1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Ordinária - Conjunta das Comissões CDHM, CDU, CINDRA e CLP)
Em 15 de Abril de 2019 (Segunda-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:18
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O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Urbano — CDU, em conjunto com as seguintes Comissões: Comissão de Legislação Participativa — CLP, Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia — CINDRA e Comissão de Direitos Humanos e Minorias — CDHM.
Faço questão de citar os Deputados que, de modo geral, apresentaram os requerimentos nas várias Comissões e aqueles que são coautores, que os subscreveram: Deputado Helder Salomão, Presidente da CDHM; Deputado José Ricardo, membro da CDU; Deputado Glauber Braga, membro da CLP; Deputado Eduardo Braide, membro da CDU; Deputada Luiza Erundina, membro da CLP; Deputado Frei Anastacio Ribeiro, membro da CINDRA; Deputado Jesus Sérgio, 2º Vice-Presidente da CINDRA; Deputado Padre João, Vice-Presidente da CDHM; e eu, Deputado Edmilson Rodrigues, autor de um dos requerimentos, subscrito por vários Deputados que também subscrevem requerimentos em outras Comissões, que são os mesmos Deputados que já citei.
Como os senhores podem perceber, houve uma grande articulação de Deputados que participam de várias Comissões para construir essa sinergia, envolvendo quatro importantíssimas Comissões Permanentes da Casa, para debater um tema muito importante: a Medida Provisória nº 868, de 2018, que pretende privatizar os sistemas de saneamento básico ou saneamento ambiental.
Tivemos uma conversa rápida e, considerando que são muitos os convidados e onze já estão presentes, vamos fazer mesas compostas por seis palestrantes de cada vez. Ainda deve chegar mais algum. Se forem doze, nós daremos prioridade aos convidados, em respeito a eles. Os Deputados que tiverem que sair para falar em plenário sairão e voltarão para usar da palavra no momento seguinte.
Se me permitem, deixem-me ver como se dará a organização dos trabalhos, para eu chamar a Mesa. Como são muitos palestrantes, a ideia é esta: cada um falará por 10 minutos. Ficamos até constrangidos, porque sabemos que quem vai falar prepara, às vezes, documento bastante denso, com muita informação, muita análise. Dizer que será necessário falar nesse tempo acaba sendo uma dificuldade posta no meio do caminho. (Pausa.)
Desculpem-me, eu anotei o nome do Deputado Joseildo Ramos e acabei não lendo, porque estava anotado ao lado, a caneta. S.Exa. é também um dos autores dos requerimentos.
Vou passar a compor a Mesa, chamando os seis primeiros palestrantes. A ideia é que uma primeira Mesa palestre e, depois, avaliemos se os Deputados já fariam uma primeira intervenção. Cada uma seria de 3 minutos. Portanto, cada palestrante terá em torno de 10 minutos para falar. Depois comporemos uma segunda Mesa.
14:22
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Chamo para compor a Mesa a Sra. Renata Valim, Secretária de Juventude da Federação Nacional dos Urbanitários — FNU.
Aplausos, por favor. (Palmas.)
Que bom que a Federação mandou mulheres! Falo isso porque já houve caso de haver 100% de homens, e não tivemos como interferir, porque essa era a representação da entidade.
Chamo a Sra. Ana Lúcia Britto, representante do Observatório das Metrópoles, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a gloriosa UFRJ. (Palmas.)
Olha a Academia presente, mostrando que ciência e tecnologia devem caminhar a favor da soberania nacional e dos direitos do povo.
Chamo a Sra. Malu Ribeiro, representante da Fundação SOS Mata Atlântica.
Eu não a vi ainda. Então, vamos seguir.
Chamo o Sr. Gabriel Alves, Diretor de Assuntos Institucionais da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento — ASSEMAE. (Palmas.)
Está presente o Gabriel. Obrigado.
Chamo agora o Sr. Pedro Blois, Presidente do Sindicato dos Urbanitários do Pará, meu conterrâneo, nosso companheirão de luta. (Palmas.)
Quantos já temos na mesa? (Pausa.)
Quatro. Vou chamar mais dois.
Convido agora o Sr. Igor Pontes Aguiar, representante do SINDÁGUA/DF e o Sr. Ubiratan Pereira, Secretário-Executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento — AESBE. (Palmas.)
Composta a Mesa, iniciaremos pela ordem chamada.
(Manifestação na plateia: É palhaçada, patifaria! Até a água virou mercadoria! É palhaçada, patifaria! Até a água virou mercadoria!)
(Manifestação na plateia: Eu sou urbanitário, eu sou! Eu vou lutar, eu vou! E ninguém vai privatizar! Eu sou urbanitário, eu sou! Eu vou lutar, eu vou! E ninguém vai privatizar!) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Muito obrigado.
Não sei se o tempo será marcado eletronicamente. O apoio pode me informar? Tudo bem. Então, como serão 10 minutos, peço que me informem aos 8 minutos, para que eu alerte a palestrante, a fim de que faça o raciocínio conclusivo.
Então, passo a palavra à Renata Valim, Secretária de Juventude da Federação Nacional dos Urbanitários.
A SRA. RENATA VALIM - Boa tarde, Deputado Edmilson Rodrigues.
Cumprimentando o Deputado Edmilson, cumprimento todos os Deputados e Deputadas presentes na Casa.
Vou usar uma apresentação, que já está ali.
(Segue-se exibição de imagens.)
14:26
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Eu me sinto muito honrada de estar hoje aqui nesta Mesa composta por três mulheres — uma das companheiras não chegou ainda —, porque, até então, nas outras audiências públicas que discutiram a Medida Provisória 868, de 2008, a Mesa era composta só por homens.
O meu primeiro eslaide se desfigurou por causa do meu aplicativo, mas mostra um pensamento do geógrafo Milton Santos, sobre o qual eu gosto muito de falar, porque acho que ele é bem atual. "Nunca na história da humanidade houve condições técnicas e científicas tão adequadas a construir o mundo da dignidade humana, apenas condições foram expropriadas por um punhado de empresas que decidiram construir um mundo perverso". Isso é extremamente atual, é extremamente real, porque nós temos tantas tecnologias e avanços científicos, e parece que isso está sendo usado para construir um mundo contra a humanidade.
Em meu segundo eslaide eu cito a questão das mulheres. Onde há falta de saneamento, onde há falta de água, as mulheres e os jovens são, sim, os primeiros e os mais prejudicados. A falta de água tratada e de saneamento afeta diretamente as mulheres, em especial as jovens e negras.
O relatório da ONU de 2016 mostrou que as mulheres são as responsáveis pela garantia de água em seus lares. As mulheres são as responsáveis pela garantia de água em seus lares, onde há escassez de água tratada. E, muitas vezes, as mulheres emprestam de 2 a 8 horas diárias para buscar essa água em locais e garantir a água para sua família. No decorrer do seu dia, quando vão buscar a água, elas acabam sofrendo violência sexual e, muitas vezes, são atacadas por animais. Muitas mulheres jovens acabam se afastando da vida escolar, porque têm a responsabilidade de desempenhar essa tarefa árdua em seu dia. Essas mulheres sofrem violência sexual, porque têm que ir até determinado local para se banhar, para fazer a lavagem das roupas da casa. Há também a questão das mulheres que acabam contraindo doenças.
As mulheres são, sim, muito afetadas. E isso não ocorre só em países como África e Índia. Nós falamos também dessa questão aqui no Brasil, nas zonas rurais e no Nordeste brasileiro, onde isso é muito comum acontecer.
Há também a questão da MP, que foi reeditada. Nós vencemos a MP no final do ano passado, e ela vem novamente com pequenas alterações. E aqui eu quis fazer uma síntese dos principais pontos importantes nela. Ela altera a função da ANA, exatamente como na MP 844, e torna a ANA a principal agência reguladora do setor de saneamento, retira as atribuições das agências estaduais, torna a ANA responsável pela questão das tarifas do setor do saneamento. E isso é muito complicado, porque sabemos que a ANA não tem um corpo técnico para isso. E, também, questionamos a questão das diferenças geográficas do País, como a ANA vai fixar o valor das tarifas, como a ANA vai ter essa competência.
14:30
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E a MP entrega o filé do saneamento para a iniciativa privada. Isso é notório, isso é sabido, disso todo mundo tem o conhecimento. E o Município vai ficar preso à licitação. E a empresa privada normalmente tem interesse apenas onde é mais rentável, onde o Estado já fez muitos investimentos nos últimos anos, onde ela não vai precisar fazer quase nenhum investimento e onde entrará no negócio ganhando a tarifa. Os Municípios menores, hoje, 80 a 85% no País, vão ficar provavelmente a cargo do Estado, acabando assim com o subsídio cruzado.
Todo mundo aqui e os trabalhadores sabem o que é, mas o subsídio cruzado é o que garante uma tarifa justa para todos e para todas. Então, vai acabar o subsídio cruzado. E temos que levar em conta os riscos que os Municípios menores vão sofrer, os riscos políticos. O Município menor não tem uma força política para negociar com uma transnacional, por exemplo. E sabemos que no setor do saneamento privado não vamos negociar com uma empresa nacional, estaremos negociando com uma transnacional.
E eu não sei se os Parlamentares aqui sabem, mas o Brasil hoje ocupa o segundo lugar no ranking mundial de reestatização. Nós perdemos apenas para a França. A França hoje tem 106 casos de reestatização no mundo no setor de saneamento. E o Brasil tem 78 casos de reestatização de saneamento, isso do ano 2000 para cá.
E aqui eu cito dois casos, um é o caso do Estado de Tocantins, e o caso do Município de Itu, em São Paulo. O caso de Itu é bem peculiar, porque é um caso de reestatização que aconteceu em menos de 10 anos, diferente dos demais casos de reestatização que aconteceram no mundo, onde se reestatizou no fim do contrato de concessão, quando, no momento de renovação, não foi renovado, e se reestatizou. No Município de Itu, a empresa privada não cumpriu as cláusulas do programa. No auge da seca em 2014, quando as torneiras realmente secaram, a população não tinha água, e, simplesmente, a empresa privada não tomou nenhuma posição para isso, não investiu. A Prefeitura teve que levar caminhão-pipa para a população. Podemos comparar o caso de Itu ao que aconteceu na Bolívia. Ocorreu a guerra da água, quando a população foi para a rua e protestou. E a Prefeitura, num caso de emergência, teve que tomar o sistema de água de Itu, criar uma autarquia municipal e retomar o serviço, em menos de 10 anos. Ali se comprovou que não dá certo. Onde se privatiza o serviço de saneamento, não dá certo, e as causas são sempre as mesmas: falta de transparência nos contratos, precariedade no serviço prestado, elevação do valor da tarifa. E a questão de Tocantins é praticamente a mesma. Tocantins é o Estado mais novo do Brasil. Depois de 10 anos da criação do Estado, a empresa de saneamento foi totalmente privatizada. Após alguns anos, simplesmente, a empresa privada que estava lá entregou de volta para o Estado os Municípios menores que não eram rentáveis, ficou somente com os Municípios maiores e com os Municípios que eram rentáveis, deixou a cargo do Estado.
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E aqui, como eu comentei antes, eu deixo os motivos da reestatização. E no mundo nós já temos 267 casos de reestatização no setor do saneamento, sem contar também a questão de reestatização no setor de energia elétrica, no setor de transporte, que elevaria o número para quase 400 casos.
E, ao mesmo tempo que temos as empresas privadas no setor do saneamento, prestando um serviço extremamente precário, há empresas privadas lucrando altamente. Então, o que conseguimos observar? Altos lucros em detrimento do serviço prestado à população.
Uma pesquisa realizada em 2017 pelo Instituto Mais Democracia, intitulada Quem São os Proprietários do Saneamento no Brasil?, comprovou que 58% das empresas privadas que prestam serviço de saneamento no Brasil são ligadas a instituições financeiras e todas elas instituições financeiras internacionais. E comprovou também que as cinco maiores empresas que prestam serviço de saneamento no Brasil atendem 88% desses Municípios privados. Então, o que conseguimos observar? Que o saneamento privado no Brasil está na mão de apenas cinco empresas.
E também temos que observar a questão da internacionalização da nossa água. Hoje, nós somos um País que tem uma abundância muito grande em água, temos aquíferos importantes, enquanto outros países não têm a quantidade e a qualidade da nossa água.
E a água é um direito fundamental para todos. A ONU já declarou em 2010 que água e saneamento é direito humano. Lembro que, como direito humano, a água precisa passar por cinco pilares: a disponibilidade, a acessibilidade física, a acessibilidade financeira e a qualidade. Quanto à qualidade, vou rapidamente relatar um caso. Eu sou do Estado do Rio Grande do Sul. No nosso Estado, tivemos o caso de privatização na cidade de Uruguaiana. Passaram por lá 3 empresas: Odebrecht, Águas do Brasil e agora está a BRK. Mas a população não quer mais a BRK. O valor da tarifa está 70% maior, a qualidade da água deixa muito a desejar, e a população não a quer mais. A Prefeitura não pode romper o contrato, porque, se o fizer, vai ter que pagar um valor exorbitante de multa contratual. Simplesmente, a agência estadual não consegue agir sobre a BRK. A Prefeitura também não consegue fazer nada, e a população está nas mãos dessa empresa internacional. Nesse eslaide digo que água é um bem de todos, não pode ter dono, que é a mensagem do meu sindicato. Sou dirigente também do meu sindicato, sou uma trabalhadora do setor de saneamento no Rio Grande do Sul. Acho que é na luta que nos encontramos para garantir que água não seja uma mercadoria. Eu agradeço. Obrigada.
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(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Muito obrigado, Renata Valim, pela exposição.
Eu espero que todas essas exposições, essas sistematizações usadas aqui fiquem disponíveis para que possamos fazer, com essas ideias, o relatório da Comissão.
Antes de chamar a nossa querida Profa. Ana Lúcia Britto, da UFRJ, eu queria dizer que o Ubiratan Pereira, da AESBE — Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento, percebendo aqui a presença do Roberto Tavares, que é o Presidente da entidade, me pediu que eu o substituísse por ele. Então, quero convidar o Sr. Roberto Tavares para compor a Mesa. Sinta-se em casa! (Palmas.)
Agora eu queria chamar o Deputado Helder Salomão, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, para fazermos um rodízio. (Palmas.)
Enquanto S.Exa. se aproxima, concedo a palavra ao Deputado Leonardo Monteiro, que preside a Comissão de Legislação Participativa. Antes, porém, lerei os nomes dos oradores da próxima rodada: Thiago Alves Ávila, representante da Coordenação Nacional do Fórum Alternativo Mundial da Água; Edson Aparecido da Silva, representante da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental; João Marcos Paes de Almeida, representante da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros; Marco Helano Fernandes Montenegro, Coordenador-Geral do Observatório Nacional pelos Direitos à Água e ao Saneamento — ONDAS; Roberto Cavalcanti Tavares, Presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento — AESBE, e João Maria, representante do Sindicato dos Urbanitários de Goiás. (Palmas.)
Nós tínhamos combinado de os Deputados falarem depois, mas a realidade é que os Deputados têm outras atividades nas Comissões, inclusive no plenário. Portanto, eu recebi aqui a proposta e, como sou sensível, vou conceder a palavra ao Deputado Leonardo Monteiro.
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O SR. LEONARDO MONTEIRO (PT - MG) - Quero cumprimentar os Deputados Edmilson Rodrigues e Helder Salomão. Prometo que serei breve. Quero aqui saudar todos os Deputados e Deputadas presentes, todos os urbanitários, todas as entidades na luta pelo saneamento e pela água presentes neste plenário repleto.
E, ao saudá-los, quero desejar que nós possamos realizar aqui um bom debate, uma grande audiência pública promovida, em conjunto, pela Comissão de Desenvolvimento Urbano, pela Comissão de Participação Legislativa e pela Comissão de Direitos Humanos. Que este debate possa ser oportuno e que possamos discutir, como aqui foi dito na abertura do encontro, com a manifestação dos trabalhadores em saneamento, a água como um direito de todos e de todas. Digamos não à privatização do saneamento e da água!
Muitas felicidades para vocês! Tenham um bom encontro! E podem contar conosco, com a nossa Comissão de Participação Legislativa. Sejam bem-vindos! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Deputado Leonardo Monteiro.
Dando sequência, eu quero avisar que também vamos continuar a fazer o rodízio aqui na Mesa. Então, daqui a pouco passarei a presidência dos trabalhos ao Deputado Jesus Sérgio.
Tem agora a palavra a Sra. Ana Lúcia Britto, representante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Observatório das Metrópoles, por 10 minutos, para fazer a sua exposição. Na sequência, mais um Deputado fará o seu pronunciamento.
A SRA. ANA LÚCIA BRITTO - Boa tarde a todos. Eu cumprimento o Deputado Edmilson Rodrigues e o Deputado Helder Salomão. Quero agradecer o convite para estar aqui discutindo tema de pesquisa que desenvolvemos no Observatório das Metrópoles, na UFRJ, no Rio de Janeiro, referente à questão das políticas públicas em saneamento.
Vou tentar ser rápida. O debate aqui é sobre a MP, sobre a política pública e sobre uma questão que é fundamental começarmos a discutir agora, que é a revisão do Plano Nacional de Saneamento Básico. Eu vou tentar tratar um pouco desses três temas nos meus breves 10 minutos.
(Segue-se exibição de imagens.)
A primeira coisa que devemos fazer é olhar um pouco onde nós estamos e qual é a herança que Governo Temer, infelizmente, nos deixou.
Em primeiro lugar, a herança que Governo Temer nos deixou foram os cortes profundos propostos na emenda constitucional, que virou lei, e na área social, cortes profundos na possibilidade de investimentos públicos em saneamento básico.
Outra herança muito ruim, muito negativa, que o Governo Temer nos deixou foi o desmonte das estruturas de controle social da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, do Conselho Nacional das Cidades, e, evidentemente, dentro do Conselho Nacional das Cidades, de todo o grupo que construiu e acompanhou a construção da Política Nacional de Saneamento.
Observamos que são duas heranças ruins, e há uma terceira herança ruim, que foi a primeira versão da MP, convertida na segunda, que é a MP 868, de 2018.
14:46
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Então, rapidamente, a primeira discussão que eu acho que temos que travar aqui é: por que modificar a Lei de Saneamento Básico, a Lei 11.445, de 2007, através de uma medida provisória? Eu estou vendo aqui na plateia companheiros que foram da primeira gestão do Ministério das Cidades. Houve todo o processo de debate público de construção dessa lei que aconteceu. Do dia para a noite queremos reverter esse projeto de debate público, de uma lei que foi um consenso possível entre os atores do setor, através de uma medida provisória. Eu gostaria de saber o porquê da urgência de modificar a lei de saneamento.
Outra questão, focando mais nessa medida provisória, nos seus pontos negativos, que são vários. A companheira da FNU, a Renata Valim, tocou em alguns. Eu vou focar em dois pontos que eu acho que são essenciais.
O primeiro ponto é o art. 8º D da MP, que permite a venda das companhias estaduais de saneamento básico, sem a extinção dos contratos de programa, mediante anuência do titular do serviço, ou seja, permite a privatização das companhias de saneamento básico mantendo os contratos de programa. Essa é a primeira coisa.
A segunda coisa que obriga os Municípios — há companheiros aqui da ASSEMAE, que vai ter uma fala na mesa — a fazerem instrumento público antes de assinar o contrato de programa com as companhias estaduais de saneamento.
Eu tive o trabalho de ler todas as emendas feitas à MP, com vários Deputados, inclusive alguns aqui presentes. Na realidade, há toda uma discussão acerca da inconstitucionalidade desses dois itens da medida provisória. Ela fere uma lógica da gestão associada de serviços públicos — primeira coisa —, regulamentada pela lei dos consórcios públicos, quebra uma coisa que eu acho fundamental para entender um pouco o nosso regime federativo, que é a subsidiariedade e da cooperação entre entes da Federação, a solidariedade entre entes da Federação. Essa lei vem quebrar essa questão.
Por outro lado, coloca em questão o papel do Estado, do poder público da União, como responsável pela universalização do acesso aos serviços de saneamento. Isso é uma questão fundamental que eu acho que tem que estar aqui no debate. Ela facilita a privatização das companhias. É importante chamar atenção que é o único...
Eu sou professora, sou meio chata, está o maior zum-zum aqui. Peço às pessoas para falarem mais baixo.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Pessoal, atendendo o pedido, peço, por favor, que quem estiver aqui no plenário ajude com o silêncio, porque atrapalha quem está fazendo a exposição. Agradeço.
A SRA. ANA LÚCIA BRITTO - E atrapalha o raciocínio.
Valeu, obrigada.
Então, a primeira questão, para entender, é que o contrato de programa é o principal ativo das companhias estaduais de saneamento, ou seja, os canos, as estações de tratamento de água, tudo isso pertence aos Municípios; não pertence às companhias de saneamento. O que elas têm como ativo são os contratos.
14:50
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Entendemos que os ativos principais das companhias de saneamento são esses contratos de programa. Sem isso, essas companhias não valem nada. Então, toda a ideia da MP está voltada, sobretudo, para essa questão da privatização do setor de saneamento, tanto facilitando a privatização das companhias estaduais, como também obrigando ou abrindo a licitação para Municípios que optariam por um serviço público e vão ser obrigados, então, a abrir a licitação desses contratos.
Outra coisa que eu queria deixar aqui...
(Falha técnica na exibição das imagens.)
A SRA. ANA LÚCIA BRITTO - Eu vou acompanhar aqui no meu monitor e vai ficar sem imagem para vocês, mas tudo bem, eu acho que não é muito grave. Parece que estão me boicotando aqui. Voltou. Quando nós falamos sobre privatização, ficamos meio paranoicos, porque ficamos achando que alguém, enfim, está boicotando as nossas ideias.
Eu vou voltar aqui para a discussão sobre se os prestadores privados têm interesse em atuar nas áreas onde está o déficit de saneamento no País. O Plano Nacional de Saneamento Básico na primeira versão — da qual eu tive a honra de participar com a equipe coordenada pelo Prof. Leo Heller, Comissário da ONU pelo Direito Humano a Água e com o Ministério das Cidades — fez um levantamento sobre onde estava o déficit em saneamento. Então, onde é que está o déficit em saneamento? Quem não tem acesso a água e esgoto no Brasil? A população com baixa capacidade de pagamento de tarifas, a população que vive em áreas urbanas dispersas, na periferia das regiões metropolitanas e nos assentamentos precários. Eu gostaria de saber se as empresas privadas vão ter interesse em atender a essa população, partindo do princípio de que nós vivemos num regime capitalista e as empresas privadas buscam obter lucro. Então, essa eu acho que é a questão central.
Só dando um exemplo para dizer que eu não estou inventando nada, eu trouxe aqui para os senhores um Power Point da AEGEA, que é uma das maiores empresas de saneamento básico no Brasil. Este é o Power Point institucional da AEGEA, que diz ali a quem ela quer atender: renda familiar alta, tarifas dentro da média, baixo índice histórico de inadimplência. Ou seja, não vai ser através da AEGEA nem das empresas privadas de saneamento que nós vamos conseguir atender a esse déficit que existe hoje no Brasil.
É importante chamar a atenção para o fato de que toda a medida provisória está voltada para favorecer a ampliação da participação privada no setor de saneamento. Essa é a política do Governo Temer e é a política que parece que terá continuidade no novo Governo Bolsonaro.
Este foi só um exemplo para entender, porque as pessoas acham que o setor privado vai investir recursos próprios em saneamento.
Eu tive o trabalho de fazer a soma dos investimentos e de onde vêm os recursos das empresas privadas, a partir dos dados o SNIS — Sistema Nacional de Informações em Saneamento. O dinheiro das empresas privadas vem de recursos do FAT e do FGTS, de empréstimos do FAT e do FGTS. São recursos públicos, onerosos como empréstimos, evidentemente, mas com taxas de juros muito baixas, de 5% a 8% ao ano. Então, se os senhores olhares ali a imagem, verão que as empresas privadas investem muito pouco com recursos próprios. Isso quer dizer que não vai ser através do investimento com recursos próprios das empresas privadas... Se elas não fizeram até hoje, não vai ser a partir de agora que elas vão começar a colocar dinheiro próprio para atender à universalização dos serviços, que é justamente para a população que tem menor capacidade de pagamento. Eu estou falando uma coisa óbvia, mas parece que quem propôs a MP não pensou nessa obviedade.
14:54
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Outra questão importante é olhar para a história e olhar para o que acontece fora do Brasil. Fora do Brasil, quase todos os países... A companheira aqui falou da França, por exemplo. Na França, há empresas privadas de saneamento, sim, mas os serviços foram universalizados no século 19, início do século 20, com recursos públicos. Sem recursos públicos, não se vai chegar a essa universalização.
A lógica de lucro evidentemente não é compatível com o atendimento da população mais pobre. É importante chamar a atenção ainda para o fato de que saneamento é diferente de educação e saúde, porque em educação e saúde existem muitas empresas privadas. O Grupo Kroton de educação ganha fortunas, mas, além do Grupo Kroton, há escola pública, então ninguém é obrigado a ficar submetido apenas ao Grupo Kroton, ou a grupos de empresas na área de saúde, como nós temos no Rio de Janeiro o Grupo D'Or. Existem hospitais públicos. No saneamento, não, só existe um prestador. Não se pode escolher: eu não quero essa empresa de água, eu quero outra. Não pode. Então, não pode e, se não pode, se é um serviço monopólico, tem que haver muito mais cuidados com essa questão da participação privada.
Além disso, o Brasil não tem uma tradição, ainda, de regulação de prestação privada. Nós estamos construindo essa tradição, mas ela é frágil. Portanto, quando nós olharmos o resultado da MP, vamos ver uma fragmentação profunda. O que vai acontecer? A empresa privada vai querer a parte mais lucrativa, evidentemente, os Municípios que têm a possibilidade de oferecer mais lucro, e toda a área que não tem acesso ao serviço ainda, como Municípios rurais dispersos, população de baixa renda nas favelas, nos Municípios da periferia, de onde eu venho, do Rio de Janeiro, da Baixada Fluminense... Qual é a empresa privada que vai querer atender Belford Roxo? Vocês podem me dizer? Não sei. Não vai haver.
Então, isso vai ficar para o setor público, o que é um contrassenso, porque se o objetivo é reduzir os gastos públicos, justamente o setor público vai ter que investir muito para atender a essa população. Então, a política está torta, está ao contrário. Eu acho que nós temos que começar a olhar isso com mais cuidado.
O que nós concluímos da MP? Em primeiro lugar, conclui-se que ela compromete o aprimoramento da prestação de serviços que valoriza os prestadores públicos no País. Isso é um fato.
Em segundo lugar, nós queremos uma valorização desses prestadores públicos, e eu vou dizer o motivo. Deve haver representantes aqui dos grupos privados. Saiu o último ranking do Trata Brasil, e eu posso dizer que o Trata Brasil é muito amigo das empresas privadas. No ranking do Trata Brasil, se você for olhar os melhores prestadores de serviço, eles são públicos. Está lá a SABESP, está lá Uberlândia, que é um serviço público municipal. Então, não é verdade que o setor público não sabe prestar serviço de qualidade. Sabe sim, e sabe prestar com política social. Por exemplo, em Uberlândia existe um modelo de tarifa social que dá água gratuita, 20 m³, para 1,4 mil famílias, e nem por isso Uberlândia faliu e Uberlândia está em segundo lugar no ranking do Trata Brasil. Assim sendo, eu acho que nós temos que reverter a política e começar a valorizar o prestador público, fortalecer a política de controle social e, sobretudo, criar programas e políticas públicas para atender a população mais vulnerável. São esses os princípios que estavam na origem da Lei nº 11.445. São esses os princípios que estão na origem do PLANSAB e são esses os princípios que a política pública de saneamento tem que resgatar.
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Nós temos algumas propostas que estão em debate agora. A abertura do PLANSAB para consulta pública é um ótimo momento para a sociedade civil apoiar essas propostas através de emendas ao PLANSAB, a garantia de recursos públicos no setor de saneamento, tendo como prioridade investimentos da União.
Eu falei muito rapidamente, mas acho que eu consegui deixar claro que não vai ser através de investimentos privados que nós vamos universalizar o acesso dos serviços à população carente no Brasil.
Quanto ao fortalecimento técnico dos prestadores públicos, no PLANSAB, há um programa fundamental voltado para isso que se chama Programa Estruturante. Eu gostaria que todos os SAAEs fossem tão bons quanto os de Uberlândia, que todas as companhias de saneamento públicas do Brasil fossem tão boas quanto as existem hoje em São Paulo, em Minas Gerais, que estão no topo do ranking. Eu acho que este tem de ser o projeto do Governo.
Por último, gostaria que se voltasse a fortalecer o controle social e reativasse o Conselho Nacional das Cidades. Estou vendo aqui gente que fez parte do conselho. É importantíssimo que nós levemos adiante a luta de garantir o controle social no saneamento.
É isso. Obrigada pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Vamos agora ouvir a fala de um Deputado, por 3 minutos.
Falou o Deputado Leonardo Monteiro. Não chegou aqui à Mesa a informação sobre quem é o próximo Deputado. Eu não tenho a lista de quem será o próximo Deputado a se pronunciar por 3 minutos.
Façam um acordo entre V.Exas., então.
Eu não tenho a lista de quem será o próximo Deputado a se pronunciar por 3 minutos.
Façam um acordo entre V.Exas., então. Quem chegou primeiro?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Tem a palavra o Deputado Joseildo Ramos, então, por 3 minutos. (Palmas.)
O SR. JOSEILDO RAMOS (PT - BA) - Eu quero cumprimentar a Mesa, em nome do nosso companheiro Deputado Helder Salomão, e gostaria de felicitar todos que aqui se encontram.
Neste momento, não só a Medida Provisória nº 868, mas também o processo de venda da ELEROBRAS transformam a água em mercadoria. O Rio São Francisco está morrendo, agonizando. O uso da água é conflitante.
Então, a venda da CHESF no Rio São Francisco, que recebe esgotos ainda não tratados, também é a transformação da água em mercadoria, em outro foco, além desta medida que é inconstitucional.
Eu estava ali imaginando a minha cidade. Lá nós construímos o marco regulatório municipal no início dos anos 2000. Se esta medida provisória passar, lá em Alagoinhas, na Bahia, está previsto que só pode privatizar o sistema municipal, que é uma superintendência, o SAAE, se 75% da população, em plebiscito, disser que pode privatizar. Portanto, é preciso que estejamos atentos para essa situação.
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Outra coisa: no processo de privatização, como a professora colocou de maneira muito clara, o que vai acontecer é o deslocamento de recursos públicos, independentemente de serem financeiros ou não, para a elite, em desfavor da grande maioria da população, que é o que está acontecendo. De todos os serviços públicos, o espelho da degradação ambiental e da desigualdade é exatamente o saneamento.
Então, com essa desigualdade que há no Brasil, que apenas experimentou tão somente os primeiros degraus da construção de um Estado de bem-estar social, privatizar é relegar a maior parte da nossa população à iniquidade da desigualdade. Principalmente nós lá do Nordeste e do Norte é que vamos sofrer muito.
É preciso que estejamos juntos. Ninguém larga a mão de ninguém. (Palmas.)
Nós precisamos combater firmemente isso, porque, com os avanços que tivemos no poder público de 2007 a 2016, mais de 100 bilhões de reais foram selecionados. Houve a seleção pública de projetos e, desses, mais de 80 bilhões foram contratados e mais de 65% foram executados. Foi um momento em que este Brasil viu, nos Governos de Lula e Dilma, o investimento em saneamento a favor das populações mais empobrecidas.
Vamos à luta. "Não" à MPV 868/18. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Deputado Joseildo.
O próximo a fazer a sua exposição é o Gabriel Alves, Diretor de Assuntos Institucionais da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento, por 10 minutos.
O SR. GABRIEL ALVES - Muito obrigado.
Boa tarde a todos e a todas. Inicialmente, em nome da ASSEMAE, agradeço o convite para estar aqui nesta tarde, neste debate tão importante, que trata de saúde, que trata de qualidade de vida para todos nós brasileiros.
Eu gostaria só de justificar a ausência do nosso Presidente, Aparecido Hojaij. Infelizmente, ele não pôde estar aqui hoje, em virtude de compromissos assumidos anteriormente, mas fez questão que eu viesse dar o nosso recado, trazer o nosso posicionamento enquanto entidade que representa os Municípios.
Vou falar um pouco da ASSEMAE. Sei que a maioria aqui já nos conhece, mas é sempre bom lembrar.
(Segue-se exibição de imagens.)
A ASSEMAE é a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento. Nós somos a entidade que reúne nacionalmente os Municípios que possuem serviços autônomos de água, esgoto, drenagem urbana e resíduos sólidos. Há cerca de 2 mil Municípios associados à ASSEMAE, que respondem pela prestação de 25% do setor de saneamento no Brasil, atendendo mais de 50 milhões de brasileiros.
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Entre as nossas principais atividades, claro, está a defesa da titularidade dos Municípios em relação ao saneamento e a capacitação dos Municípios. Nós realizamos várias ações de minicursos e oficinas em diversas regiões do Brasil, sempre na perspectiva de melhorar e auxiliar os nossos gestores e técnicos a fazer um saneamento público cada vez melhor. Também realizamos eventos nacionais e regionais, representamos os nossos associados que debatem a questão do saneamento em instâncias federais e também propomos e acompanhamos a construção de projetos de lei.
Em relação à Medida Provisória nº 868, de 2018, a ASSEMAE não é contra a atualização do marco legal do saneamento. Nós entendemos que é importante que haja modernização nessa lei, considerando que já faz 10 anos que ela foi criada. Contudo, essas alterações, essas mudanças devem respeitar os serviços públicos de saneamento, tanto estaduais quantos municipais, porque nós entendemos que não adianta fazermos alterações na lei para privilegiar apenas um setor. É preciso que todos os setores que atuam neste segmento sejam ouvidos e respeitados, até porque saneamento é uma política de Estado. E essa política tem que ter permanentemente a atenção dos nossos governantes.
E, como muitos dos senhores sabem, a ASSEMAE tem atuado de forma conjunta com outras importantes entidades do setor, como a Associação Brasileira de Agência de Regulação — ABAR, que representa as agências de regulação; a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental — ABES, que representa a parte de engenharia sanitária e ambiental; e a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais — AESBE, que representa as companhias estaduais. Inclusive, nós chegamos a enviar uma proposta conjunta para ajustes na MP 868/18 e também propostas que possam promover o avanço do saneamento no Brasil. Entre essas propostas está a questão da ampliação de subsídios. Nós entendemos a fundamental importância das tarifas sociais, e também da criação de um fundo nacional para o saneamento básico.
Outra questão importante são os mecanismos de transparência e informação, a redução de custos para desonerar o setor e o apoio permanente aos prestadores de serviços, através de assistência técnica.
Entrando mais diretamente na questão da medida provisória, eu trouxe aqui alguns apontamentos que a ASSEMAE entende serem importantes e que merecem sofrer ajustes aqui na Comissão Mista e também no Congresso, porque, se esses ajustes não acontecerem, não forem efetivados, e a MP for aprovada da forma como está, todo o nosso setor de saneamento vai ser desestruturado. Um dos artigos que merecem sofrer ajustes é o art. 4º-C, que cria normas de referência nacionais para a regulação do saneamento. Os Municípios não são contra a criação de normas nacionais de regulação. Contudo, nós entendemos que é preciso que as agências intermunicipais e estaduais que já atuam atualmente sejam ouvidas e respeitadas, até porque elas já têm anos de contribuição para o setor e apresentam políticas de subsídios tarifários, enfim, já possuem experiências extremamente exitosas. E não faz sentido, de uma hora para outra, acabar com todas elas.
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Outra questão importante são os arts. 4º-D e 25-B, que criam nova dificuldade para o acesso a recursos federais. Por quê? Porque, de acordo com esses artigos, apenas os Municípios que seguirem as normas de regulação da Agência Nacional de Águas — ANA vão ter direito a acessar recursos federais voltados para a área de saneamento. O que isso significa? Que apenas os Municípios que já têm estrutura, corpo técnico e capacidade técnica avançada, apenas esses, vão conseguir continuar acessando recursos federais, enquanto os Municípios pobres e deficitários vão continuar sem acessar esses investimentos, que são fundamentais para garantir o avanço do saneamento. Então esses artigos acabam ampliando o abismo entre Municípios ricos e pobres.
Outro artigo importante que merece passar por alterações é o art. 23, § 1º, que permite que a regulação aconteça fora dos limites geográficos do Estado. Isso é muito importante porque, com isso, uma agência reguladora lá do Rio Grande do Sul, por exemplo, vai poder regular um Município do Rio Grande do Norte, enfim, da Região Norte, que tem situações, características peculiares, regionalizadas. Então, na visão da ASSEMAE, para os Municípios não faz sentido essa permissão de uma agência reguladora federal para cuidar de particularidades tão presentes na nossa realidade.
Outro artigo é o art. 8º-D, como já foi dito aqui pelas nossas companheiras, que afeta diretamente a titularidade dos Municípios, porque permite a alienação do controle acionário da companhia estatal. Então, de acordo com esse dispositivo, o Município não vai ter o poder de saber ou a permissão de continuar delegando aquele serviço, ou seja, ele não vai ter o poder de escolha se quer ou não continuar delegando aquele serviço.
Quanto ao art. 10-C, acredito, o mais famoso da medida provisória, nós também somos contra, porque ele privilegia apenas o setor privado. Como já foi dito, ele obriga os Municípios a realizarem uma consulta pública, uma chamada pública, para saber se há companhias interessadas em operar o serviço de saneamento naquele local. Então, com isso, claro, a iniciativa privada vai se interessar apenas pelos Municípios rentáveis. E aí vai sobrar para os serviços municipais e para as companhias estaduais ter que operar em regiões deficitárias. Com isso, haverá o sucateamento do serviço público de saneamento no Brasil.
Também pedimos atenção especial dos Parlamentares para o art. 11, §§ 5º a 7º, que permitem a substituição dos Planos Municipais de Saneamento Básico por um simples estudo de viabilidade técnica, o que, na visão da ASSEMAE, incentiva a cultura do não planejamento. O planejamento, na nossa visão, é condição fundamental para garantir a participação social na construção das políticas públicas. Também é no planejamento que o titular do serviço vai poder ter a oportunidade de escolher quais são os rumos do saneamento naquele local, se ele vai delegar para a iniciativa privada, se ele vai delegar para o Estado ou se ele vai operar diretamente. Então, a ASSEMAE solicita, inclusive, que esses artigos sejam revistos, no sentido de garantir que haja o planejamento no setor.
Já encerrando aqui a minha fala, só para reforçar, no dia 5 de fevereiro, as entidades que eu já mencionei, inclusive a ASSEMAE, entregaram à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental uma proposta unificada de alterações e ajustes para a medida provisória, justamente porque as entidades entendem, a ASSEMAE também, que a Medida Provisória nº 868, assim como a 844, que não foi votada, desestruturam as políticas públicas do setor, caso as alterações que solicitamos não sejam atendidas.
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Então, estamos trabalhando conjuntamente no sentido de fazer com que esses ajustes sejam garantidos, de modo a defender os serviços públicos de saneamento e também de avançarmos na questão da universalização em nosso País.
Por fim, eu gostaria de convidar todos — não poderia perder a oportunidade — para o nosso 49º Congresso Nacional de Saneamento. É um evento realizado anualmente pela ASSEMAE, considerado o maior encontro dos Municípios com o setor de saneamento. Nós vamos realizar esse evento de 6 a 10 de maio, na cidade de Cuiabá. Vai ser uma edição especial do evento, porque nós vamos estar comemorando os 35 anos de criação da ASSEMAE e também os 300 anos da criação da cidade de Cuiabá. É um evento amplo. Várias autoridades já confirmaram presença.
Convido todos. Teremos mesas-redondas, painéis, minicursos, vamos ter uma feira de tecnologias com mais de cinquenta estandes voltados para essa área de saneamento. Então é uma oportunidade de reciclar conhecimento, trocar experiências. Sintam-se todos convidados. Aguardamos os senhores e senhoras em Cuiabá.
Agradeço, mais uma vez, o convite em nome da ASSEMAE. E também quero dizer que a ASSEMAE está à disposição para essa construção de diálogo a favor do saneamento, um saneamento inclusivo, democrático, com qualidade, com justiça social.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Gabriel Alves.
Eu vou fazer aqui o rodízio na Mesa agora. O Deputado Edmilson volta a presidir, ou o Deputado Leonardo Monteiro.
Passo a Presidência ao Deputado Leonardo Monteiro, que ainda não presidiu.
Chamo o próximo orador, Deputado José Ricardo, por 3 minutos.
Passo a condução dos trabalhos para o Deputado Leonardo Monteiro.
O SR. JOSÉ RICARDO (PT - AM) - Sr. Presidente da Mesa, Srs. Parlamentares, todos os convidados presentes, queria me somar às palavras de ordem porque água não é mercadoria, água é um direito. Temos que lutar por esse direito.
E quero aqui só colocar como exemplo o caso da cidade de Manaus. No ano 2000, no Governo Amazonino Mendes, era uma empresa estadual que administrava a água na capital e também no interior do Estado. O serviço era ruim, o Governador queria privatizar, deixou sucatear a empresa, não investiu, não cuidou para melhorar o serviço. E aí a desculpa era que tinha que privatizar porque a iniciativa privada tinha mais capacidade e condições de prestar esse serviço. Com essa justificativa, fez a venda, que foi questionada juridicamente, inclusive o Deputado Federal do PT Praciano conseguiu impedir em dois momentos. Mas eles conseguiram. Isso foi no ano 2000, uma concessão de 30 anos. A empresa valia quase 500 milhões e foi vendida por em torno de 200 milhões, e as dívidas e aquilo de ruim ficou para o Estado pagar. A empresa entrou, pagou, pagou pouco, praticamente não investiu, não cumpriu o contrato. Estamos no ano 2019, já houve várias mudanças de sócios, mas quem teve que investir lá foi o Estado e o Governo Federal. O Governo Lula liberou recursos para construir um sistema adicional de tratamento e abastecimento de água da cidade para atender em torno de 600 mil pessoas.
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E o que nós vimos? Simplesmente a tarifa aumentou. A cidade não é atendida em 100% do serviço de água, e no contrato das metas que envolviam esgoto, hoje a cidade não chega a 20% de tratamento. Mas naquilo que a empresa executa não chega a 10%, e não vai cumprir. Portanto, não é a solução.
E no interior do Estado, nos demais Municípios, 100%, nenhuma empresa, nem essa, tem interesse de operar. O Estado opera em alguns Municípios, e os demais têm um precário sistema de água.
Em resumo, a medida provisória realmente quer continuar favorecendo empresas para lugares, para cidades, para localidades em que tenham lucro, que tenham vantagem. Não há interesse nos Municípios mais pobres, isso é claro! Até aprofunda uma situação que já existia. Portanto, não dá para aceitar.
E aqui foi lembrado o fim do Ministério das Cidades, agora do Conselho das Cidades. Essas são derrotas do saneamento, da vida, porque cada vez fica mais distante esse direito em relação ao saneamento e à questão da água. É até uma ironia que em Manaus, que é cercada por dois dos maiores rios do mundo, falte água em parte da cidade.
Eu também, como vários Parlamentares, apresentei emendas e espero que possamos realmente debatê-las.
Da minha parte, vamos continuar do lado dessa tese: água é vida. Temos que lutar. Não importa se a pessoa não tem dinheiro para pagar, mas é preciso garantir o direito das pessoas de acesso à água.
Parabéns! A luta é de todos e todas. Contem conosco.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Leonardo Monteiro. PT - MG) - Muito obrigado.
O próximo palestrante é o Sr. Pedro Blois, Presidente do Sindicato dos Urbanitários do Pará. Depois falará o Deputado Camilo Capiberibe.
Passo a palavra ao Sr. Pedro Blois, Presidente do Sindicato dos Urbanitários do Pará.
O SR. PEDRO BLOIS - Obrigado, Deputado Leonardo Monteiro. Em seu nome, saúdo todos os Deputados que estão presentes nesta audiência pública, e faço uma saudação especial à nossa Deputada Margarida Salomão. Saúdo a Profa. Ana e a Renata em nome de todas as companheiras que estão aqui presentes, e faço uma saudação especial a todas e todos os urbanitários que vieram de Goiás participar dessa audiência pública.
Parabenizo-os, mais uma vez, pela luta que os companheiros vêm desenvolvendo em prol da nossa campanha pela não privatização do setor de saneamento, que é essencial para a população brasileira.
(Segue-se exibição de imagens.)
Audiência pública das Comissões. Já foi amplamente citado aqui qual são as Comissões que estão imbuídas nessa luta contra esse processo de privatização do setor de saneamento.
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Logo que tomamos conhecimento dessa medida provisória, enquanto entidades que compomos a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, nós produzimos o material contra a MP da Sede e da Conta Alta, que está de volta.
Nós conseguimos derrotar a MP 844, e, logo após a derrota, o próprio Governo reeditou a mesma medida provisória, fazendo apenas alguns pequenos ajustes, que não vão resolver o problema do saneamento em nível nacional, por tudo o que já foi colocado e que ainda vai ser colocado aqui pelos outros palestrantes que também vão fazer uso da palavra nesta audiência pública.
Então nós estamos diante de uma situação que eu coloco aqui para que possamos fazer a nossa reflexão. A quem interessa a privatização dos serviços de saneamento hoje no Brasil? Interessa à população ou a um grupo de empresas privadas que vão apenas lucrar com o sofrimento ainda maior do povo brasileiro? Esse é o grande foco da discussão que nós temos sobre essa MP, que, pelo que já foi colocado aqui e por tudo o que nós já avaliamos, não vai trazer nenhum benefício para a população; ao contrário, vai aumentar o valor da tarifa, e o serviço não vai ser universalizado. Poucos vão ter acesso, e a grande maioria vai ficar sem o serviço.
O que significará a aprovação da Medida Provisória nº 868, de 2018? A água será tratada como uma mercadoria. Hoje as empresas públicas que operam em praticamente 70% do território nacional não têm aquele compromisso com a mercadoria. Elas visam o seu lucro para reinvestir nos serviços e melhorar cada vez mais a qualidade da prestação de serviço, ao contrário das empresas privadas, que só querem ter os dividendos, com uma tarifa extorsiva para a população. E a tarifa que as empresas públicas praticam tem o objetivo de dar acesso ao pagamento a todos e retornar esse benefício.
Se você já paga caro por sua conta de água, isso poderá piorar, porque as empresas privadas estão interessadas em ter lucro e, para isso, têm que aumentar a tarifa. Essa é uma condição básica, quando as empresas privadas assumem. Isso nós vemos no setor elétrico. Lá no Goiás não foi diferente com a privatização da CELG. Vocês viram lá o que aconteceu. E no saneamento também não é diferente: a empresa privada entra e já diz logo que precisa de um reajuste muito superior à inflação do período para que ela comece realmente a ter a sua lucratividade, com o discurso de que vai, com esse reajuste, fazer os investimentos necessários. Na verdade, deveria ocorrer o contrário. A empresa já deveria colocar dinheiro, porque nós sabemos que os investimentos no setor de saneamento têm retorno de lucratividade em médio e longo prazo. Por isso há essa discussão entre o público e o privado.
Eu já vou entrar aqui no art. 8º-D, que permite a venda das companhias sem a extinção dos contratos de programa. A CELG de Goiás tem contrato com 50 Municípios. Então, a partir do momento em que for privatizada, todos aqueles contratos vão passar para empresas privadas.
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Na legislação de hoje, a companhia de saneamento fez esses contratos, mas a proposta do Governo é que tudo vá para as mãos da iniciativa privada de uma vez só, em vez de cada empresa que venha a assumir fazer a discussão sobre a prestação daquele serviço e, principalmente, sobre como vai investir nos Municípios.
Cada Município, para assinar um contrato de programa hoje, pela Lei nº 11.445, precisa ter um Plano Municipal de Saneamento Básico, para dizer onde a empresa estadual vai ter que fazer as melhorias para que a população tenha acesso ao saneamento básico. Com essa medida provisória, isso vai deixar de existir, além de haver a questão do chamamento público e a questão do subsídio cruzado, que já foi apresentado e vai deixar de existir.
Então vai ficar muito mais difícil o acesso da população aos serviços de saneamento.
O Brasil, hoje, caminha na contramão do mundo com relação à reestatização ou o término das privatizações que vem ocorrendo em diversos países, por todos os continentes.
Aqui temos esse livro intitulado A Recuperação dos Serviços Públicos. Ele foi escrito em espanhol, mas temos aqui o acesso ao texto completo do livro em PDF. Isso vem mostrar um estudo feito sobre a remunicipalização. Ou seja, não houve mais a proliferação da proposta de privatização. A privatização não deu certo, mas aqui no Brasil, ao que parece, nossos governantes e alguns poucos Parlamentares entendem ser o caminho para a tal universalização dos serviços, quando sabemos que isso não vai ocorrer.
Aqui apresento dados sobre a remunicipalização por setores. Temos 267 casos de remunicipalização de serviços de água, de energia, de transporte, de resíduos sólidos, de educação, de administração local e de serviços de assistência social. Tudo foi privatizado. E, agora, viu-se que não deu certo e estão voltando atrás nessa decisão, enquanto nós estamos caminhando em sentido contrário a isso.
E aí temos algumas propostas a apresentar, além de uma série de contribuições que a FNU, os nossos sindicatos filiados e a Frente Nacional apresentaram. São propostas e emendas a serem aprovadas, modificando o texto dessa MP.
A primeira dessas propostas é de que o saneamento seja uma política pública de promoção à saúde e da igualdade social, com controle estatal e popular dos serviços. E há uma decisão do Governo de acabar com a participação nos Conselhos. Isso é altamente prejudicial, porque exclui a população de participar e opinar sobre o que é melhor para ela.
As outras propostas são: garantir na Constituição água e saneamento básico como direito social e humano essencial, conforme resolução da ONU; garantir o acesso de todos à água de qualidade e aos serviços públicos de saneamento básico de forma universal e integral, com transparência nas ações e submetidos ao controle social; que o saneamento básico seja prioridade do Estado, com recursos garantidos de forma perene e permanente, conforme previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico; implementação da Lei Nacional de Saneamento Básico e do Plano Nacional de Saneamento Básico, sem qualquer alteração na lei ou através de PL; criar e implementar o Programa Nacional de Revitalização e Fortalecimento das Empresas e Autarquias Públicas dentro das ações estruturantes previstas no PLANSAB; desonerar o setor de saneamento básico de PIS e COFINS, como já falado; e instituir o Fundo Nacional de Universalização para o Saneamento Básico e subsídios para as populações de baixa renda.
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E, por último, para concluir a nossa apresentação, quero dizer que o nosso Deputado pelo Amazonas José Ricardo falou claramente sobre a situação das empresas privadas na prestação de serviços no País. Ele falou sobre o caso de Manaus, que é emblemático e já tem 20 anos; e a Renata também falou de Uruguaiana e do Estado de Tocantins, que foram exemplos que não deram certo em relação à questão da privatização.
Mas parece que há uma intenção deste Governo de privatizar, entendendo que o privado é melhor do que o público. E nós temos entendimento de que as empresas públicas prestam um melhor serviço para a população. Não fosse isso, as empresas públicas não mais existiriam hoje, ou seja, se estivessem prestando serviços de péssima qualidade.
Portanto, deixo este nosso recado. E a nossa luta vai continuar contra essa MP, até a sua derrocada, como fizemos com a MP 844.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Leonardo Monteiro. PT - MG) - Agradeço ao Sr. Pedro Blois.
Passo a palavra agora ao nosso colega Deputado Camilo Capiberibe. (Palmas.)
O SR. CAMILO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Muito obrigado.
Quero saudar o Presidente desta audiência pública, Deputado Leonardo Monteiro, na pessoa de quem saúdo os Deputados proponentes e os Presidentes das três Comissões desta Casa que estão organizando este tão importante evento.
Quero passar um dado que nos dá, mais ou menos, uma ideia sobre a discrepância regional no oferecimento de serviços de água e esgoto: o Distrito Federal aqui é o campeão da água, com 99% da população atendida, com cobertura de 88,4% de esgoto; o Estado do Amapá, o meu Estado, é o último colocado, com 34% de água e 3,8% de cobertura de saneamento, de esgoto.
Então este é o cenário em que essa medida provisória foi apresentada — reapresentada, na verdade. Trata-se de um cenário que apresenta, se olharmos a tabela das desigualdades, que a maior parte dos Estados em pior situação no Brasil — e não pior do que a nossa, porque somos os piores — estão no Nordeste e no Norte.
No Estado do Amapá, por exemplo, vamos ter muita dificuldade, em razão do volume de investimentos que terão que ser feitos — e o Pará está conosco nessa parte de baixo da tabela de cobertura. Isso nos preocupa.
Lá no meu Estado tivemos uma operação de financiamento no início da década de 90. Passamos muito tempo sem investimento nenhum na área de saneamento. Voltamos a ter investimentos com os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento, no segundo Governo do Presidente Lula, 120 milhões. Ainda assim, com esses investimentos e mais um aporte do PAC/FUNASA em vários Municípios, os dados que temos a apresentar são preocupantes.
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Hoje à tarde vamos debater a MP 855, que fala sobre a privatização da companhia de energia do Estado do Amazonas. Para a empresa que vai adquirir, serão vantajosas as condições que estão sendo oferecidas, tenho certeza. Não conheço o caso específico do Amazonas, mas conheço o da Companhia de Eletricidade do Amapá, onde a companhia foi estrangulada, endividada, e, agora, também será privatizada, estão só esperando o momento para essa transferência ao setor privado. Mas lá no Amazonas serão oferecidos — e vamos aprovar, pois, se não aprovarmos, o Amazonas ficará em uma situação muito difícil — 3,5 bilhões em subsídios para a companhia que vai comprar a empresa de energia de lá.
Então, vejam: quando é o poder público, as condições são as mais duras; empurram as companhias para o sucateamento e para o endividamento; mas, quando essas companhias vão ser transferidas ao setor privado, quem paga a conta é o consumidor do Brasil inteiro, como ocorre no caso do Amazonas.
Eu queria concluir falando sobre a privatização, a concessão dos aeroportos. Há pouco tempo, há algumas semanas, foram concedidos aeroportos no Nordeste e no Centro-Oeste.
O lote de quatro aeroportos do Centro-Oeste, entre os quais Cuiabá estava, foi oferecido por 800 mil reais. Eles foram adquiridos por 40 milhões de reais. E fez-se uma enorme festa em razão do sucesso das concessões. Imaginem que foram oferecidos por 800 mil reais, que é o custa um bom apartamento aqui em Brasília, quatro aeroportos, os quais foram vendidos por 40 milhões.
O Aeroporto de Macapá foi inaugurado na sexta-feira, inclusive o Presidente foi lá participar daquele momento. Foram investidos, para construir aquele aeroporto, 163 milhões de reais. Imaginem quanto custaram os quatro aeroportos do Centro-Oeste! E as empresas prometeram investimentos de 700 milhões de reais em 30 anos. Ou seja, o modelo que está sendo executado e que se pretende executar para a água é mais assustador. Um Estado como o nosso vai ficar completamente desassistido, porque as empresas — como ficou claro na tabela que foi aqui mostrada — querem uma cobertura maior do que a que já temos. E se tirarmos a capital, a cobertura despenca. Apenas um Município talvez consiga, que é a capital. Os demais ficarão sem esse serviço.
Então, cumprimento os urbanitários aqui presentes. Água, de fato, não é mercadoria. Vamos lutar, juntar esforços e derrubar, mais uma vez, essa medida provisória!
Contem comigo! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Leonardo Monteiro. PT - MG) - Agradeço ao Deputado Camilo Capiberibe.
Passo a palavra ao Sr. Igor Pontes Aguiar, representante do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Distrito Federal — SINDÁGUA-DF.
O SR. IGOR PONTES AGUIAR - Boa tarde a todos.
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Enquanto estão preparando a apresentação, de antemão, eu queria fazer uma denúncia muito grave a respeito de um episódio que aconteceu hoje em Águas Lindas, cidade aqui do entorno de Brasília que fica em Goiás, quando a Profa. Camila Marques, que também é dirigente do SINASEFE, que é um sindicato nacional, foi presa dentro da escola, por estar coibindo atitudes policiais que eram abusivas contra os estudantes. Machucaram a mão dela quando foram tomar o celular em que ela registrava esses abusos contra os estudantes. Ninguém está defendendo aqui que polícia não deve fazer o seu papel, mas deve fazer respeitando o direito das pessoas. A professora felizmente já está em liberdade, mas foi tratada com imenso desrespeito. E o direito dela que foi ferido hoje é uma ameaça ao direito de todos nós. Então, fica a nossa solidariedade aqui à Profa. Camila Marques.
Boa tarde a todos os companheiros. Agradeço o convite dos Parlamentares, da professora também. É um prazer estar aqui discutindo um tema tão importante, que é o dessa MP que ataca o saneamento ambiental, diferentemente do que tem sido falado.
(Segue-se exibição de imagens.)
É importante destacar que é uma MP criada a toque de caixa, do dia 28 de dezembro, que não é uma data coerente para se criar um projeto de lei. Então, o objetivo já começa a esconder coisas muito podres quando tem uma data como essa. Há vários pontos aqui que foram colocados pela ASSEMAE, pela AESBE, etc., mas eu queria destacar na minha apresentação um que já foi bastante falado aqui, além de citar alguns dados, que é questão do subsídio cruzado, aquilo que permite, a partir dos Municípios onde há mais recursos e onde se arrecada mais, praticar-se uma tarifa mais baixa nos Municípios menores e ter mais recursos para investimento.
É isso o que a MP quer atacar prioritariamente, como se tem dito muito, dar o osso para o setor público e o filé para o setor privado. Com isso, diferente do que se está buscando, que é a universalização, na verdade, vamos ter a geração de lucros muito maiores para o setor privado.
E o que eu tenho visto nas Comissões que eu tenho acompanhado é: aquele que está sem atendimento não se importa se o prestador é público ou se é privado. E aí vem a questão para nós discutirmos. Primeiro, essa MP não toca de maneira eficiente, por exemplo, a crise hídrica e sanitária que hoje ataca o País, que deixa a população sem serviços públicos básicos. Destaco, por exemplo, que até mesmo aqui em Brasília nós passamos recentemente por uma crise hídrica que durou quase 2 anos. E foi constatado por uma auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal que a fiscalização é extremamente ineficiente, mas não pelos trabalhadores. Não estou aqui para atacar trabalhador que está trabalhando na agência, mas estou dizendo que falta estrutura, falta pessoal, e, é claro, quem ganha com isso são empresas, quem ganha com isso é o agronegócio, e quem perde com isso é a população, e até mesmo aqui no Distrito Federal, onde, por privatização da água, a população foi atingida.
Aqui nós vemos uma fala do Prof. Alexandre Pessoa, da FIOCRUZ, numa audiência pública sobre a revisão do Plano Nacional de Saneamento Básico, PLANSAB, em que ele cita, por exemplo, que nós estamos tendo uma grave ameaça de doenças emergentes, reemergentes. Ele cita, por exemplo, dengue, zika, chikungunya. E todo esse problema que está sendo colocado não é tratado da maneira adequada. O que se discute é lucro para o setor privado.
É importante citar que esse Plano Nacional de Saneamento está em consulta pública, para sugestões, até o dia 22 de abril. Mas, apesar de a medida provisória ser uma legislação precária, que não foi sequer foi aprovada nesta Casa, e de haver um documento de Estado, que é o Plano Nacional de Saneamento, essa MP foi citada três vezes como pertencente ao arcabouço legal de saneamento básico. Ou seja, já estão tratando lá no Governo como se a MP já tivesse passado. E deixam claro lá nessa revisão que o objetivo é privilegiar o saneamento num cenário que eles chamam de crise econômica. Só que, diante de uma crise, você não corta aquilo que é básico. E saneamento é básico.
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Voltando àquela questão, a população está interessada apenas em ter o serviço, não quer saber se é público ou privado. Não é o que pensa hoje a população da Inglaterra, que há muitos anos vem sendo atendida pelo serviço privado.
Aqui nós vemos uma matéria do jornal The Guardian que fala que majoritariamente a população da Inglaterra hoje é a favor de desfazer essa privatização que foi feita lá. Ou seja, em um País que tem um sistema de fiscalização eficiente, que já tem um sistema de regulação consolidado, a população é contra a privatização. Aí, eu pergunto: se lá deu errado, por que aqui vai dar certo? Não vai dar certo. Eles não estão preocupados com saneamento. Eles estão preocupados em fornecer subsídios e lucro ao setor privado.
Eu queria dar aqui o exemplo da empresa onde eu trabalho, a CAESB, que é uma empresa 100% pública. Embora seja uma empresa de economia mista, 100% das ações são públicas. A empresa tem 99% de abastecimento de água em relação a atendimento e 89% em relação a esgotamento sanitário, com 100% do seu esgoto coletado tratado.
Apesar de a nossa manutenção de redes de água e esgoto estar praticamente privatizada ou terceirizada, ainda temos um dos menores índices de perda de água do Brasil, destacando que o primeiro colocado é a SANEAGO. (Palmas.)
E a manutenção é feita pelo quadro, não é terceirizada; é o próprio pessoal da SANEAGO que faz esse serviço.
Aqui, há matérias do site da ONU falando dessa ineficiência do setor privado, que ameaça direitos fundamentais para priorizar o lucro. Aqui, há uma matéria já citada anteriormente, uma matéria da BBC que dizia, diante da ameaça de privatização no Rio de Janeiro, "Enquanto o Rio privatiza, porque Paris, Berlim e outras 265 cidades do mundo reestatizam?" Esse é o questionamento feito.
E uma das responsáveis por essa pesquisa diz os motivos que já foram citados: serviços inflacionados, ineficientes, investimentos insuficientes, e, pasmem, até mesmo a qualidade da água é comprometida. Em uma auditoria que foi feita em diversos países desenvolvidos da Europa, até na qualidade de água havia uma ameaça à população. Diferente do que foi dito, que a população não se importa se é público ou privado, eu acho que ela se importa, sim. A partir do momento em que ela tiver ciência do que isso significa, ela se importa, com certeza.
Ali há outra questão falando da falta de transparência, uma matéria do El País. Na época, havia 235 casos.
Já foi bem falado aqui sobre a questão da SANEATINS. Mas eu queria destacar um pouco que é a única empresa de saneamento estadual que está totalmente privatizada. Não temos outro caso no Brasil de uma empresa estadual privatizada, senão o da SANEATINS. Está privatizada há 21 anos. Não é um período curto. Foi inicialmente privatizada para a EMSA, depois vendida para a Odebrecht e hoje está com um grupo financeiro chamado Brookfield ou BRK. É ele que está responsável hoje. E, pasmem, Tocantins é um Estado que tem 139 Municípios! Vocês sabem quantos Municípios o grupo BRK atende? Ele tem responsabilidade por 47 Municípios. De 139, somente 47 são atendidos pelo grupo BRK. As outras 80 cidades — inicialmente, eram 125 — foram simplesmente entregues ao setor público: "essas eu não quero". Então, foi criada uma autarquia, foi criado um serviço público, que é a ATS — Agência Tocantinense de Saneamento, que assumiu essas cidades que o setor privado não queria. E não queria por quê? Porque não davam dindim, não davam lucro. Quando não dão lucro, o que eu faço? Eu devolvo para o setor público. Aí, o Governo vai lá e cria outra empresa estadual — na verdade, não é uma empresa, mas é como se fosse, é uma autarquia —, que pega esses Municípios que eu não quero e, mais ainda, o setor rural. Ou seja, todo o setor rural do Estado, incluindo aquelas 47 cidades, hoje são administrados pelo setor público, porque não dão lucro. E, se o objetivo é universalizar, por que estão entregando cidades para o setor público? E pensem como isso é ainda mais desastroso quando eu descapitalizo as empresas públicas, tirando delas o subsídio cruzado!
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Eu vou ter que concluir mais rapidamente, mas ainda há uma outra questão: dessas cidades que foram entregues, 78 cidades foram devolvidas para o setor privado de novo. Então, entendam, são cidades que estavam com a empresa privada, que as devolveu para o setor público, porque não vai investir, porque não está atendendo. O setor público vai, licita e entrega de volta para o setor privado, mas sem obrigação nenhuma, nenhuma, de investimento. Isso é o que está constando em um demonstrativo financeiro do grupo BRK. Nessas cidades que foram entregues, que estavam sob a responsabilidade do setor público, mas são operadas ainda pelo setor privado, quem tem que investir é o Governo de Tocantins. Não há nenhuma responsabilidade para o setor privado, porque lá não dá lucro e, então, não é interessante.
Para concluir, mostro rapidamente índices do SNIS 2017 de Tocantins. Vejam que, em relação a atendimento de água, Tocantins tem 80% e o Brasil tem 83%. Então, está pior. Em relação ao índice de atendimento de esgoto, coleta de esgoto, Tocantins está com 25,9% e o Brasil está com 52%. Então, está pior. E o que tem de melhor, na verdade, é o esgoto coletado, um é 99,5% e o outro é 73%. Mas coleta muito menos. Enquanto um coleta 52%, o outro coleta menos da metade, em torno de 26%. Então, fica claro aí que não vai resolver.
Para concluir, de verdade, o foco do setor privado não está mesmo na universalização, mas sim no lucro. Já foi citado aqui o Amazonas, em relação à suposta eficiência do setor privado. As maiores perdas de água, as mais expressivas, são do setor privado. No Amazonas, inclusive, 73% da água que é produzida é perdida. Para vocês terem uma ideia da eficiência, enquanto a SANEAGO está aqui em primeiro lugar, o serviço do Amazonas está em último lugar. Concluo dizendo que o setor privado tem dito que tem interesse em operar em Municípios pequenos, mas no SNIS veremos que, dos 99 prestadores de serviço local, só 31 têm menos de 20 mil habitantes. A maioria tem mais. A média é de 253 mil habitantes. Desses 99 Municípios, 42 têm população superior a 50 mil habitantes.
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Então, fica a mensagem: o Governo fala que é para universalizar que está facilitando a privatização, mas o que nós teremos, na verdade, é o contrário da universalização, é menos atendimento ainda e mais lucro para o setor privado.
Era isso.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Leonardo Monteiro. PT - MG) - Quero agradecer ao Igor, do SINDÁGUA-DF.
A próxima inscrita é a Deputada Lauriete. A Deputada Lauriete está presente? (Pausa.)
Não estando presente, chamo o Deputado Elias Vaz.
Antes, porém, Deputado Elias Vaz, quero convidar o Deputado Edmilson Rodrigues para continuar coordenando a Mesa.
O SR. ELIAS VAZ (PSB - GO) - Boa tarde a todas e a todos os que estão aqui presentes.
Quero cumprimentar a Mesa, o Deputado que está se retirando agora, o Deputado Leonardo Monteiro, e o nosso amigo Deputado Edmilson Rodrigues, guerreiro, que agora preside esta audiência pública. Na pessoa dele, eu gostaria de cumprimentar todos os outros membros da Mesa.
Eu tenho acompanhado esse debate. Particularmente, já há alguns anos tenho o privilégio de sempre discutir com o Sindicato dos Trabalhadores Urbanitários de Goiás, com os companheiros João Maria, Amaury e Washington, que conheço há muitos anos, que estão nessa luta e sempre trouxeram dados expressivos. Desde que eu era Vereador em Goiânia, nós sempre fizemos esse debate, inclusive na Câmara Municipal de Goiânia, sobre esse fantasma que ronda a situação do saneamento no Brasil, que é a possibilidade de privatização. Sempre tivemos a convicção de que não existe nada pior para a sociedade do que essa privatização.
Aliás, hoje há uma matéria no jornal O Popular, que é o maior jornal do meu Estado, na qual se faz um balanço dessa experiência em algumas cidades — em Jataí, Rio Verde, Trindade, Aparecida de Goiânia —, em relação ao esgotamento sanitário. Na verdade, eles privatizaram o setor com o compromisso de universalizar o serviço, o que o jornal mostra hoje que é uma mentira. Em Aparecida de Goiânia, por exemplo, está em pouco mais de 40%, e faltam 6 meses para o contrato vencer. Portanto, vendem uma ilusão. Quem começou esse contrato foi a empresa mais idônea, a empresa mais honesta deste País, que é a Odebrecht. (Risos.) Depois passou para essa empresa do Tocantins que o companheiro mencionou, outra que também já mostrou que não tem compromisso com a sociedade.
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Então, a minha posição é muito clara. Eu venho aqui dizer do meu compromisso, venho dizer que sempre tive compromisso com os trabalhadores que acompanho. Tenho uma enorme admiração pelos trabalhadores de Goiás que sempre estiveram nessa luta, que está acima do interesse corporativo, que está acima do simples interesse pela preservação da empresa de saneamento do meu Estado, que é uma luta em defesa do respeito ao direito de cada cidadão e cidadã de ter acesso a um saneamento de qualidade.
Eu quero reafirmar o meu compromisso contra qualquer iniciativa, como esta medida provisória, que venha no sentido de privatizar o serviço de saneamento ou fazer dele mero instrumento de produção de lucros para uma minoria. Quero reafirmar a nossa posição e o nosso compromisso com esses trabalhadores e com a sociedade de manter o saneamento público realmente, para que seja explorado por um serviço público e de qualidade. Esse é o nosso compromisso.
Podem ter certeza de que nós honraremos o nosso mandato aqui com essa bandeira.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado.
Vou citar a presença aqui do Deputado Carlos Veras, do PT de Pernambuco.
Muito obrigado pela presença. Se V.Exa. quiser se inscrever para se manifestar, a lista está aberta.
O Roberto Cavalcanti Tavares, Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Saneamento Básico Estaduais — AESBE, tem a palavra.
Eu queria, Roberto, se me permite — e não me inscrevi para falar porque quero priorizar a fala dos convidados —, citar informação dada pelo jornal Folha de S.Paulo, numa matéria de página inteira, há alguns dias.
Vejam só que coisa doida: no Brasil, 67% da água é consumida pela agricultura, principalmente na produção de arroz e cana; no mundo, a média é de 69%. Então, são equivalentes. No Brasil, 11% da água é usada para abastecimento animal, sendo que, desses 11%, 88% são consumidos por bovinos — e o meu Estado tem fazendas com quase 1 milhão de cabeças. Nove e meio por cento são consumidos pela indústria — então, nós somos um país reprimarizado realmente, mas o índice é equivalente ao da Europa, que consome 19% na indústria, digamos; aqui, indústria e abastecimento animal. Apenas 8,8% da água vai para o abastecimento urbano, e 2,4% são usados no abastecimento rural, ou seja, um pouco mais de 11%, 11,2%.
A matéria é iniciada com um quadro-resumo: 81% da água do mundo está na região do estuário do Amazonas, na Bacia do Amazonas, uma área pouco adensada; e 3% dessa água está no litoral, onde está 45% da população urbana.
Então, realmente nós temos um patrimônio hídrico maravilhoso, uma população pequena, comparada com a do mundo, em torno de 3%, temos 13% da água doce do planeta, e ainda assim se fala em escassez. Na verdade, é uma escassez produzida. Portanto, é intencional a falta de investimento.
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Eu falo com a autoridade de quem é do Pará e conhece por dentro a COSANPA, conhece os técnicos de alto nível que a COSANPA tem e sabe o quanto eles são subutilizados, porque há uma intenção de transformar a COSANPA, governo após governo, em moeda de troca política. Isso inviabiliza o trabalho e a dignidade dos trabalhadores e do povo, porque eles são inviabilizados na produção daquilo que eles mais sabem fazer.
Onde há vontade política o resultado é diferente. Eu concluo lembrando Raul Pont e Olívio Dutra, no Fórum Social Mundial, quando pegou um copo de água assim e disse para milhares de pessoas do mundo inteiro: "Essa água que vocês tomam é produzida pela companhia estadual ou pela companhia municipal". E eu pensava assim: "Puxa, Porto Alegre foi uma das poucas capitais que, em 1972, não entregou, por uma concessão precária, para empresas estaduais a água". Era uma cidade que conseguia — não sei como está agora, nesta situação de crise — garantir índices altos de abastecimento e qualidade bastante representativa.
Eu acho que a vontade política é tudo. A vontade política deles, no entanto, é a de dar um filão, que eles avaliam, inicialmente, em 40 bilhões de dólares, para as poucas gigantes da água, para — quem sabe? — produzirem uma verdadeira guerra aqui, como ocorreu na Argentina, como ocorreu na Bolívia, onde o povo aimara, a 200 metros de uma das estações da Bechtel norte-americana, não tinha direito à água potável e acabou elegendo um presidente que reestatizou e mostrou que, quando há vontade política, superam-se as dificuldades historicamente produzidas por essa minoria muito próspera, muito odiosa e acostumada a produzir perversidades contra o povo que vive do trabalho.
Desculpe-me por ter introduzido a sua fala, Roberto. A palavra é sua. (Palmas.)
O SR. ROBERTO CAVALCANTI TAVARES - Muito obrigado, Deputado, pela sua introdução. Acho que ela ajuda bastante a nossa fala.
Queria cumprimentar o Deputado Edmilson Rodrigues, Presidente da Mesa, e todos os demais Deputados na pessoa do Deputado pernambucano Carlos Veras, do meu Estado.
Senhoras e senhores, é com muito prazer que estamos aqui para fazer essa discussão, esse debate, que, na verdade, nós já vínhamos fazendo há alguns anos. Estivemos neste auditório diversas vezes.
Eu sou Presidente da AESBE — Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento e também sou Presidente da COMPESA — Companhia Pernambucana de Saneamento. Estou na direção da empresa, entre diretor e presidente, já pelo 13º ano. E sou servidor público concursado do Estado. Não sou da empresa, mas sou do Estado. Portanto, está aqui falando um servidor do Estado que tem uma vivência. A minha casa é a Secretaria da Fazenda. Eu sou Auditor Fiscal do Tesouro Estadual em Pernambuco, mas já há 13 anos milito nessa área do saneamento.
Primeiro, quero dizer quão impressionante é essa área. Esses movimentos já aconteceram ao longo das décadas e, eu diria, até dos séculos. Ou seja, a empresa, em Pernambuco, foi privatizada. O Deputado vai olhar para mim e dizer: "Privatizada? Eu não tenho conhecimento disso". Foi privatizada em mil oitocentos e poucos e, por falta de cumprimento dos contratos pela empresa inglesa, ela foi novamente estatizada.
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Havia vários departamentos que cuidavam de pedaços do Estado, até que, em 1971, houve a criação da COMPESA. Nos idos de 1970, de 1975, várias empresas estaduais surgiram, e foi criada essa figura da prestação regionalizada.
Eu queria lhe dizer, Deputado, que a sua introdução foi perfeita. Quando nós falamos de prestação regionalizada, é justamente para encarar a realidade que o Brasil tem, a de ter áreas com muita água e áreas com pouca água — áreas secas, áreas com muita chuva, áreas pobres, áreas ricas. Então, nós cuidamos de uma prestação que atende às mais diversas situações da realidade brasileira. Uma empresa como a SABESP atende à fina nata de São Paulo, mas atende também a pequenos Municípios de São Paulo que não são rentáveis. Essa é a grandeza do modelo que o Brasil tem. Qual é o modelo que o Brasil tem? O Município pode escolher. Em nenhum momento defendemos que o Município não tenha liberdade. O Município pode escolher. Ele pode escolher operar ele próprio, ou seja, ele cria a sua autarquia, ele cria a sua empresa e ele mesmo opera o saneamento; ele pode fazer uma licitação e entregar à iniciativa privada — é uma opção do Município; ou ele pode contratar diretamente com o Estado e passar essa responsabilidade para a empresa estadual. Essa é a realidade da maioria dos Municípios brasileiros. Quatro mil Municípios delegaram a responsabilidade pelo saneamento ao Estado, à empresa estadual.
O que essa MP vem fazer? Ela vem, com o discurso de levar água e levar saneamento para todos, desmontar completamente esse modelo. E às vezes nós precisamos usar uma linguagem muito simples, para que as pessoas compreendam. Nós procuramos, quando damos entrevistas a pequenas rádios no interior do nosso Estado ou até quando estamos falando pela AESBE, dar exemplos simples. Por exemplo, se eu tenho aqui 200 pessoas e digo que vai ser servido um almoço e tenho 50 pratos de camarão e filé-mignon, ou seja, de comidas nobres, e 150 pratos de migalhas, vou oferecer primeiro aos ricos, aos privados. Eles vão escolher os melhores pratos. E vai sobrar para todos nós aqui o quê? Vão sobrar as migalhas. É esse o modelo que alguém teve a ousadia de desenhar para o nosso País. "Ofereça primeiro ao setor privado. Se ele não quiser, se ele recusar, aí sim, você pode contratar e passar para a empresa estatal". Esse modelo nós denunciamos em 2017. Isso não apareceu na MP só no ano passado, não. Isso foi apresentado pelo Ministro das Cidades em 2017 — infelizmente, um Ministro de Pernambuco —, e nós o fizemos ver que aquilo ali não seria possível, que ia desmontar completamente o sistema.
Alguém falou aqui antes do subsídio cruzado. Por mais críticas que possa haver, esse é o mecanismo que permite que a empresa estadual tenha prejuízo, literalmente, em vários Municípios, e seja compensada com o lucro nos demais. Então, esse equilíbrio nos permite cobrar uma tarifa única. Nós cobramos uma tarifa pela água que não enxerga se a pessoa é rica ou pobre, preta ou branca. Não fazemos distinção de região. Cobramos uma tarifa única. É assim na maioria dos Estados. Agora, além disso, nós temos a tarifa social. Quando nós fazemos a tarifa social numa prestação regionalizada, também não limitamos por Município. Podem ser quantos forem. Têm as condições exigidas em relação à tarifa social? Vão ter o direito de pagar menos. Por quê? Porque sabemos que a nossa equação tarifária, por conta do subsídio, permite que percamos ali, mas que ganhemos nos demais Municípios.
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Então, é esse mecanismo que estão querendo destruir agora. Na MP 844, era o art. 10-A, e agora, na MP 868, é o art.10-C. Eu não vou me ater a um monte de artigos. Eu queria mostrar que, com esse artigo, é impossível que esta Casa tenha a coragem de aprovar a medida provisória tal como ela está. Nós lutamos muito no ano passado. Às vezes pensamos que, porque ela não foi votada na Comissão Mista e no Plenário do Congresso Nacional, foi porque alguém desistiu. Não, não desistiu. Foi por isso que lutaram as associações dos trabalhadores, os Parlamentares que perceberam o que estava acontecendo. Eles se mobilizaram e impediram que a votação acontecesse, até que decaísse o prazo.
Eu me lembro de que estava dentro do plenário no dia 14 de novembro, o último dia em que poderia haver a votação. Quando terminou, gente que defendia a medida provisória chegou para mim e disse: "Agora abra o seu champanhe e vá comemorar". Eu disse: "Não, eu não vou comemorar. Nós derrubamos a medida provisória, mas não estamos felizes, porque queremos uma mudança no marco regulatório. Queremos um marco regulatório que dê segurança jurídica para as empresas, para que possam fazer mais investimentos, sejam elas públicas, sejam elas privadas".
Não vamos cair na esparrela de ficar jogando uns contra os outros. Eu sou Presidente de uma associação que tem uma estatal, como também foi aqui falado, que foi 100% privatizada, a SANEATINS. Não vou entrar no mérito da discussão sobre o que cada Estado vai fazer. O que nós como AESBE, como associação, defendemos é a prestação regionalizada. Agora, a minha opinião pessoal, como servidor público que está há 13 anos nesse setor, que milita dentro desse setor, que participa de todas as discussões do setor, é de que não dá ainda para entregá-lo ao setor privado. Esses movimentos na França, na Espanha e em outros lugares nós temos que observar. Ainda precisamos do setor público.
Gente, também não vamos cair nessa discussão de que lucro é ruim. O lucro é bom. Nós defendemos o lucro. A diferença é para aonde vai o nosso lucro como empresa estatal. Na maioria dos Estados, o que se faz com o lucro? Por exemplo, o que se faz com o lucro da SANEAGO, com o lucro da COMPESA, com o lucro da maioria das estatais? Eles autorizam o reinvestimento naqueles Municípios que são mais necessitados, que são mais carentes. E o que uma empresa privada normal faz? Ela manda o lucro para o seu país, para a Espanha, o Canadá, a Inglaterra, para onde estão os seus acionistas.
Então, nós temos que discutir essa formatação. O que a AESBE defende? "Setor privado, você quer vir? Você é bem-vindo. Mas você é bem-vindo se vier se juntar a nós, se vier trazer dinheiro de fora, dinheiro mais barato, para investir em conjunto, no filé e no osso, e reinvestir o lucro aqui, até que a gente tenha a universalização. Do jeito que está querendo, nessa medida provisória, aí sim, você não é bem-vindo. Vá procurar outro país para fazer os seus investimentos ou para ganhar os seus lucros." Então, Presidente, vou concluir dizendo que nós teremos uma luta grande. O que vemos é que o Governo que saiu teve outra ousadia: na mesma legislatura, reapresentou uma medida provisória que foi derrubada. Isso é fácil de ser derrubado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas acho que nós temos que buscar nesta Casa o diálogo, para tirar dessa medida provisória várias coisas que são nocivas ao saneamento. Que possamos fortalecer as empresas estaduais, as empresas municipais e o setor público, como condutor e definidor da estratégia de investimento no saneamento básico brasileiro.
16:10
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Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Muito obrigado.
Isso mostra que a Mesa tem um grau de pluralidade, visões diferentes, mas a fala demonstra responsabilidade com a soberania nacional, com os interesses do povo brasileiro.
Muito obrigado, Roberto, pela fala.
Eu queria chamar os componentes da próxima Mesa antes de conceder a palavra à minha querida e eterna Presidente da CDU, a professora e ex-magnífica reitora Margarida Salomão.
Peço desculpas a vocês por não abrir logo o debate. Estou com medo de a sessão iniciar e de ficarmos sem ouvir a outra parte. Vocês permitem? Depois nós vemos como fazer o debate com os que saírem da Mesa, mas que continuarão compondo a Mesa. Está bom?
Quero dizer que a Renata me deu uma informação triste. Ela disse que não é mais como eu disse que era em Porto Alegre, que o neoliberalismo está destruindo as coisas belas de lá.
Então, vamos chamar para compor a Mesa o Sérgio Antônio Gonçalves, representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Obrigado, Sérgio, por ter ficado aqui desde o início. (Palmas.)
Convido para também compor a Mesa o Thiago Ávila, membro da Coordenação Nacional do Fórum Alternativo Mundial da Água. Ele lançou um manifesto e certamente vai apresentá-lo a nós. (Palmas.)
Convido para também compor a Mesa o Edson Aparecido da Silva, representante da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental. Cadê o Edson? Está vindo. (Palmas.)
Convido para também compor a Mesa o João Marcos Paes de Almeida, representante da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros — FISENGE. Obrigado, João. (Palmas.)
Convido para também compor a Mesa o Marco Helano Fernandes Montenegro. Quem é esse rapaz? (Riso.) Ele é meu amigo de longa data. Ele é o Coordenador-Geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento — ONDAS. (Palmas.)
E, por fim, convido para também compor a Mesa o João Maria, do Sindicato dos Urbanitários de Goiás. (Palmas.)
(Manifestação no plenário: João! João!)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Ouviu, rapaz? (Riso.)
Antes de passar a palavra aos integrantes da Mesa, convido a Deputada Margarida Salomão para fazer uso da palavra.
16:14
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A SRA. MARGARIDA SALOMÃO (PT - MG) - Boa tarde a todas e a todos.
Quero cumprimentar o nosso querido Presidente, o nosso amigo Edmilson Rodrigues.
Quero cumprimentar a todos aqui na pessoa do meu querido amigo e grande lutador Pedro, da FNU. Então, todos os senhores se sintam saudados.
Nós estamos vindo de uma luta recente, que foi a derrota da MP 844. Trabalhamos duramente para que ela não viesse a ser votada, e ela caducou. Qual não foi a nossa tristeza ao saber que, logo após a caducagem, a caducidade dessa MP, foi mandada outra, que é praticamente idêntica a ela, a MP 868.
A grande questão das duas MPs é o tratamento do saneamento como negócio, e não como direito social. É o mesmo que estão fazendo com a Previdência Social. Em vez de respeitar a natureza da Seguridade, definida constitucionalmente como um direito, também queremos abrir o mercado dos seguros. E aqui é o mercado do saneamento sob o signo da ganância.
Aqui foram apresentadas várias exposições muito convincentes sobre o movimento internacional de reestatização do setor. Isso se dá por uma razão muito simples: o setor privado só vai investir, se investir, nas áreas rentáveis. Portanto, não haverá saneamento para quem necessita, não haverá saneamento para os pobres. Isso é uma coisa absolutamente inaceitável.
Meus amigos, também foi demonstrado aqui que a fonte dos investimentos é pública. Então, aqui se propõe uma verdadeira parceria de São Sebastião: nós entramos com as costas, e eles entram com as flechas. O que vai acontecer é isto: o setor vai receber investimento público e investir com o nosso dinheiro, e depois vai recolher os lucros. Isso é de fato uma situação que ultraja a nossa inteligência.
Nós fomos contra essa MP. Somos a favor das emendas supressivas — supressivas — que estão sendo apresentadas, para que não se desconstitua o marco nacional do saneamento. As mudanças que possa receber têm que respeitar a grande discussão nacional que levou à proposição daquele marco. Então, se nós quisermos alterá-lo, no mínimo é necessário também recompormos, refazermos esse grande processo de debate público, em nome do direito das pessoas à cidade, à vida, à água.
Está hoje num portal muito conhecido, no portal UOL, a informação de que de cada quatro cidades brasileiras, em uma a população está bebendo água contaminada. Então, nós estamos vivendo um momento desgraçado, porque não há políticas suficientes para a promoção da saúde, mas há políticas nacionais de promoção do envenenamento.
Essa é a triste situação em que nos encontramos. Vamos enfrentá-la, como já o fizemos no fim do ano passado.
"Não" à MP 868, pela água, pelo direito à vida, pelo respeito aos direitos sociais. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Deputada.
Antes de ouvir os palestrantes, eu queria dizer que, além dos Deputados que estão inscritos, o Deputado Helder Salomão, que já coordenou uma parte dos trabalhos aqui e está inscrito para falar, o Deputado João Daniel, o Deputado Carlos Veras e o Deputado Célio Moura, do PT de Tocantins, querem se manifestar.
Passaram por aqui o Deputado Marcelo Freixo, o Deputado Lincoln Portela, o Deputado Charles Fernandes, além de todos os já anunciados. Se eu tiver esquecido algum, por favor, tragam-me o nome.
Agora vai falar o Sérgio Antônio Gonçalves, representante da ABES.
O SR. SÉRGIO ANTÔNIO GONÇALVES - Boa tarde a todas e a todos.
A ABES agradece ao Deputado Edmilson Rodrigues por esta oportunidade de estar presente aqui.
Cumprimento as Deputadas na pessoa da Deputada Margarida Salomão, a nossa sempre Presidente da CDU.
Quero dizer que a ABES é uma entidade que este ano completa 53 anos de vida. Foi instituída e é composta por uma pluralidade de pessoas físicas e pessoas jurídicas. Passam por ela profissionais de todas as profissões que militam no saneamento. Então, essa nossa representatividade plural, tanto em profissões quanto em participação, deixa-nos confortáveis para, neste momento, externalizar, mais uma vez, como já o fizemos nesta Casa, neste plenário, com relação à MP 844, a nossa contrariedade à forma como se está lidando com o saneamento. Então, nós nos manifestamos contrariamente à MP 868. Essa é a posição inicial, já referendada pela ABES, pelo seu Presidente Roberval, que também é um servidor da SABESP. Ele não pôde estar aqui, mas eu tenho a honra de representar a entidade.
Nesta fala inicial, já manifestamos, para que não haja dúvida, a nossa contrariedade à MP. Fomos contra a MP 844 e somos contra a MP 868, pela forma impositiva e antidemocrática de debater uma política pública de tal envergadura. Não se pode lidar com uma política de bem-estar social, constitucionalmente falando — o saneamento está na Constituição brasileira no capítulo da saúde pública, do SUS, está no capítulo do bem-estar social —, da forma como se está lidando com o saneamento brasileiro.
Estamos abertos e sempre vamos estar abertos para um debate democrático. Qualquer projeto de lei tem que transitar por esta Casa e pelo Senado, com o debate amplo da sociedade, não desta forma. Temos que melhorar sempre? Temos. Temos que debater e evoluir num processo social? Temos. Já foi falado e está bem claro que a ABES está e sempre estará aberta e pronta para debater de outra forma, como está aqui, mas demonstrando a sua contrariedade, porque esta não é a forma correta de debater.
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Eu peço permissão ao Deputado Edmilson Rodrigues para ler muito rapidamente o trecho inicial da Constituição brasileira. Ao Estado de bem-estar social e ao saneamento no Brasil se faz referência desde o preâmbulo da Constituição, na página 13. Há referência a isso no preâmbulo da Carta Constitucional de 1988. Os integrantes do Congresso Nacional, reunidos na Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, declararam "(...) assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". Nesse diapasão, os arts. 23, 182, 186, 193, 219, 230 e 231 explicam os direitos e as condições que devem estar previstos no Estado brasileiro. A Constituição Cidadã prevê o bem-estar como sua âncora principal, como seu alicerce principal.
Lembrem que, naquele momento da Constituição, estava em pleno acontecimento o Consenso de Washington, de 1989, completamente contrário, em tese, à nossa Constituição. Ele já falava da abertura dos mercados, mas os Constituintes brasileiros assumiram uma posição contrária a isso. Foi uma decisão soberana e constitucional.
Então, o saneamento está dentro desse preceito do Estado de bem-estar social que nós temos que preservar.
Já foi falado — e infelizmente eu vou ter que repetir várias falas de companheiros e companheiras, só para referendá-las — que essa MP não vem trazer o princípio da universalização. Ela não traz o acesso universal. Isso foi retirado da Lei de Saneamento pela MP. Isso não é semântica, isso é uma decisão. Tirar o acesso universal não é meramente cortar uma palavra. Ela diz para que veio. Então, o resgate da universalização, do acesso universal é importante. E como se faz isso? Colocando, transparentemente, os problemas que temos — e temos problemas, e não são poucos —, de forma democrática, e debatendo. Essa é uma política pública. Então, se falta investimento, onde o Estado, como titular, tem que investir? Onde os Estados, as Unidades da Federação, têm que investir? E onde a União tem a responsabilidade de investir, não só recursos já conhecidos, os mesmos que já foram falados, como os do FGTS e do FAT, que já existem, que já estão aí, que são do trabalhador e da trabalhadora? De que forma isso vai avançar na MP?
Essa MP vem fracionar, vem fragmentar a prestação do serviço, como também já foi falado. Nos arts. 8º-D e 10-C, ela fere de morte a Constituição, porque tira a liberdade do titular de escolher o seu prestador. O ex-Prefeito Edmilson sabe muito bem disso. Havia um serviço autônomo na sua mão, no seu tempo. Essa possibilidade constitucional é retirada por meio de uma medida provisória. Desde quando uma medida provisória pode mudar a Constituição, tirar do titular um direito seu? Ela tira o direito do Município de escolher, ela quebra e esfacela a Lei nº 11.107, a lei da gestão associada, a lei da gestão federativa que faz Estados, Municípios e a União se organizarem numa visão pública importante.
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Ela fala que isso serve, mas não para o saneamento. Ela tira o saneamento da gestão associada, ela esfacela a solidariedade federativa entre os entes da Federação. Ela obriga, por medida provisória, o Prefeito, o titular, ou a Prefeita a perguntar se o sistema público, se algum ente que não seja público... Se eles não quiserem, a lei já permite. Nós já temos a Lei de Concessões, a Lei das PPP. Então, já é possível, quando de interesse, fazê-lo. Se o Prefeito ou a Prefeita não faz, é porque não tem interesse em fazê-lo. (Riso.) Ele vai se utilizar do que a legislação lhe deu como direito — a Lei 11.107, da gestão associada — e vai fazer com uma empresa estatal, diretamente. Então, o marco legal hoje para o Brasil já está pronto e aberto. É uma decisão político-institucional, do povo e da Câmara de Vereadores.
Nós somos contrários à forma usada, que não agrega. Esse modelo que foi colocado destrói o que existe, não coloca nenhuma perspectiva de algo novo no sentido de universalização. O que traz de novo é para outra coisa. Nem é novo, é um viés em que o poder público fica refém. É obrigatório.
Já vou encerrar, para não ficar repetindo as mesmas coisas. Essa questão do desrespeito à titularidade, de ferir a Constituição e da reedição de uma medida provisória no mesmo bolo legislativo, essa ousadia, esse equívoco fundamental abre uma porta importante para as maldades, Deputado. Feriu-se pela primeira vez, desde que eu acompanho, numa mesma legislatura, usando-se um artifício jurídico... Mas juridicamente há teses tanto para um lado quanto para o outro que dizem que foi reeditada na mesma... "Não! Estavam em férias. Nas férias já era outra...". Há controvérsias jurídicas. Eu não sou advogado, mas já escutei várias teses, tanto de um lado quanto do outro. Então, se há discordância e teses diferentes, há problema. Isso não é consenso.
Nós encerramos aqui dizendo que a ABES sempre estará pronta para debater, em processo democrático, aberto, um projeto de lei que modifique a Lei de Saneamento, não na forma de medida provisória que, além de mexer na Lei de Saneamento, mexe em outras legislações, como a Lei da ANA, a Lei de Recursos Hídricos, a Lei de Consórcios Públicos e outras legislações importantes. Uma única MP desestrutura, desorganiza e fere a questão federativa.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Sérgio.
Sérgio, nem há polêmica. A legislatura foi até o dia 31 de janeiro. É crime mesmo. É crime, é violência, é tentativa de empurrar goela abaixo essa violência que é uma medida provisória com a qual se quer mudar a titularidade dos Municípios. Isso não existe. Mas vamos à luta.
Alguns internautas mandaram perguntas. Eu vou ler a pergunta do Assis Marinho Novo:
Qual o valor que será destinado no próximo orçamento da União para saneamento básico? Não seria mais salutar definir os alvos, ou seja, as cidades com maiores problemas de saneamento básico e a partir daí atacar os problemas?
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Eu vou ler as perguntas logo porque quem for palestrar já pode fazer referência a elas. Sei que o representante do FAMA tem dados sobre a aplicação do Orçamento do ano passado que são aviltantes.
Outras perguntas, de lianeuft@gmail.com:
Como a MP 868/2018 irá garantir eficiência nas obras e emprego dos recursos financeiros, bem como garantir a qualidade dos serviços de saneamento básico?
Antes da formulação da MP 686/2018 foi elaborado algum estudo sobre a eficiência na terceirização de atividades fins dos serviços públicos de saneamento básico? Demonstrou eficiência?
Foram essas as perguntas feitas, que já li antecipadamente.
Agora eu chamo o Deputado Helder Salomão para falar por 3 minutos e convido a Deputada Margarida para ficar 1 minuto na Presidência. Será uma honra ter uma mulher dirigindo esta audiência. Se não puder ficar muito tempo — e eu não vou sair —, fique, nem que seja por 5 minutos, só para marcar este momento histórico.
Depois o Thiago Ávila terá a palavra.
O SR. HELDER SALOMÃO (PT - ES) - Deputado Edmilson, como ex-Presidente da CDU, é importante ocupar a direção dos trabalhos nesta tarde.
Boa tarde a todas e a todos.
(Manifestação na plateia: Boa tarde!)
O SR. HELDER SALOMÃO (PT - ES) - Há poucos dias eu recebi uma comissão, para tratar dos temas do saneamento e da água, para tratar da MP 868, na Comissão de Direitos Humanos.
Foi importante abrirmos esse diálogo, porque estamos falando do acesso à água e ao esgotamento sanitário como um direito humano, como um direito humano importante, tal como foi declarado pela ONU em 2010. A universalização desses serviços deve ser o objetivo de todos os países, especialmente dos países mais pobres.
O que se propõe com a Medida Provisória nº 868 vai exatamente na contramão do que acontece no mundo — vai na contramão. Várias apresentações aqui mostraram — e a Renata iniciou a dela falando sobre isso — as experiências fracassadas no Brasil e no mundo que acabaram com a reversão, com a reestatização dos serviços em vários países e também em cidades brasileiras. Portanto, é preciso que entendamos que a MP 868 faz parte de um processo de golpe que se iniciou no Brasil em 2016.
Na proposta de reforma da Previdência Social, por exemplo, há vários aspectos a serem enfatizados, mas é preciso dizer que o principal deles é o da privatização da previdência, é o de acabar com a ideia de seguridade social no Brasil e o de acabar com a previdência pública. Trata-se de privatizar a previdência pública no nosso País.
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E o que é a MP 868 senão a privatização clara dos serviços de esgotamento sanitário e de água no nosso País?
Então, o que está por trás, ao lado e na frente dessas propostas do Governo é a mudança do papel do Estado brasileiro; é acabar com a ideia do Estado de bem-estar social, consagrado na nossa Constituição; é reduzir o papel do Estado e entregar todas as nossas riquezas nas mãos da iniciativa privada, nas mãos do mercado. Eles querem que o mercado regule o novo modelo de Previdência no nosso País; eles querem que o mercado regule os serviços de água e de esgotamento sanitário no nosso País e, com isso, que os bancos e as grandes empresas tenham muitos lucros à custa dos trabalhadores e dos mais pobres do nosso País.
Portanto, minha gente, ao debater a MP 868, nós temos de fazer um debate mais amplo sobre o que está acontecendo no Brasil em relação às ações deste Governo que quer, de joelhos, batendo continência aos nossos algozes, entregar o nosso País, ferir a soberania nacional e estraçalhar a nossa tão frágil democracia.
Portanto, vamos à luta contra a MP 868, mas também contra a reforma da Previdência e contra este Governo que quer destruir os trabalhadores, quer destruir a organização dos trabalhadores e quer acabar com um Estado brasileiro que pense nas pessoas e cuide da educação, da saúde, da água e do saneamento básico.
Um abraço e vamos à luta! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarida Salomão. PT - MG) - Muito obrigada, Deputado Helder.
Quero agradecer também ao Deputado Edmilson pela oportunidade que me deu de estar aqui presidindo esta audiência pública, à semelhança do que nós fizemos no ano passado, quando enfrentávamos a MP 844/18.
Passo imediatamente a palavra ao Sr. Thiago Ávila, membro da Coordenação Nacional do Fórum Alternativo Mundial da Água, do Distrito Federal.
O SR. THIAGO ÁVILA - Boa tarde a todas e todos. É um prazer estar aqui.
Eu queria saudar cada uma das pessoas que está neste espaço hoje tentando compreender a água como bem comum, como direito dos povos e da natureza, principalmente as trabalhadoras e os trabalhadores do STIUEG que estão aqui e que movimentam todos os dias o saneamento e a água no Estado de Goiás. (Palmas.)
Faço uma saudação e a vocês peço licença para falar aqui.
Como estávamos debatendo no Fórum Alternativo Mundial da Água, na nossa construção, no Distrito Federal, nós conseguimos derrotar coletivamente — e aqui há várias pessoas que dedicam suas vidas à luta pela água e pelo saneamento — a MP 844.
Quando saiu a MP 868, no fim do ano, na reta final do Governo Temer, nós já sabíamos que não era coisa boa. Quando veio a revisão do PLANSAB, de todo o processo de mapeamento de saneamento básico no País, nós também já sabíamos que viriam problemas graves por aí. Mas nós ainda nos demos ao trabalho de pesquisar e olhar profundamente cada detalhe.
Nós estávamos procurando, por exemplo, uma solução sistêmica para tratar com as pessoas que realmente são atingidas pela contradição e a desigualdade neste nosso País. Estavam garantindo que as periferias teriam acesso à água e ao saneamento básico. Estavam garantindo, por exemplo, que a coleta de resíduos seria resolvida e intensificada para a população mais pobre. Mas vimos que não.
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Na verdade, eles estavam mudando e começando a tratar como adequada a coleta, por exemplo, concentrada, indireta, naqueles contêineres chamados Papa Lixo, que é feita nas favelas do Distrito Federal — o Distrito Federal tem a maior favela do Brasil, a Sol Nascente, que pouca gente conhece —, colocando isso como um atendimento adequado ou colocando que a coleta semanal era um atendimento adequado. E colocando ainda uma série de marcos e arcabouços, para permitir a privatização da água e do saneamento. Para nós, isso é algo impensável. E aí nós começamos a interpretar que tipo de interesses privados estão por trás desse processo.
Então, nós passamos pela lógica da privatização. A privatização no Brasil, diferentemente do que dizem os liberais nesta Casa, neste Congresso Nacional, tão desconectados da vontade popular, é uma lógica às avessas. Não é o que dizem. Não é o Estado que, querendo arrecadar dinheiro, quando vê algo que não é muito funcional, vende aquilo, arrecada dinheiro e vai aplicá-lo de forma melhor no País. É o oposto disso. O Estado investe dinheiro público e cria toda uma infraestrutura social daquilo. Depois, essa infraestrutura é sucateada, é feito um processo de leilão direcionado para companhias, para certos grupos econômicos, que adquirem aquilo com empréstimos do poder público, muitas vezes do BNDES, para piorar o serviço, precarizar o trabalho dos trabalhadores e encarecer a conta para o cidadão. É uma lógica totalmente às avessas de qualquer tipo de debate sobre uma privatização digna, se é que isso existe, em elementos e serviços que são bens comuns e que não devem ser objeto de lucro sob nenhuma hipótese. Então, a lógica da privatização é totalmente equivocada, principalmente quando se fala de água e de saneamento básico.
E aí pensamos: a quem isso defende? O que faz Deputados e Senadores, assim como o Relator desse projeto, o Senador Tasso Jereissati, defenderem essa medida provisória da privatização da água? Não é à toa, pessoal.
Tasso Jereissati é o maior franqueado da Coca-Cola no Brasil. Parece estranho isso? Assim como Tasso Jereissati saiu no WikiLeaks, em razão das suas contas no exterior, nas Ilhas Cayman, a Coca-Cola saiu no WikiLeaks por ter assassinado 10 pessoas na Tanzânia, num acidente de ônibus, e ter tentado esconder isso, assim como a Coca-Cola elegeu o seu Presidente no México, no ano de 2000, Vicente Fox, e se apropriou das nascentes de água, dos aquíferos.
Os interesses privados querem tomar conta da água no mundo e não é à toa que escolheram o Brasil, assim como não é à toa terem feito o Fórum das Corporações aqui no Brasil. Nós tivemos o prazer de estar aqui com o Edson Aparecido, que construiu também esse processo do Fórum Alternativo Mundial da Água, dedicando a ele muita energia, e nós vimos que o Brasil tem quase um sétimo da água potável disponível em forma líquida no mundo. Estamos falando de um elemento que vai ser a principal fonte de conflitos neste século, e o Brasil, com o Aquífero Alter do Chão, com o Aquífero Guarani, nesse Governo, desde o período Temer, e agora mais ainda no Governo Bolsonaro, sujeita-se, submete-se aos interesses transnacionais, principalmente dos Estados Unidos. É um prato cheio para se devorar os direitos da nossa população e não se tem nenhum receio nesse caminho de rifar os direitos democráticos, os direitos sociais, os direitos trabalhistas e os direitos ambientais. Então, é necessário resistir a essa lógica.
Pouco mais de 1 ano atrás, nós realizamos aqui no Distrito Federal o maior evento em defesa da água do planeta, quando nós trouxemos gente de tudo quanto é lugar do mundo. Nós realizamos mais de 170 atividades coletivas, autogestionadas, para tratar a água enquanto direito dos povos e da natureza. E lá estavam os sujeitos que são realmente atingidos por esse sistema injusto: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, catadoras de mangaba, populações e comunidades tradicionais, trabalhadores da água e do saneamento, moradores sem-teto das periferias.
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As populações sem-teto e de rua sofrem muito com a escassez de água ou com a concentração de água na mão de um modelo destruidor, como é o agronegócio, que utiliza 70% da nossa água na agricultura. Refiro-me a esse modelo que não atende aos nossos interesses, não alimenta a população, não é pop, não é bom para o País, mas que envenena os lençóis freáticos, impermeabiliza o solo, coloca veneno no prato da população brasileira. É um modelo destruidor e que precisa ser superado. Então, nós começamos a pensar em como vencer isso.
No Fórum Alternativo Mundial da Água, nós pensamos em cinco soluções sistêmicas, que são as que eu realmente gostaria de apresentar aqui. Digo isso porque não adianta só ficarmos denunciando. Chega um momento em que a nossa organização, principalmente diante dessa escalada autoritária, como é esse Governo submetido aos interesses dos Estados Unidos, submetido aos interesses de militares, que não tem nenhum compromisso com a democracia brasileira, ou submetido a economistas com teorias ultraliberais já ultrapassadas no mundo inteiro, além de fazer resistência e de dizer que esse caminho não atende à população brasileira, precisa apresentar propostas. Então, nós formulamos coletivamente no Fórum Alternativo Mundial da Água cinco propostas sistêmicas.
A primeira é preservarmos os biomas. Para resolver a crise da água, nós temos que garantir que se mantenham os processos de regeneração da floresta, que se mantenha o processo de evapotranspiração na Amazônia, que se mantenha o processo de infiltração da água nos lençóis freáticos, a partir dos espaços de recarga hídrica no Cerrado e em todos os nossos biomas. Então, é preciso preservar os biomas verdadeiramente, e não impermeabilizar o solo, como quer fazer a especulação imobiliária em todo o Distrito Federal, por exemplo, onde estamos, e não impermeabilizar com o agronegócio também, que também impermeabiliza o solo. Nós estamos falando em preservação de verdade, e este Governo tem cumprido um desserviço horrível em permitir e incentivar a destruição da Floresta Amazônica e do nosso Cerrado, submetendo-os aos interesses do agronegócio.
A segunda solução sistêmica é uma educação ambiental efetiva, e não tecnicista. Infelizmente, nesta Casa, neste Congresso Nacional, tem gente que acredita que o único problema do Governo Bolsonaro e da sua bancada neste Congresso é não ter dados técnicos, é ser incompetente na hora de demonstrar, de forma tecnicista, o que ele está fazendo. Mas o que o projeto Bolsonaro representa tem um objetivo muito evidente, por mais que ele não o demonstre em metas. É um projeto de destruição, de destruição do povo, de destruição da natureza e privilégio do 1% que oprime, explora e destrói o planeta, que está ocupado por 99% da nossa população. Então, nós precisamos fazer educação ambiental efetiva para conectar as pessoas com uma outra perspectiva com relação à humanidade e à natureza.
A terceira solução sistêmica é investirmos de verdade nas empresas públicas de água e saneamento e, principalmente, nos seus servidores, muitos dos quais estão aqui presentes e seguram o rojão desse processo tão difícil de mantê-las, com toda a precarização que existe, com todas as ameaças de privatização velada, através das terceirizações.
Há um caso, aqui no Distrito Federal, que o Igor, que estava aqui, do SINDÁGUA, sempre relata com muita firmeza: em 2014, um trabalhador terceirizado morreu depois de trabalhar por 27 horas, no conserto de uma adutora — 27 horas seguidas de trabalho. Então, a precarização não pode ser aceita. As empresas públicas têm que seguir sendo públicas e, principalmente, atuar no interesse público. O investimento nas empresas públicas é fundamental. Essa é a terceira solução sistêmica.
A quarta solução sistêmica é nós nos adaptarmos às necessidades do nosso tempo. Num planeta em aquecimento, no rumo de uma destruição ambiental planetária, onde nós já ultrapassamos em muito as 350 partes por milhão de carbono na atmosfera, nós precisamos pensar numa grande transição ecológica. E essa grande transição precisa passar pelo debate sobre água e saneamento também, captação de água da chuva, bacia de evapotranspiração. Nós precisamos pensar em métodos e tecnologias socioambientais de regeneração dos biomas, isso tem que fazer parte das políticas, que são o nosso cotidiano: mais agroflorestas, menos agronegócio; mais casas de bioconstrução, menos grandes construtoras destruindo o nosso planeta.
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E a quinta solução sistêmica que é necessária para alcançarmos tudo isso é que nada de bem comum, nada de objetivo social nós vamos alcançar sem o controle social e o poder popular com relação não só à água, mas também a todos os demais aspectos da nossa vida.
Nós queremos assembleias populares da água, nós queremos poder popular e democracia direta. A consulta que foi feita on-line sobre a MP 868/18, no site do Senado, teve 95% de rejeição. Talvez os interesses privados não consigam garantir que as pessoas que estão aqui eleitas por voto popular representem esses interesses que estão evidentes. O povo não quer passar sede, o povo não quer pagar uma conta alta, o povo não quer ter que ir para uma guerra da água, como foi em Cochabamba na Bolívia, mas, se necessário, o povo sabe fazer isso.
E nós não vamos exitar nas grandes batalhas do nosso tempo, até que tenhamos acabado com a exploração, com todas as formas de opressão na nossa sociedade e com a destruição do planeta, para construirmos finalmente a tal da sociedade do bem viver, onde consigamos alcançar a maior dose de felicidade possível e vençamos esse processo de uma vez por todas.
Muito obrigado. É um prazer estar aqui. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarida Salomão. PT - MG) - Muito obrigada, Thiago, por essa excelente exposição.
Agradecendo a gentileza e a cortesia do Deputado Edmilson Rodrigues, eu vou passar a Presidência novamente a S.Exa.
Antes, porém, convido o Deputado João Daniel, para fazer uso da palavra.
O Deputado Carlos Veras estava inscrito, mas, como nós todos aqui temos a destinação da ubiquidade, temos de estar em vários lugares ao mesmo tempo, S.Exa. desistiu. Estão inscritos ainda o Deputado Célio Moura, o Deputado Nilto Tatto e o Deputado Glauber Braga.
Com esse anúncio, retorno a Presidência ao Deputado Edmilson Rodrigues.
Vamos derrotar a MP 868/18! (Palmas.)
O SR. JOÃO DANIEL (PT - SE) - Muito obrigado, companheira Deputada Margarida Salomão.
Quero saudar os Parlamentares das três Comissões, parabenizando todos os seus membros, por intermédio do Deputado Edmilson. Faço parte da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia.
Quero parabenizar todos os trabalhadores e trabalhadoras que estão aqui.
Desde quando houve o golpe, com o Temer, as grandes corporações estão mais fortes do que nunca em sua vontade de tomar as nossas riquezas naturais e minerais. A água e o saneamento são uma grande fonte de lucro para o capital, ainda mais para quem tem as reservas e as riquezas que nós temos.
Bolsonaro é um verdadeiro representante dos grandes negócios privados, das grandes corporações. Não tenhamos nenhuma dúvida: a derrota da MP 868/18 depende da mobilização e da luta de todas as categorias. O nosso papel aqui no Parlamento é de enfrentarmos e denunciarmos, como fez aqui o companheiro que me antecedeu, falando claramente dos interesses econômicos da elite liderada pelo Senador Tasso Jereissati, pelo PSDB e por outros que estão ligados às grandes multinacionais. A Coca-Cola ganha mais dinheiro com água do que com refrigerante. Então nós precisamos enfrentar essa luta.
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Eu tenho o prazer de dizer que, na noite da última sexta-feira, depois de mais de 3 horas de reunião com o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Purificação e Distribuição de Água e Serviços de Esgotos de Sergipe, o qual me apoiou — eu estou nesta Casa com o apoio deles e tenho um compromisso histórico com esses companheiros e com essa luta —, recebemos o firme compromisso do nosso Governador de que lá não haverá PPP, não haverá privatização. Será mantida a estatal com o apoio dos servidores, dos trabalhadores, que fazem aquela bela empresa, que é a DESO, a Companhia de Saneamento de Sergipe.
Contem conosco! Estamos aqui firmes e fortes para enfrentar essa batalha e não sermos derrotados.
Um grande abraço.
Firmes e fortes! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado ao sempre combativo Deputado João Daniel.
Vamos ouvir agora o Sr. Edson Aparecido da Silva, representante da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.
O SR. EDSON APARECIDO DA SILVA - Obrigado, Deputado Edmilson Rodrigues.
Inicialmente, quero agradecer e cumprimentar os Deputados e as Deputadas das Comissões que aprovaram os requerimentos que deram origem a esta audiência pública.
Deputado Glauber Braga, estamos articulando junto aos Parlamentares a aprovação, nas Comissões, da realização de audiências públicas regionais. Uma em cada uma das Regiões — Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste —, sendo fecharíamos aqui, no Centro-Oeste, com uma grande reunião. Esta é uma proposta que nós estamos tentando costurar com os Parlamentares e aprovar nas Comissões, porque seria muito importante irmos às Regiões e conversarmos com Vereadores, com a população, com os trabalhadores.
Também, faço aqui uma saudação especial aos trabalhadores e trabalhadoras urbanitários do Estado de Goiás. (Palmas.)
Esses trabalhadores e trabalhadoras têm dado um exemplo de luta, resistência e participação, que eu acho que deveria servir para todos os urbanitários do Brasil.
Parabéns a vocês por, mais uma vez, engrossarem nossa luta em defesa do saneamento público!
Quero responder à pergunta feita por um internauta. Para que se tenha uma ideia, segundo dados da Auditoria Cidadã da Dívida, de um total de 2,62 trilhões pagos em 2018, executados, 1,065 trilhão foram utilizados para pagar juros e amortizações da dívida pública. Isso significou 40,66% do Orçamento brasileiro. Para o saneamento, em 2018, foram destinados 0,02%. Então, respondendo quanto vai ser investido em saneamento em 2019, eu digo: se em 2018 foi isso, em 2019, vai ser um orçamento menor ainda.
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É importante esse debate sobre a dívida pública. Enquanto o Governo fala que tem que fazer a reforma da Previdência porque há um grande rombo nas contas públicas, ninguém fala que o verdadeiro rombo nas contas públicas é porque continuam pagando juros escorchantes da dívida pública brasileira. Eu acho que é nesse debate que temos nos aprofundar cada vez mais.
Mas há um detalhe também: o setor privado e muitas entidades que são contra essa medida provisória dizem que há um problema de financiamento do setor. Se é verdade que há um problema de financiamento do setor, há um gargalo que nós temos que resolver antes — o setor tinha que estar fazendo esse debate —, que é como resolver o problema, Deputado Edmilson e demais Deputados, e como executar os recursos públicos.
O Deputado Joseildo disse aqui que, de 2007 a 2014, foram emprestados 100 bilhões de reais para serem investidos em saneamento, com dinheiro do Ministério das Cidades e da FUNASA. Desses 100 bilhões, executaram 50 bilhões. Cinquenta bilhões do orçamento que foram para os operadores de saneamento públicos e privados não foram executados.
Esse é um debate importante que o setor tem que fazer, para desmistificar esse negócio de que tem que haver dinheiro do setor privado e tal, até porque, como já disse a Profa. Ana, os recursos públicos que o setor privado pega são do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, dos trabalhadores, do BNDES, etc.
Há uma questão que não há como não mencionar. A Medida Provisória nº 868, de 2018, tem um objetivo, que é, sem dúvida nenhuma, abrir, facilitar o processo de avanço do setor privado do saneamento no Brasil — ponto. E por que o Governo apresentou a Medida Provisória nº 868? Os senhores lembram que um dos primeiros atos do Governo golpista do Michel Temer, depois da derrubada da Presidenta Dilma, foi instituir, por decreto, um programa chamado Programa de Parcerias de Investimentos — PPI, que, entre outras coisas, previa contratar com dinheiro público do BNDES consórcios privados compostos pelo sistema financeiro, escritório de advocacia e empresas de projetos e engenharia, para fazer a modelagem da privatização das empresas estaduais de saneamento?
Sabem o que eles viram? Que não era simples assim privatizar as companhias estaduais, porque a Lei nº 11.107, de 2005, que a medida provisória altera, e a Lei nº 11.445, de 2007, que é a principal lei que a medida provisória muda, dificultavam isso. Então, para levar adiante o processo de privatização, tinha que haver uma medida provisória, um instrumento que alterasse a lei e facilitasse o processo de privatização. É isso que está colocado hoje.
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Eu queria aqui dizer, em nome da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, que reúne entidades do movimento sindical e do movimento popular, que foi criada em 1997, já num combate, numa luta contra o processo de privatização do saneamento no Brasil, que devemos continuar mantendo a nossa posição de que, se for feita qualquer alteração na Lei nº 11.445, ela não pode ser feita através de uma medida provisória.
Como já foi dito aqui, o processo de construção da Lei nº 11.445 foi intenso, com debates, que reuniu trabalhadores, setor privado, empresas técnicas, como a ABES, a AESBE, enfim... A lei é fruto do consenso possível de uma sociedade tão diversa como a nossa e de um setor igualmente diverso. Qualquer alteração nessa lei deveria ser feita da mesma forma.
Bom, para encerrar, eu queria dizer o seguinte: quem não tem saneamento no Brasil é o pessoal que vive nas áreas ocupadas, é o pessoal que vive na periferia das grandes cidades, é o pessoal que mora na área rural, é o pessoal das comunidades originárias e tradicionais. É principalmente esse povo que não tem acesso a saneamento no Brasil.
A pergunta é: os senhores acham que a medida provisória que cria um processo seletivo de privatização vai resolver o problema dessa maioria da população que não tem acesso a saneamento? É óbvio que não.
(Manifestação na plateia: Não!)
O SR. EDSON APARECIDO DA SILVA - Por isso eu acho que precisamos fazer o real debate. Nós precisamos ter um programa de recuperação e revitalização dos operadores públicos de saneamento, com um profundo controle por parte da sociedade. Essa é uma das propostas que defendemos. Entendemos que é preciso rediscutir os gargalos que hoje impedem o avanço do setor de saneamento.
É preciso aprofundar o debate para dar garantia de água e saneamento para quem não pode pagar. A Profa. Ana trouxe o exemplo de uma cidade de Minas Gerais, onde isso já acontece, e nem por isso a empresa quebrou ou faliu. Ela continua sendo uma das empresas exemplares na prestação de serviços de saneamento.
Eu queria pedir para as Sras. e Srs. Deputados e Senadores que caminhemos no sentido de aprovar uma emenda à Constituição Federal para incluir no seu art. 6º, no Capítulo dos Direitos Sociais, a água e o saneamento como direito social, como é a habitação, a educação, o transporte, etc.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Edson.
Vamos à luta!
Pessoal, eu queria pedir licença para fazer uma inversão. Foi-me feito um pedido, por ter havido alguns problemas relacionados à logística, ao deslocamento.
Passo a palavra ao João Maria, do Sindicato dos Urbanitários de Goiás — STIUEG. (Palmas.)
(Manifestação na plateia: Estamos juntos!)
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O SR. JOÃO MARIA - Juntos, sempre!
Boa tarde a todas e todos. Boa tarde, Presidente Edmilson, na pessoa de quem saúdo toda a Mesa, Deputados presentes, Deputado Glauber, que fez um trabalho fortíssimo junto com uma quantidade enorme de Parlamentares para alcançarmos a vitória na MP 844.
É interessante dizer que, naquele capítulo da MP 844, a nossa luta, a nossa força foi tão grande, tamanha, que nem sequer a Comissão foi instalada nos 120 dias. Então, isso foi fruto de um trabalho grandioso, imenso, que contou, claro, com apoio dos Srs. Parlamentares e desta companheirada que nos segue por todos os cantos, por onde quer que nós formos.
Valeu, pessoal! É assim que se faz. Com certeza, construiremos mais vitórias. (Palmas.)
Antes de começar a minha fala, irmão, eu gostaria de fazer um registro triste. Na última quinta-feira, um companheiro nosso, o Flávio Leonel, lá da SANEAGO, foi vítima de um acidente fatal, triste, cruel, quando fazia um trabalho no Rio Meia Ponte, um dos principais rios que abastecem a Grande Goiânia e boa parte do Estado. Aos 36 anos de idade, com 2 anos de empresa, ele deixa esposa e dois filhos.
Eu queria pedir a vocês 1 minuto de silêncio em memória desse lutador.
(O Plenário presta a homenagem solicitada.)
O SR. JOÃO MARIA - Flávio Leonel!
(Manifestação na plateia: Presente!)
O SR. JOÃO MARIA - Flávio Leonel!
(Manifestação na plateia: Presente!)
O SR. JOÃO MARIA - Flávio Leonel!
(Manifestação na plateia: Presente!)
O SR. JOÃO MARIA - Vamos juntos!
Onde quer que ele esteja — e que seja num bom lugar —, que ele possa se juntar a nós em mais isto: no trabalho combativo contra a privatização do saneamento.
Então, irmãos, que bacana! O caminho é esse. Que bom que temos a oportunidade de poder falar aqui não só para os presentes, mas também para o Brasil inteiro. E vou dar um recado para o povo deste Brasil: a luta não é só dos que estão aqui, dos que estão entendendo e fazendo a leitura do que acontece com este País. A luta é de todos nós, é de todos aqueles que sonham com as futuras gerações, com um mundo melhor, com um Brasil melhor, com um lugar melhor para se viver.
Os ataques ao setor de saneamento não são de hoje. E eu não vou me atrever, como o Prof. Gabeira fez aqui um dia, a contar a história do saneamento no Brasil. Não farei isso de jeito nenhum! Mas eu vou abordar o ano de 2001 — uma história recente deste País —, quando apresentaram o Projeto de Lei nº 4.147, que tinha a clara intenção de tirar a titularidade dos Municípios e passá-la para o Estado. A real intenção era de se privatizar por atacado, assim como fizeram com várias empresas estatais do setor elétrico. Lá em Goiás, isso aconteceu recentemente. Essa era a intenção.
Mais uma vez, estamos na mobilização dos setores organizados, das entidades sérias deste País, como nós estamos fazendo agora novamente. É um processo histórico que vem se arrastando. Vários setores já foram privatizados, mas o setor de saneamento, aos olhos do grande capital, é como se estivesse intacto, tão grande é o desejo de ter o controle sobre isso.
Os companheiros que me antecederam aqui, de forma brilhante, trouxeram dados importantes, maravilhosos. E é isto mesmo: a caixa d'água do planeta precisa ter dono! E ela está aqui no Brasil, caramba! Os caras estão com dinheiro, está tudo pronto. Os lobbies, os escritórios estão sendo montados a todo o tempo. Só nós, só nós os cidadãos de bem conscientes que entendemos que a luta é para mudar o que está aí é que podemos barrar isso, como nós temos feito em todo o tempo. Não há outra alternativa.
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A Igreja Católica veio, em 2004, logo depois de derrotarmos o PL 4.147/01, e colocou o tema da Campanha da Fraternidade como Água é Vida. A Igreja Católica já sinalizava que os ataques iriam continuar acontecendo. A todo o tempo isso veio acontecendo mesmo, ainda que de forma mais amiúde nos Municípios, com as propostas de se universalizar o serviço.
Por fim, nós experimentamos as parcerias público-privadas. Lá em Goiás inventaram a terrível subdelegação, por meio da qual se entregaram quatro cidades — eram cinco —, mas o Prefeito de Anápolis na época, Antônio Gomide, hoje Deputado Estadual, disse: "Não, aqui o contrato de concessão da minha cidade é com a empresa de saneamento de Goiás". Ele é oposição ao Governo do Estado de Goiás e falou: "Se vocês não conseguirem resolver o meu problema, devolvam-me que resolvo eu, mas entregar para uma outra não vão". Ele foi firme. O Governador mandou o Secretário de Estado se reunir com ele, porque a oferta era tentadora, mas ele não cedeu.
Então, Aparecida de Goiânia, Trindade, Rio Verde e Jataí entraram na aventura mirabolante muito recentemente — há apenas 5 anos. Nesses 5 anos, a Odebrecht, aquela empresa idônea que todo o mundo conhece, prometeu universalizar os serviços. E olha que o Governo do Estado à época investiu horrores, milhões de reais, com recursos próprios da empresa para entregar o sistema para a Odebrecht. Olhe só o que é isso, gente! Olhe o que está por trás disto: recursos próprios da tarifa para entregar um sistema para uma empresa!
Isso é uma tragédia! E é isso que está sendo anunciado. É isto que se propõe através da MP 868: destruir um sistema que funciona, bem ou mal, com todos os indicadores que colocaram ali. Esse sistema é a fórmula que tem funcionado desde os anos 70 neste País, bem ou mal, é o subsídio cruzado.
Mas lá em Goiás a aventura continua. A Prefeitura de Jataí acabou de entrar na Justiça na tentativa de reduzir a tarifa do esgoto, porque o contrato não foi honrado. Agora é a BRK, essa gigante do mundo da especulação do capital financeiro, que está abocanhando tudo e está fazendo lobby aqui dentro desta Casa para tentar dominar, tomar conta e ver esse projeto dar certo. Isso não serve para nós.
Lá em Goiás, nós estamos tendo e vivendo momentos sombrios desde a privatização da CELG, com o sucateamento daquela estatal. Os goianos nunca viveram tamanho apagão na história daquele Estado. Lá é a poderosa ENEL. Aonde ela chega, o desastre acontece. A São Paulo ela chegou agora há pouco. E agora, Edson, os paulistanos já começam a enfrentar apagão, e não estavam acostumados com isso, não é?
Lá no Ceará ela caiu 10 posições no ranking, porque o que interessa, Deputado Glauber, é o lucro.
17:10
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É trágico entregar monopólio na mão de grupos privados. É trágico porque não se enxerga que não existe filantropia, não há tarifa social. Isso é de araque! Não existe amor pelo próximo. Querem o cifrão, o dinheiro. E é contra tudo isso que nós temos que lutar.
Eu falo de forma fraterna, sem apego, que nós vivemos no sistema "capetalista". Tranquilo, gente, isso é do capeta. Só se enxerga o lucro. Não interessa se vai morrer quem está lá na ponta, se vai conseguir pagar a conta ou não. É preciso ter lucro. É preciso distribuir dividendos no final das contas. "Dane-se. Você vai ter que chegar ali e pagar a conta."
As autoridades sanitaristas deste País — eu estava acompanhando o debate que houve em São Paulo, nós acompanhamos pelas redes sociais —, os historiadores e os grandes estudantes da história do saneamento deste País disseram que isso será um retrocesso sem precedentes na nossa história. Quando eles dizem que haverá um retrocesso é porque as famílias brasileiras com a privatização desse sistema, com a entrega do sistema como se quer, terão um retrocesso. Será a volta para as cisternas, a volta para as fossas sépticas. Isso é um atraso. Isso é verdadeiramente ir na contramão da história. Isso é jogar tudo que nós conquistamos até então na lata do lixo.
O Governo que chega agora tem o dever moral de olhar para esta sociedade, e ele não é obrigado a conhecer tudo, como tem dito por aí, mas tem que ter um gesto de grandeza para ouvir quem conhece, ouvir os dois lados e ter humildade para entender e compreender o caminho que está sendo adotado, se não foi no Governo dele, foi no Governo que empurrou este País ladeira abaixo. Só por isso não merecia crédito a MP 868. Ele tem ainda a oportunidade de ouvir as autoridades deste País e ver a grandeza que são as companhias estaduais de saneamento do Rio de Janeiro, de Goiás, de Pernambuco, de onde quer que seja. As estruturas dos sistemas municipais funcionam muito bem. Nós sabemos da luta que tem sido feita para manter o sistema público.
E aí, minha gente, um chamado eu faço aqui para todos nós que necessitamos de qualidade de vida num país rico e maravilhoso, como é o nosso, mas que só continuará a ser assim se continuarmos a fazer luta: que nós nos encontremos em cada canto deste País, nos Estados, conversando, dialogando com os Parlamentares pelas redes sociais, nos aeroportos, no corpo a corpo, onde quer que seja, dentro desta Casa, para que aquilo que é contra a soberania deste País, aquilo que é contra o presente em nossa vida não seja trágico para as futuras gerações.
Vamos juntos! Um abraço a todos. Saudações dos urbanitários de Goiás.
Muito obrigado. (Palmas.) (Manifestação na plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, João Maria. Obrigado, militância.
Há quatro Deputados inscritos. Eu queria passar a palavra ao Deputado Célio Moura, do PT de Tocantins, e logo após ao Deputado Nilto Tatto. Depois vamos ouvir o restante dos companheiros da Mesa. Há mais inscritos: os Deputados Glauber e Pompeo de Mattos.
17:14
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Pergunto ao Deputado Glauber se não queria me dar honra de coordenar por alguns minutos a Mesa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Tudo bem. Eu sei.
Tem a palavra o Deputado Célio Moura.
O SR. CÉLIO MOURA (PT - TO) - Sr. Presidente, Deputado Edmilson Rodrigues, vejo aqui o Deputado Nilto Tatto, o Deputado Glauber, os Deputados lá da Bahia, o meu querido Deputado Joseildo Ramos, o Deputado Pompeo de Mattos. São essas lideranças políticas, com respeito aos demais, que têm garantido a luta democrática nesta Casa.
Eu também quero deixar um abraço aos urbanitários de Goiás. Sei do trabalho da STIUEG. Moro em Araguaína, no Tocantins, mas desde 1980 conheço o trabalho do STIUEG.
Sr. Presidente, nós somos parte de Goiás, com a divisão do Estado de Goiás foi criado o Estado de Tocantins. Tivemos a SANEAGO, depois o Governador do Tocantins criou a SANEATINS, e recentemente privatizaram o serviço de água e esgoto no Tocantins, com a famigerada Odebrecht. Primeiro foi a EMSA que comprou, depois vendeu para a Odebrecht, e agora é a BRK. E se não bastasse isso, privatizaram apenas as grandes cidades do Estado: Araguaína, Palmas, Gurupi, Porto Nacional, Guaraí, Colinas, e parece que Paraíso também, não sei. Nas demais cidades não houve privatização, e criaram a tal de ATS — Associação Tocantinense de Saneamento.
Sr. Presidente, a situação lá é uma calamidade. O preço da água dobrou. Para se ter uma ideia, quando chega o esgoto, que é financiado pelo FGTS, o valor da taxa dobra. Estão cobrando 80% a mais no valor da água, quando chega o saneamento. O serviço prestado é de péssima qualidade. Cortam a água de todo mundo na sexta-feira, as famílias ficam sem água. Muitas pessoas estão vendendo suas casas nos bairros da cidade e se mudando para locais sem abastecimento de água, para não terem de pagar pela água, porque é impossível pagar a conta.
Para os senhores terem uma ideia, no meu escritório de advocacia que gasta 500 litros de água por mês, porque lá quase não se usa água, eu pago uma taxa de 240 reais. É um absurdo, gente! Isso é um absurdo.
Portanto, eu quero me solidarizar com todos os companheiros nessa luta contra essa famigerada MP 868. Vamos brigar, gente! Vamos estar aqui no Congresso Nacional. Sou novato, mas tenho certeza absoluta de que, com esses bravos companheiros que representam a democracia e a cidadania na Casa, essa MP não passará.
Deixo aqui um abraço do Estado do Tocantins, que também está na luta contra a privatização dos serviços públicos de água e esgoto no Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Obrigado, Deputado Célio.
Concedo a palavra ao Deputado Nilto Tatto, integrante da Frente Parlamentar Ambientalista, da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Casa, ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, enfim, um cara bem-dotado.
17:18
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O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Obrigado, Deputado Edmilson. Quero cumprimentar, na pessoa de V.Exa., os Deputados das três Comissões que realizam esta audiência — eu participo da Comissão de Legislação Participativa.
Cumprimento a Mesa e todos os trabalhadores e trabalhadoras de todo o sistema de saneamento.
Acho que todos sabem que hoje a água, como mercadoria, talvez seja, entre aquilo que eles consideram como mercadoria, a que tem a maior taxa de lucratividade. Se não me engano, a Nestlé, por exemplo, chega a ter perto de 700% de taxa de lucratividade com a água. Falo sobre isso só para que possamos entender o que representa esta medida provisória.
Mas ela representa muito mais. Se temos uma política bem estruturada no País, debatida por muito tempo, com amplos setores da sociedade, é a Política Nacional de Saneamento. Nós chegamos a uma política. E ela tem um conceito que está sendo destruído por esta medida provisória, o conceito da universalização do serviço — todos têm direito a saneamento ambiental. É isso que está na política que foi construída a duras penas, por muito tempo. O que faltou foi recurso para implementar a política, porque há um problema sério no Brasil de disputa do dinheiro do Orçamento, que vem do imposto pago por todos no Brasil e, proporcionalmente, em muito mais quantidade, pelos mais pobres, pelos trabalhadores. Então, aqueles que mais pagam impostos, proporcionalmente à renda, depois não conseguem os recursos na hora de implementar as políticas que lhes são necessárias. A própria reforma da Previdência vem nessa rota.
Há outro conceito que está na Política de Saneamento e que esta medida nefasta destrói: o conceito da participação da sociedade e dos entes federativos. A medida provisória tira o poder dos Municípios e tira o poder das agências nos diversos sistemas das bacias que há no País todo. Então ela tira o espaço de participação direta da sociedade civil na elaboração, na implementação e no monitoramento das políticas de saneamento ambiental.
Precisamos derrotar esta medida provisória, porque ela destrói conceitos importantes. E eu faço uma relação direta desta medida provisória com a reforma da Previdência, por meio da qual eles querem tirar 1 trilhão de reais dos recursos da Previdência para enviar para o sistema financeiro. Com esta medida provisória, eles querem os recursos naturais, querem baratear o saneamento para cidades que já têm política e toda a infraestrutura e deixar para o Estado, sem dinheiro, o provimento dos serviços para a grande maioria da população que vive nas periferias e no meio rural.
Então, vamos lutar juntos. Para derrotar esta medida provisória, dependemos da nossa articulação aqui dentro do Congresso, da articulação dos trabalhadores, das trabalhadoras e de toda a sociedade civil organizada, volto a dizer, porque nós entendemos que a água e o saneamento não são mercadorias.
17:22
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Vamos à luta e vamos derrotar esta medida provisória!
Parabéns, colegas! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Edmilson Rodrigues. PSOL - PA) - Muito obrigado, Deputado Nilto Tatto.
Vou fazer agora duas chamadas: a primeira é a do João Marcos Paes de Almeida, que representa aqui a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros — FISENGE; a outra é para convidar para dirigir os trabalhos o Deputado Joseildo Ramos, coautor dos requerimentos de realização deste evento.
O SR. JOÃO MARCOS PAES DE ALMEIDA - Boa tarde a todos e a todas.
Eu agradeço ao Deputado Edmilson e ao Deputado Joseildo o convite feito à Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros para estar aqui. Estou representando o Presidente Clovis Nascimento, que não pôde participar desta reunião hoje.
A FISENGE, como é conhecida, criada em 1993, articula ações visando à consolidação de políticas públicas para o desenvolvimento nacional, a valorização da engenharia brasileira e a construção de uma sociedade justa e igualitária.
Estou aqui na qualidade de engenheiro que milita há mais de 45 anos no saneamento e que defende, desde o princípio, o saneamento público e eficiente. Dizer que não existem problemas hoje nas companhias estaduais ou nas companhias municipais não é verdade. Existem problemas, sim. Mas dentro do PLANSAB já existiam metas estruturantes exatamente para melhorar as companhias, a fim de que prestem um serviço melhor.
Com relação à MP, a FISENGE defende o seu arquivamento. Ela vence no dia 3 de junho, ou seja, nós temos um pouco mais de 40 dias pela frente, mas, dentro da possibilidade das articulações aqui no Congresso, nós defendemos que ela seja arquivada, porque ela traz enormes prejuízos à população, principalmente à população de baixa renda, a população mais injustiçada neste Brasil.
Como já foi dito, os art. 8º-D e 10-C podem ser motivos de ações diretas de inconstitucionalidade. Acredito que já existam ações sendo montadas exatamente com a finalidade de arguir essa inconstitucionalidade. Então, a MP, sendo inconstitucional, vai ser barrada. Por isso, continuamos defendendo o seu arquivamento.
Quais são os requisitos básicos de uma MP? São a urgência e a relevância. Ninguém discorda da relevância do saneamento no Brasil. Mas não existe urgência. Para que a urgência? É para entregar o setor para a iniciativa privada? A única defesa que existe para essa urgência é: "Nós queremos entregar rapidamente o setor de saneamento para a iniciativa privada".
A iniciativa privada já participa — está certo que é pouco — com cerca de 5% de todo o saneamento. Nós temos 70% do saneamento com as companhias estaduais, 25% com as municipais e em torno de 5% com as empresas privadas. E os exemplos que foram dados aqui mostram que a iniciativa privada no setor de saneamento não tem tido sucesso no Brasil. Ao contrário, tem sido um fracasso absoluto.
17:26
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Esta medida, então, não tem urgência e desmonta todo o processo de subsídio cruzado que tem viabilizado água para os Municípios deficitários.
Grandes populações hoje sobrevivem graças ao subsídio cruzado. Há gente que o desqualifica — ele tem problemas, está certo, às vezes é uma caixa preta dentro das empresas de saneamento —, mas ele tem, sim, viabilizado água para toda a população, seja a de maior poder aquisitivo, seja a de menor poder aquisitivo.
O Thiago mencionou o Relator da MP, o Senador Tasso Jereissati, que é o maior franqueado da Coca-Cola no Ceará e em todo o Nordeste — ele é violento mesmo. Ele não só tem uma franquia da Coca-Cola, como também apresentou um projeto de lei no Senado denominado de mercado da água. Quer dizer, ele tem uma intenção direta e interesses próprios para viabilizar essa privatização. Ele foi escolhido a dedo como Relator. Eu já adianto que ele vai ser favorável à medida provisória. Então, vai ser mais uma luta aqui dentro do Congresso.
Na época da MP 844, havia aqui o Deputado João Paulo Papa, defensor do saneamento público e contrário à medida provisória. E era do PSDB. Entretanto, agora, com a figura do Senador Tasso Jereissati, nós estamos contrários ao Relator e contrários à MP.
Eu queria ainda externar aqui o nosso repúdio ao Decreto nº 9.759, de 2019, que extingue vários conselhos — vai chegar ao número de 35 conselhos extintos —, instituições que contam com a participação da sociedade civil. Então, esse é outro absurdo que este Governo está patrocinando, enterrando a faca em nós.
Nesses meus anos de combate à privatização, já fui da CAESB por 25 anos; depois fui da própria Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental; fui da AESB; e fui da NOVACAP, que não tem ligação direta com saneamento. Eu quero parabenizar realmente o STIUEG, que mobilizou seus trabalhadores. Vocês estão de parabéns.
Quero também cobrar o Igor, do SINDÁGUA do DF — eu também já fui diretor do SINDÁGUA — porque nós não conseguimos mobilizar nem os trabalhadores nem a Direção do SINDÁGUA. Então, eu dou um aperto nele para que haja mais participação do SINDÁGUA. (Palmas.)
Nós tínhamos um slogan antigo lá: Água é vida e saneamento é saúde. Isso ninguém discute. Nós já estivemos no Conselho Nacional de Saúde, defendendo inclusive a queda desta MP.
Finalizando, nós somos contra a MP e somos a favor do seu arquivamento.
Muito obrigado. (Palmas.)
17:30
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O SR. PRESIDENTE (Joseildo Ramos. PT - BA) - Agradecemos ao Sr. João Marcos Paes de Almeida a brilhante manifestação.
Concedo a palavra ao Deputado Glauber Braga.
V.Exa. tem 3 minutos para sua manifestação.
O SR. GLAUBER BRAGA (PSOL - RJ) - Boa tarde.
Em 3 minutos eu não posso deixar de falar que temos que reativar a luta vitoriosa que conseguiu barrar a Medida Provisória 844. Eu sei que cada um dos senhores e das senhoras já está fazendo isso.
Reforço aquilo que foi dito aqui em alguns comentários. Deve-se pressionar mesmo: pressionar Parlamentares, pressionar aqueles que fazem dos Parlamentares o seu espaço de influência, porque essa turma caminha nos Municípios brasileiros e sabe que essa pressão sobre a representação do preço da água pesa sobre eles.
Eu sou natural de um Município onde a privatização da água foi realizada. Havia lá uma companhia municipal que foi vendida para uma multinacional norte-americana. Houve as maiores mobilizações da história do Município, porque a consequência foi aquela que os senhores e as senhoras já sabem: o preço da água foi para as alturas. E não existe momento em que uma pessoa fique mais vulnerável do que quando não tem água na sua casa, não tem eletricidade ou não tem comida para colocar na mesa.
E vemos que o conjunto de medidas que está sendo adotado pelo atual Governo visa exatamente a privatizar o sistema elétrico brasileiro e abrir as portas para o processo de privatização do saneamento e da água. A nossa mobilização é o que pode garantir que esta medida provisória seja rejeitada. Eles querem vender espaço do Estado brasileiro para que grupos pequenos possam ampliar a sua lucratividade — e nem escondem mais isso, não é?
Houve uma Comissão aqui em que se discutia a privatização do sistema de educação. Um dos Parlamentares do MBL, que na época ainda não era Deputado, defendia a proposta, dizendo que aquele era o melhor dos mundos. Eu fiz só uma pergunta a ele: "Diga-me uma coisa: no Município onde a escola não seja 'lucrativa' — entre aspas —, onde não haja possibilidade de o empresário privado" — olhando pela lógica deles, Deputado Edmilson — "lucrar com a escola, Municípios do interior do Nordeste, da Região Norte e do próprio Estado do Rio de Janeiro, como se faz?" A resposta dele, a partir dessa lógica ultraliberal, foi a seguinte: "Nesses casos, a gestão pode ser do poder público". É a mesma lógica para a política de saneamento.
Quando falamos em subsídio cruzado é porque sabemos que, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, alguns Municípios como o de Trajano de Moraes e comunidades como as de Visconde de Imbé e de Vargem Alta, que estão no interior e onde a agricultura familiar é muito presente, vão ficar mais prejudicados e desabastecidos do que já estão. Municípios que hoje são atendidos pela CEDAE vão ter sua realidade completamente modificadas para pior.
17:34
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Defender garantia de ampliação dos investimentos públicos para valorizar o atendimento à população com fornecimento de água e para fazer com que o saneamento seja uma realidade para o conjunto das famílias brasileiras, sim. Dificultar ainda mais o acesso à água com uma política que queira exclusivamente pensar no lucro, estabelecendo a água como uma mercadoria que tem como objetivo ampliar o lucro de poucos, aumentando o sofrimento de muitos, não podemos aceitar como fato consumado.
Contem conosco todos os segmentos que estão nesta mobilização, para fazermos o que for necessário: seja a discussão no plenário da Câmara; seja a discussão nas Comissões; seja a mobilização para as audiências propostas nos Estados; seja o ajuizamento de medidas judiciais combinadas com vocês. Para tudo o que estiver ao nosso alcance, contem com o nosso profundo esforço, com a nossa total disponibilidade, porque não vamos aceitar que eles deem como fato consumado a entrega do que é público para que a maioria do povo seja prejudicada! Vamos juntos!
Quando fizemos a discussão da Medida Provisória 844, também imaginávamos que não seria possível derrotá-la. Fizemos uma obstrução conjunta, numa sinergia que foi bem bacana, mas de fato não achávamos que conseguiríamos alcançar o que alcançamos. Foi com um processo de mobilização permanente, de garra e de pressão sobre os Parlamentares que estavam naquela Comissão, a partir das bases, que viramos o jogo.
Vamos enterrar esta medida provisória! Neste caso, vamos derrotar o Governo do Sr. Jair Bolsonaro, que continua patrocinando a medida provisória, e fazer com que a maioria dos brasileiros e das brasileiras tenha acesso a algo que é essencial para a sua vida, a água, que não pode ser tratada como mercadoria.
Vamos firmes! Vamos para cima!
Um abraço, gente. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Joseildo Ramos. PT - BA) - Obrigado, Deputado Glauber. Parabéns por sua fala!
Agora, mantendo o regime de rodízio, convido o Deputado Jesus Sérgio, que preside a CINDRA, para assumir a presidência, conceder a palavra ao próximo palestrante e encerrar esta audiência pública da melhor forma possível.
O SR. PRESIDENTE (Jesus Sérgio. Bloco/PDT - AC) - Boa tarde.
Dando continuidade à audiência, concedo a palavra ao Sr. Marco Helano Fernandes Montenegro, Coordenador-Geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento — ONDAS.
O SR. MARCO HELANO FERNANDES MONTENEGRO - Muito obrigado.
Quero agradecer a oportunidade de estar aqui fazendo parte desta Mesa com tantos companheiros e cumprimentar o Deputado Edmilson e o Deputado Joseildo. Eu tive a oportunidade de conhecer os dois enquanto eram Prefeitos. Cumprimento também todos os Parlamentares presentes e os demais participantes deste evento que resistem até agora aqui.
Acho que eu devo ter sido escolhido para falar por último por causa da minha idade. (Risos.)
Assim como o João Marcos, que é apenas um pouco mais novo do que eu, também estou há mais de 40 anos na luta pelo saneamento básico. Já exerci inclusive cargos de direção. Fui Presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal — CAESB, Diretor da Secretaria de Saneamento do Ministério das Cidades, na época do Governo Lula, exatamente no período em que nós discutimos e preparamos a Lei nº 11.445, de 2007. E fui Presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento — ASSEMAE também. Nessas oportunidades, tive condições de conhecer um pouco da situação do saneamento neste País.
17:38
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O Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento — ONDAS, entidade recém-criada, é um dos frutos da realização do Fórum Alternativo Mundial da Água e reúne profissionais, acadêmicos, entidades do movimento popular e entidades do movimento sindical com a intenção de subsidiar a luta por um saneamento que, de fato, garanta o direito de cada um a ter saúde e qualidade de vida no seu local de moradia e no seu local de trabalho.
O ONDAS tem essa missão no seu estatuto e, por clareza política daqueles que o fundaram, tem no seu estatuto que nós somos contra a privatização dos serviços de saneamento. Achamos que é incompatível lutar pelos direitos à água e ao saneamento e ter uma posição dúbia em relação à privatização.
Quando eu falo de posição dúbia, quero dizer que nós não achamos que ainda não seja hora de privatização, como foi dito aqui. Nós achamos que é hora de lutar por serviços públicos de qualidade, acessíveis a todos, e de enfrentar as dificuldades que os prestadores de serviços públicos vivem. Sabemos que grande parte da população que deveria ser atendida pelos serviços públicos de saneamento básico ainda não é. Aqui no Distrito Federal, os 99% de atendimento em água não incluem a população rural, que também é composta por gente. Mas, em geral, essas pessoas estão fora da área de atendimento dos prestadores de serviços de saneamento, inclusive dos públicos.
Com essa posição, o ONDAS não poderia ter posicionamento diferente em relação à MP 868/18. Nós somos pela rejeição da MP. Não achamos que, em razão de a situação política estar mais complicada com a eleição do Bolsonaro ou de alguns Governadores, nós devemos recuar da posição que adotamos na MP 844/18, como algumas entidades estão fazendo. Isso vai semear confusão. Nós temos que ter uma posição pela rejeição da MP.
Eu queria ler aqui um trecho de uma matéria publicada em 2008 num site chamado ConJur. A matéria dizia assim:
As medidas provisórias são instrumentos de índole fascista, pois surgiram com a Constituição italiana de Benito Mussolini e foram implantadas no Brasil na época da ditadura de Getúlio Vargas com o nome de decreto-lei. A medida provisória é ditatorial, abusiva e deixa o Poder Legislativo sem nenhuma expressão. Ela foi colocada na Constituição de 1988 na perspectiva do parlamentarismo. A decisão acabou sendo pelo presidencialismo, mas a medida provisória ficou lá. Não há razão nenhuma para aceitarmos que se mexa no marco regulatório do serviço do saneamento através de medida provisória. Essa tem que ser uma posição unitária nossa, desse movimento que aposta que é preciso melhorar a prestação do serviço de saneamento, mas não tolera o autoritarismo e, em particular, a posição do Governo anterior e deste Governo de transformar a questão do saneamento simplesmente numa oportunidade de negócio para um setor empresarial. Para não repetir o que já foi dito, quero simplesmente dizer que o ONDAS também entende que há vários aspectos desta medida que são, de fato, inconstitucionais; que a imposição da licitação ao final de um contrato é absolutamente escandalosa, do ponto de vista de ferir totalmente a competência municipal garantida pela Constituição. O que o setor privado está querendo fazer aqui, ao redigir isso, é estabelecer no Brasil uma coisa que eles perderam na União Europeia.
17:42
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Deputado, na Europa, a Corte Europeia examinou há algum tempo uma pretensão que se colocou contra a cidade de Hamburgo, que tinha que fazer licitação para escolher o prestador do serviço de saneamento. A Corte Europeia disse que, antes do princípio da competição, está o princípio da autonomia local. Isso está publicado. Aqui o que se está fazendo é exatamente o contrário: a autonomia do Município está sendo colocada a reboque do interesse do setor privado nessa história de entrega.
Para terminar, gostaria de chamar a atenção para o fato de que temos realmente um setor que precisa melhorar muito. Poderíamos dizer, radicalizando, que o setor de saneamento está doente ainda. Mas esta MP é remédio para matar o doente. Esta MP não é para melhorar o saneamento. Ela não tem essa pretensão! A sua motivação, de fato, é ambiente de negócios, é privatização, é mercantilização. A principal maneira de eles acabarem com o que temos e que deveria ser melhorado é exatamente a possibilidade de fatiarem as companhias estaduais de saneamento e escolherem os Municípios que eles têm interesse em privatizar. Nós não podemos tolerar isso!
A nossa posição é de que os movimentos que estão se sentindo prejudicados com isso e o Congresso Nacional têm que fazer face a mais esta ameaça e não se intimidar com as bravatas do Governo Bolsonaro.
Nós chegaremos lá! No dia 2 de junho, nós teremos esta MP rejeitada mais uma vez!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jesus Sérgio. Bloco/PDT - AC) - Muito obrigado, Dr. Marco Helano Fernandes Montenegro.
17:46
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Há mais um Deputado inscrito, o Deputado Pompeo de Mattos, mas ele não es encontra. Ele está em uma votação na CCJ.
Eu pergunto ao Deputado Edmilson Rodrigues, autor do requerimento, se quer fazer mais algum encaminhamento.
O SR. EDMILSON RODRIGUES (PSOL - PA) - Quero fazer um esclarecimento.
Pessoal, o PT, representado pelo Deputado Afonso Florence, que não pôde vir hoje, e o PSOL, representado por mim e pelo Deputado Glauber Braga, apresentaram requerimentos para constituir o plano de trabalho da Comissão Especial.
Esta linda reunião foi realizada porque o Relator, que está tão interessado em aumentar seus lucros, o Senador tucano... Aliás, foi feita referência à tentativa de se tirar a titularidade do Município nesse tema, e eu queria dizer que o responsável por isso foi o José Serra, também Senador e autor da proposta de privatização do pré-sal. Eles têm gana de privatizar o bem público!
Na verdade, acho que se trata uma proposta ridícula, ao mesmo tempo sobre um tema tão importante, como ficou provado. No plano de trabalho apresentado pelo Senador Tasso Jereissati, há duas audiências públicas apenas. Ele não aceitou a nossa proposta. Todos os convidados que estão aqui foram rejeitados por ele. Como questionamos, e eles tinham maioria, o Presidente da Comissão, o Deputado Evair Vieira de Melo, disse: "Deputado Edmilson Rodrigues, reúna-se com o Deputado Afonso Florence, e nós vamos fazer uma terceira audiência pública", como se fosse um favor! Mas nós aceitamos fazer a terceira audiência. Só que esta audiência, realizada por várias Comissões, não é oficial da Comissão Mista. Por isso, nós devemos fazer um relatório e apresentar ao Relator, porque as Comissões Permanentes são oficiais da Casa. O ideal é que ele fosse obrigado a assistir a esta audiência, para ver os questionamentos às verdades que eles tentam impor.
Digo isso porque estou muito feliz com o resultado. Infelizmente, a sessão começou, e não vamos ter como debater. Houve um conjunto de painelistas com uma riqueza enorme e com diferenças — é importante que se diga: com diferenças! —, mas, no global, voltado à defesa do direito do cidadão à água como direito humano. Alguns foram mais incisivos contra a privatização; outros, flexibilizaram um pouco, mas todos estão contra esta medida provisória.
Pessoalmente, estou muito feliz. Há aqui uma demonstração de qualidade, uma certa demonstração de força, com a presença da militância, mas nós sabemos que temos que ganhar a sociedade e temos que constranger Deputados que querem dizer "sim" a esta proposta tão violenta e perversa contra o povo brasileiro, pelas experiências que nós temos.
17:50
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Eu creio que haverá reunião da Comissão Mista amanhã, e nós vamos apresentar lá a proposta de fazer a terceira audiência pública, talvez mais enxuta, oficialmente. Mas esta está valendo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDMILSON RODRIGUES (PSOL - PA) - Não, amanhã será a segunda audiência pública.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDMILSON RODRIGUES (PSOL - PA) - Já é a terceira?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDMILSON RODRIGUES (PSOL - PA) - Está certo, já é a terceira. Eu estou fazendo confusão.
Em todo caso, nós construímos, digamos assim, e afirmamos essas teses.
Mas há outra proposta importante para amanhã, a realização dos debates regionais. Essa é a questão que esperamos conseguir aprovar, para que se possa realizar isso, pelo menos, nas cinco regiões. Belém, que até foi consultada aqui, pode abrir mão, em favor de Manaus, pela experiência catastrófica de Manaus.
Eu me lembro de que, em Manaus, havia 100 mil pessoas sem água, quando houve a privatização. Agora, 10 anos depois, por 1 real, a Suez entregou o sistema de novo para ser reprivatizado, com 500 mil pessoas sem água. Aí alguns dizem: "Sim, mas deu certo. É porque houve crescimento populacional". Isso é verdade. Mas esse dado mostra que realmente não houve investimento nem para reduzir o contingente de 100 mil sem água, muito menos para responder a parte da demanda com o crescimento populacional, com a urbanização desenfreada de Manaus.
Então, eu acho que se além de mais uma audiência aqui conseguirmos garantir essas audiências regionais, eu creio que isso vai nos dar força, vai dar capilaridade para ajudar na reversão dessa possibilidade de uma catástrofe, se esta medida provisória for aprovada.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jesus Sérgio. Bloco/PDT - AC) - Obrigado, Deputado Edmilson.
Como o Deputado já antecipou, daqui a pouco, às 18 horas, haverá a abertura da sessão ordinária. Então, vamos passar para as considerações finais. Eu gostaria de combinar o tempo de 1 minuto.
Deputado Edmilson, V.Exa. acha que 1 minuto é suficiente para as considerações finais?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Jesus Sérgio. Bloco/PDT - AC) - Vou chamar as pessoas que estão inscritas. Pode ser 1 minuto para as considerações finais?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Jesus Sérgio. Bloco/PDT - AC) - Não precisa?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Jesus Sérgio. Bloco/PDT - AC) - Então está bem. Vamos suspender as considerações finais, porque alguns disseram aqui que seria repetitivo. Agradeço a todos.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião. Antes, porém, convoco os senhores membros da Comissão para reunião deliberativa a realizar-se dia 16 de abril, terça-feira, às 10 horas, no Plenário 16 do Anexo II.
Está encerrada a presente reunião. (Palmas.)
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