1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa
(Seminário)
Em 3 de Abril de 2019 (Quarta-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
14:27
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A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Declaro aberta esta reunião de audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.
Esta reunião foi convocada para debater a reforma da Previdência e suas consequências para a população idosa, em atendimento ao Requerimento nº 9, de 2019, de minha autoria e de coautoria das Deputadas Carmen Zanotto e Tereza Nelma.
Comunico a todos que o tempo previsto para a exposição de cada convidado será de 15 minutos, podendo ser estendido se necessário. Informo, ainda, que esta audiência pública interativa está sendo transmitida pelo portal e-Democracia.
Na época em que marcamos esta audiência, não sabíamos que, coincidentemente, estaria presente o Ministro Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça.
O Senador Paulo Paim fez um esforço imenso para estar aqui presente e será o primeiro a falar, como já era previsto. S.Exa. é autor do Estatuto do Idoso e um dos principais coordenadores da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social. Por sua luta em defesa da previdência pública e dos aposentados brasileiros, tem sido um grande representante dessas causas.
Portanto, convido para se sentar à mesa o meu colega de muitas batalhas políticas, desde a Constituinte de 1988, o Senador Paulo Paim. É motivo de alegria para todos nós a sua presença. (Pausa.)
O Senador Paulo Paim já nos explicou que vai falar e vai ter que sair, mas S.Exa. já está nos fazendo o grande favor de estar aqui neste momento, disputando com o Ministro Paulo Guedes a atenção.
Convido para compor a Mesa os demais debatedores: Sr. Evandro José Morello, Advogado Especialista em Previdência Social da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura — CONTAG; Sr. Clemente Ganz Lúcio, Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos — DIEESE, que ainda não está presente; Sr. Floriano Martins de Sá Neto, Presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil — ANFIP; Sr. Vicente Faleiros, Professor Emérito da Universidade de Brasília e Representante do Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil pelos Direitos da Pessoa Idosa; e Sr. Moacir Meirelles de Oliveira, Assessor Parlamentar da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas — COBAP.
Passo a palavra imediatamente ao nosso Senador Paulo Paim.
O SR. PAULO PAIM (PT - RS) - Boa tarde, amigos e amigas.
Confesso que eu não poderia deixar de atender a um convite da minha sempre Senadora Lídice da Mata, embora eu tenha uma consulta médica às 15 horas, lá na Asa Sul. Então, eu vou fazer uma saudação rapidamente.
Cumprimento todos os Parlamentares presentes, na figura do Deputado Eduardo Barbosa, que foi o Presidente da Comissão do Estatuto do Idoso — eu fui o Autor e o Deputado Silas Brasileiro foi o Relator. Aliás, em todos os anos, ele me manda uma lembrancinha: "Lembra-se de mim, Paim? Do Estatuto do Idoso?" Ele foi um dos grandes articuladores do Estatuto do Idoso. Nós três viajamos por todo o Brasil, até concluirmos o Estatuto do Idoso, que hoje, de uma forma ou de outra, está sendo homenageado na formação desta Comissão tão importante: a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.
14:31
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Minha querida Deputada Lídice da Mata, nosso 1º Vice-Presidente, Deputado Denis Bezerra, que está aqui ao lado, quero fazer uma fala rápida, devido ao meu tempo.
Quando instalamos a CPI da Previdência, contra a reforma proposta pelo Temer, lembro-me de uma frase que o Toninho do DIAP me disse e que jamais vou esquecer: "Paim, prepare-se, porque a reforma que vai vir no futuro será pior do que esta". E não é que ele acertou! Eu não acreditei. Não acreditei mesmo. Achei que o Toninho estava errado, mas ele acertou. Esta proposta é muito pior.
Eu sei que os técnicos vão entrar em cada detalhe, mas eu vou tratar do problema número 1, rapidamente: a tal capitalização. A capitalização é o fim da Previdência, é o fim do pacto social e político que nós Constituintes fizemos na Constituição Cidadã, liderada por Ulysses Guimarães, Olívio Dutra, Mário Covas, Lula e tantos outros. Eu estava lá. Eu fui Constituinte. Foi um amplo acordo.
Eu digo, Deputado Padilha, que sinto falta do Centrão. Com o Centrão daquela época, nós dialogávamos. Fizemos embates duros, mas podíamos conversar. Agora eu não sei com quem conversar. Nesta situação de desgoverno, eu não sei com quem conversar para achar um caminho de equilíbrio e de bom senso.
Queiram eles ou não, 30 países do mundo que adotaram esse tal sistema de capitalização — eu chamo de poupancinha — quebraram. Isso não deu certo. O atual Ministro da Economia, que está aqui ao lado, estava lá e fez parte daquela equipe. Num debate que tivemos no Senado, em certo momento, ele disse: "No Chile, eu acompanhei, eu estava lá. Durante 30 anos, deu certo. Nenhum governo mudou". É claro que não mudou, pois estavam só arrecadando! Depois de 30 anos, chegou a hora de pagar. Daí não tinham como pagar. A maioria dos fundos quebrou.
Técnicos que foram ao Chile deram depoimentos à Comissão de Direitos Humanos e disseram que a maioria da população ganha 500 reais, mas há quem ganhe 6 reais. E eu perguntei: "Por hora? Por dia? Por quinzena?" "Não, por mês, Paim: 6 reais."
O Dr. Luís Fernando, que você conheceu, esteve lá e deu um relato impressionante sobre a situação de miséria absoluta que hoje vive o povo do Chile. Há uma unanimidade lá: Governo, Parlamentares da Situação, Parlamentares da Oposição, sociedade civil, todos entendem que aquele sistema não presta, que não vale nada. Eu fico impressionado: vamos copiar, no Brasil, aquilo que não deu certo?
Podem reclamar o que quiserem da Previdência, mas nunca se atrasou em 1 dia o pagamento de milhões e milhões de brasileiros. A CPI apontou alguns caminhos: combater a sonegação; cobrar dos grandes devedores; combater a apropriação indébita, que corresponde a 30 bilhões de reais por ano; combater a própria DRU, que retirou 1,5 trilhão de reais; não dar mais perdão de dívidas como se dá seguidamente aqui no Congresso para aqueles que devem.
Se tivermos que fazer alguns ajustes, tudo bem. Eu apontaria até uma fórmula que combati — e falo isso para o Padilha, porque ele foi Ministro —: a fórmula 85/95, que foi a salvação da lavoura. Foi a melhor coisa que nós aprovamos naquele período. À medida que formos envelhecendo, aumenta um pouquinho a idade e aumenta a contribuição. Essa é a fórmula 85/95, que protege aqueles que começam a trabalhar mais cedo. Essa lei existe. Há mais de 5 ou 6 anos, ela está em pleno em vigor. Eu ainda procuro alguma coisa boa nessa reforma. Eu queria dizer: "Olha, ela tem coisa boa e tem coisa ruim". Atualmente, eu não achei nenhuma coisa boa. Eu até a elogiava no início. Eu dizia o seguinte: "Ali eles acabam com as aposentadorias do Legislativo, do Executivo e do Judiciário". Mas me disseram que há um "ou", que você pode escolher se quer ficar nesse sistema ou no outro. Então, nem isso dá certo! Se é para acabar, é preciso acabar para todo o mundo, a fim de entrarmos em outro momento.
14:35
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Há outra questão com a qual eu também fico indignado: o ataque ao servidor público. Dizem que eles se aposentam como marajás. Existe uma lei de 2003, regulamentada em 2013, que já diz que o teto do servidor público é o teto do Regime Geral de Previdência Social, que é em torno de 5.900 reais. Dali para a frente, é o FUNPRESP. Quanto ao FUNPRESP, cada um vai optar como quiser.
Num debate com o Ministro da Economia — eu não gosto de citar nomes —, ele disse: "Mas, no Governo de vocês, também adotaram o regime que pode ser de capitalização". Eu propus o seguinte a ele, e ele não me respondeu: "Ministro, FUNPRESP para todo o mundo! FUNPRESP para todo o mundo! Até 5.900 reais, todo o mundo com 5.900 reais. Daí para a frente, FUNPRESP para todo o mundo. Já que o senhor acha que foi tão ruim, que não deveríamos ter aplicado, significa que todos terão direito a uma aposentadoria complementar ainda vinculada à área pública". É claro que não funciona! Para ser mais radical do que ele, eu diria: até 5.900 reais, teto para todo o mundo. Daí para a frente, que cada um faça o que quiser: capitalização, FUNPRESP, enfim, não interessa. Daí para a frente, cada um faça o que bem entender!
Em resumo, lá atrás nós construímos o sistema de seguridade em que está a nossa Previdência, inclusive, com uma cesta de nove componentes para haver recurso para ela: tributação sobre lucro e faturamento, PIS/PASEP, jogos lotéricos, contribuição de empregado e empregador, tributação quando se compra ou se vende alguma coisa, etc. Enfim, são nove componentes.
A média de emprego do brasileiro hoje é de 9 meses a cada 12 meses. Calculem o seguinte: na sua poupancinha individual, ele tem só 10% do salário. O que ele vai ter daqui a 30 anos ou 40 anos, se esse sistema, que está dando certo, que tem todos esses componentes, desaparece e só fica a contribuição do empregado — não há mais empregador, não há União, não há sociedade, não há nada? O que eles querem mesmo é quebrar a Previdência de uma vez e entregá-la para o sistema financeiro. Se há alguém que ganha com essa reforma da Previdência, é o sistema financeiro. Para mim, o empregador ganha uma mixaria também, mas quem ganha mesmo é o sistema financeiro, que vai ter o depósito de 10% do salário de todo o mundo na sua continha, para administrar quando bem entender. Se aplicou e se deu mal, adeus, ninguém tem direito ao benefício, porque o investimento é de risco.
Eu estou controlando o relógio e falando rapidamente porque tenho, de fato, que ir ao médico. Ele está me esperando lá.
Os especialistas ainda vão falar aqui, mas quero dizer que estou muito otimista com a mobilização popular. A população está entendendo o que é isso. Eles me dizem às vezes: "Paim, isso aqui é para os nossos netos e filhos". Pois os netos e filhos é que serão os mais prejudicados, porque vão contribuir e, na hora em que precisarem, não vão ter o que receber ou, se tiverem, vai ser uma mixaria.
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Quero saber sobre o sistema de transição entre um sistema e outro. Ele fala que precisa de 1 trilhão de reais. De onde vão tirar esse 1 trilhão de reais, se o Governo diz que não tem nada? Vão tirar de quem? Vão tirar da população. Ele precisa de 1 trilhão de reais. Ora, se eu saio de um sistema e entro em outro; se, nesse outro sistema, os jovens que estão chegando estão contribuindo para sua poupança; quem vai ficar pagando aqueles que estão no sistema e aqueles que estão na regra de transição?
Por isso, eu falo para o senhor que nos acompanha pela Internet em casa e pensa que já está aposentado e que não vai haver impacto: vai haver, sim! Eu falo para você que está inserido na regra de transição, que ainda precisa de 2 anos ou 3 anos para se aposentar e acha que vão ser só 50% a mais: vai haver impacto, sim! Ali dentro, há um instrumento que diz que pode haver contribuições extraordinárias. À medida que o sistema for caindo, porque não há arrecadação, o que eles dirão? "Olha, vocês aposentados vão ter que fazer uma contribuição a mais: de 5%, de 10%, de 15%". Então, todos serão prejudicados. Só quem ganha é o sistema financeiro.
Por isso, é importante ressaltar essa palavra final: mobilização, mobilização, mobilização e pressão!
Na outra reforma, eu havia me comprometido e fui duas vezes aos 27 Estados — sempre nas Assembleias Legislativas, para manter o clima institucional. Nesta reforma, os anos se passaram e eu já estou com quase 70 anos. Fiz 69 anos em março. Com essa idade, não dá para eu ficar viajando para todos os Estados. Mas sei que nós Parlamentares e a sociedade civil podemos viajar para todos os Estados, cada um fazendo a sua parte. Eu me comprometi a ir a seis regionais no Brasil, e é claro que uma delas tem que ser no Rio Grande. Eu irei a seis regionais para colaborar com o debate.
O nosso pessoal está muito preparado. Eu tenho que dar esse depoimento. Sabem qual é o desafio que faço no Senado? Eu digo: "Vamos fazer um debate no Plenário do Senado? Nós que estamos aqui colocamos cinco nossos, e vocês colocam cinco de vocês". Até o momento não aceitaram. "Não querem fazer aqui? Está bem. Então, vamos fazer na Comissão de Direitos Humanos, que eu presido — vocês colocam cinco de vocês, e nós colocamos cinco nossos". Não tem jeito. Sabem quantas audiências já fiz lá? Umas dez. Sabem quantas vezes o Governo mandou o seu representante? Nenhuma. Na segunda-feira, haverá mais uma audiência, ao vivo, de 9 horas até mais ou menos às 14 horas. De novo fiz um apelo a eles: "Mandem os seus representantes! Podem mandar um, dois, três, quatro, cinco, seis. Todos vão falar o mesmo tempo que aqueles que têm a visão que temos aqui". Mas a proposta deles é indefensável.
Olhem o que eu vou dizer aqui. Esta reunião está sendo transmitida pela Internet e todos sabem que eu só falo a verdade, que não tem essa de contar historinha: até o momento, sabem quantos Parlamentares foram à tribuna defender essa proposta? Nenhum. Aqui na Câmara, eu não sei, mas lá não foi nenhum. Não só eu, mas também outros Senadores falamos quase todos os dias. É um absurdo essa proposta passar!
Acredito na pressão, na mobilização nas redes sociais, nos eventos nos Estados, nos Municípios. As Câmaras de Vereadores estão fazendo isso nos Municípios. Eu estou fazendo a minha parte.
Antes de encerrar, quero dizer: estou com quase 70 anos e não sou daqueles que querem morrer se elegendo ou sendo candidato a alguma coisa. Não sou candidato a nada. Mas essa causa é tão nobre, tão forte, tão bonita e mexe tanto conosco que eu vou viajar tanto quanto for possível e vou participar de muitos debates, para que essa reforma, que vai levar à miséria os nossos idosos, os nossos filhos e netos, não passe.
14:43
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Vida longa aos idosos! Vida longa aos trabalhadores! Vida longa aos jovens! Vida longa às crianças! Vida longa ao povo brasileiro!
Muito obrigado a todos vocês. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Agradeço muito a sua presença.
Como V.Exa. terá que sair, já pode levar as perguntas dos internautas para lhes responder diretamente.
O SR. PAULO PAIM (PT - RS) - Vou responder.
Um abraço, pessoal!
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Para dar continuidade a essa fala muito enfática e feliz do Senador Paulo Paim, que, em todos os Governos que passaram, manteve uma postura muito coerente em defesa do que pensa no que diz respeito à reforma da Previdência, convido o Sr. Evandro José Morello, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura — CONTAG.
V.Sa. dispõe de 15 minutos. Se for preciso, estenderemos o seu tempo.
O SR. EVANDRO JOSÉ MORELLO - Boa tarde a todos e a todas.
Inicialmente, em nome da direção da CONTAG, quero agradecer a esta Comissão, na pessoa da Deputada Lídice da Mata, o convite. Cumprimento também o Deputado Denis Bezerra, todos os demais Parlamentares presentes, os senhores e as senhoras.
Nós trouxemos uma apresentação sobre o impacto dessa reforma da Previdência na área rural. Os dados do último Censo Agropecuário, realizado em 2017, apontam que nós temos atualmente em torno de 15,5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras ocupados no campo. Essa Proposta de Emenda à Constituição nº 6, de 2019, é uma extensão daquilo que, em janeiro, já veio colocado na Medida Provisória nº 871, de 2019. Portanto, a discussão da reforma da Previdência na área rural não se resume somente ao que está disposto explicitamente na PEC, mas também ao que está na MP 871/19.
14:47
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Os dados que nós já temos como avaliar em relação aos impactos apontam uma exclusão de mais de 60% dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais do sistema de proteção previdenciária, se forem aprovadas as duas propostas que estão tramitando no Congresso Nacional.
A PEC tem três pontos cruciais que impactam muito a área rural. O primeiro é em relação à idade de aposentadoria. Estão elevando a idade de aposentadoria da mulher trabalhadora rural para 60 anos, com uma regra de transição até 2029. Mas nós já sabemos que a idade não vai se limitar aos 60 anos para a mulher trabalhadora rural, nem aos 62 anos para a trabalhadora urbana, nem aos 65 anos para o homem, porque em 2024 já ocorreria um gatilho para elevar essas idades. A cada 4 anos, essas idades seriam elevadas.
Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios — PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, de 2014, 70% das mulheres atualmente ocupadas no campo começaram a trabalhar com menos de 14 anos na atividade rural e, é claro, nas lides domésticas. Com base nesses dados, hoje podemos dizer que, para ter acesso a uma aposentadoria de um salário mínimo, a maioria das trabalhadoras tem que trabalhar, em média, 40 anos, 41 anos no labor rural. Atualmente, a única aposentadoria que as mulheres têm é por idade, uma vez que não têm a aposentadoria por tempo de contribuição. Podemos dizer que, para a maioria das trabalhadoras — 70% — ter acesso a uma aposentadoria de um salário mínimo aos 55 anos de idade, que é a regra hoje, tem que ter, em média, 40 anos, 41 anos de labor rural, que é uma atividade exaustiva, penosa. Para a grande maioria, não há fim de semana ou feriado e há dupla e até tripla jornada de trabalho. Então, elevar para 60 anos a idade mínima para as mulheres se aposentarem significa que elas teriam que trabalhar uma média de 45 anos, 46 anos, num trabalho extremamente penoso.
Estes são os gráficos que mostram um pouco desses dados da PNAD/IBGE de 2014 referentes ao percentual de pessoas que estão ocupadas, principalmente mulheres, aos quais estou fazendo referência.
Há também, além do critério da idade da mulher, um dado que se refere à contribuição. A PEC está trazendo a proposta de instituir uma contribuição mínima para os denominados segurados especiais se aposentarem, que seria em torno de 600 reais por ano, por grupo familiar, sendo que atualmente o benefício é concedido em razão da comprovação do exercício mínimo de 15 anos de atividade rural, e a contribuição que provém dos trabalhadores da área rural incide sobre a venda da produção rural.
Nesse caso, há diversas realidades. Há realmente agricultores mais consolidados, com capacidade contributiva, em regiões em que não há muitos problemas de emergências e calamidades, onde as pessoas conseguem produzir. Mas qual é o problema hoje? O Censo Agropecuário de 2006 nos traz o dado de que em torno de 50% dos agricultores familiares, que têm até quatro módulos fiscais, têm uma renda monetária líquida anual inferior a 300 reais. Se botarem mais 11%, chega a 60% do total de agricultores cuja renda monetária líquida anual extraída do trabalho no campo não ultrapassa 1.500 reais.
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Para imaginarmos uma contribuição para a Previdência, temos que pensar que o recurso sai exatamente dessa renda. Entretanto, nós sabemos que, antes de pagar a Previdência, a pessoa tem várias outras prioridades, como comprar medicamento, alimentação, vestimenta. Enfim, são outras prioridades. Mesmo que achemos que a contribuição obrigatória mínima de 600 reais anuais seja pequena, ela tem um potencial de excluir uns 60% do (falha na gravação).
Essa é uma situação extremamente preocupante, quando se fala em contribuição mínima. A CONTAG defende, primeiro, o aperfeiçoamento do sistema de arrecadação na área rural. Há muitas falhas no processo de arrecadação que provém da venda da produção. Quando o agricultor vende, por exemplo, para uma pessoa jurídica, não se identifica, na venda da produção, para comunicar à Receita Federal, quem é o agricultor que está vendendo.
No Brasil, quem tem competência para organizar e simplificar o procedimento de arrecadação, inclusive para a emissão de notas fiscais, são os Estados, e apenas alguns deles têm um sistema simplificado. Inclusive, não há nenhuma integração com a Receita Federal. Nós estamos fazendo um debate com a Receita Federal em relação ao Cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física — CAEPF para entender como esse cadastro, que é obrigatório para todas as pessoas físicas que praticam atividade econômica, se comunica, por exemplo, com um sistema de arrecadação de tributos nos Estados. E a resposta é que, por enquanto, não há um sistema que se comunique.
Então, isso precisa ser aperfeiçoado, inclusive para aprimorarmos o processo de arrecadação da contribuição previdenciária da área rural para o sistema de Seguridade Social, mas é um ponto que não se toca dentro da PEC. Eu acho que é uma questão que precisaríamos avaliar.
Na nossa discussão, fala-se também em contribuição. Nesse caso, os assalariados rurais são um outro público específico, que não está contemplado na PEC. A maior parte, mais de 60%, está na informalidade e não consegue hoje contribuir para o sistema. Não há nenhuma proposta de inclusão desses trabalhadores, porque a análise que se faz é a seguinte: pelo fato de estarem trabalhando sem vínculo de emprego, estão na informalidade, ou seja, prestam simplesmente um trabalho autônomo. Para eles contribuírem para o sistema, teriam que pagar uma alíquota mínima de 11% ou 20% — 11% seria para terem acesso ao benefício de salário mínimo.
O terceiro ponto da PEC refere-se à elevação da carência para 20 anos de contribuição. Eu estou trazendo um dado que afeta por demais os trabalhadores na área rural. Vamos imaginar, por exemplo, a situação dos agricultores familiares. Na proposta, o Governo retira a possibilidade de acesso mediante comprovação de atividade rural e impõe uma contribuição mínima anual, mas vai exigir 20 anos de contribuição.
Vamos imaginar a situação na agricultura familiar. Recentemente, o Nordeste passou por 4 ou 5 anos de seca, sem produzir nada. Em vários Estados, o agricultor perdeu toda a produção por problema de chuva, enchente, excesso de chuva. Isso implica dizer que boa parte da agricultura familiar dificilmente vai conseguir compor essa carência ao longo da sua vida laboral. Eles não têm recursos para isso. A atividade no campo é uma atividade de alto risco. Na produção de alimentos, às vezes, você tem certeza de que vai plantar porque choveu, mas não tem certeza de que vai colher. Quando colhe, você não tem certeza de que o preço pelo qual se vende o produto paga o custo da produção. Essa é a vida do agricultor no Brasil.
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Levar uma proteção social mínima para o povo do campo serve para estimulá-los a permanecer no campo, para continuarem produzindo alimento. Se se retirar esse sistema de proteção, as pessoas vão sair. A juventude já está saindo. O Censo Agropecuário mostra-nos que 70% das pessoas que hoje estão no campo têm idade acima de 45 anos. A população já é extremamente envelhecida. Quem vai ficar no campo para produzir alimento? Esse é um ponto crucial para discutirmos. A Previdência é uma política. Ela não pode ser analisada na relação receita-despesa, principalmente quando se trata do público rural, da proteção do campo.
Há vários outros fatores que estão ali agregados — vamos mostrar inclusive o impacto que isso tem na economia dos Municípios — e que precisam ser analisados com todo o cuidado, sob pena de se desmontar um sistema de proteção muito eficiente não só para o trabalhador, mas também para a sociedade brasileira.
Esses três pontos que eu citei — a idade da trabalhadora, a elevação da carência e a criação da contribuição mínima — são extremamente prejudiciais, com o potencial de excluir, nos próximos 10 anos, de 2 milhões a 3 milhões de pessoas, que não vão conseguir ter acesso à aposentadoria. Pegamos os dados agora e estamos cruzando algumas informações. Isso significa que, ao se retirar a aposentadoria desses 2 milhões a 3 milhões de pessoas, vão deixar de circular nas economias mais de 300 bilhões de reais durante os próximos 10 anos. Isso é desmontar o modelo, é fazer com que haja mais desemprego, mais miséria, e por aí vai.
Na PEC 6/19, há outros pontos. Apenas lembro a situação dos assalariados. Eu falei dos agricultores familiares que não vão conseguir se aposentar, mas olhem a situação dos assalariados, que vendem sua força de trabalho. Sessenta por cento estão na informalidade. Os que conseguem um contrato de trabalho formal conseguem ter um vínculo de trabalho de 3 meses a, no máximo, 6 meses. Mais de 50%, somando-se os dados das duas primeiras linhas, conseguem contrato de trabalho formal, mas o prazo máximo hoje é de 6 meses de vínculo de trabalho no campo. Se projetamos a vida laboral da pessoa, estamos falando de 20 anos de contribuição num trabalho exaustivo, penoso. Imaginem um cortador de cana ter que trabalhar por 50 anos para se aposentar com um salário mínimo! Não vai se aposentar nunca! Trazemos esse dado rural, mas isso repercute em outras situações. Imaginem a situação de um trabalhador na construção civil, com contrato temporário!
Então, aumentar a carência para gerar uma aposentadoria pode beneficiar a mim, que tenho vínculo estável de trabalho, mas prejudicará a maioria dos trabalhadores — ainda mais aqueles com contrato intermitente. Essa regra vai excluir muitas pessoas do sistema protetivo.
Há outros critérios, além da pensão, que são prejudiciais à área rural. As pessoas não receberiam nem um salário mínimo no caso da acumulação, inclusive na regra da pensão por morte. Está-se propondo que o benefício possa ser pago em valor até inferior ao salário mínimo.
Vou concluir a discussão da PEC.
Se o trabalhador rural não tiver perspectiva de acesso à aposentadoria, ele cairá na regra do BPC. Mas eles estão endurecendo as regras. Desse modo, a maioria não vai conseguir acessar o benefício. Em relação aos critérios da renda per capita, o Governo agora está incluindo uma regra que vale para qualquer tipo de renda auferida por qualquer membro do grupo familiar. Hoje, na regra atual, você consegue excluir algumas situações que não vão fazer a composição da renda per capita para auferir um quarto de salário mínimo. Mas o maior problema é quando o Governo traz a proposta de considerar o patrimônio familiar não superior a 98 mil reais para gerar o benefício. Na área rural, nós temos em torno de 4 milhões e 800 mil pequenas propriedades. Caso essas pessoas não consigam ter acesso a uma aposentadoria e precisem requerer o BPC, o fato de elas terem uma pequena propriedade, em regra, já vai ser motivo para não acessarem também o benefício do BPC, porque o valor do patrimônio vai ultrapassar os 98 mil reais — qualquer casinha, qualquer sítio. E geralmente as pessoas não têm a menor possibilidade de abrir mão daquele pequeno imóvel, porque é a única garantia que elas têm. Como vão fazer? Então, vai ficar uma população envelhecida no campo sem fonte de renda nenhuma para sobreviver. Essa é a realidade que nós estamos averiguando com o que está posto na PEC.
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Há, ainda, os impactos da Medida Provisória nº 871, de 2019. Essa medida provisória também está tramitando aqui. Ela tem um prazo para ser votada, até início de junho — se não me engano, 4 ou 6 de junho —, e é tão danosa para o sistema de previdência rural quanto a PEC; talvez até mais.
Qual é a proposta principal do Governo? O Governo quer pegar um modelo que está todo estruturado no reconhecimento da comprovação de atividade. Desde 1991, isso vem sendo discutido e as regras estão sendo aprimoradas, para haver segurança no sistema, a fim de reconhecer direitos a partir de quem efetivamente está no exercício da atividade rural. O sistema foi passando por várias etapas para chegar ao que é hoje. O trabalhador tem que ter início de prova material e comprovar o trabalho por um tempo mínimo, com a documentação exigida. É claro que pode haver a eventualidade de pessoas que conseguem se aposentar, mas que não estão plenamente no exercício da atividade rural. Mas não se pode querer coibir isso com a proposta que eles estão colocando na medida provisória.
Qual é a proposta? A partir do ano que vem, o Governo está querendo estabelecer esta regra: reconhecer direitos apenas das pessoas que estejam dentro no CNIS-Rural, que é o Cadastro Nacional de Informação Social Rural. Quem não estiver cadastrado não vai ter acesso a benefício nenhum.
Vejam: formalmente, hoje, menos de 5% dos agricultores familiares estão cadastrados nesse sistema — menos de 5%, formalmente! E quem fez esse cadastro foram os próprios sindicatos de trabalhadores rurais, que firmaram um acordo de cooperação com o INSS, em 2009, para desenvolver esse cadastro.
O cadastro nós defendemos, porque achamos que é um mecanismo eficiente e mais seguro para gerar um direito a essas pessoas no futuro. Com ele, você pode identificar por antecipação os trabalhadores rurais que no futuro vão requerer o benefício. Só que, para aplicar essa regra de forma exclusiva já no ano que vem, todos os trabalhadores teriam que ser cadastrados neste ano. Isso não vai funcionar.
Na medida provisória, existe a proposta de se utilizarem outros bancos de dados para fazer a alimentação do CNIS. Que tipo de bancos de dados? O sistema da Declaração de Aptidão ao PRONAF, que, de fato, tem um contingente de pessoas cadastradas, mas não identifica o grupo familiar. A DAP, numa unidade produtiva familiar, se refere, no máximo, a duas pessoas, ao casal. Então, não se vai conseguir direito a partir daí. Os dados do INCRA também são dados importantes, pois são oriundos de outras bases cadastrais. Mas, se pegasse tudo, o Governo hoje teria talvez em torno de 40% ou 50% de informações cadastrais dos agricultores que estão no campo. Portanto, a maioria continua fora do sistema.
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Além disso, o Governo quer fazer uma proposta para o ano que vem: exigir o cadastro dizendo que só os órgãos públicos podem fazer esse cadastro, ou seja, só os órgãos de assistência técnica e extensão rural. Era a proposta Inicial. Entendemos até que queriam pôr isso na mão das prefeituras. Não há estrutura! Não há recurso! Esses órgãos não têm capacidade para fazer o atendimento da população rural.
Na verdade, a ideia do Governo é transferir uma responsabilidade que, em tese, hoje, é do INSS para outros órgãos públicos. Inclusive, temos que perguntar se os prefeitos querem assumir esse tipo de responsabilidade de reconhecer ou fazer cadastro de trabalhador rural para fins previdenciários. Hoje essa responsabilidade é da União. É preciso perguntar aos órgãos de assistência técnica se eles querem ficar lá fazendo cadastro, ratificando a atividade rural, ou se eles querem realmente prestar assistência técnica no campo. Essas coisas são um disparate. O Governo botou um "bode", uma medida provisória sem nenhuma discussão, tanto é que recuou agora em algum ponto da medida, com uma norma que saiu recentemente, para dizer que vai fazer um processo de reconhecimento de direito com base apenas nos batimentos dos dados cadastrais.
Em síntese, quais são os impactos que nós estamos avaliando dessa proposta de reforma? Não há como não pensar que não haverá aumento da pobreza no campo. A Previdência Social desempenha um papel estratégico hoje. Na agricultura familiar, quando há um aposentado, três ou quatro pessoas conseguem subsistir em torno desse benefício, mesmo nos períodos de extrema dificuldade, como são os casos de calamidade ou de perda de produção por excesso de chuva. Trata-se de um benefício que dá amparo a todo um grupo familiar.
Nós acreditamos que o êxodo rural vai se intensificar mais ainda. Nós vamos ter menos gente no campo. Vamos perder mais gente do que já estamos perdendo. Uma pessoa não tem a perspectiva de continuar no campo se ela olhar para o seu futuro e não enxergar uma possibilidade de acesso à aposentadoria de um salário mínimo. Ela não ficará no campo.
Há, ainda, a questão da segurança alimentar. A maior parte do alimento que chega à nossa mesa não é trazida pelo grande proprietário, pelo grande produtor de commodities. A batata, a alface, a fruta, tudo isso vem das pequenas propriedades. Nós acreditamos que, se não houver gente para produzir, vai faltar alimento na mesa dos brasileiros.
Quanto à restrição de recursos que fomentam o comércio e a economia local, os dados são impressionantes. A ANFIP já fez uma pesquisa que, há algum tempo, vem reproduzindo, fazendo um comparativo do que os benefícios representam em relação ao FPM. Em mais de 70% dos Municípios, o recurso da Previdência supera o FPM. Mas é muito mais do que isso!
Há o impacto dos benefícios no PIB per capita. Aqui estamos trazendo os dados por Estado, mas, na média, percebemos que há Estados em que chega a quase 20% o impacto da Previdência no PIB per capita. É interessante observar isso. Por quê? Por exemplo, o benefício previdenciário que entra no Estado de Rondônia tem um impacto em quase 20% do valor do PIB per capita, que é a riqueza produzida pelo Estado e distribuída para a população. Reduzir ou retirar benefícios ou simplesmente dificultar o acesso a benefícios significa gerar mais pobreza, mais desemprego. Além disso, o comércio será afetado. Os Municípios pequenos e médios do interior serão os mais impactados. Essas questões são preocupantes.
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Olhando para a situação dos idosos do campo, acreditamos que a grande maioria não conseguirá ter acesso a uma aposentadoria. Oxalá consiga ter acesso ao BPC! Eu acho que eles também terão muita dificuldade de acessar esse benefício.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Denis Bezerra. PSB - CE) - Agradeço ao Sr. Evandro Morello por trazer a visão da CONTAG para este tão importante debate aqui na nossa Casa e na nossa sociedade.
Aproveito o momento para registrar a presença dos representantes da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil — FASUBRA e da Universidade do Envelhecer — UniSer, da UnB.
Concedo a palavra ao nosso próximo expositor, o Sr. Clemente Ganz Lúcio, Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos — DIEESE, pelo prazo de 15 minutos.
O SR. CLEMENTE GANZ LÚCIO - Boa tarde.
Eu gostaria de agradecer ao Deputado Denis Bezerra e à Deputada Lídice da Mata o convite para estar aqui nesta Comissão.
Eu considero que os dados que o Evandro trouxe são bastante esclarecedores em relação aos impactos. Há o desafio de pensar a questão previdenciária a partir dessa iniciativa do Governo de, mais uma vez, propor uma reforma previdenciária. Na verdade, é uma reforma muito mais ampla, porque pega o sistema de seguridade como um todo e faz inclusive outras mudanças para além do sistema previdenciário — tanto mudanças de financiamento quanto mudanças trabalhistas.
Tudo isso exige, de fato, um debate cuidadoso, porque os efeitos dessa reforma atingirão toda a população. São efeitos dramáticos do ponto de vista dos impactos sociais e econômicos. Nós precisamos instruir um debate qualificado sobre o desafio do financiamento e da produção do direito da proteção previdenciária com o devido cuidado.
No geral, essas iniciativas pecam de partida pelo total descuido com o tratamento dos problemas a que elas se propõem a enfrentar. De um lado, afirmam-se maravilhas do efeito positivo que uma medida como essa teria sobre a economia e a sociedade. No geral, são todas medidas que salvarão o País de uma tragédia anunciada. A Previdência mais uma vez se coloca nesta perspectiva: se não fizermos a reforma da Previdência, o País vai para o caos. Se fizermos, o País sai do caos em que está.
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Segundo, nós entramos nesse debate desprovidos, no caso da Previdência Social, de projeções e de diagnósticos que permitam olhar o tempo presente e, principalmente, no caso da Previdência, a prospecção de 3, 4, 5 ou 6 décadas para frente. É muito difícil fazer uma prospecção desse tipo. Nós não conseguimos acertar qual é a inflação do mês seguinte ou qual é a taxa de crescimento do País neste ano. Começamos o ano dizendo que a economia ia crescer mais de 3%. Já começamos a dizer que a economia vai crescer perto de 1% 90 dias depois de começado o ano. Nós não temos capacidade de prospectar coisas de curtíssimo prazo, mas temos, no caso da Previdência, capacidade de fazer uma prospecção de décadas para frente, o que, no mínimo, exigiria que qualquer proposta viesse acompanhada, de um lado, por uma visão muito clara de quais são os números que instruem a visão prospectiva e, de outro lado, por propostas que permitissem imediatamente iniciarmos um processo — que já devíamos estar fazendo há muitos anos — de acompanhamento regular de quais são os desvios que as prospecções que fazemos têm e quais são os ajustes nessas prospecções para podermos olharmos o futuro com um pouco mais de segurança.
Um estudo que nós fizemos e que está disponível no site do DIEESE mostra as discrepâncias nas projeções previdenciárias nos orçamentos da União. Pegamos os últimos 20 anos e não há nenhuma prospecção do Orçamentos da União sobre a Previdência que tenha feito sentido, olhado a posteriori. Os resultados observados mostram uma distância enorme entre o que foi prospectado e o que foi realizado. Ou seja, fazermos uma reforma prospectando o futuro significa termos daqui para frente um sistema de acompanhamento permanente de qual é o resultado observado, vis-à-vis aquilo que foi a prospecção de futuro, e quais são as medidas que devem corrigir os efeitos que foram observados, em função das regras que estão estabelecidas e assim por diante.
Essa é a primeira questão. Isso está muito relacionado com o que nós estamos falando sobre situação do idoso, ou seja, sobre a prospecção que nós fazemos dessa população para o futuro, seja do ponto de vista demográfico, seja do ponto de vista econômico.
O Evandro trouxe uma série de elementos para nós pensarmos a situação econômica dos trabalhadores rurais, que são provavelmente a população mais excluída nesse processo, pelas condições econômicas que estão colocadas para esses trabalhadores participarem do sistema previdenciário de maneira contributiva. É um projeto que visa de forma explícita excluir de forma crescente os trabalhadores do acesso ao direito previdenciário. As condições econômicas, olhando do ponto de vista prospectivo, indicam que a população idosa será gravemente afetada e afastada do direito previdenciário.
O terceiro elemento também importante na reforma da Previdência como introdução a esta reflexão é que, além da prospecção econômica, isto é, além de olhar para o futuro e indicar qual o olhar sobre o futuro que nós temos — e é bem razoável que vejamos vários cenários, não um único, ao olhar o futuro, já que não temos a capacidade de adivinhá-lo... No geral, quando o Governo apresenta uma prospecção, ele o faz com uma visão linear e única, como se fosse capaz de adivinhar o que vai acontecer daqui para a frente. E muitas vezes apresenta prospecções únicas que na verdade são os piores cenários, para justificar tragédias que não necessariamente a realidade vai depois confirmar. Tão importante quanto a prospecção é nós termos simultaneamente as simulações dos impactos socioeconômicos que esses projetos e medidas terão na dinâmica econômica e na dinâmica social. No geral, projetos, especialmente, como no caso da Previdência, projetos que afetam a vida de toda a sociedades, deveriam ser cuidadosa e minuciosamente avaliados do ponto de vista socioeconômico.
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Algumas indicações e avaliações de curto prazo feitas pelo Evandro mostram impactos presentes que deveriam ser projetados para frente, para nós vermos quais são os efeitos que vão gerar. Por exemplo, o Evandro disse que nós vamos tirar com essa medida um tanto de renda da sociedade, dos trabalhadores rurais em uma economia. Essa economia girar com menos 200, 300, 400 milhões, ou bilhões, seja lá o que for, em um determinado tempo, acarreta qual efeito socioeconômico em determinada região?
No geral, os projetos são desprovidos dessas três dimensões, o que torna muito difícil o debate com qualidade. Qualquer regra dessas precisa ser cotejada e analisada quanto aos efeitos que vai gerar.
O quarto elemento é que uma proposta como essa deveria enunciar, de maneira clara, as diretrizes e os princípios que ela se propõe promover ou produzir. Nós partimos do pressuposto de que é fundamental nós termos uma profunda reforma da Previdência. Podemos ter um acordo de que é preciso uma profunda reforma da Previdência. Por que o pressuposto? Porque uma profunda reforma da Previdência deveria gerar, como elemento básico, uma proteção universal a todos os brasileiros e brasileiras que atinjam determinada idade — podemos considerar 60 anos. Ao chegar aos 60 anos, todos os brasileiros e todas as brasileiras terão proteção previdenciária. E, quando não tiverem a condição adequada para essa proteção previdenciária, terão uma seguridade que lhes permita ter dignidade econômica na velhice. Esse seria um pressuposto, porque nós vamos analisar se o projeto produz esse efeito ou não.
E por que nós poderíamos ter o acordo de que é necessária uma reforma da Previdência? Porque hoje o diagnóstico presente indica que em torno de 10 milhões de pessoas com mais de 50 anos não têm e não terão proteção previdenciária no Brasil. Então, se o nosso sistema gera uma situação socioeconômica no qual 10 milhões de brasileiros e brasileiras, hoje, não terão proteção previdenciária, uma reforma deveria produzir uma transformação para gerar proteção previdenciária para 10 milhões de pessoas, hoje. Quantos serão daqui a 10 anos? Quantos serão daqui a 20 anos? A reforma, do jeito que está instruída, como o Evandro bem sistematizou, aumentará essa população, porque cria, simultaneamente, de um lado, um impedimento estrutural de acesso ao direito previdenciário e, de outro lado, um empreendimento estrutural de acesso ao benefício da seguridade.
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Portanto, um projeto como esse não terá outro resultado do ponto de vista prospectivo que não seja ampliar a população excluída. Então, o Governo deveria começar este projeto afirmando: "Estamos apresentando um projeto cujo objetivo é ampliar a população excluída da proteção da seguridade e da Previdência". E os resultados indicarão o sucesso: teremos 10, 11, 12, 13, 15 milhões de pessoas excluídas. E o projeto poderá ser bem avaliado, porque atingiu o seu objetivo, que é excluir a população do acesso à proteção social.
Creio que, se nós queremos entrar num debate com qualidade, nós temos que enunciar claramente quais são as nossas diretrizes. As nossas diretrizes devem ser proteção universal, uma proteção que dê dignidade econômica aos idosos. E isso significa, para muitos que estão hoje protegidos, uma proteção que, muitas vezes, não conseguem ter durante a vida laboral — os trabalhadores do campo são exemplos disso. Muitas vezes, em muitos casos — eu diria na grande maioria dos casos —, a renda auferida pelo benefício previdenciário de um idoso, no meio rural e em boa parte dos Municípios, é a maior renda da unidade familiar, maior renda, inclusive, do que aquela auferida no tempo em que estava trabalhando.
Talvez nós tenhamos acordo de que a Previdência Social não tem o condão de resolver todos os problemas da desigualdade que estão presentes no mercado de trabalho. O que nós não podemos é aceitar que a Previdência Social continue reproduzindo para o idoso o problema das graves desigualdades econômicas que estão presentes na nossa dinâmica econômica, no mercado de trabalho e na distribuição de renda.
Acho que, em alguma medida, este projeto vem para confirmar que as desigualdades que estão aí são para ficar, porque ele não se propõe a gerar uma dinâmica de enfrentamento das desigualdades, no limite do que a Previdência pode fazer. E o que a Previdência pode fazer o Evandro bem registrou: ela pode garantir um mínimo de dignidade para a pessoa que, já sem a condição laboral de se defender economicamente... O Estado garante uma proteção para essas pessoas.
A terceira dimensão que eu considero importante na diretriz é nós considerarmos, olhando daqui para frente, que as mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho são mudanças dramáticas, mudanças que alteram todo o sistema laboral, mudanças que alteram o sistema produtivo. Alterações tecnológicas estão mudando o que nós conhecemos por emprego. E o movimento geral que ocorre no Brasil e no mundo é um movimento por buscar alta flexibilidade da força de trabalho, contratos precários, jornada flexível, salário variável.
Neste quadro, não há sistema previdenciário no mundo que continue a ser sustentável financiado a partir do regime de contribuição sobre a folha de pagamento. Fazer uma reforma da Previdência hoje é urgente, porque nós precisamos fazer uma reflexão sobre qual é o padrão de financiamento do sistema previdenciário em um mundo onde o trabalho está em profunda mudança. Se nós não formos capazes de observar essas transformações no mundo do trabalho e o rebatimento delas sobre a capacidade de financiamento da Previdência e sobre o regime de contribuição, nós não estaremos dando sustentabilidade econômica e financeira à Previdência Social e à seguridade.
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Portanto, segundo esse aspecto das mudanças, a reforma da Previdência já deveria começar com a reforma tributária. A base de uma mudança no sistema previdenciário deveria ser uma discussão sobre o padrão de financiamento fiscal do Orçamento, considerando que a segunda dimensão fundamental é que, dado que a Previdência é um dos maiores gastos do Orçamento, mexer nessa conta necessariamente significa abrir uma discussão sobre o financiamento da Previdência e das políticas públicas, do que nós consideramos que são tarefas do Estado. Nesse sentido, nós devemos considerar que os exemplos que eu estou dando deveriam ser conformados em uma abordagem que permitisse a estruturação de uma proposta de reforma da Previdência consistente com esses princípios.
No caso específico dos idosos, nós deveríamos considerar as transformações econômicas que ocorrem no mundo do trabalho, combinadas com as transformações demográficas. Isso, olhando décadas para frente, deveria nos obrigar a pensar não só a dinâmica econômica das condições de vida dos idosos como também a dinâmica econômica da organização da vida laboral para que um indivíduo chegue à idade de acesso à Previdência, ou seja, pensar em que condições nós imaginamos que uma pessoa chegará aos 65 anos de idade em 2050. Podemos imaginar que uma pessoa trabalhará 8, 10, 12 horas por dia ou que ela trabalhará 5 horas por dia e terá uma remuneração digna. Nós podemos imaginar que um idoso em 2050 alcançará uma condição de vida melhor do que a que os idosos alcançam hoje. Mas isso significa um acordo que considera a construção da condição de vida do idoso durante a vida laboral daqui para frente. Portanto, prospectar qual será a condição do idoso 10, 20, 30 anos para frente é também prospectar qual será a condição de um jovem durante a vida laboral até ele chegar a uma determinada idade lá na frente.
A projeção da condição de vida do idoso lá na frente precisa considerar, de um lado, as condições de vida e de trabalho e, de outro, qual será a perspectiva de inserção ocupacional dos idosos. Hoje, em muitas situações, trabalhadores aposentados procuram, por exemplo, os sindicatos indicando interesse em voltar a ter algum tipo de inserção ocupacional. O idoso diz: "Eu quero ter um tipo de atividade". E já há estudos mostrando que a vida do idoso tem melhor qualidade quando ele tem simultaneamente uma condição econômica mínima e algum tipo de inserção ocupacional, o que não significa um emprego clássico, mas um tipo de vida laboral muitas vezes associado a um trabalho comunitário, a responsabilidades que ele assume em uma determinada situação. Portanto, é possível imaginar que a população idosa tenha um tipo de inserção ocupacional no futuro associada inclusive à condição de vida que ela possa construir durante a vida laboral. A última dimensão, para encerrar, é essa população que hoje não conseguirá ter acesso à Previdência, que, eu já calculei, são 10 milhões de pessoas. A partir da reforma da Previdência, esse número será crescente. É importante considerarmos aquele que chega aos 50 anos em uma fragilidade ocupacional como a que nós observamos. Hoje nós temos de 7 milhões a 7,5 milhões de pessoas com mais de 50 anos que não estudam, não trabalham e não têm perspectiva de trabalho. De cada 10 ocupações que essas pessoas conseguem, quando elas conseguem algo, 8 não têm participação contributiva na Previdência. Portanto, quando um desses 7 milhões que chegaram aos 50 anos de idade volta para o mercado de trabalho, isso se dá na condição de informalidade. Logo, esse indivíduo não reunirá no tempo de trabalho condições de chegar ao tempo de contribuição mínimo. Se nós estamos criando uma regra que amplia o tempo de contribuição para o acesso à Previdência, na verdade estamos passando um facão afiado no pescoço de todos os hoje 7,6 milhões de brasileiros e brasileiras com mais de 50 anos que não têm nenhuma atividade, não estão empregados, não têm perspectivas, são chamados de "nem-nem" idosos.
15:27
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Existem também os "nem-nem" jovens, os que "nem estudam, nem trabalham", entre aspas, porque as meninas, no geral, trabalham cuidando dos velhos idosos doentes na família, mas, na classificação, não trabalham. Há ainda aqueles que estão estudando para entrar em uma universidade, mas não estão classificados como estudantes, porque cursinhos não são considerados como estudo nas pesquisas.
Então, o termo "nem-nem" cobre um monte de situações que na verdade mostram as perversidades que estão presentes no mundo do trabalho. No caso do idoso, chegar a uma idade avançada na condição de não ter reunido o tempo de contribuição e estar desempregado, como 7,5 milhões de pessoas no Brasil hoje, significa impossibilidade estrutural de acessar o benefício pelo tempo de contribuição.
Olhar para essas dimensões todas é olhar para uma dimensão prospectiva na qual a condição do idoso precisa ser enfrentada desde já, ou seja, essa reforma tem que dar uma resposta para esses 10 milhões de idosos que não acessam nem a Previdência nem a seguridade. Deveria ser dito: "Um projeto nosso incluirá todos na proteção". E isso é um drama, afinal, como é possível financiar mais 10 milhões de benefícios? Tem que se achar uma solução de financiamento para essa proteção. Esta é a reforma que nós estamos a produzir!
Ao mesmo tempo, a reforma precisa olhar para as condições do idoso 10, 20, 30, 40, 50 anos para frente, em um mundo do trabalho em mudança, em um mundo onde as pessoas estão vivendo mais, em um mundo em que as pessoas vão querer ter outras inserções na vida, inclusive a partir dos 60 anos. Olhar para isso é imaginar um mundo no qual a proteção é parte da produção da dignidade da vida a partir dos 60, 65, 70 anos — qualquer que seja a idade que nós venhamos a definir. Isso não é simples de ser pensado, porque, ao imaginar essas transformações, como eu disse, nós temos que imaginar quais serão as condições de vida de quem vai produzir economicamente, para chegar à fase da idade adulta, ou como idoso, em 2040, em 2050, num mundo que provavelmente será radicalmente diferente de tudo o que nós conhecemos, no qual emprego, trabalho e ocupação vão ser profundamente diferentes. Acho que nós não deveríamos descartar do nosso cenário que a dinâmica presente é de esgarçamento e ampliação do fosso das desigualdades. Poderemos ter, a depender do que nós vamos conseguir fazer no Brasil e no mundo, uma sociedade com 10%, 15%, 20% de população com alta renda, alta proteção e alta capacidade produtiva e uma massa de excluídos fora de um sistema de proteção, com baixos rendimentos e em péssimas condições de vida. Se o que nós fizermos hoje de transformação colabora para esse tipo de transformação, é fundamental compreendermos que essas reformas reforçam dinâmicas que nós temos que combater. Acho que a reforma, do jeito que está instituída, não responde a esses princípios. Ela amplia a exclusão, favorece a precarização, elimina as possibilidades de mitigar distorções no sistema, porque não cria um sistema de acompanhamento, não tem uma visão prospectiva sobre o que é o futuro, não considera as transformações no mundo do trabalho e, por fim, o conceito que a institui do ponto de vista da justiça é um conceito equivocado.
15:31
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Não creio, portanto, que essa proposta seja uma proposta que interesse à sociedade. Isso não quer dizer que nós não devamos produzir um projeto de reforma da Previdência e da seguridade para produzir proteção em um mundo de trabalho que está em mudança, proteção em um mundo de trabalho em que as pessoas estão vivendo mais, proteção em um mundo no qual nós queremos dar segurança, dignidade aos idosos.
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Peço desculpas aos convidados por ter tido que me afastar — tive que assinar um requerimento na Comissão vizinha.
Quero registrar a presença do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União — SINDILEGIS.
Quero também transmitir para os senhores a justificativa de ausência do Sr. Moacir Meirelles, da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos — COBAP: "Lamentamos pela ausência do representante da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos, que, por motivo de saúde, encontra-se em observação no hospital, com a pressão muito alta". Esperando que o mal não seja por conta da reforma da Previdência, desejamos a pronta recuperação do Sr. Moacir.
Quero também agradecer a disposição e o apoio de nosso 1º Vice-Presidente, o Deputado Denis Bezerra.
15:35
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Concedo a palavra ao Sr. Floriano Martins de Sá Neto, Presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil — ANFIP, por 15 minutos. Se for necessário mais tempo, nós reorganizaremos.
O SR. FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO - Boa tarde a todos e a todas que estão aqui presentes e também que nos acompanham pela Internet.
Quero cumprimentar a Deputada Lídice da Mata, da Bahia, o Deputado Denis Bezerra, 1º Vice-Presidente da Comissão, o especialista Evandro Morello e o Clemente, companheiro de tantas lutas e parcerias.
Agradeço o convite para estar aqui. É uma satisfação muito grande para a ANFIP vir à Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa para, inicialmente, tranquilizar os idosos e todos que não têm dormido e estão me assistindo.
O SR. VICENTE FALEIROS - Estou aqui, do seu lado. (Risos.)
O SR. FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO - Como o Vicente, aqui ao meu lado.
Pessoal, não é crime viver mais, como fica parecendo quando falam em transição demográfica. O Clemente falou um pouquinho sobre isso, que tem sido colocado como uma coisa determinante de um futuro ruim, de caos, em um país de idosos, sem jovens.
Nas minhas apresentações, eu costumo tranquilizar os idosos do País. Daqui até 2060, há um espaço muito grande — muito grande —, e o Clemente não vai me deixar sozinho nessa afirmação. A força de trabalho do Brasil ainda está se colocando, o País tem uma força de trabalho que ainda está chegando ao mercado, em plenas condições. O que nós não temos é emprego, educação, estudo, progresso, desenvolvimento.
Então, quanto à questão da Previdência, a primeira coisa é que, para a ANFIP, não há nenhuma dificuldade em avaliarmos políticas públicas e buscarmos um equilíbrio para gerir melhor os gastos — mas isso não pode ser feito da forma criminosa: nós repudiamos a Medida Provisória nº 871, de 2019 pela maneira não só ineficaz, mas realmente maldosa. Nós temos que fazer uma audiência pública, Deputada Lídice da Mata, e perguntar ao INSS quantos milhões de brasileiros estão na fila do INSS hoje, por telefone. O pessoal resolveu o problema da fila do INSS no Brasil. Ela agora está para dentro, está num sistema. Agora o INSS é digital. Não se consegue mais acessá-lo ou, se conseguir, será, como no caso de uma vizinha minha: ela será recebida pelo INSS em outubro — isso em Brasília, a Capital do Brasil. Então, seria muito interessante examinarmos isso, porque essas pessoas estão sem receber o benefício devido, estão, com justiça, falando mal do sistema, porque é uma frustração, e estão sem proteção.
15:39
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Para a ANFIP, portanto, o Governo tem, sim, que fazer o dever de casa sim — a CPI da Previdência Social apresentou caminhos excepcionais para se gerir melhor a Previdência —, mas há o outro lado, e a ANFIP vem, ao longo dos anos, trazendo a público a questão da arrecadação, para a qual nós também precisamos olhar.
O Ministro Guedes fala tanto no 1 trilhão de reais. Ele está aqui ao lado, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, tentando mostrar que a PEC é constitucional. Eu digo aos senhores que, de 11 advogados que eu procuro, 10 afirmam que a PEC é inconstitucional em vários pontos. Chego a dizer que ela deveria ser simplesmente devolvida, tamanhos são os vícios e a impossibilidade de ser corrigida.
Na linha do que disse o Clemente, nós não somos contra a reforma da Previdência. Nós temos que fazê-la, e os países desenvolvidos fazem reformas nos seus sistemas de proteção, mas são reformas para melhorar, para aperfeiçoar, não são reformas como essa, que é uma quebra.
O marco histórico da Previdência Social é a Lei Eloy Chaves, publicada em 24 de janeiro de 1923. Nós estamos a 4 anos do centenário da Previdência. Não chegaremos lá, se essa PEC for aprovada, porque ele faz uma mudança estrutural. A Previdência que nós conhecemos ao longo desses quase 100 anos, com avanços lentos, com algum retrocesso, mas, especificamente depois de 1988, com o modelo inaugurado na seguridade social, não existirá mais, se a PEC 6/19 for aprovada, porque simplesmente nós teremos algo inédito na história da Previdência.
Não só o Governo não colocará sua participação — aliás, até recentemente, além de não colocar a sua participação, ele se apropriava dos recursos da seguridade social. Agora, o próprio empresário, que historicamente contribuiu para o sistema de proteção social, também vai ser desonerado, cabendo tão somente ao trabalhador custear sua própria proteção social.
Ora, nós sabemos que quem ganha um, dois, três salários mínimos ou mesmo o valor do teto do INSS, os 5.800 reais, não tem condições, pois não lhe sobram recursos, ao final do mês, de custear a proteção — que virá se ele eventualmente conseguir, nessa corrida de obstáculos, cumprir as regras, que não são as regras de agora.
A primeira denúncia que nós fazemos sobre a PEC 6/19, e essa, sim, tem que preocupar os idosos e a sociedade brasileira como um todo, é a respeito da desconstitucionalização. A PEC constitucionaliza um monte de regras para piorar, mas, em seguida, diz que lei complementar vai regular. Ora, vai regular para quê? Provavelmente para piorar ainda mais o que já está sendo posto na Constituição.
15:43
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Eu trago comigo esta cartilha do DIEESE, que estou sempre lendo, porque a PEC 6/19 tem 47 artigos, divididos em 8 capítulos. É uma Constituinte! E isso é proposital. Isso é feito dessa forma para inviabilizar que o cidadão comum conheça na integridade as armadilhas, as pegadinhas, os erros. Existem erros crassos escritos agora no ordenamento jurídico maior, na nossa Constituição Federal.
Então, há que se ter muito cuidado. Não é possível que a Câmara dos Deputados receba uma encomenda desse tamanho e não se debruce sobre ela — não no prazo que o Governo está dando. Aliás, eu a devolveria, em primeiro lugar, por inconstitucionalidade flagrante. Se for para discutir, vamos fazer outro projeto. Nós não somos contra reformar, melhorar, aperfeiçoar o sistema da Previdência Social. Devia ser aberto um grande debate, deveria ser feito aquilo que os governos não fazem, aquilo que em especial este Governo não fez: abrir mediação com a sociedade, os empregados, os empregadores.
Nós somos os primeiros a pensar e a ter certeza da necessidade da tranquilidade. Por que no Brasil se prega tanto cumprir os compromissos, em cumprir os contratos — com as empresas? Se se falar em dar calote ou em qualquer coisa assim nas empresas, cai a República. Mas o principal contrato, o contrato garantido pela Constituição Federal em seu art. 6º, o direito à Previdência Social, é simplesmente relegado a segundo plano, rasgado.
A ANFIP vai completar agora 69 anos de existência, e vamos convidar os nobres Deputados e os parceiros da associação para a comemoração. O auditor fiscal hoje é da Receita Federal, mas, anteriormente, era da Previdência Social. O que a ANFIP tem feito de diferente ao longo da sua existência? Tem feito conta. A conta de um auditor fiscal é olhar o lado da arrecadação. Digo aos senhores: a cada ano, isso tem sido mais complicado. Mais se junta, mais rubricas são misturadas, mais dificuldades nós temos para lançar uma obra que produzimos todos os anos e que os senhores conhecem: o resultado da seguridade social. A ANFIP é uma entidade pioneira na divulgação dos resultados da seguridade social. A cada ano, temos mais trabalho, enfrentamos mais dificuldades, porque a coisa está mais escondida: é zero a transparência zero no orçamento da seguridade social, tanto na receita quanto no gasto.
Eu vou passar rapidamente alguns eslaides que acho importantes. Vou falar mais uns 5 ou 10 minutos, no máximo — vou preferir, Deputada, usar o tempo para o debate na Comissão. Não nos furtaremos, no entanto, de voltar tantas vezes quantas forem necessárias.
Nós estamos realizando debates nos Estados. Estivemos recentemente na OAB da Bahia, estaremos no Rio de Janeiro na sexta-feira, e assim vamos pelo Brasil afora. A frente parlamentar tem um calendário de audiências públicas pelos Estados e acompanha as atividades. Vamos levar o debate aos Estados e aos Municípios.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Bem, às vezes nós nos repetimos, mas porque é preciso mesmo repetir e repetir: essa reforma não é da Previdência — já falou um pouco sobre isso o Clemente —, é uma reforma trabalhista, uma reforma da assistência social. Ela tem muito pouco de caráter tributário — passou de leve por ele. É uma reforma administrativa: há agora um artigozinho que dá ao servidor militar aposentado condições de ocupar um cargo no serviço público. Eu, que já mencionei o tamanho da proposta em termos de artigo, informo que não é só de previdência que se trata: chamamos a atenção para que, na realidade, o que está em jogo é a seguridade social enquanto política pública.
Eu lembro que o Capítulo II - Da Seguridade Social — peço à Deputada Lídice da Mata que me corrija se eu estiver errado — é o único capítulo da Constituição que foi aprovado por unanimidade pelos Srs. Constituintes. Ou seja, ele não é um capítulo a mais, não é uma coisa menor. É o centro! A Nação brasileira saiu do regime da ditadura militar e teve esse ponto que trata da seguridade social como um ponto alto, de modo a trazer o que eu tenho chamado de welfare state tupiniquim, a seguridade social brasileira tardia. O que os americanos fizeram depois da grande crise de 1929 e que os europeus fizeram depois da Segunda Guerra Mundial o Brasil fez com um atraso de 40 ou 50 anos.
E agora, 30 anos depois, digo e repito para todos: a PEC 6 acaba, líquida, põe abaixo a seguridade social brasileira como um todo, não coloca nada no lugar — ou melhor, coloca sim: coloca a Previdência no modelo chileno. Não é preciso esperar 39 anos para ver o que vai acontecer com essa nova velha Previdência, basta olhar o que está acontecendo hoje lá no Chile, onde as pessoas estão indo às ruas para pedir de volta o sistema de repartição. E nós, no Brasil, estamos indo para 1970 e lá vai fumaça. Uma coisa nós sabemos: isso não vai dar certo, é estelionato. Só vão ganhar o banqueiro: quando a pessoa colocar 100 reais, a parte dele ele já vai tirar na hora — não tem essa história de esperar o resultado da contribuição para ver no que vai dar.
Então, nós temos que falar sobre a seguridade social.
Vejamos o art. 195 da Constituição, que fala sobre o financiamento. A primeira fonte é orçamento da União. O orçamento da União não tem que vir como ajuda, ele tem que financiar a seguridade social. Até 2015 isso não aconteceu, do ponto de vista numérico. Isso é o que a ANFIP vem demonstrando ao longo dos anos. A seguridade social é essa integração indissolúvel. Nós acrescentamos algumas coisas do nosso entendimento, mas o que está na Constituição é muito claro: saúde, previdência e assistência social formam a seguridade social, e esse conceito é indivisível esse conceito. Nós conseguimos agregar algumas políticas públicas — o que a ANFIP tem feito ao longo dos anos é dar clareza a essas políticas públicas.
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Quando a ANFIP foi inaugurada, em 1988, nós só tínhamos o orçamento fiscal e o orçamento das estatais. O orçamento da seguridade social foi feito. Não digo que o Constituinte desconfiava de que poderia haver um problema, mas que ele tinha a certeza de que, se não resguardasse o dinheiro da seguridade social, ele seria objeto de ganância. É um orçamento grande porque o País é grande — mesmo sendo 1.000 reais um valor baixo, multipliquem por 160 milhões de brasileiros em idade para o trabalho e vejam o tamanho dos recursos para os programas sociais.
Aqui vemos as fontes de financiamento. O Constituinte não foi irresponsável. Eles diziam: "Nós imaginamos um sistema de proteção social, mas não tínhamos dinheiro". Como não havia dinheiro? É claro que o Constituinte pensou o sistema de financiamento do tamanho daquilo que foi pactuado. Não há nenhum descompasso, não há nenhum problema. Tudo foi pensado para que o principal fosse garantido. Os programas sociais têm no orçamento da seguridade social a garantia para sua execução. Isso foi contratado em 1988.
O que a ANFIP tem feito que notabilizou a nossa associação é uma conta simples. Nós calculamos, de um lado, a despesa — ou o gasto, melhor dizendo — com a seguridade social, e, de outro lado, o quanto se arrecadava em nome da seguridade social. A ANFIP fez isso. A metodologia vem dessa forma desde 2005. E nós verificamos, conforme o traço azul, que até chegar ao ano de 2015 nós tínhamos uma sobra. Eu não vou usar os termos déficit e superávit, mas lembro que nós tínhamos autorização, do ponto de vista da receita, para ter mais saúde, mais assistência, mais garantia, mais atingimento das questões previdenciárias. Nós não precisaríamos ter a quantidade de gente que está hoje fora da cobertura previdenciária, tendo em vista a questão do financiamento. É perfeitamente possível financiar a Previdência.
Minha palestra segue não justificando, mas perguntando: o que aconteceu com a arrecadação? O problema não está no gasto, o problema não está no aumento das despesas ou dos programas sociais, que nós vemos no traço vermelho. Está justamente no fato de que nós estamos na época em que as pessoas que trabalharam agora batem à porta do INSS dizendo: "Eu trabalhei, agora quero me aposentar". A informação que nós temos é de que 2 milhões de brasileiros estão batendo à porta do INSS e não estão sendo atendidos.
O sistema de proteção social foi pensado, e a justificativa que eu vou fazer refere-se a esse período. O que aconteceu para que, a partir de 2015, nós não tivéssemos mais... Não era para ter sobra, porque, como eu já mostrei no início da minha apresentação, essa parte que agora falta é coberta pela União. Pela primeira vez nesses últimos 3 anos a União usou recursos do orçamento fiscal para fazer cumprir o orçamento da seguridade social, dos programas sociais. É um mandamento da Constituição, a Constituição é muito clara quando diz "se faltar". Se faltar dinheiro, não; ela já deveria ter colocado sempre, não o fez. Ela fazia o contrário, retirava dinheiro da seguridade social. E quando vem agora uma época de crise, vemos que se se tivesse guardado esse superávit... Dá em média 50 bilhões de reais de superávit por ano. Isso é o que não foi executado.
15:55
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Então, agora, no período em que o orçamento da seguridade social é deficitário, em que se gasta mais do que arrecada, a ANFIP vem a público mostrar que o problema não é no gasto, o problema é na arrecadação, que despencou, principalmente a partir de 2016, por conta da grave crise econômica.
O que nós devíamos estar discutindo... Nós lamentamos profundamente que, num Governo que se inicia, não haja um único projeto nesta Casa, enviado pelo Executivo, que venha no sentido de fazer a roda da economia voltar a girar. A reforma da Previdência vai resolver o problema do crescimento econômico? Não. Todos os economistas com quem eu converso são categóricos em dizer: isso aqui é insuficiente. Insuficiente, não; a reforma da Previdência, conforme o Ministro Paulo Guedes encaminhou, vai na contramão, vai é puxar ainda mais o freio de mão da economia e fazer com que principalmente a economia dos Municípios e dos cidadãos que moram nesses Municípios sofra ainda mais com a crise econômica.
Verifiquem os senhores a parte azul. Aqui nós temos, ao longo dos anos, desde 2005, os valores ao redor de 50 bilhões de reais, e nós últimos 3 anos, porque em 2018... E 2019 também será vermelho, negativo, conforme aqui mostrado, porque nada mudou na questão econômica. Nós continuamos tendo 1%, que não é crescimento econômico para um país com as necessidades e com as desigualdades do nosso País. Se o nosso País não crescer 3% ou 4%, vai estar sempre, sempre patinando, não adianta.
É interessante. Parece proposital. E é proposital mesmo, não é? Quando falamos em reforma, o que o cidadão brasileiro faz? Ele corre para se aposentar. Ele não acredita na fala: "Não, fique tranquilo. Quem já tem o seu direito adquirido, está escrito lá, não precisa correr". E o que o cidadão faz: "Eu não acredito no Governo, eu vou correr". Esse gráfico demonstra isso. Nós temos os picos. Tivemos um em 1998, com a Emenda Constitucional nº 20, aprovada em 1998. Depois tivemos outro já aqui, quando começou a tramitar a PEC 287/16, e as pessoas também correram.
E essa queda que aconteceu, Deputada Lídice da Mata, foi justamente por isto: o INSS não está concedendo mais benefícios, a porta está fechada. Não há funcionários. Temos o INSS eletrônico, ao qual os brasileiros, na sua maioria, não têm acesso, o que impossibilita. Mas as pessoas correm.
15:59
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Vejam que a reforma faz mal para a Previdência. Discutir reforma do jeito que é encaminhada faz as pessoas correrem, e há prejuízo. A maioria poderia ficar um pouco mais, melhorar o seu fator previdenciário, por exemplo. Aqueles que se aposentam por tempo de contribuição e correm têm um prejuízo financeiro que vão levar para o resto da vida, porque isso é o que está previsto na PEC 6.
Eu nem vou falar muito, porque o Evandro já tocou nesse assunto com maestria. Pessoal, vamos ter vergonha na cara! Se é para trazer justiça, o fake news, o maior fake news da reforma é o seguinte: por que a trabalhadora rural está sendo igualada ao trabalhador rural? Explica, Evandro. Por acaso a mulher rural trabalha menos do que o homem rural? Parece-me que é justamente o contrário: a trabalhadora rural trabalha mais, com certeza trabalha mais do que o homem.
Aqui, esse gráfico, demonstra exatamente isso. Vamos lá para 2014: sexo e faixa etária em que as pessoas começam a trabalhar no meio urbano e no meio rural. Com 14 anos de idade ou menos, no meio urbano, 45% dos brasileiros começam a trabalhar. No meio rural, 78%. Pessoal, para mim, é pouco só retirar o rural. Caberia até um pedido de desculpas por ter tido a ousadia de ter encaminhado dessa forma. Toda a minha solidariedade é pouco para o trabalhador rural em função de nós sequer discutirmos essas alterações tão danosas, que visam única e exclusivamente impedir o acesso do trabalhador rural à proteção social, que representa uma "fortuna" de um salário mínimo. Uma "fortuna": um salário mínimo!
Também há a questão demográfica. Eu já adiantei um pouco.
Esse gráfico é muito interessante, é do IBGE e desmistifica um pouco isso. Pessoal, tem que parar este discurso: "Mas o problema do Brasil não é a transferência, ou seja, estamos deixando de ser um País de jovens para ser um País de idosos". O problema do Brasil é este que esse gráfico do IBGE mostra: em 1980, nós tínhamos uma população economicamente ativa, que é o pessoal entre os 15 e os 64 anos, de 57%. Para 2060, qual é a previsão? É de que tenhamos 60% da população brasileira. Então, o problema é o idoso? O problema é este aqui: é arrumar emprego, é arrumar um projeto de desenvolvimento nacional para 60% da população brasileira, que, aí sim, vai produzir. E nós vamos ter condições de não só garantir a tranquilidade do idoso, mas também garantir a economia.
O Brasil é um país abençoado por Deus. Nós não precisamos exportar, nós temos 210 milhões de brasileiros, e a imensa maioria só quer uma coisa: virar consumidor. Arrumem 100 milhões de consumidores na Europa, arrumem! Não existe mais. Esse gráfico não é meu, é do IBGE.
16:03
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Então, a discussão está errada! Isso não é terrorismo. Fazer terrorismo é dizer que os idosos é que são o problema. E eu vou dizer aqui com muita clareza: em 2060 eu terei 100 anos de idade e vou estar vivo para ver e para receber a previdência social, o meu benefício. Espero que todos nós estejamos vivos.
Agora, efetivamente, a luta é dura. Esta audiência pública serve para mobilizar a sociedade. Nós vamos precisar que a sociedade tenha uma atuação muito vigorosa junto aos Srs. Deputados, que vão decidir nosso futuro e nossa tranquilidade, bem como a dos nossos filhos e netos.
Eu vou deixar essa apresentação disponível aqui, e ela também está no site da ANFIP. Nós temos um site só sobre a reforma da Previdência, onde estão todas as informações que nós disponibilizamos.
Ficamos à disposição dos Srs. Deputados para reuniões com a bancada, com a sociedade. Nós temos certeza absoluta, enquanto auditores fiscais da Receita Federal do Brasil, de que a solução para a reforma da Previdência passa, primeiro, por aquilo que a CPI, cujo Presidente foi o Senador Paulo Paim, muito bem colocou. Do lado da Receita Federal nós temos muita coisa para fazer. Esse dever de casa eu queria ver o Governo fazer.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Nosso último orador chegou aqui cedo. Quero lhe agradecer pela sua presença.
Com a palavra, por 15 minutos, o Sr. Vicente Faleiros, Professor Emérito da Universidade de Brasília e representante do Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil pelos Direitos da Pessoa Idosa.
O SR. VICENTE FALEIROS - Boa tarde. Saúdo as Sras. e os Srs. Parlamentares aqui presentes. Obrigado, Deputada Lídice da Mata, pelo convite ao Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil pelos Direitos da Pessoa Idosa.
Nós temos representação em vários Estados. O Fórum é muito claro e coaduna com as exposições feitas pelo Dr. Evandro, pelo Dr. Floriano e pelo Dr. Clemente no sentido de olhar com crítica essa proposta Bolsonaro/Guedes que coloca mudanças na Previdência Social.
Nós claramente nos manifestamos contra o desmonte da Previdência Social pública e da Seguridade Social pública no Brasil. A Previdência Social pública e a Seguridade Social pública foram conquistas duras na luta pelos direitos das pessoas idosas, das pessoas com a saúde debilitada, dos inválidos, dos pobres. Então, a Seguridade Social não é só para a população idosa. Ela abrange todos aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social e não de miserabilidade, como fala o projeto Bolsonaro/Guedes.
16:07
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É necessário trazer à luz a discussão da Previdência pública. Dizia o poeta latino Horácio: "Ex fumo dare lucem", ou seja, da fumaça tirar a luz. Há muita fumaça no discurso da Previdência Social e da proposta Bolsonaro/Guedes.
Nós idosos trabalhamos e contribuímos para a Previdência — eu tenho 77 anos. Nós construímos este País com a força dos nossos braços, com a experiência e a sabedoria de nossas vidas. Não somos culpados do alegado déficit da Previdência. Culpar as pessoas idosas pela crise fiscal é estelionato midiático. Isso é alardeado aos quatro ventos pela mídia eletrônica, configurando um verdadeiro terrorismo contra as pessoas idosas. Elogia-se o mercado capitalista como o paraíso, mas sem Estado e regulação nenhum mercado sobrevive.
O cientista político Polanyi escreveu que o mercado sobrevive graças à regulação do Estado. Sem regulação, a ganância desenfreada e a disputa por dinheiro destruiriam o próprio mercado. O neoliberalismo não deu resultados na promoção da qualidade de vida das pessoas e só tem promovido a acumulação da riqueza em poucas mãos. Basta ver o relatório da Oxfam que mostra a acentuação da desigualdade no Brasil e no mundo.
A proteção social é uma conquista da humanidade, viabilizada pelas lutas dos trabalhadores. A garantia da renda ou a income security é um estímulo à economia e à sobrevivência das pessoas, como propôs o economista John Maynard Keynes. Além disso, a Seguridade Social e a Previdência promovem a coesão social, a solidariedade no regime de repartição. Nós poderíamos fazer aqui uma história da Previdência, que começou com Beveridge, na Inglaterra; com Bismarck, na Alemanha; com Roosevelt, nos Estados Unidos; com Pierre Laroque, na França, e estruturou aquilo que se chama de anos dourados ou anos de bem-estar social, do pós-guerra até os anos 70, quando a globalização e a mudança no capitalismo vieram provocar uma mudança nas políticas sociais. Grande parte dos Estados, inclusive da OCDE — se o Brasil quiser entrar na OCDE, vai ter que garantir direitos de renda — tem um tripé: previdência, assistência e alocação universal, como existe no Canadá. Existe uma previdência pública básica e universal; existe uma assistência social para as pessoas em situação de necessidade ou perda; e existe uma renda universal a partir dos 65 anos de idade para todas as cidadãs e os cidadãos. Então, a segurança da renda assegura o próprio capitalismo, porque assegura o consumo. E a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, diz que toda pessoa tem direito à vida. E diz, no art. 22: "Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis (...)".
16:11
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A crise fiscal do Estado, como já assinalou Floriano, não se resolve com desmonte dos direitos trabalhistas, com retirada do poder e recurso dos sindicatos, com desmonte dos direitos sociais e da previdência, mas com arrecadação de impostos e provisão de serviços públicos com justiça, o que se faz com imposto de renda.
No Brasil, nós temos uma distorção do imposto de renda, e quem paga mais imposto são os pobres, são os trabalhadores.
A PEC Bolsonaro/Guedes diz, no item 6 de sua justificativa, expressamente "(...) E esse nó fiscal tem uma raiz: a despesa previdenciária". Ou seja, está explícita na justificativa que a crise é culpa da previdência. Vou repetir. No texto Bolsonaro/Guedes: "E esse nó fiscal tem uma raiz: a despesa previdenciária. Enquanto nos recusamos a enfrentar o desafio — continua o texto — previdenciário, a dívida pública subirá implacavelmente(...)". Mentira! A dívida pública não se deve à previdência social, mas aos juros exorbitantes dessa mesma dívida. Nesse sentido, a contribuição da CPI da Previdência é muito explícita. A PEC Bolsonaro/Guedes para a Previdência Social somente onera os trabalhadores do setor privado e do setor público, sem focar na cobrança das empresas devedoras. Segundo o relatório da CPI, as empresas privadas devem 450 bilhões à Previdência, e, conforme a Procuradoria da Fazenda Nacional, somente 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis. Como já foi salientado pelo Clemente e pelo Dr. Floriano, é preciso combater a sonegação, bem como a anistia a devedores. Eles não estão sonegando à Previdência, estão sonegando à vida dos trabalhadores. Outra justificativa da PEC Bolsonaro/Guedes é a transição demográfica, ou o processo de envelhecimento, que é uma conquista social. Possíveis mudanças paramétricas precisam ser negociadas com os movimentos e forças sociais organizadas e não serem baixadas em pacotes, como se fazia na ditadura.
16:15
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No Brasil, existem diferentes fontes de financiamento da Previdência, como já foi assinalado, que não incidem apenas sobre a contribuição trabalhista e patronal, como COFINS, CSLL, PIS, contribuição sobre atividade rural, loterias. Com a mudança nas formas de trabalho, como salientou o Clemente, é preciso pensar em novas formas de arrecadação. E no mundo existe. Na França, por exemplo, tem a CSG, a Contribuição Social Generalizada, focando-se na concentração de renda.
A regulação estatal da seguridade não deve ser desconstitucionalizada por lei complementar, pois é a garantia da segurança social mínima e não fica ao sabor dos governos de plantão.
E parafraseando a proposta, é preciso manter o ambiente macroeconômico estável para os milhões de brasileiros e brasileiras, e não só para o mercado. Os brasileiros e brasileiras precisam de um ambiente macroeconômico estável. (Palmas.) Eu vou trabalhar a vida inteira, eu vou ter a minha previdência, eu vou poder garantir a escola, a comida dos meus filhos, dos meus netos. A redução das despesas previdenciárias precisa ser discutida com transparência, eliminando-se, é claro, as fraudes e as organizações criminosas que se utilizam da Previdência para a criminalidade. A proposta Bolsonaro/Guedes de capitalização é cruel e perversa. Não deu bons resultados em lugar nenhum, inclusive no Chile, pois desmonta a solidariedade social, fazendo com que os trabalhadores arquem com a insegurança na velhice, levando a existência dos idosos para a mendicância e para o suicídio, como tem acontecido no Chile. O Deputado Eduardo Barbosa estava aqui, e nós trabalhamos juntos na redação da LOAS. O Senador Paulo Paim estava aqui, e nós trabalhamos juntos no Estatuto do Idoso.
As conquistas da Lei Orgânica da Assistência Social e do Estatuto do Idoso devem ser asseguradas, bem como o Benefício da Prestação Continuada. Tendo em vista que o foco da PEC Bolsonaro/Guedes está fundado na garantia do mercado financeiro e não na vida e na segurança dos trabalhadores, é necessário que seja rejeitada em seus fundamentos, em suas estratégias e na sua instrumentalização. Essa é, digamos assim, a nossa posição como sociedade civil. E esperamos que esse debate contribua para o aprofundamento dessa proposta. Obrigado. (Palmas.)
16:19
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A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Quero agradecer a exposição a todos. Na última exposição, o nosso Prof. Vicente foi cirúrgico quanto ao tempo, obedeceu rigidamente.
Eu vou franquear a palavra aos Deputados que quiserem falar. Depois vou apresentar algumas questões e perguntas.
Quero avisar que este seminário está sendo transmitido pelas redes sociais da Casa, através da Internet, e pelo e-Democracia. Eventualmente, podemos receber contribuições dos internautas.
A Deputada Carmen Zanotto tem a palavra.
A SRA. CARMEN ZANOTTO (CIDADANIA - SC) - Muito obrigada, nobre Presidente, nossa sempre Senadora, colega Lídice da Mata, autora principal do requerimento para realização deste seminário. Esta é uma Comissão Temática Permanente, talvez das mais jovens que temos na Casa dentre as Comissões Permanentes. Ela trata dos direitos da pessoa idosa.
Eu tenho uma preocupação muito grande. Não vou entrar no mérito da reforma como um todo, mas queria me debruçar, em especial, sobre dois grupos. O grupo dos idosos que recebem o BPC, uma vez que tenho uma leitura de que eles estão no BPC não porque não trabalharam. E há alguns que ainda conseguem afirmar que eles não trabalharam, por isso não contribuíram com a Previdência e consequentemente dependem do Benefício da Prestação Continuada. Tenho dito que, muito pelo contrário, talvez tenham trabalhado muito mais do que todos nós juntos, mas trabalharam num momento em que não tinham a sua carteira de trabalho assinada. Trabalharam em serviços braçais, como na colheita de produtos no interior, na construção civil, para uma obra pontual. Não tínhamos no passado recente uma lei trabalhista tão fiscalizada como temos nos últimos anos. Então, eles só não conseguiram comprovar os seus anos de trabalho, mas, sem sombra de dúvida, trabalharam. E muitas vezes se sujeitaram a determinados tipos de trabalho, ou na grande maioria das vezes, melhor dizendo, se sujeitaram àquele tipo de trabalho para poder prover o sustento para si e seus familiares. Então, foram as condições do momento na vida deles, e por isso eles têm o BPC, muitas vezes por falta da confirmação do tempo de serviço.
16:23
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Preocupa-me isso e preocupa-me a questão do trabalhador rural. Eu queria pontuar mais essas duas questões, porque, sem sombra de dúvida, a mulher trabalhadora rural e o homem do campo são muito mais envelhecidos do que nós. A jornada de trabalho deles não é de 8 horas. A jornada de trabalho deles é de no mínimo 12 horas, porque eles acordam cedo, vão retirar o leite da vaca, voltam para casa para fazer o café e arrumar as crianças para a escola e depois vão para a lavoura. Esse ambiente é muito mais estressante e desgastante do que os ambientes em que nós trabalhamos.
Eu queria que o senhor pudesse falar um pouquinho sobre isso, sobre esse olhar.
Justifico minha ausência, nobre Senadora, porque, como V.Exa. sabe, aqui na Casa temos que correr a três, quatro locais ao mesmo tempo, e não damos conta mesmo. Além das reuniões internas nas Comissões, há as demandas que recebemos do Estado para estar junto aos Ministérios. Por isso não consegui pegar as demais falas, mas vou me apropriar de tudo aquilo que a Elaine, nossa assessora do PPS, já preparou e deixou registrado.
Então, queria que o senhor pudesse falar um pouquinho sobre esse olhar, sobre como, nesse momento de debate... Eu vou ser muito sincera: este não pode ser apenas o debate do contra por contra e do a favor por a favor. Quero registrar isso para depois não vivermos aquilo que vivemos na reforma trabalhista, em que havia os contra por contra e os a favor por a favor, e assim ela passou. Acho que temos que encarar isso da seguinte forma: como podemos contribuir da melhor forma para minimizar os danos que poderão ser causados, em especial à pessoa com deficiência, ao idoso com deficiência, ao idoso do BPC, e em relação à questão da faixa etária?
Se os senhores tiverem sugestões para a nossa Comissão, será muito importante, até porque não entramos ainda no momento de apresentação de emendas. Como se trata de um projeto de emenda constitucional, precisamos buscar as assinaturas para que haja propostas de emendas. É mais fácil nós discutirmos o que é consenso na nossa Comissão ou, em vez de haver um autor para a emenda, a proposta ser apresentada pela grande maioria ou pela totalidade dos membros da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Com certeza, assim será muito mais fácil buscarmos as assinaturas para podermos ter texto, porque, se nós não tivermos texto, não vamos poder emendar, não vamos poder destacar, não vamos poder trabalhar de outra forma. Está muito difícil a busca de assinaturas em toda a Casa, inclusive também nas Frentes. Agora melhorou um pouquinho. Mas quero dizer que, sem texto e sem contribuição, não temos como implementar.
Então, gostaria de ouvir os senhores em especial sobre esses eixos que aqui apontei.
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Deputado Alexandre Padilha, eu vou propor que V.Exa. faça suas considerações. Depois eu também vou colocar algumas coisas e passar a palavra aos integrantes da Mesa, coletivamente, para podermos ganhar tempo, porque daqui a pouco se iniciará a Ordem do Dia, pois hoje há projetos na pauta de votação.
O nosso ex-Ministro da Saúde está com a palavra.
O SR. ALEXANDRE PADILHA (PT - SP) - Está certo. Muito obrigado, Sra. Presidenta.
16:27
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Agradeço as várias exposições e faço uma saudação especial ao Dr. Clemente. Tive a grata experiência de ser o Ministro da coordenação política e coordenador do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, do qual o Clemente fazia parte como conselheiro.
Primeiro eu queria apresentar a todos um relato que me passou 2 semanas atrás, por ocasião do convite para um fórum internacional de Parlamentares com o objetivo de debater a justiça tributária. A primeira reunião desse fórum ocorreu no México, 2 semanas atrás, onde houve algumas questões de fundamental importância para o debate acerca de onde pode vir a receita, de onde podem vir os recursos.
Uma coisa que me impressionou muito, Presidenta, foi uma informação que eu não tinha, mas passei a ter nesse fórum, inclusive pela contribuição de um conjunto de entidades que acompanham o tema da justiça tributária. Eu sempre achei, por exemplo, que a China fosse o maior comprador de minério de ferro do Brasil. Descobrimos, pelas informações, que não é a China, mas a Suíça.
Por conta da ditadura militar, meu pai teve que ser exilado na Suíça, e eu tenho um irmão suíço. Quando eu comentei isso com ele, ele falou assim: "Será que é para fazer tanto canivete que se precisa de minério de ferro na Suíça?". Lá sequer tem porto para receber o minério de ferro.
Por que a Suíça? Porque as transnacionais montam uma estrutura de operação financeira para não contribuir com os Estados onde elas exploram. A Vale, que é responsável por 85% da exploração de minério de ferro no Brasil, tem a Vale do Brasil e monta a Vale da Suíça e a Vale da China. Da Vale do Brasil para a Vale da Suíça vendem o minério a 30 reais, por exemplo, e da Vale da Suíça para a da China vendem a 100 reais. Esse excedente de lucro de 70 reais, que deveria ficar aqui no Brasil, fica na Suíça, onde eles têm um acordo de 3 décadas de isenção tributária e isenção fiscal. E isso ocorre para outros produtos: nas Ilhas Cayman, um; no Panamá, outro. São verdadeiros paraísos fiscais.
Como podemos fazer o debate para essa ser uma alternativa de financiamento da seguridade social como um direito? Uma das questões que foram levantadas é por que o tal de 1 trilhão de reais tem que sair dos mais pobres, das mulheres, dos professores, das professoras, dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, de quem recebe o BPC. Por que não pode sair das transnacionais, dos lucros e dividendos?
A outra questão é o impacto da capitalização no México. O México adotou o regime de capitalização desde 1997, ou seja, já tem uma experiência concreta quase tão extensa quanto à do Chile. Hoje, 77% dos idosos no México não conseguiram acessar qualquer benefício a partir da capitalização. Quase 50% da população do México hoje está abaixo da linha da pobreza, e uma das questões fundamentais tem a ver diretamente com isso.
A partir desses dois relatos, eu queria suscitar duas perguntas aos nossos colegas. Eu vi que há uma bancada de juristas, advogados. O meu partido, o Partido dos Trabalhadores, tomou como decisão apresentar na CCJ um voto questionando a constitucionalidade da proposta encaminhada. Eu queria ouvir dos senhores que elementos de inconstitucionalidade os senhores encontram na proposta encaminhada.
Ao Clemente eu pergunto se existe alguma projeção do impacto na economia. Nós sabemos quais vão ser os impactos da redução de renda da população idosa, mas nós sempre fomos defensores de que o aumento da renda, da massa de renda da população é um dos principais motores do desenvolvimento de um país como o Brasil. Já há algum tipo de projeção, Clemente, a partir dessa avaliação, do impacto na economia brasileira. Nós aprendemos — ou deveríamos ter aprendido — que os países europeus que apostaram na austeridade, no corte de investimentos, no corte de políticas sociais, no corte das transferências de renda para sair da crise foram exatamente aqueles que não saíram da crise na Europa, desde 2008; e aqueles que apostaram em ampliar o seu serviço de saúde e manter as suas políticas sociais foram os que se recuperaram economicamente mais rápido.
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Assusta-me muito, além da proposta de destruição da Previdência, o anúncio do Ministro Paulo Guedes de que há uma proposta de desvinculação das receitas da saúde, da educação e da seguridade social do Orçamento, proposta essa pronta para ser apresentada a esta Casa.
Muito obrigado, Presidenta.
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Eu acho que as duas intervenções enriquecem o nosso debate.
Eu queria colocar para aqueles que nos ouvem, para o esclarecimento deste debate, duas questões que vêm mais como provocação dos argumentos que tenho ouvido aqui na Casa como referência de por que é necessária a reforma da Previdência.
Nós vivemos também aqui no Parlamento uma espécie de repetição da história de que a mentira repetida muitas vezes torna-se verdade, e as pessoas começam a funcionar em torno disso. Há uma convicção, em uma parcela dos Parlamentares brasileiros, de que, se não houver reforma da Previdência, nós estaremos, imediatamente, no dia seguinte, num grande buraco. Eu ouvi isso, e nós todos que estamos aqui vivemos isso quando houve a reforma trabalhista. Embora eu queira fazer uma ressalva aos colegas, nenhum dos economistas com quem debatemos no Senado teve coragem de dizer que a reforma trabalhista significaria o crescimento imediato dos empregos. Quando perguntados sobre isso, eles sempre fugiam um pouco dessa questão, e alguns — como foi o caso de um empresário —, até, sinceramente, respondiam que não aconteceria isso imediatamente. Mas o que se vendeu como propaganda, como marketing daquela reforma era que ela iria gerar, imediatamente, 30 milhões de empregos e tirar o Brasil daquela situação. Mas, ao contrário, nós estamos vivendo uma situação de manutenção e crescimento do desemprego. Há, na verdade, esforços imensos para a retomada do emprego, agora já sob nova roupagem: um emprego muito mais precarizado, com uma renda mais na informalidade e assim por diante.
Eu ouço alguns que dizem que a reforma é importante e indispensável porque ela causa desigualdade. Os dados do Banco Mundial mostram que 2,5% dos gastos da Previdência são feitos com os 20% dos mais pobres e que mais de 52% são feitos para os 20% mais ricos. Isso se transformou num bordão. Quando chegamos para conversar com algum Deputado ou mesmo com alguns segmentos da sociedade, imediatamente dizem "Nós precisamos acabar com a injustiça no Brasil".
A outra questão é que o problema da Previdência no Brasil é a desigualdade. Portanto, nós estamos nos dirigindo à necessidade de se fazer justiça contra alguém que é a causa de todos os males do Brasil: o funcionário público. O funcionário público ganha muito, recebe uma aposentadoria imensa. Por isso, ele é o representante dessa situação.
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A isso se junta a ideia de que o gasto com a Previdência cresce muito rapidamente: se não fizermos a reforma, em 10 anos o Brasil estará acabado. A Previdência, hoje, é um grande consumidor dos recursos do Orçamento, e não vamos, portanto, parar em lugar algum; o Brasil não vai ter futuro se não houver, imediatamente, a reforma da Previdência.
Eu acho que é possível fazer a reforma da Previdência. Aliás, todos os chamados governos de centro-esquerda no Brasil fizeram a reforma da Previdência. Qual é a questão que nos incomoda na reforma da Previdência? Em que ela é diferente?
Participei, hoje, da reunião da bancada e percebi que alguns companheiros têm certa ilusão sobre a forma de funcionamento e dizem: "Eu vou apresentar a minha emenda". Só que, para apresentar emenda, é preciso colher 171 assinaturas. Após apresentar aquela emenda e obtiver 171 assinaturas — alguns até assinam para serem gentis com o outro —, ele precisa ter um número maior de votos para que aquela emenda seja aprovada. Ele, talvez, por uma questão psicológica, para acalmar sua consciência, diz: "Eu voto no geral, mas vou apresentar minha emenda, que vai tirar aquilo que é indispensável".
Em uma das grandes discussões, como se referiu a Deputada Carmen Zanotto, é o BPC e a aposentadoria rural. Quanto à aposentadoria rural, todos sabem que é um grande estimulador das economias locais no interior de todo o Brasil. Em muitos Municípios, ela incide sobre a economia local com uma força muito maior do que o Fundo de Participação dos Municípios.
Por outro lado, já há um grupo de partidos, chamados de centro, próximos ao Centrão da Constituinte, que diz: "Não! Nós aceitamos votar a reforma da Previdência, tirando essas duas coisas que são consideradas o bode na sala da reforma da Previdência". Já fizeram as contas. Isso quer dizer que em vez de 1 trilhão vai haver apenas na receita a recuperação de 900 bilhões de reais com a reforma da Previdência.
Outros acrescentam que há esses dois pontos que são indiscutíveis, mas querem preservar os direitos dos professores. "Nos direitos dos professores não é possível mexer neste País!". Cada um vai fazendo o seu cardápio de coisas inaceitáveis na reforma da Previdência, e todos acreditam que se vai chegar a uma Comissão Especial de onde vai sair o texto ideal da reforma da Previdência. Sinceramente, eu não acredito nisso. Acho que nós vamos ter, sim, uma disputa ferrenha em torno desse debate da reforma da Previdência, porque ninguém abre mão dos seus direitos, muito menos uma população que necessita e tem neles a condição de sobrevivência. É isso o que existe em relação aos aposentados, que, na maioria esmagadora, recebem um salário mínimo ou pouco mais do que um salário mínimo. Se formos pegar as pensões, veremos que, nesse novo regime de pensão, deixa-se de receber 100% do que se poderia receber quando o esposo ou a esposa morrer, para receber uma parcela, uma pensão que, muitas vezes, passa a ser de um salário mínimo, para uma família que vive de dois salários mínimos. Esse é o drama.
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Devemos pensar em saídas para um Brasil que é profundamente desigual. Eu ouvi aqui uma parte da fala do representante do DIEESE sobre esse futuro do trabalho que se organiza. Ele pode ser até um futuro sem trabalho ou com pouco trabalho, mas, certamente, não será um futuro sem geração de riqueza, independentemente das ocupações, dos trabalhos que existem. Então, trata-se de discutir de que forma vai se dar a apropriação da riqueza no futuro.
Eu deixo aqui essas perguntas, que, juntamente com as demais, espero que sirvam para alimentarmos este debate. Quero agradecer a todos vocês que vieram aqui e quero dizer que estou muito mais empolgada com o que cada um de vocês falou do que estaria se, certamente, estivesse na CCJ, ouvindo o Primeiro-Ministro ad hoc do Brasil
Eu passo a palavra novamente aos debatedores. Começamos de forma diferente, mas, como me parece que o Sr. Clemente tem que sair em função de viagem, vou começar com ele e seguirei nesta direção.
O SR. CLEMENTE GANZ LÚCIO - Obrigado pelas questões.
Deputado Padilha, grande Ministro, na minha apresentação, eu levantei justamente as várias, as múltiplas questões desse projeto.
Primeiro, uma das graves ausências que desqualificam o debate é justamente um diagnóstico presente mais sofisticado, além de afirmações quase que de profissão de fé.
Segundo, há ausência de um sistema de prospecção de quais serão as condições daqui a 10 anos, 20 anos, 30 anos, 40 anos para as várias dimensões, para se imaginar o que será o idoso em 2060, como será o mundo do trabalho em 2060, para gerar a condição para aposentadoria.
Terceiro, precisamos saber quais são as prospecções dos impactos socioeconômicos. Quando o Ministro fala em economizar 1 trilhão de reais, qual é o efeito de se retirarem 1 trilhão de reais da economia como renda, quando o efeito dinâmico dessa renda tirada sobre o PIB, por exemplo, de cada real colocado na mão de um trabalhador, gera 1,2%, ou 1,3%, ou 1,6% de crescimento no PIB?
Portanto, de um lado, você está tirando potência da dinâmica econômica; de outro, a cada real de um trabalhador assalariado, 46% ou 52%, dependendo, viram receita do Estado por tributos e contribuições. Então, você está, simultaneamente, tirando potência da economia e restringindo a capacidade fiscal de o Estado financiar o orçamento.
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Dimensionar esses efeitos é fundamental. E esses efeitos não são na média do território, pois há uma desigualdade, como a Deputada Lídice bem levantou. Portanto, o efeito de se retirar esse 1 trilhão de reais sobre a desigualdade socioeconômica do País afetará, com certeza, de forma mais dramática, o Norte e o Nordeste, afetará muito mais os trabalhadores rurais. Ou seja, há um efeito em termos de produção de pobreza e de miséria, sobre uma condição de extrema desigualdade.
Essas simulações são muito complexas. Você não se consegue fazer isso dando chutes, você precisa produzir um sistema e acompanhar. Há um estudo que nós da ANFIP e do DIEESE fizemos juntamente com uma série de especialistas, que está no site do DIEESE e da própria ANFIP, no qual nós fizemos uma avaliação de várias dimensões da proposta anterior. Uma das avaliações que fizemos foi olhar 20 anos de orçamentos públicos e os sistemas de projeção previdenciária contida em cada ano no Orçamento da União. O dramático é que nenhuma projeção chega perto da realidade, todas as projeções têm desvios muito grandes em relação ao realizado. Isso está errado? Não, não está. O que está errado é não considerarmos que erramos.
Portanto, um sistema de projeção tem que considerar uma variável grande e fazer uma observação cotidiana de quais desvios ocorreram, para poder identificar — aí, sim — que a reforma é, na verdade, um processo permanente de ajuste das políticas públicas.
Por fim, eu acho que está claro, Deputada Lídice e Deputado Padilha, que temos um problema gravíssimo na estruturação do Orçamento público no Brasil. O que está em disputa é o Orçamento público, que tem problemas gravíssimos na sua estruturação e no suporte ao seu financiamento. Eu acho que nós não conseguimos constituir um Orçamento claro dos gastos sociais, dos gastos do Estado e dos investimentos. Do jeito que o Orçamento está estruturado hoje, vemos que os cortes apresentados pelo Governo são todos em investimentos em saúde e educação. Não estão cortando gastos, estão cortando investimentos. Esse é o pior gasto, é pior do que cortar o benefício, porque estão cortando a possibilidade de gerar atividade econômica para financiar o benefício. Quando se corta benefício, corta-se na carne. Cortar o investimento é cortar a dinâmica que gera o emprego, que gera o benefício, que é o que estamos fazendo.
Então, alguma coisa está errada. E nós temos que financiar esse Orçamento com outra estrutura orçamentária, como o exemplo que foi dado dos parâmetros fiscais. É muito provável que, olhando 10 anos, 20 anos, 30 anos, 40 anos para frente, nós vamos imaginar que vamos ter sistemas tributários articulados internacionalmente, que sejam capazes de dar proteção ambiental e social ao mundo, um mundo que vai ser muito mais flexível do ponto de vista da organização da força de trabalho.
Vou dar um exemplo baseado na linha que a Deputada levantou. Como as grandes empresas como a Google estão resolvendo os problemas delas? Elas pegam um macroproblema; fazem um projeto; dividem esse projeto em dezenas de enigmas; e lançam esses enigmas na rede social. Aí elas pegam um pedacinho do problema, um enigma, e dizem: "Tenho um enigma e ofereço 5 mil dólares para quem resolver esse enigma". No mundo todo, os meninos e as meninas começam a trabalhar para resolver o enigma, e quem resolver o enigma ganha 5 mil dólares. Quando a Google resolve os 50 enigmas distribuídos, ela criou um programa que vale bilhões.
Esse é um trabalho intelectual que milhares de pessoas estão fazendo gratuitamente, para achar a solução de um problema que a Google gastaria milhões e milhões para resolver. Como regulamos isso? Como organizamos isso? Como geramos proteção social para um ambiente de trabalho nessa dinâmica? Eu não vejo outra condição a não ser pensarmos esses impactos que foram levantados considerando as múltiplas dimensões. No caso específico dessa reforma, é evidente que ela tem um impacto restritivo do ponto de vista de retirar renda do consumo. Dois terços da dinâmica do nosso crescimento vêm da capacidade de consumo da população. E não tenham dúvida de que retirar capacidade de consumo daqueles que têm a menor renda e, portanto, transformam toda sua renda em consumo, é tirar tração da economia. Pensem nisto: tirar tração da economia de quem consome e cujo efeito de consumo é muito positivo sobre a economia, com um orçamento que corta investimentos, vai dar no que demos.
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Há 90 dias, o mercado dizia que o Brasil iria crescer mais de 3%; 90 dias depois, o mercado diz que o Brasil vai crescer, com certeza, menos de 2%; e hoje já começa a dizer que talvez tenhamos um crescimento de 1% mais uma vez. Por quê? Porque o País, travado do jeito que está, tem condição de crescer 1% ao ano. Isso é uma tragédia! O País está fadado ao fracasso! E nós vamos, pelo quarto ano, trabalhar por um crescimento de 1%. Ao fazer o que estamos fazendo, acho que vamos aprofundar uma queda estrutural no PIB em termos de dinâmica econômica, além da miséria, cujas consequências para os gastos sociais são dramáticos. O custo vem para o Estado, sem que necessariamente se tenha fonte da receita.
Então, estamos no pior dos mundos: os ricos vão ficar mais ricos, e nós vamos ter um país de mais pobres e mais miseráveis infelizmente. E eu acho que, até do ponto de vista da eficiência econômica, essa reforma é um absurdo para quem pensa um projeto de desenvolvimento econômico e social.
Obrigado pelo convite. Parabéns pelo trabalho e pela iniciativa! Vamos lá, que a nossa luta é longa!
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Sr. Clemente, muito obrigada por sua participação. Espero que, em outros eventos, possamos continuar tendo sua colaboração e que tudo siga bem até o aeroporto!
Vamos agora retornar a essa direção. Passo a palavra ao nosso colaborador que falou desde o início, fazendo a primeira exposição, o advogado especialista em Previdência Social da CONTAG, uma das organizações que mais têm sido citadas na reforma da Previdência.
O SR. EVANDRO JOSÉ MORELLO - Obrigado, Deputada.
Antes de entrar nas respostas aos questionamentos da Deputada Carmen, vou, inicialmente, fazer algumas considerações em relação ao que o Deputado Alexandre Padilha mencionou.
Quanto à questão da inconstitucionalidade, Deputado Padilha, se analisarmos o que diz o art. 1º da nossa Constituição, veremos que ele é muito claro quando diz que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Se formos ao art. 3º, veremos que ele diz que constituem objetivos da República Federativa do Brasil garantir uma sociedade livre, justa e solidária. Se formos ao art. 4º, ele fala que a República Federativa rege-se pelas relações internacionais e pelos princípios que enuncia, como o da prevalência dos direitos humanos. Se formos ao art. 6º da Constituição, que está dentro do rol dos direitos fundamentais, ele diz que um dos direitos basilares do nosso sistema é o acesso à aposentadoria.
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Ou seja, tudo que a PEC traz em seu pacote fere de morte esses objetivos, esses princípios, esses direitos fundamentais que a sociedade construiu com tanto esforço em 1988.
Há uma questão ainda maior, que me permitam mencionar para que seja discutida. Trago a observação — talvez não pelas mesmas razões — que o Ministro Luiz Fux trouxe dias atrás, quando disse que o atual Poder Legislativo não teria competência para fazer as mudanças propostas, porque seriam mudanças que só poderiam ser feitas pelo poder constituinte originário, e não pelo atual, derivado. É possível analisar isso quando se entende que esses direitos que estamos discutindo, em termos de proteção social e proteção previdenciária e assistencial, estão no rol de direitos e garantias fundamentais da sociedade brasileira. Realmente o poder constituinte não poderia alterar e fazer mudanças tão bruscas como as que estão sendo propostas aqui.
Tudo bem quanto a se fazer ajuste de regras num sistema, para moldá-lo. Mas desconstitucionalização, capitalização e um conjunto de pontos que já discutimos neste debate realmente são questões para que se argua a inconstitucionalidade dessa PEC. E há outras.
Em relação às questões levantadas pela Deputada Cármen Lúcia...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EVANDRO JOSÉ MORELLO - Desculpe-me. Eu falei do primeiro Ministro e estou fazendo referência à segunda Ministra. Desculpe-me, Deputada Carmen Zanotto. É que o Supremo não me sai da cabeça. (Risos.)
Quanto à questão do rural, nós entendemos que a previdência rural precisa passar por um processo de aperfeiçoamento naquilo que ela tem que ser aperfeiçoada na essência: os critérios de arrecadação e de financiamento, inclusive os que provêm da área rural.
Há um ponto da PEC com que nós concordamos, por incrível que pareça. Existe hoje uma imunidade dada aos exportadores de produtos rurais, aos agroexportadores, que não recolhem a contribuição que vai para a Seguridade Social. Isso ocorre muito tempo e está na Constituição, veio da Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Na exportação de produtos da área rural, as empresas exportadoras estariam desobrigadas de recolher a contribuição sobre eles para a Seguridade Social. Isso é uma distorção completa. Sempre usamos um parâmetro para dizer o seguinte: quando um agricultor familiar vende sua soja ou seu café, a empresa que compra e exporta esse produto não recolhe nem do agricultor, porque desconta dele, e nem da exportação, de que está desobrigada a recolher. Há que se aprimorar isso. É fundamental acabar com essa imunidade, que é uma renúncia clara.
Mas, ainda no caso da arrecadação na área rural, há muito o que aperfeiçoar. A previdência rural não se sustenta sem um sistema de Seguridade Social amplo e solidário como o temos hoje. Trabalhador rural nenhum vai ter capacidade de contribuir o suficiente para garantir o pagamento de benefício, pensando inclusive na capitalização que se quer propor. Acho que esse é um ponto.
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Agora, as regras de alterações de direitos que estão sendo propostas impactam por demais o acesso a esse benefício. Eu digo uma questão aqui que é crucial para o Congresso: podem retirar a discussão de previdência rural da PEC 6. A senhora bem falou: "O Centrão está fazendo uma discussão". Se retirarem essa discussão, mas mantiverem o que está na medida provisória, no ano que vem, 60% a 70% não conseguem acessar o benefício — só na MP 871! Estou chamando a atenção para essa medida provisória porque ela é perversa, é maléfica.
O Governo está pegando uma questão que ele nunca implementou. Pelo menos nos últimos 10 anos, vem se tentando fazer um cadastro dos segurados na área rural, mas agora o Governo quer exigir isso como regra exclusiva para reconhecimento de direito na área rural, quando ninguém está dentro dessa base de cadastro. As pessoas que vão requerer o benefício a partir do ano que vem não vão conseguir acessar, porque não estão ali dentro do sistema.
As entidades da sociedade civil, a CONTAG até se coloca à disposição para fazer um cadastro, porque nós defendemos isso. Mas o pior é que o Governo foi lá e simplesmente falou: "Nós não queremos. Vamos fazer isso com órgão público". Qual órgão público vai fazer isso? Com que recurso? Do Município? Os órgãos de assistência técnica dos Estados vão fazer esse cadastro? Eles hoje não têm recursos, não têm condições, não têm estrutura para atender o trabalhador ou o agricultor na sua demanda de assistência técnica. Então, isso é uma ilusão. Aquilo que o Governo está colocando hoje é um bode. Ele está, de certo modo, criando uma regra para dificultar o acesso ao benefício, não está mexendo nem na regra de aposentadoria, nada disso.
No que tange à PEC, ela é extremamente exclusiva do ponto de vista da proteção dos trabalhadores rurais. O critério da idade a senhora já bem mencionou. Para a trabalhadora rural, realmente são 12 horas, 14 horas durante o dia. A questão da contribuição mínima é muito complexa para a área rural em função de haver vários períodos — que não são meses, mas anos e anos — sem renda, porque a produção do campo está vinculada às questões climáticas muitas vezes. Quanto à questão da carência, de 15 anos para 20 anos de contribuição, além de o agricultor não ter renda, há a situação dos assalariados que conseguem ter um contrato de trabalho de 6 meses no máximo, durante 1 ano, e que terão de trabalhar 40 anos ou 50 anos e não vão conseguir ter acesso ao benefício.
Isso que eu digo tem que ser estendido para a área de trabalhadores da área urbana. Vejam os trabalhadores que hoje têm contratos intermitentes na atividade da construção civil ou que trabalham no comércio, onde conseguem, às vezes, ter um contrato assinado em alguns períodos do final de ano ou em alguma data comemorativa. Eles não se aposentam.
Aí caímos no critério do BPC. Apesar de tudo que estamos falando, seria bom se deixassem as regras do BPC nas condições que estão ainda mantidas hoje — de 65 anos para acesso a uma aposentadoria com salário mínimo —, que já seriam exclusivas pelo critério de um quarto do salário mínimo com renda per capita para acesso ao benefício. Mas eles estão endurecendo as regras do critério: a renda per capita hoje é qualquer tipo de renda aferida no grupo familiar, qualquer coisa. E, mais, cria-se o vínculo de um patrimônio de 98 mil reais. É difícil um negócio desses, é para excluir realmente todo mundo.
Nós estamos colocando algumas informações e alguns dados. Se for mantida essa proposta de reforma do que jeito que está — estou olhando o rural, o recorte é para o rural — vão ser de 2,5 milhões a 3 milhões de trabalhadores rurais que, nos próximos 10 anos, não vão conseguir acessar uma aposentadoria. E nós dissemos isso por quê? Porque quase 25% da população rural hoje está na faixa etária entre 45 anos a 55 anos, ou seja, prestes a se aposentar; e mais 22% estão na faixa etária entre 55 anos e 65 anos. Então, existe um pedaço desses trabalhadores que também estão na expectativa de uma aposentadoria.
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Nós avaliamos hoje que, nos próximos 10 a 15 anos, se fossem pelas regras atuais, 37% da população rural teria a perspectiva de conseguir o benefício de uma aposentadoria. Mas, caso se feche o panorama do jeito que está sendo proposto na PEC e na medida provisória, 60% desses 37% não vão conseguir esse benefício. Aí nós estamos falando de 2 milhões a 3 milhões de trabalhadores. O que, com isso, é tirado da economia do País, da circulação lá nos Municípios do interior? Em torno de 300 a 400 bilhões de reais nos próximos 10 anos. Esses são os dados.
Portanto, este é cenário sobre o qual nós estamos dizendo que, do jeito que está, não dá.
Eu acho que é isso.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Seguindo a ordem da mão direita, concedo a palavra ao Sr. Vicente Faleiros.
O SR. VICENTE FALEIROS - Sra. Presidente, em relação à questão do Deputado Padilha, o Evandro já respondeu com a Constituição.
No entanto, a proposta do regime de capitalização é totalmente inconstitucional porque fere todos os princípios da Constituição e o art. 195, que propõe a repartição e a solidariedade. Além disso, ela destrói a Seguridade Social, que é a saúde, a assistência e a Previdência, e, ao mexer no sistema contributivo, interfere nas condições de vida e na assistência social, que já é definida num conjunto de leis, como o Estatuto do Idoso e a Lei Orgânica da Assistência Social.
Tudo isto vai para o brejo: o que está regulamentado no Estatuto do Idoso, no BPC e também na Lei Orgânica da Assistência Social.
Em relação à questão da Deputada Carmen, o BPC foi uma regulamentação do art. 204 da Constituição. Eu trabalhei muito na redação da Lei Orgânica da Assistência Social, em cuja regulamentação a questão do teste de rendimento, o (ininteligível), um quarto de salário mínimo per capita, foi uma discussão sobre a extrema pobreza. Então, o BPC já dá acesso àquilo que a própria PEC Bolsonaro-Guedes chama de miserabilidade, a um quarto do salário mínimo.
17:03
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O BPC hoje atende aqueles idosos realmente em situação de extrema pobreza e é um aporte fundamental à economia familiar, porque é essa renda da pessoa idosa que sustenta o neto, que sustenta o desempregado, que arca com a doença e com a comida.
Eu acabei de orientar uma dissertação de mestrado sobre os idosos que recebem BPC e que estão internados no hospital da UnB, o HUB. Eles tiveram acesso ao BPC porque estão internados, mas o dinheiro é cobertor curto porque, se compra remédio, não compra comida. Então, o BPC para a família, para os idosos já é o mínimo de um salário mínimo. Para essas condições de profunda desigualdade que existem no Brasil, ele é uma condição de sobrevivência na situação de desemprego.
Como foi assinalado aqui pelo Clemente, os idosos "nem-nem", que nem trabalham nem têm acesso à Previdência Social, estão numa situação que vamos chamar de vulnerabilidade extrema. Então, o BPC é uma política fundamental, que precisa ser garantida no valor de um salário mínimo.
Os idosos de 60 anos a 64 anos que continuam no mercado de trabalho representam em torno, ainda, de 60% do total de idosos. A partir dos 65 anos, há realmente uma queda brutal da inserção do idoso no mercado de trabalho. E, aos 70 anos, já são pouquíssimos os que têm acesso ao mercado de trabalho.
A garantia da renda pelo BPC é uma questão fundamental, que Ulysses Guimarães chamou na Constituinte de "amparo". É uma palavra que tem origem religiosa, mas hoje é um direito. Então, estão mexendo no direito das pessoas idosas.
Eram essas as considerações que eu queria fazer em torno das duas questões.
O SR. FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO - Para não me repetir, eu vou falar do privilégio.
A questão tida como o grande mote da campanha da aprovação da PEC é o ataque ao privilégio. Ou seja, você, cidadão comum, vai agora melhorar...
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - É criar responsabilidade na desigualdade.
O SR. FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO - Isso. Exatamente.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Então, o que nós colocamos aqui na minha apresentação? O servidor público é realmente esse privilegiado que faz tanta diferença assim?
Aqui está a remuneração dos servidores do Executivo. Com certeza, nos Estados e Municípios, essa remuneração é bem menor, não tenham dúvida. Vamos aos números: 2% dos servidores federais ganham até 2 salários mínimos; 26%, de 2 a 4,5 salários mínimos; 22%, até 6,5 salários mínimos; 11%, até 8,5. Na realidade, talvez os privilegiados sejam 15% do quantitativo de servidores.
Portanto, se a definição do privilégio é ter um salário mais elevado, basta olhar para esses números e verificar que essa informação não é verdadeira. O Governo, na realidade, está se utilizando de um estratagema para arrumar um adversário, um inimigo, como foi feito na PEC 287. Nós viemos aqui e falamos quem vai sofrer na PEC 6, pois 75% da economia vêm do Regime Geral. Isso está escrito, isso não sou eu que estou dizendo. Na exposição de motivos, está muito claro que Regime Geral, BPC e PIS/PASEP darão de 750 bilhões de reais a 800 bilhões de reais em 1 trilhão de reais.
Na conta que foi encaminhada para esta Casa, estava dito que os militares iriam contribuir com 100 bilhões de reais. Mas me parece que, agora, a conta é de 10 bilhões de reais. E não temos certeza de que realmente haverá um decréscimo ou um acréscimo.
Portanto, essa pergunta realmente é importante: quem são os privilegiados apontados de verdade nessa discussão previdenciária? Eu acho que se trata de um caminho para tirar o foco da real situação da economia, pois me parece que os privilegiados são os sonegadores, os fraudadores, esses que têm acesso às isenções, às renúncias, às anistias, aos REFIS. Eu acho que esse pessoal não está sendo atacado com a PEC 6, e está se imputando a pecha de privilegiados a uma parte dos servidores públicos que têm o salário mais elevados.
Mas o Governo já resolveu esse problema: ele vai acabar com o serviço público. E isso é importante para o jovem, para aquele que está se formando e está pensando em vir para o serviço público, para as ocupações de melhores salários. O Governo deixou bem claro que, com exceção da diplomacia, advocacia e polícia, o resto praticamente está extinto, tamanha serão as dificuldades para o administrador fazer uma proposta de concurso público no Brasil. Isso está muito claro.
Aí vem a Medida Provisória nº 873, que retira a possibilidade de as entidades dos servidores públicos fazerem o debate, terem minimamente condição de se manter.
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - E a terceirização?
O SR. FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO - Isso já é a continuidade do Governo Temer e o aprofundamento dessa política.
Então, eu gostaria de chamar atenção para essa questão do privilégio.
Também foi falado do Ministro Fux. Eu estava no Rio de Janeiro, no debate da FGV, quando ele disse, com muita clareza, que há, sim, limites à atuação do Parlamento. Infelizmente, eu não acredito que tenhamos, lá do Judiciário, o socorro devido. Eu prefiro que, depois, ao final, não precise chegar ao Judiciário a avaliação da emenda que será resultado da PEC 6.
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Em linhas gerais, era essa a nossa fala em relação ao paradoxo que vivemos, no sentido de se vender a proposta como boa para a sociedade, quando ela não o é.
Vou citar um exemplo de como a mentira é praticada e de como temos que tomar muito cuidado com as informações. O Governo, para dar um exemplo de que a PEC 6 caminha na direção da justiça, disse: "Nós vamos reduzir a contribuição do Regime Geral, de quem ganha 1 salário mínimo, de 8% pra 7,5%". O que ele não diz? Que, em vez de 15 anos, o cidadão vai recolher por 20 anos. Eu fiz a conta (riso) dessa economia de alíquota: o trabalhador vai gastar a mais, nos 20 anos, cerca de 4 mil reais.
Dessa forma, não dá para se fazer uma discussão! Srs. Deputados, os senhores estão entrando no escuro. Não há um diagnóstico real e realista, não há projeções atuariais. Nós já cobramos isso de novo, Deputada, como cobramos na PEC 287. Mas o Governo não vai entregar isso para nós. Se entregar, vai ser em Power Point, uma planilha Excel, sem a mínima credibilidade. Não dá!
Conclamo esta Casa, a Casa do Povo: vamos fazer a reforma da Previdência — nós topamos! —, mas que seja uma reforma para aperfeiçoar e aprimorar, não para destruir, como é o caso da PEC 6.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. VICENTE FALEIROS - Já existe o FUNPRESP. A reforma para o servidor público já foi feita porque, no FUNPRESP, já existe a capitalização. Então, não é necessário mexer nisso, porque já foi feito.
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Tem a palavra o Evandro.
O SR. EVANDRO JOSÉ MORELLO - Eu peço permissão para fazer um complemento sobre a própria fala da Deputada Lídice que trata das emendas a essa PEC.
Nós temos nos debruçados sobre a estrutura da PEC, que traz regras de mudança do próprio texto, regras de transição e regras das disposições transitórias. São três tipos de regras. Trabalhar propostas de emendas de texto, de ajustes de texto é quase impossível — não vou dizer que é impossível. Vai ter que se pensar isso por regra de exclusão. Não é fácil, porque é uma PEC extremamente amarrada.
Os segurados do Regime Próprio e do Regime Geral têm regras amarradas no texto, nas regras transitórias e nas regras de transição. Isso cria uma dificuldade enorme para trabalhar uma base de consenso e de construção de texto, para saber o que pode ser aproveitado e colocado em votação.
Isso é só uma observação. Para ver se a coisa flui, o ideal é ser apresentado um novo projeto, com uma vertente mais compactuada com a sociedade e que realmente atenda aquilo em que o próprio Governo tem interesse e aquilo em que a sociedade também tem interesse.
É isso.
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O SR. FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO - Evandro, eu não poderia deixar de quantificar, porque temos os números e fizemos a conta: para arrumar essa PEC, seria preciso apresentar 37 emendas. Mas o Parlamento não tem autorização para fazer 37 emendas. Pela conta que eu fiz, contando as emendas da Oposição, de cada partido e de cada bloco, não conseguimos esse número. Nem que o Parlamento quisesse arrumar essa PEC, ele teria autorização legislativa para encaminhar essas emendas.
Então, não vejo outra saída a não ser encaminhar contra a PEC 6.
A SRA. PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Agradeço a presença de todos, dos representantes das entidades da pessoa idosa, que têm demonstrado enorme interesse nesse debate.
Esse não será o único nem o último debate que realizaremos sobre a questão. Tenho recebido apelo até para fazermos uma discussão só sobre as pensões. Mas tentaremos abordar todas as questões desse assunto que vierem dentro do prazo.
Como já se iniciou a Ordem do Dia, não há mais Deputados para fazerem questionamentos, e o nosso Regimento determina, eu agradeço a presença de todos e declaro encerrada esta audiência pública.
Obrigada. (Palmas.)
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