muito tempo. Vou aguardar 1 minuto.
Vamos chamar a primeira pessoa para falar. Cada um da Mesa já pode abordar o que lhe disser respeito ao final.
Chamo para fazer uso da palavra Cândido Uaru, que é indígena munduruku.
O senhor tem a palavra.
O SR. CÂNDIDO UARU - Primeiramente, boa tarde, Srs. Parlamentares.
Nossa comissão é dos mundurukus do Pará, da região dos Rios Teles Pires e Tapajós. Então, somos paraenses e ouvimos os Deputados, os Parlamentares paraenses.
Também queria falar aqui — nós viemos de longe, das nossas aldeias — da nossa preocupação. A guerreira Alessandra já falou, mostrou o vídeo, vocês já viram. Isso é prova que vimos. Nós indígenas que vivemos na beira do rio nos banhamos nele. Nós buscamos o rio para fazer a nossa alimentação. Por isso, nós não queremos a legalização da mineração, principalmente em nossos territórios. A nossa maior preocupação hoje em dia, porque estamos vendo na rede social, é a legalização da grande mineração no nosso território. Por isso, nós não aceitamos essa grande legalização da mineração nos nossos territórios, nas terras indígenas.
16:21
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A gente sabe também que esse Governo atual não gosta de índio. Eu vou falar isto: ele não gosta de índio, ele quer acabar com a população indígena. Nós também somos seres humanos. Nós indígenas nascemos aqui no Brasil. Nós não viemos dos outros países, nós nascemos aqui no Brasil. Por isso, nós indígenas somos legítimos, originários. O próprio Governo quer tirar nós indígenas de dentro do nosso território. Então, o Governo atual não gosta de índio. O Governo atual está querendo acabar com o índio.
A gente não tem medo, não. A gente veio aqui para Brasília participar do Acampamento Terra Livre, não é para fazer bagunça, não é para quebrar as coisas, não. A gente veio aqui para lutar e defender os nossos direitos originários. Foi para isso que nós viemos.
E nós sabemos também — vimos na rede social — que o próprio Ministro da Justiça autorizou a barrar todos os Ministérios, deu autorização para barrar todas as coisas para nós indígenas. Mas nós não viemos quebrar, não viemos fazer bagunça, não. Nós viemos aqui porque hoje em dia nós estamos acompanhando as redes sociais, e cada vez mais o Governo atual está tirando os nossos direitos originários. Essa é a nossa maior preocupação. Por isso, nós viemos aqui. Várias etnias estão vindo aqui para Brasília.
Hoje em dia a nossa maior preocupação é a grande mineração nos nossos territórios. O Dr. Erik já mostrou, mas nós já sabemos, já vimos vários pesquisadores mostrando para nós. Na nossa região, nós índios vivemos nas nossas terras. A nossa maior alimentação são os peixes que comemos. Os peixes são a nossa maior alimentação. Nós indígenas vivemos da caça, pesca. Essa é a nossa maior sobrevivência. Por isso, a nossa maior preocupação hoje em dia é com a legalização da mineração no nosso território.
Por isso, nós viemos aqui para trazer a nossa preocupação para os Parlamentares, não é para brigar, não é para quebras as coisas, não. Nós viemos para falar qual é a nossa preocupação, principalmente para as autoridades. Mas nós, na nossa região, estamos vendo que o IBAMA também não está fazendo o papel dele, principalmente a FUNAI não está fazendo o papel, o IBAMA não está fazendo o papel, como a Alessandra já mostrou. É verdade isso que a Alessandra Korap mostrou para nós. Então, isso é verdade. O IBAMA não está fazendo o papel, principalmente na nossa região.
Também queria citar aqui que, na nossa região, Teles Pires... Nós não queremos a legalização da grande mineração no nosso território, porque alguns de nós já morreram. A própria Polícia Federal já matou nossos parentes. A gente nunca esqueceu isso, que a própria Polícia Federal matou nosso parente, dentro do nosso território. Nós não queremos que aconteça mais isso no nosso território. Essa é a nossa maior preocupação.
16:25
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Então, era isso que eu queria falar, queria colocar minha preocupação em nome de nosso povo munduruku.
Agradeço. Boa tarde para os senhores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Somos nós que agradecemos a intervenção do Cândido Uaru, liderança munduruku.
Passo agora a palavra para o João Kirixi, que também é uma liderança munduruku, para fazer uso da palavra.
O SR. JOÃO KIRIXI - Boa tarde, Srs. Deputados.
Eu vim da Aldeia Teles Pires. Meu nome é Kirixi Matiapã — na língua portuguesa, é João Kirixi. Eu vim da região de Teles Pires para falar da minha preocupação com o que aconteceu lá na região de Teles Pires. Não trouxe as fotos da minha região, porque não há mais garimpo lá. Desde 2012, quando houve aquela Operação Eldorado, que tirou a vida do meu irmão, desde essa vez, eu não quero que nenhuma garimpagem aconteça e entre lá. Então, eu não quero a legalização. Deixa do jeito que está. Já está acabado.
Outra coisa que eu vejo... A liderança Alessandra mostrou as fotos. A nossa preocupação hoje em dia é com o nosso alimento, porque o nosso supermercado é o rio e a floresta, que é para onde a gente vai sair para caçar. Muitas vezes a gente nem pega caça.
Era isso que eu queria colocar para os senhores.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Somos nós que agradecemos.
A última inscrita é Edini Qrixim.
A SRA. EDINI QRIXIM - Primeiramente, eu quero agradecer a todos aqui. Boa tarde a todos os Deputados.
É primeira vez que eu estou vindo aqui a Brasília e conhecendo também esses processos de luta. Os nossos parentes aqui já têm uma grande luta pela população indígena.
A nossa intenção, o nosso objetivo, é demonstrar, trazer a realidade da nossa população e do nosso território.
Eu queria também reforçar a fala da nossa parente, a Alessandra Korap, e dos demais parentes que colocaram aí a situação, comentaram a situação do garimpo, que está sendo discutida aqui. Eu quero dizer que a nossa região também é poluída. Aquele rio, a nossa região... Eu queria dizer que a operação passou lá e destruiu muitas máquinas, que deixou lá no nosso rio, na nossa região.
16:29
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Nós estamos sentindo que daqui a uns 10, 20, 30 ou 50 anos, e assim por diante, vão acontecer essas coisas, e não é conosco, mas é com nossos filhos, que estão vindo aí. A gente sabe que vai acontecer um grande impacto neles. A gente não queria mais que isso acontecesse na região que tem garimpo.
O que eu quero dizer da região que tem garimpo também é que nós não queremos que continue lá esse garimpo. Muitas vezes, as lideranças caciques já pediram fiscalização para retirada daquele garimpo, que não traz bem para as pessoas, para as comunidades; traz doenças e, além de doença, traz divisão na comunidade. Isso não é bom para gente, isso é uma coisa que traz impacto dentro da comunidade.
Era isso que eu queria dizer.
A gente precisa da nossa terra, da nossa floresta, dos nossos animais, dos nossos rios, porque sem eles a gente não vai viver, os nossos povos não vão existir.
Então, era isso.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Edini Qrixim. Perdão pela pronuncia errada no primeiro momento.
Neste momento, vou passar a palavra aos expositores, para que possam responder às perguntas que foram feitas aqui pelos Parlamentares e também as que foram enviadas pela Internet.
Nós vamos, então, obedecer à ordem das exposições feitas no primeiro bloco.
Passo a palavra ao Dr. Erik Leonardo Jennings Simões, médico cirurgião e representante da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde.
O SR. ERIK LEONARDO JENNINGS SIMÕES - Eu vou me limitar a responder à questão sobre o programa que o SUS tem adotado para mitigar esses problemas com intoxicação mercurial.
Notamos que hoje não existe nenhum programa que contemple isso. Aliás, não existe nem programa de capacitação de profissionais para fazer esse diagnóstico nessas comunidades. Na região do Alto Tapajós até o Médio Tapajós, passando por Itaituba, vive 1 milhão de pessoas e não existe nenhum neurologista. Assim, há a necessidade de se capacitarem profissionais para que possamos reconhecer o problema e tratar os casos que possam estar acontecendo.
Outra situação é que também não há nenhum programa do SUS que contemple orientações simples, como a de se evitar comer peixe carnívoro. Isso tem um impacto muito grande na saúde. Houve um experimento numa comunidade no Médio Tapajós onde os índices de mercúrio estavam muito altos. Começou-se um projeto de orientação da comunidade no sentido de não comer peixe que coma outro peixe. Era dito: "Vamos comer peixe que não coma outro peixe". Depois de 5 anos, os estudos mostraram que os níveis de mercúrio haviam sido estabilizados e, em alguns casos, até reduzidos.
Essa é uma estratégia que eu acho que precisa ser difundida, porque é uma injustiça social tamanha com essas populações ali do Tapajós não fazer essa divulgação. Isso porque o peixe, que era fonte de alimento e fonte de saúde — e todos nós sabemos que comer peixe faz bem, que protege das doenças cardiovasculares e que protegia a população indígena —, de repente, começou a ser um problema. Então, retirou-se a segurança alimentar dessas populações.
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Estes são dois pontos que precisam ser contemplados pelo Sistema Único de Saúde: treinamento e capacitação de pessoas e programas de orientação e educação ambiental e alimentar.
Eu acho que o Gustavo pode responder à pergunta sobre os problemas com mercúrio nas outras áreas do Brasil.
O SR. GUSTAVO CAMINOTO GEISER - Em relação aos problemas com mercúrio em outras áreas do Brasil, tenho a dizer que existem, sim, alguns estudos também e operações nossas em outras áreas do Brasil. Sendo bem franco, esclareço que eu não trabalhei diretamente, mas ajudei em alguns casos, inclusive no Amapá, e os números não eram tão preocupantes quanto esses que o Dr. Erik mostrou aqui, os de contaminação do Tapajós. Existe um problema mais agudo aqui, sim, que eu acho que merece uma atenção especial.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Eu agradeço a participação do Dr. Erik Leonardo Jennings Simões e passo a palavra à Dra. Heloísa do Nascimento de Moura Meneses, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará.
A SRA. HELOÍSA DO NASCIMENTO DE MOURA MENESES - Em relação a essa questão do quantitativo de mercúrio despejado na Amazônia e o despejado nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a diferença que eu vejo das concentrações nessas regiões em comparação à região do Tapajós, que é objeto da nossa discussão, é em função do tipo de exposição, como o Sr. Gustavo acabou de dizer.
Na Região Norte, há uma exposição crônica e uma quantidade de atividades antrópicas — garimpo e desmatamento — bem concentrada. E, tendo em vista que a base alimentar dessas populações é o peixe, elas estão submetidas a uma exposição crônica, daí a diferença em termos de causa e alerta.
Além disso, nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, como mencionado na pergunta, existe uma diversificação alimentar maior, o que não acontece com essas populações que nós estamos discutindo aqui — ribeirinhas e indígenas. Eles acabam ficando expostos de uma forma crônica. Então, é claro que os efeitos dessa exposição são muito mais graves nessas populações.
Em relação às políticas públicas, realmente, é muito difícil neste momento nós pensarmos numa política pública específica. Por quê? Porque, como eu havia dito, existe uma dificuldade inicial de definir os níveis de mercúrio que causam os sintomas, já começa por aí. Depois, existe uma variabilidade muito grande dentre os indivíduos em relação ao aparecimento desses sintomas. Então, o nível que causa o aparecimento de sintomas num indivíduo vai ser diferente para outro. Além disso, grande parte dos sintomas relacionados à exposição mercurial também estão relacionados a outras doenças.
Sem estudos, é difícil afirmar que o que está acontecendo é devido ao mercúrio, exatamente só ao mercúrio, ou se é devido a um outro conjunto de fatores. Daí a importância das pesquisas sobre essa questão da saúde. São necessários estudos mais específicos, até para identificarmos, por exemplo, os fatores protetores. Já existem trabalhos na literatura que mostram que algumas frutas conferem proteção no sentido de auxiliar na redução dos níveis de mercúrio. Então, é preciso intensificar os estudos, para que nós possamos identificar esses fatores e prevenir, pelo menos, os sintomas.
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Existem muitos trabalhos na literatura focados na quantificação dos níveis de mercúrio, mas não há estudos mais aprofundados sobre os fatores genéticos, nutricionais, que é o que nós estamos tentando fazer. Então, enquanto esses trabalhos não forem realizados, nós vamos ter dificuldade de responder a essas perguntas.
Para criar uma política pública, nós precisamos, primeiro, identificar estas perguntas. Quais são os níveis necessários para desencadear os sintomas? Qual é o conjunto de sintomas específico? Quais são os outros fatores genéticos? Nós temos uma influência muito grande em relação a isso, que é pouquíssimo estudada.
Então, neste momento, eu acho que nós ainda temos muitas perguntas a responder até conseguirmos desenvolver essas políticas, ou seja, a pesquisa é de extrema importância, para podermos subsidiar essas políticas públicas.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Eu agradeço a participação e os esclarecimentos da Dra. Heloísa do Nascimento de Moura Meneses.
Neste momento, passo a palavra ao Delegado Gecivaldo Vasconcelos Ferreira, da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal.
O SR. GECIVALDO VASCONCELOS FERREIRA - Obrigado, Sr. Deputado que preside a Mesa.
Só para complementar novamente, eu fui indicado pela Divisão, que é sediada em Brasília, mas trabalho, assim como o perito Gustavo, em Santarém. Então, nós estamos ali nesse debate quase que diariamente.
As contribuições foram muito positivas. Essa visão da necessidade de legalização, de proteção do meio ambiente e de proteção do território indígena é muito pertinente.
Eu acredito pessoalmente que essa questão da repressão efetiva perpassa realmente a legalização daquilo que se pode legalizar. Só que, pela experiência que temos, nós já damos um passo à frente para os Srs. Deputados e demais presentes.
Esse caminho da legalização tem que ser pensado da seguinte forma: uma legalização que seja efetiva. O que eu quero dizer? Nada adianta se legalizar o clandestino e o colocar na legalidade através de um papel se os órgãos de controle permitirem que ele continue adotando as mesmas práticas, quer dizer, a partir do momento em que o sujeito está legalizado, ele não pode continuar jogando lama no rio, despejando mercúrio no rio.
Então, uma questão crucial é o efetivo acompanhamento dessa atividade, porque, senão, nós vamos sair de uma situação e voltar para uma outra, com a diferença apenas de que aquele clandestino agora vai ter um papel. Volto a dizer: acredito firmemente que a repressão só vai ser eficiente se vier a legalização daquilo que for possível legalizar.
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O Deputado Airton Faleiro destacou aqui — eu não tenho esse dado — que aproximadamente 52 mil pessoas vivem disso. Não há como dizer: "Olhe, você não pode garimpar". Não há como a Polícia Federal ir lá e prender 52 mil pessoas, espalhadas naquela região. Para os senhores terem uma ideia, a circunscrição da Delegacia de Santarém é mais de 530 mil quilômetros quadrados, mais de 40% do Estado do Pará. Então, não há como.
Devem ser feitas ações conjuntas, entre vários órgãos e a sociedade, que levem a uma solução para esse problema. Concordo com o representante da Agência Nacional de Mineração que esse não é mais um problema regional, é um problema nacional.
Percebe-se que, a par da questão ambiental, há a questão econômica. O representante da Agência Nacional de Mineração nos apresentou um dado que eu não conhecia. Disse que são extraídas 30 toneladas por ano ali da região do Tapajós, em confronto com 5 toneladas que são legalizadas. Não é isso? Então, o que há aí? Alguns bilhões estão de fora da tributação, estão de fora daquela circulação oficial do mercado. É preciso construir uma solução.
Com relação à atuação da Polícia Federal in loco para reprimir os garimpos clandestinos, gostaria de dizer que nós nos esforçamos muito e temos apoio. Sempre que demandamos, recebemos esse apoio do órgão central, diante das outras demandas também, que são sopesadas.
Um exemplo disso é a atuação que fizemos — levamos um tempo, mas tivemos êxito, acredito eu — em garimpos pequenos, mas que incomodavam bastante, no entorno da terra indígena zo'é, uma tribo, uma etnia de recente contato, que é assistida, na área de saúde, pelo Dr. Erik. Ali estavam começando dois garimpos, que certamente iam criar problemas imensos para os indígenas da etnia zo'é, que ainda vivem ali quase que isolados, naquele modo de vida deles. Em 2016, conseguimos, com êxito, tirá-los dali, mas com a ajuda de vários órgãos, como Ministério Público, IBAMA, FUNAI.
Eu estava pensando agora aqui qual é a situação que nós vivemos hoje? Diante de cada situação concreta, temos que construir soluções. É isso que fazemos, com a ajuda do Ministério Público, da FUNAI, do IBAMA, da Agência Nacional de Mineração, que nos fornece dados quando precisamos.
Vou diretamente às perguntas, para ser mais objetivo. Há uma pergunta do Deputado Airton Faleiro, que foi no seguinte sentido: "O Congresso pode contribuir em termos de legislação?" Eu estenderia mais: a Agência Nacional de Mineração pode contribuir em termos de legislação? Na nossa visão, sim.
Eu não sou nenhum especialista em Direito da Mineração. Os nossos estudos foram feitos em decorrência da necessidade. Essas demandas que estão sendo trazidas aqui pelos indígenas, corriqueiramente, chegam à Delegacia de Santarém, e nós precisamos construir soluções. Então, diante dessa necessidade, fomos aprofundar na legislação. E, fazendo um comparativo como a cadeia de controle da madeira, a do ouro ainda precisa avançar um pouco. Vou dar um exemplo da dificuldade. Suponhamos, por exemplo, que a Polícia Federal, numa fiscalização, apreenda 10 quilos de ouro em um aeroporto qualquer. O que ocorre? Para transportar esse ouro, o sujeito precisa apenas de um papel, sem controle governamental nenhum. Não vou nem detalhar, porque não temos tempo para isso. Só que, depois que eu apreendo esse ouro, vem um titular de uma PLG daquela região de onde o ouro veio e diz: "Esse ouro é meu". Tenho que fazer um esforço imenso para provar que aquele ouro não é dele, porque a presunção está com ele, e eu não tenho o controle dessa circulação de ouro.
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Então, podemos contribuir, em termos legislativo, com isso. É preciso melhorar isso. Se realmente aquele ouro for de origem clandestina, ele pode ser apreendido e revertido em investimentos na Agência Nacional de Mineração — aí tem de ver a legislação também —, na Polícia Federal, nessas ações de legalização e de controle.
Se ficamos à mercê disso numa legislação, fica complicado. No âmbito criminal, também há esse mesmo vácuo. Se eu apreendo um caminhão com madeira sem documentação, ele está apreendido e pronto. Por quê? Porque a legislação diz que transportar sem documento é crime. Isso me permite apreender. Já com o ouro não há nada disso. Eu tenho que provar que aquele ouro é de origem ilegal. E, em algumas vezes, essa prova é ingrata.
Portanto, há, sim, a possibilidade de contribuir no que diz respeito à legislação. Não quero nem entrar nesse ponto em específico, porque esse é um debate amplo. Volto a dizer: essa legislação tem que ser pensada não para inviabilizar o setor econômico, porque, se se fizer isso, não adianta, vai todo mundo para a clandestinidade e não há como controlar. Então, isso tem que ser construído de forma que se ouçam todos os envolvidos na cadeia produtiva. É isso que temos sempre em mente.
Por último, há uma pergunta de uma pessoa que a enviou pelo e-Democracia, com relação a uma eventual delegacia em Itaituba. Realmente foi criado em 2017 um posto da Polícia Federal em Itaituba, que nos tem ajudado muito na Polícia Federal, no que diz respeito à população. Fica difícil mensurar, mas internamente isso tem nos ajudado muito. Há estudos, há análise dentro da Polícia Federal no sentido de propor a criação de uma delegacia ali, mas isso ainda depende de outros encaminhamentos. Mas, respondendo à pergunta, é claro que, se fosse criada uma delegacia em Itaituba, ajudaria muito não somente em termos de repressão, mas no atendimento de ene serviços que a Polícia Federal presta, como passaporte, registro de arma de fogo.
Só que essa questão da necessidade tem que ser vista também sob o aspecto da possibilidade, porque trabalhamos com este binômio: vemos o que é necessário e o que é possível. Vamos construindo essas soluções no dia a dia.
Acredito que são essas as considerações.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Eu vou estender aqui para o perito que também ajudou a fazer a exposição e pediu para também responder a essas questões.
O SR. GUSTAVO CAMINOTO GEISER - Isso. Só complementando o que disse o Delegado Gecivaldo, acho que vale a pena comentar, já que ele fez o paralelo com a madeira, a experiência que temos na tentativa de levar o setor da madeira à legalização.
Quando falamos de licenciamento, necessariamente estamos falando de o empreendedor arcar com custos a mais referentes à mitigação de danos ambientais.
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Muitas vezes existe a falta de interesse do garimpeiro ilegal em ter esse processo de legalização, até porque, como o Delegado Gecivaldo falou sobre os nossos trabalhos com ouro ilegal, hoje o ouro ilegal é comercializado sem nenhum deságio, com a mesma facilidade que o ouro legalizado, por falta de mecanismos e banco de dados que permitam a apreensão desse ouro ilegal.
Então, as ferramentas existentes são fracas para que o Estado ofereça vantagens para aquele que age na legalidade. E, em havendo uma promoção de garimpos legalizados, também tem que haver o combate ao garimpo ilegal, porque é um concorrente desleal daquele que está arcando com esses custos. Então, esse equilíbrio entre a fiscalização mais coercitiva e o trabalho de regularização tem que acontecer para que faça sentido a legalização.
Era essa a minha contribuição.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Passo a palavra à ativista indígena Alessandra Korap Silva, para o encerramento dessa fase de respostas.
A SRA. ALESSANDRA KORAP SILVA - Quero dizer que a política pública está aí e há novos governantes. Aqueles que estavam governando eram muito antigos. O garimpeiro, sem ter como ganhar o pão de cada dia, vai para o garimpo. Por quê? Porque não tem a estrutura que deveria ser dada pelo Prefeito, Presidente e Governador. Por exemplo, na aldeia Sawré Muybu começou a construção de uma escola, mas parou. Ali era para os alunos estarem estudando. Ali era para os alunos estarem se formando. Infelizmente, a construção parou, já há 3 anos. Há barreiras atrás da SEDUC. Não podemos contratar de professores. Os alunos ficam mais velhos, constroem suas famílias e vão para o garimpo. E aí?
Eles dizem que vão cortar verbas. Mas vão cortar de quem? Eles tiram daqueles menores. E o pai de família vai para o garimpo, porque não tem outro jeito.
A culpa é de quem mesmo? É nossa ou do poder público? Não somos nós que criamos a lei, mas os Parlamentares aqui em Brasília, aqui em cima. Aqui é criada a lei. E vocês têm que pensar nisso antes de fazer a lei, têm que pensar naquele que está lá embaixo.
Na PEC 55, que foi aprovada, o congelamento é de 20 anos. A culpa é de quem? O corte de verbas é para a saúde e para educação. E aí? Os Deputados e Vereadores têm que pensar mais, têm que ouvir a população. Às vezes a população pede socorro e muitas vezes não é ouvida. Simplesmente eles dizem o seguinte: "Ah, mas ele é um menos ali". E o largam de mão. Isso impacta não só nele, impacta na região, impacta no Município, no Estado e no Brasil. Não fica impactado só na gente.
A consequência disso é que não há emprego na cidade. Então, o único jeito é ir para a aldeia explorar, invadir, tirar madeira. Só não há um impacto muito grande em nós indígenas porque nós temos a castanha-do-pará, que nós comemos diretamente na época. Mas isso está ameaçado. Os madeireiros estão tirando, fazendo um desmatamento muito grande. E nós sempre nos perguntamos como será o futuro dos nossos filhos. Nós dizemos que estamos com "saúde", entre aspas mesmo, porque sabemos que estamos contaminados pelo mercúrio. E se os meus netos nascerem com defeito? E se meu bisneto não nascer, porque a minha nora não vai poder engravidar? Tudo isso é consequência do garimpo.
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Quero dizer que legalizar o garimpo não é bom para nós.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado.
Eu queria, neste momento, agradecer a todos aqueles que participaram desta reunião. Na verdade, os proponentes desta audiência pública são os Deputados Nilto Tatto, João Daniel e Patrus Ananias. Eu queria agradecer aos três Deputados que propuseram esta reunião destinada a discutir um tema tão pertinente. Agradeço também a participação dos Deputados — em especial, do Estado do Pará, que sofre as consequências diretamente — Airton Faleiro, Vavá Martins e Joaquim Passarinho. Cumprimento a Deputada Joenia Wapichana, que também participou da audiência e fez sua intervenção.
Eu gostaria de dizer aqui que a exposição foi muito contundente, foi muito clara e muito pedagógica sobre os efeitos dessa contaminação que já estão em andamento, de maneira acelerada, prejudicando a população, de um modo geral, que mora na região do Tapajós e os povos indígenas. Estamos enfrentamos aqui um falso dilema entre o desenvolvimento e a geração de emprego e a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. Nós temos que realizar essa tarefa por inteiro, porque nós vimos e ficou claro que não é apenas o mercúrio utilizado no garimpo, mas a devastação, as hidrelétricas e várias atividades, todas em consequência da ação do ser humano, que estão contaminando as populações.
Eu sou do Amapá. Nós comemos muito peixe. Fica muito assustados quando participamos de uma audiência pública como esta, porque são exatamente esses peixes que foram colocados ali que nós consumimos diariamente. Eu tenho certeza de que lá não é em nada diferente. Por exemplo, filhote, dourada e pescada branca são peixes que consumimos diariamente, e o povo indígena ainda consome mais do que nós. Então, isso é muito preocupante.
Eu quero agradecer a contribuição de todos e de todas que trouxeram informações técnicas e políticas. Quero dizer também que a Comissão vai analisar essa questão. Eu tenho certeza de que há o que ser feito a esse respeito, e esta audiência pública nos instrumentaliza para desenvolver esse trabalho.
A Alessandra acabou de falar sobre o corte de gastos. E, como disse o gerente do DNPM, sem dinheiro não se faz fiscalização, sem dinheiro não se investe em educação, sem dinheiro não se faz saúde. Então, esse é um dilema mais amplo que agora nós estamos debatendo também na Comissão de Constituição e Justiça com relação à reforma da Previdência.
Portanto, são dilemas que vamos enfrentar, mas eu tenho certeza de que esta Comissão vai cumprir o seu papel, vai dar sua contribuição. É importante dizer que a iniciativa legislativa, em boa parte dos casos, não é nossa aqui, apesar de nós sermos o Legislativo, nós sermos Parlamentares. Muitas vezes as leis são de iniciativa do Poder Executivo, que tem uma amplitude de capacidade legislativa muito grande. Então, é bom dividir um pouco, porque, apesar de não podermos fazer o que o Executivo faz, o Executivo pode e faz o que nós podemos fazer, e às vezes com mais amplitude ainda.
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No entanto, é tarefa nossa, Presidente Rodrigo Agostinho, que certamente vai conhecer tudo que foi dialogado aqui — eu, como Vice-Presidente, e os demais membros —, fazer encaminhamentos, com apoio de todos.
Agradeço a presença a todos.
Nada mais havendo a tratar, sem mais nenhum tema a abordar, declaro encerrada a presente reunião.
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