Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Senhoras e senhores, boa tarde!
Declaro aberta a 12ª Reunião da Comissão Externa destinada a fazer o acompanhamento e fiscalizar as barragens existentes no Brasil e, em especial, acompanhar as investigações relacionadas ao rompimento em Brumadinho.
(O Plenário presta a homenagem solicitada.)
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - Peço dispensa da leitura, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Atendendo o requerimento do Deputado Rogério Correia, fica dispensada a leitura da ata.
Agradeço a presença de cada um dos senhores — imprensa, Consultoria Legislativa, Taquigrafia, assessores dos gabinetes dos Parlamentares.
Recebemos o Documento nº 6, de 2019, da empresa Vale, referente ao laudo de estabilidade das Barragens B3 e B4 da Mina Mar Azul, no Distrito de Macacos, em Nova Lima.
No transcorrer dos nossos trabalhos, eu vou pedir ao Relator Júlio Delgado que faça a leitura desse documento, já que isso é uma grande expectativa nossa e também da comunidade.
Eu estive representando esta Comissão em uma audiência pública da Assembleia Legislativa. O Deputado Rogério Correia visitou aquela comunidade, assim como os Deputados André Janones e Fred Costa. Isso foi o que nós soubemos.
Recebemos também o Documento nº 7, de 2019, da empresa Vale, referente a novos laudos da Barragem de Brumadinho; e o Documento nº 8, de 2019, da empresa Vale, referente a informações sobre os tipos de materiais depositados nas barragens de rejeitos sob sua responsabilidade e sobre os impactos ambientais e sociais das populações situadas nas áreas de sua influência e risco, assim como o relatório de sustentabilidade.
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Quando nós recebemos essa documentação, eu queria que ela fosse o mais transparente possível, mas ela estava com uma indicação de confidencialidade. Imediatamente, mesmo eu não estando aqui e sem conhecer o seu conteúdo, a Assessoria da Comissão contatou a Consultoria Jurídica da Secretaria-Geral da Mesa, que consultou formalmente a Vale, porque há documentos que, às vezes, são confidenciais para os Parlamentares, e eu não quis tomar conhecimento enquanto não soubesse se os documentos eram ou não de ordem pública.
Por isso, já foi definido juridicamente que os documentos são públicos. Então, eles estarão disponíveis para todos nós, a partir de hoje, Deputado Lucas, nos documentos da Comissão.
Ofício nº 130, de 2019, do Ministério Público Federal, que encaminha a esta Comissão as Recomendações nºs 1, 2 e 3, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, enviadas à Agência Nacional de Mineração, ao IBAMA — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Também foi fruto de um requerimento desta Comissão, e nós já o recebemos.
Ofícios nºs 06 e 07, de 2019, da PGR — Procuradoria-Geral da República, que encaminham a esta Comissão o artigo Lamento Mineral, de autoria do Dr. Edmundo Antonio Dias Netto Junior, Procurador da República em Minas Gerais e integrante da Força-Tarefa de Brumadinho, do Ministério Público Federal.
Ofício nº 59, de 2019, do Presidente da Câmara Municipal de Brumadinho, que comunica que, em razão dos compromissos inadiáveis assumidos anteriormente e do cenário da cidade, ele não pôde comparecer a esta audiência e não poderá comparecer à audiência de amanhã. No mesmo sentido, o e-mail nº 177, de 2019, do Chefe de Gabinete do Ministro do Meio Ambiente, comunica que, em razão de compromissos da agenda ministerial, o Ministro também não poderia comparecer ao debate público que se realizou em Congonhas na última sexta-feira.
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - Sr. Presidente, esses documentos estão todos à nossa disposição?
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Sim, todos. E o Relator também fará a leitura deles aqui no transcorrer da nossa audiência pública.
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - De todos ou somente do referente ao Distrito de Macacos?
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - De todos.
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - O segundo...
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - O segundo é o da Vale, referente a novos laudos da Barragem de Brumadinho. O primeiro é do Distrito de Macacos, os laudos de estabilidade das Barragens B3 e B4, da Mina de Mar Azul, e os outros são novos laudos.
Até em virtude de estarmos no início da audiência, eu vou aguardar a presença de mais Parlamentares para que seja feita a leitura.
Dando prosseguimento à nossa audiência pública, primeiro eu quero aqui cumprimentar a Deputada Flávia Morais. Ontem, nós realizamos um debate público na Capital goiana, Goiânia, na Assembleia Legislativa, em que estiveram presentes o Deputado Júlio Delgado, Relator desta Comissão, o Deputado André Janones e o Deputado Jose Mario Schreiner, todos prestigiando a Deputada Flávia Morais.
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Goiás é o terceiro Estado da Federação na importância do PIB em relação à mineração brasileira, mas só depois do desastre de Brumadinho que o Governador fez questão de nos receber ontem. Por meio da Secretaria do Meio Ambiente, ele fez todo um planejamento, uma força-tarefa, junto com a Defesa Civil, a Polícia Militar Ambiental e o Ministério Público, mas não havia uma linha escrita sobre o regramento das barragens.
Lá existem 9 mil barragens de múltiplos usos, e a Agência Nacional de Mineração tem a obrigação de monitorar 10 barragens. A Agência tem estrutura na Capital goiana, mas não há um técnico habilitado para fazer a fiscalização, sendo necessário deslocar esse técnico do Distrito Federal. Isso mostra que, além de os Estados não estarem preparados, o Governo Federal também não se preparou para fazer a fiscalização. Dez barragens obrigatoriamente têm de ter fiscalização da Agência Nacional de Mineração.
Lá estiveram presentes diversas lideranças, especialmente a Universidade Federal de Goiás, o campus de Catalão. O que piora ainda mais o cenário é que em 2004 já houve o rompimento de uma barragem que afetou fortemente um rio e acabou com a vida desse rio, cujo nome não me recordo neste momento.
Depois da audiência pública que nós fizemos em Congonhas na sexta-feira, vemos com clareza que é preciso haver um novo sistema, um novo modelo de mineração.
A Assembleia Legislativa de Goiás preparou toda a Taquigrafia e está preparando o nosso debate público, feito com uma parceria. Eles mandaram como proposta um projeto de lei que já está tramitando e cria um Programa Estadual de Segurança e Eficiência de Barragens, encaminhado pelo Poder Executivo, e um Programa Estadual de Segurança de Barragens, preparado pela Assembleia Legislativa. Essa é a contribuição que eles estão nos repassando.
Em relação ao que conversamos ontem com o Governador, também procurou os Deputados mineiros da Comissão o Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais. Ele contratou um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais que mostra o impacto na economia mineira.
No cenário atual, haverá uma redução de 7,3% no PIB de Minas Gerais e de 16,7% no PIB industrial. Segundo a reunião que eles tiveram com o Governador Romeu Zema e sua equipe, Minas estava prevendo um crescimento do PIB de 3,5% e vai reduzir para 0,8% — para se ver o quanto é crítico.
O SR. LUCAS GONZALEZ (NOVO - MG) - Só para esclarecer, o estudo foi feito pela UFMG?
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Foi feito pela UFMG junto com a Federação da Indústria. São 851 mil empregos. Esses dados serão públicos depois desta audiência.
Dando prosseguimento à nossa audiência, informo que nós vamos dividi-la em dois blocos. São seis expositores, a quem agradeço carinhosamente a presença.
Nós vamos ouvir primeiro três, depois os outros três para cada um fazer as suas exposições. Enquanto isso os Parlamentares vão se inscrevendo junto à mesa.
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Na ordem, conforme está no convite, convido para tomarem assento à mesa os seguintes convidados: Pe. Renê Lopes, da Paróquia de Brumadinho; Winston Caetano de Souza, Presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba; e Warley Ferreira Costa Braune, Representante dos Atingidos pela Barragem da Companhia Siderúrgica Nacional.
O Warley esteve conosco, ajudou a preparar e a organizar o debate público na cidade de Congonhas, na última sexta-feira. Obrigado, Warley.
Agradeço a presença de cada um e esclareço que esta audiência pública cumpre decisão do colegiado desta Comissão, em atendimento ao Requerimento nº 2, de 2019, da Deputada Áurea Carolina, e ao Requerimento nº 10, de 2019, de minha autoria.
Tema de hoje: Impacto sobre as comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de rejeito em Brumadinho/MG.
Para o melhor andamento dos trabalhos, esclareço que adotaremos os seguintes procedimentos regimentais: o tempo concedido aos nossos palestrantes será de 15 minutos, prorrogáveis a juízo da Comissão, não podendo haver apartes. Os Deputados interessados em interpelar os palestrantes deverão se inscrever previamente na mesa de apoio. As perguntas deverão restringir-se ao assunto da exposição e ser formuladas no prazo de 3 minutos, dispondo os palestrantes de igual tempo para as respostas. E serão facultadas ainda a réplica e a tréplica pelo prazo de 3 minutos.
Antes de passar a palavra para os convidados, comunico que a Comissão realizará os seguintes eventos: visita técnica às Barragens de Água Fria e A1, em Oriximiná, no Pará, no dia 29 de março, às 10 horas, na próxima sexta-feira; visita técnica na Barragem da Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará, no dia 30 de março, às 9 horas.
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Eu sou o Pe. Renê Lopes, sou pároco da Paróquia São Sebastião, que está no centro de Brumadinho, onde 80% dos brumadienses atingidos eram paroquianos assíduos na nossa Paróquia, lideranças comunitárias, de pastorais, etc.
Eu estou em Brumadinho há 7 anos e à frente dos trabalhos pastorais. Nos últimos 3 anos, assumi pela Arquidiocese de Belo Horizonte o trabalho pastoral no Vale do Paraopeba, compreendendo 8 Municípios na nossa organização eclesial. Então, eu posso aqui tentar dizer com muita segurança, pela experiência desses 7 anos, o que significa o rompimento da barragem em Brumadinho.
Primeiro, quando tudo isso aconteceu, a nossa primeira atitude, enquanto Arquidiocese de Belo Horizonte, em consonância com o nosso Arcebispo Dom Walmor, foi a de compreender qual é o nosso papel de Igreja. Uma vez que nós compreendemos e nós não podemos perder o nosso foco em definir qual é o nosso papel, começamos a nossa atuação. Então, o nosso papel, enquanto Igreja, é, foi e sempre será o de estar ao lado, dando apoio aos que foram atingidos e atendendo todas as necessidades. E, diga-se de passagem, no primeiro momento, a população de Brumadinho recorre à Paróquia São Sebastião, ao Pe. Renê, à Arquidiocese, e o nosso trabalho foi, nesse primeiro momento, dar toda atenção e tentar dar encaminhamento àquelas primeiras situações.
Estamos em constante contato com todos os órgãos públicos, organizações, movimentos sociais, coletivos e articulações envolvidas nesse processo. Vamos continuar conectados com todos aqueles que podem de alguma forma ajudar e defender nossas comunidades. Portanto, diante desse papel, nós temos caminhado por muitos ambientes, seja o ambiente da família que chora, da família que é difícil consolar, se é que tem consolo, seja o ambiente de discussão como este no qual agora estamos, entre tantas outras frentes.
Entendemos que o protagonismo do processo de resolução desse conflito é das comunidades. Isso precisa ser respeitado. Essa é a bandeira que nós defendemos. Quem precisa, quem necessita ser protagonista das resoluções e encaminhamentos é a população atingida, para que ela, assim sendo, não se torne massa de manobra na mão daquele que tem o poder, daquele que acha que tem o poder.
Quem não pisou, quem não foi, quem não pisou na lama, não sentiu aquela lama, não tem poder de decidir nada. Digo ainda: muitos sobrevoam o Córrego do Feijão, muitos sobrevoam a lama, mas poucos pisam naquela lama.
Nós estávamos lá, estávamos nessas comunidades antes do rompimento, durante o rompimento, e estaremos por muitos anos após essa desgraça acontecida em Brumadinho.
Há muitas coisas que precisam ser melhoradas. Temos que chegar a comunidades que ainda não chegamos e criar laços mais profundos com quem ainda não criamos. Ninguém está preparado para um crime dessa natureza e proporção. Quem está preparado para o rompimento de uma barragem nessas proporções como foi em Fundão, como foi em Brumadinho?
Onde será a próxima? Eu espero que não existam próximas.
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Portanto, temos que nos esforçar o máximo possível para atender as demandas dos atingidos. Aqui, a nossa preocupação é: os atingidos.
A Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio da Paróquia São Sebastião, de Brumadinho, possui dois pontos de atendimento aos atingidos para as suas diversas necessidades: um se encontra na sede do Município, e o outro se encontra no Distrito de Aranha, no Município de Brumadinho. Nesses dois pontos, fazemos acolhida, triagem das famílias, dando encaminhamento para o apoio psicológico, jurídico, emergencial, social e espiritual. Mais de 1.500 famílias já foram atendidas por esse nosso núcleo de atendimento. Temos acompanhado, realizando visitas às famílias que perderam seus entes, além disso, perdemos muitos leigos atuantes em nossa Paróquia. Todas as nossas pastorais sofreram com perdas irreparáveis. É difícil para nós ter também de retornar as nossas atividades religiosas, seja enquanto Paróquia São Sebastião, seja enquanto Igreja Batista do Pr. João e do Pr. Amadeus.
Enfim, não tem sido fácil também retomar nossos trabalhos de dimensão espiritual, uma vez que o nosso povo está desestruturado, está abatido. É difícil para nós retornarmos isso.
Por isso, aqui destaco alguns pontos importantes desse crime ambiental. Os impactos relevantes: há pessoas que perderam seus familiares. Esse é o primeiro impacto irreparável. Quem tem a capacidade de trazer a vida de alguém de volta? Qual indenização é cabível para uma vida que se perdeu? Qual é o valor de uma vida? Esse é o primeiro impacto. E talvez esse seja o impacto que pouco tem se falado, claro que com segmentos próprios, mas o impacto de ver famílias que vão construir a sua história com uma lacuna muito grande.
No último domingo, uma senhora me procurou após a missa das 19h30min, uma paroquiana nossa, e ela perdeu a filha e o genro que deixaram filhos gêmeos e, no último domingo, eles completaram 1 ano. Como essas as crianças irão crescer? Qual indenização será suficiente para poder completar, fechar essa lacuna e essa ferida?
Portanto, a Vale tem tecnologia suficiente para fazer exploração de minério em diversas realidades geográficas, etc. Por isso, pedimos, insistimos, que não parem as buscas por aqueles que ainda não foram encontrados, porque é preciso respeitar um ciclo social e, sobretudo, espiritual, mesmo daquele que seja fragmento de corpo, de poder fazer o seu sepultamento, dar a sua dignidade e ter um conforto no seu coração, dar condições, então, para que os trabalhos do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais e todas as outras frentes de trabalho possam continuar nas buscas, seja por um mínimo de resto que exista de alguém, um resto que para a Vale não tem valor, mas para aquela mãe que chora tem um valor inestimável.
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Nós, enquanto Igreja viva, não vamos negligenciar as necessidades do nosso povo. Por isso aqui estamos. Por isso aceitei esse convite de poder fazer voz para aqueles que, muitas vezes, não têm voz.
Outro ponto é que há pessoas que perderam o trabalho, horta, trabalho comunitário, sustento de família, geração de emprego, e, hoje, vêm até nós, senhores, com vergonha, pedir uma cesta básica nesses dois primeiros meses. Pessoas que tinham seu sustento no trabalho de uma horta comunitária — aquele que colhe hoje, recebe hoje, e já gasta hoje — estão paradas e precisam de alimento. Essas pessoas, com vergonha, nos procuram.
Há pessoas que perderam o rio que alimentava as plantações, as tradições e os costumes locais. No dia do rompimento da barragem, alguns índios pataxós nos relataram que queriam se jogar no rio, pois não haviam compreendido o que de fato estava acontecendo. Os anciãos da aldeia choram, dia e noite, pelo Rio Paraopeba que morreu — o Rio Paraopeba que morreu. Por isso, os pataxós perderam tudo.
Não seria a morte de um rio, já que não se olha tanto para a pessoa humana, crime suficiente para poder condenar quem precisa ser condenado e aplicar uma justiça que seja justa para as desgraças cometidas?
Há muita gente que perdeu a tranquilidade. É o caso de um senhor lá do Parque da Cachoeira que acorda de madrugada com o barulho do seu freezer pensando ser o alerta de uma sirene e preocupado com as crianças. Esse senhor também perdeu tudo. As pessoas estão em pânico.
Há também gente que perdeu a segurança das informações, e isso é algo gravíssimo. Esta Casa tem tudo para poder lhes dar a dignidade. Há gente que perdeu a segurança das informações e ganhou a incerteza. Por isso, tudo perdeu... Ora se fala isso, ora se fala aquilo. Precisamos da segurança das informações. É o caso de uma senhora lá do Córrego do Feijão que nos perguntou — prestem atenção, é um caso bobo, banal, simples, mas de uma reflexão profunda — assim: "Padre, estou bebendo e cozinhando com água mineral das doações, mas não tenho água mineral para a minha vaca. Estou dando água do poço, que, possivelmente, está contaminada, mas estou bebendo leite da minha vaca. Será que tem problema?" Alguém vai lá responder o problema da vaquinha da senhora? "Ah, que coisa boba, padre, o senhor dizer isso aqui." É, mas talvez os senhores não saibam a importância de uma vaquinha na vida de quem não tem nada.
Há muita gente que perdeu a vontade de brincar e, por isso, perdeu tudo. É o caso das crianças da Comunidade dos Pires. Sempre quando vamos a audiências em Belo Horizonte, elas nos perguntam se lá também tem barragem. Crianças da catequese, das escolas, que, graças a Deus, têm uma proximidade muito grande, me perguntam: "Padre, tem mais barragem para arrebentar?" É a expressão dessas crianças da catequese, crianças das escolas que acompanhamos, frequentamos.
É o caso também das comunidades quilombolas de Marinho, Sapé, Rodrigues, Ribeirão, comunidades da zona rural.
Há poucas semanas um senhor faleceu a caminho do hospital porque a estrada estava ainda interditada. Nós temos o Município de Brumadinho com uma população estimada de 39 mil habitantes, mas com uma geografia maior do que a cidade de Belo Horizonte. E ela está dividida por causa de um crime: outro dia um senhor morreu por falta de assistência.
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Enfim, para não tomar mais o tempo dos senhores, tão precioso, eu ainda ressalto dizendo: de tudo, só não vamos incriminar Deus; de tudo, só não vamos condenar Deus, dizendo: "Foi Deus que quis". Jamais. Deus faz tudo, Srs. Deputados, perfeito, mas, quando o homem põe a mão, pode-se esperar uma desgraça. Quando o homem põe a mão, quando se distancia de princípios, de valores, da ética e da moral, coisa boa não virá.
O que nós assistimos em Brumadinho é justamente uma ganância, um poder, um querer, um ter, que leva de Brumadinho toda uma riqueza refinada, apurada nos trens que vão para fora do País e deixa em Brumadinho um lixo que vai sendo acumulado em barragens. E agora somos nós que temos que resolver o problema do lixo deixado na nossa cidade.
Portanto, gostaria de falar e partilhar muitas outras coisas, mas fica aqui a minha voz pela voz do nosso povo brumadiense, dizendo que, infelizmente, só agora nós descobrimos que, antes do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, nós já éramos uma comunidade atingida. Todavia, nós não tínhamos nos despertado para a gravidade. Congonhas e tantas outras já são cidades atingidas, porque lá está o lixo de uma riqueza que já foi levada para fora. E o retorno é mínimo.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Pe. Renê, muito obrigado por nos ajudar no objetivo principal desta Comissão: dar voz a essas pessoas.
Por onde nós caminhamos, não só em Minas, nós vimos que o sistema de colapso aconteceu em Brumadinho, mas que o Brasil inteiro está correndo esse risco. Inclusive ontem um dos pontos muito fortes foi que, nas cidades de Niquelândia e Minaçu, em Goiás, estão indo embora, deixando 500 hectares de lixo. A riqueza já foi embora, como o senhor disse. Está aqui o Zé, o Deputado que estava presente ontem lá também.
Eu me preparei para falar alguma coisa sobre os atingidos. Depois da fala do padre — parabéns, padre! —, que explicitou tão bem o que está acontecendo na área social com a comunidade de Brumadinho, eu gostaria de passar aqui algumas peculiaridades e realidades da Bacia do Rio Paraopeba da qual, neste momento, eu estou como presidente do comitê.
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Só para se ter ideia, nós estamos terminando o plano diretor da Bacia do Rio Paraopeba. Não se sabe ainda por que até hoje uma das bacias mais importantes do Estado de Minas Gerais até então não tem um plano diretor concluído, enquanto outras bacias bem menores já têm esse plano diretor. Isso é em decorrência de várias coisas que vieram acontecendo no nosso Governo nas últimas administrações.
A Bacia do Paraopeba tem uma previsão de arrecadação, sendo implantada agora a cobrança, acima de 30 milhões anuais. Acredito que é uma arrecadação até maior do que de toda a Bacia do Rio São Francisco, que é o rio da integração nacional.
É uma bacia com 13.642 quilômetros quadrados, 537 quilômetros de extensão do Rio Paraopeba. É uma bacia que abrange 48 Municípios, sendo 35 deles com sede urbana na bacia. É o principal manancial doador de águas para a região da Grande BH. Portanto, ela abastece a parte mais populosa da Bacia do Rio das Velhas, incluindo Belo Horizonte e, é claro, todos os Municípios da própria bacia. Tem a maior outorga de Minas Gerais, que está na Sub-bacia do Rio Manso. É uma outorga de capitação da COPASA, que também cede essa água para a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
E, como alerta, acima do ponto de capitação, na Serra dos Três Irmãos, há várias barragens de rejeitos construídas no processo de montante, que é o mesmo processo da Barragem de Brumadinho e da Barragem de Fundão, em Mariana.
Os setores produtivos na bacia são bem diversificados, desde a agricultura familiar até indústrias pesadas, como a FIAT e seus inúmeros fornecedores, a Petroquímica REGAP — PETROBRAS. Em Sete Lagoas, há várias indústrias de gusa. Na parte baixa do Paraopeba, há muita piscicultura.
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Uma das peculiaridades da Bacia do Rio Paraopeba é que ela tem a maior concentração de oxigênio dissolvido entre todos os rios do Brasil, chegando ao máximo de solubilidade, pelas condições físicas e químicas que a natureza oferece. Isso, para nós, é um fator muito importante agora que vai se iniciar a recuperação dos impactos ambientais na bacia.
O Rio Paraopeba tinha a maior diversidade de ictiofauna em Minas Gerais. Agora, com essa mortandade de peixes, nós sabemos que isso já não existe mais. A situação atual da bacia, após essa estúpida recarga de rejeitos da Vale, é tão impressionante que todos nós, com certeza, aprenderemos com a permanente avaliação dos resultados e o monitoramento sistemático da flora, da fauna e da água.
Então, nós temos muito a aprender nos próximos 20 anos, inclusive em relação à saúde humana, com o que poderá acontecer e, com certeza, com o que já aconteceu em Mariana, no Rio Doce. Este é o momento de se ter cuidado com a proliferação das doenças, principalmente através dos mosquitos. Isso também deve ser visto com muita atenção para esse próximo período.
Ontem, saiu uma avaliação do IGAM — Instituto Mineiro de Gestão das Águas em relação às cortinas colocadas pela Vale para conter o carreamento desses sedimentos. Apesar de o rompimento ter completado 60 dias ontem, essa ação dentro da calha do rio é uma das únicas soluções tomadas até agora pela Vale. E não está surtindo praticamente efeito nenhum, tanto que os rejeitos já estão na Barragem de Retiro Baixo, no Baixo Paraopeba.
Um relatório não oficial da Fundação SOS Mata Atlântica fala que os finos já estão atravessando as turbinas da usina, que não sabemos por determinação de quem, se da ANA ou se da ANEEL, estão funcionando a todo vapor com os sedimentos já dentro da represa. Essa é uma preocupação do Comitê do Rio São Francisco — o Sr. Nivaldo foi convidado para vir, mas ele me telefonou agora mesmo e disse que, devido a outros compromissos, não pôde comparecer —, como também do Comitê do Entorno da Represa de Três Marias, porque a maior produção de peixes em tanque e rede está dentro de Três Marias, Morada Nova de Minas e outras cidades da região.
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E os moradores dessa região já estão tendo um prejuízo imensurável, que ainda não foi contabilizado pela Vale, em função das notícias que saem de que o peixe já está contaminado. Mesmo não estando — sabemos disso oficialmente —, para a grande população, por causa das fake news, isso já ocorre. Então, já está tendo um prejuízo muito grande aquela região do Baixo Paraopeba e do entorno de Três Marias em função dessas notícias. Há uma preocupação muito grande, de todo o comitê, em relação a isso.
O monitoramento do IGAM está sendo feito diariamente através da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais — CPRM, de pontos de captação do IGAM e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais — COPASA. Agora passou a ser feito de uma a duas vezes por semana. Mas o que se está fazendo até então é exatamente o monitoramento. Nós não vemos nenhuma ação, a não ser essas cortinas que foram colocadas pela própria empresa. Recentemente elas foram avaliadas pelo IGAM, e o resultado é que não estão surtindo efeito.
Então, 60 dias após o rompimento, essa é a situação da calha do Rio Paraopeba e, consequentemente, de toda a bacia. Apesar de ser uma bacia dessa importância, como mostram esses dados que foram fornecidos aqui por mim ainda há pouco, está passando por essa situação.
Eu tenho participado das reuniões para tratar da ação cível do Estado que tem como ré a empresa. Neste primeiro momento — e não deveria ser diferente, como o próprio padre falou —, temos que nos preocupar com os impactos humanos, com os impactos das vidas que se perderam e que estão se perdendo, com as histórias de vida e as dificuldades que aqueles moradores da bacia a jusante do rompimento estão passando.
Mas a bacia também é vida. Nós sabemos disso desde os primórdios da nossa história. É no Rio Nilo e em todos os rios que se encontram as populações, as comunidades. É ali que há crescimento econômico. E a nossa bacia continua nessa situação.
Até então, sabe-se que a Vale alugou uma fazenda, para onde está transportando animais que são recolhidos em condições difíceis, mas não se sabe mais quem tem acesso a essa fazenda. Sabe-se também que o Instituto Estadual de Florestas — IEF, através de sua equipe, está fazendo monitoramento da fauna e da flora.
Uma coisa que faz com que nós integrantes de comitês de bacia fiquemos muito tristes é o desrespeito que se tem a um órgão paraestatal criado por lei que deveria ser protagonista numa situação dessas, porque é o comitê que está próximo às Prefeituras, às comunidades ribeirinhas, como a comunidade quilombola que há no Baixo Paraopeba; é o comitê que está junto com a população, com os pescadores.
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Uma das primeiras preocupações do Comitê da Bacia do Rio Paraopeba, juntamente com o Comitê do Rio São Francisco e o Comitê do Rio das Velhas, foi oficializar perante os órgãos, o Governador Romeu Zema, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado, o pedido de que o comitê estivesse presente, participando das decisões que seriam tomadas. Mas, até o momento, o comitê está totalmente fora dessas negociações e dessas decisões que deveriam ter sido tomadas. Inclusive, tínhamos preocupação desde a primeira semana com esses rejeitos, com essa bruma que estava descendo rio abaixo até a Bacia do Rio São Francisco, prejudicando todos que estão dentro dela.
Recentemente foi criado pelo Governo um comitê gestor no qual estão todas as chefias do Estado. O comitê foi convidado a se inserir, mas sem participação. Também estamos pedindo que tenhamos participação no termo de ajuste preliminar feito pelo Ministério Público. Agora vamos tentar participar, até como amicus curiae, desse processo, mas o comitê continua de fora.
Mesmo a construção do plano diretor, que era para ter sido entregue no dia 30 — o rompimento da barragem aconteceu no dia 25 —, está sendo paralisada, e está-se programando fazer um caderno extra, já com o enquadramento das águas de toda a bacia do rio.
Era isso que eu queria deixar aqui. Muitos senhores aqui, inclusive o Sr. José Silva, já participaram de comitês de bacia e sabem que, num comitê, mesmo sendo ele criado por leis, somos voluntários no trabalho, principalmente nós da sociedade civil, que às vezes vamos até lá nos bancando com nossos próprios recursos, para participar e fazer o esforço de estar junto da recuperação de tudo que há na bacia. E, num momento desses, o comitê acaba ficando de fora. Eu e todos nós que estamos nessa lida nos comitês de bacia — faço parte do Fórum Mineiro de Comitês e do Fórum Nacional — vemos o descuido que há, principalmente por parte das autoridades, em relação ao papel de protagonismo que tem o comitê de bacia e também à importância que tem uma bacia no nosso planeta e na nossa vida. Todos nós sabemos que, sem água, ninguém tem como chegar a lugar nenhum.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Sr. Winston. Muito bem!
Acho que é fundamental a participação dos comitês de bacia.
Esse modelo de gestão é adotado não só no Brasil, mas também na Europa — na França, principalmente — e no mundo inteiro. Eu já fui Presidente de comitês de bacia também, e esse é o modelo de gestão com participação e controle social mais moderno que existe. Então, fica registrado que a Comissão tomará as medidas que forem necessárias.
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Quero agradecer carinhosamente ao Warley Ferreira Costa Braune, que, junto com o Deputado Padre João, que foi autor do requerimento, ajudou a organizar o debate público em Congonhas. Ele vai nos contar o transtorno — nem sei o adjetivo que ele vai utilizar — por que está passando aquela comunidade, transtorno que se intensificou muito depois que nós saímos.
Dois bairros ficam abaixo da Barragem Casa de Pedra. Da parte técnica da barragem eu não tenho condição de falar, não tenho conhecimento. Estou aqui para falar pela população. A nossa luta com a questão da barragem já vem há mais tempo, é de antes do acidente de Mariana. Havia os problemas com a poeira, com a falta de informação por parte da empresa. Já temos um grupo que vem se reunindo e discutindo há muito tempo essa questão da barragem. Em uma assembleia para discutir esse assunto em Belo Horizonte, houve participação de alguns moradores de Mariana, e comentamos que, se o pessoal daquela cidade tivesse tido a oportunidade de formar um grupo e discutir antes, talvez esse crime não tivesse acontecido.
Casa de Pedra é um complexo de dez barragens, e a maior delas, que tem 50 milhões de metros cúbicos, é a jusante. Minha casa fica a aproximadamente 200 metros dessa barragem. Muitas pessoas acham que, por se tratar de uma barragem a jusante e por ter havido só um acidente na história do Brasil, até hoje, com barragem a jusante, nós estamos alarmando o povo.
Em 2003, o nosso grande amigo Hélvio Vitareli, já falecido, fez uma representação, por meio da ONG Gota d'Água, à Promotoria relatando o que pareciam ser graves problemas de inconformidade na estrutura da Barragem Casa de Pedra. Diante das informações, o Dr. Vinícius, o promotor que nesses anos todos de caminhada e de luta tem acompanhado as comunidades, determinou a realização de estudo na barragem para averiguar essa denúncia que foi feita pelo Hélvio Vitareli.
O promotor chamou uma das maiores peritas em barragem do Brasil, a Marta, como acho que é de conhecimento de vocês. Ela fez esses estudos na barragem e constatou problemas estruturais. Se esses problemas não tivessem sido resolvidos na Barragem Casa de Pedra, que fica em Congonhas, já teria acontecido um acidente bem antes do desastre de Mariana. Com a ajuda da comunidade e do Ministério Público, que autuou a empresa — ela foi multada em 1,5 milhão de reais —, conseguimos essa vitória. Mesmo assim, não conseguimos dormir. Discutimos, fazemos reuniões com a comunidade, cobramos da empresa. Quero lhes deixar bem claro que até hoje, passados esses anos todos, a comunidade não tem informação sobre a barragem. Em 2017, a barragem apresentou outro problema, este de infiltração no maciço. O promotor pediu à Marta que fizesse uma nova averiguação na barragem, e novamente foram constatados problemas. Se não fossem resolvidos, a barragem ia estourar.
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A luta do Bairro Residencial Gualter Monteiro, onde eu moro, e do Bairro Cristo Rei, já tem muitos anos. Eu até comentei com o Deputado Padre João que já somos atingidos há muitos anos, porque não dormimos, sobretudo depois do acidente de Brumadinho. É muito difícil ver seu bairro acabar. O bairro onde moro não é de classe alta; é um bairro de pessoas mais humildes. Vemos moradores que não têm condição financeira se sacrificarem para pagar aluguel em outro bairro pelo medo de a barragem cair, porque não recebem informação. Vemos senhoras de 87 anos, de 70 anos de idade, que lutaram muito durante a vida e agora estão na fase de descansar, não conseguirem dormir à noite. Por qualquer barulho — por lá passa uma linha de trem — elas acordam e ficam a noite toda vigiando a barragem.
Todas as vezes que nos movimentamos na cidade, foi falado que éramos alarmistas, que estávamos querendo colocar medo na população. Até por algumas autoridades da cidade, infelizmente, já fomos acusados disso, junto com o promotor. Mas foram feitos estudos e se viu que a comunidade e o promotor estavam certos.
Depois desse acidente em Brumadinho, a população está mais alvoroçada, não consegue dormir. Não vemos alternativa. O pessoal me procurou após o acidente de Brumadinho perguntando: "Como nós vamos fazer? Não há condição de morar aqui mais!" A barragem de Brumadinho estava segura, mas olhem o que aconteceu. O papel garantia que aquela barragem estava segura, mas ela estourou e matou 300 trabalhadores. Eles bateram o cartão para trabalhar e não voltaram mais. Infelizmente, três pessoas que trabalhavam em Brumadinho e faleceram são lá da cidade: um jovem que tinha casado há pouco tempo, um pai de família e uma psicóloga.
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14:10
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A população de Congonhas já é atingida pela Barragem Casa de Pedra. Eu estou aqui para dizer isso e para pedir a ajuda de vocês: olhem pela população dos Bairros Cristo Rei e Residencial Gualter Monteiro! Muitas pessoas às vezes criticam assim: "Se a CSN sair de Congonhas, Congonhas vai acabar". Mas é muito melhor Congonhas acabar do que 4 mil pessoas morrerem. Queremos deixar bem claro que não somos contra a empresa, não somos contra a mineração; o que queremos é uma mineração sustentável, uma mineração que não custe a vida de pessoas.
Cada dia que passa isso se agrava mais. Tivemos uma reunião na terça-feira à qual compareceram quase 2 mil moradores. Pautamos dois itens pelos quais iremos lutar.
O primeiro é o processo de descomissionamento da Barragem Casa de Pedra, que até hoje não foi apresentado pela empresa; muito pelo contrário, a empresa quer alteá-la em 11 metros, e há pessoas morando a 200 metros. E a empresa tem processo que já está correndo. Olhem a responsabilidade dela! Que responsabilidade ela tem? Eu não vejo responsabilidade numa situação dessas. Portanto, o primeiro item da pauta é o descomissionamento da Barragem Casa de Pedra, que tem 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A comunidade também não quer um projeto qualquer, porque sabemos que descomissionar uma barragem não é uma coisa fácil nem rápida. Segundo dados de especialistas, até hoje, no mundo todo, não foi descomissionada nenhuma barragem de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Portanto, o projeto pode dar certo, mas também pode dar errado. Então, nós não queremos um projeto qualquer; queremos um projeto de descomissionamento que respeite a população e garanta sua segurança.
O segundo item pela qual estamos lutando é que, durante o processo de descomissionamento da barragem, os moradores que moram abaixo dela sejam realocados para outras residências até que ele seja finalizado.
Essas são as duas demandas que definimos nessa reunião. Graças a Deus, a participação foi muito boa. Depois dessa reunião de terça-feira, a população passou a estar conosco, lutando. E estamos aqui para pedir o apoio de vocês, que é muito importante. Nós estamos trabalhando com a prevenção.
Eu acredito que hoje o Estado de Minas Gerais está sentado em cima de uma bomba. Se isso não for resolvido, o Estado de Minas Gerais vai para o saco. Desculpem-me o termo usado, mas é a forma mais fácil de me fazer entender. O Estado de Minas Gerais está sentado em cima de uma bomba. Então, precisamos de vocês para resolver esse problema. Vejam bem, a empresa pressiona o Estado. O nosso amigo falou da questão financeira, mas existe o povo. Como vamos fazer? O povo precisa trabalhar, o Estado precisa funcionar. Então, a situação é séria.
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14:14
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Outro ponto que eu queria abordar aqui é que no Bairro Residencial Gualter Monteiro havia uma creche e uma escola, e o Prefeito da cidade mandou que parassem as atividades da creche e realocassem os alunos para um bairro vizinho mais alto, só que infelizmente nem todas as mães que tinham os seus filhos na creche foram contempladas. Várias mães tiveram que sair do emprego para tomar conta do filho. Infelizmente a Prefeitura não apresentou uma opção para as mães, e a empresa até agora está calada. Faz 60 dias que estamos tentando falar com a empresa — 60 dias! Nós fazemos reuniões, convidamos a empresa, questionamos a empresa, mas ela não aparece e não fala nada para a comunidade. Faz 60 dias que a empresa não fala nada para a comunidade. Acho isso um absurdo. Está na lei o direito à informação, e a empresa está descumprindo esse direito.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Esse prazo vence hoje às 17h30min, não é?
O SR. WARLEY FERREIRA COSTA BRAUNE - Isso. O Ministério Público fez uma recomendação para que a empresa realoque esses moradores que queiram sair do bairro até que se resolva a questão da barragem e também pediu um plano para a construção ou o aluguel de creche e escola. O prazo vai vencer hoje.
Nós estamos confiantes e esperamos que a empresa acate essa recomendação do Ministério Público, a qual queremos pedir o apoio de vocês, porque a cada dia que passa mais pessoas estão morrendo, e não estamos vendo solução nenhuma. Já recorremos a tudo que tínhamos para recorrer. Fomos ao Judiciário, ao Executivo da cidade, ao Legislativo, já recorremos a tudo que está ao nosso alcance, mas não obtivemos nenhuma resposta até hoje.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Agradecemos ao Warley.
Estivemos num debate público lá na cidade na sexta-feira, e toda ela está tensa com a situação. O Warley tem razão: nós de Minas Gerais estamos sentados em cima de uma bomba relógio.
Mas há um fato que me chama muito a atenção. Só para rememorar, na audiência pública de quinta-feira, a empresa mandou um representante. Ele esteve aqui, se comprometeu a estar na audiência pública. Depois, faríamos uma visita técnica à empresa, já que a comunidade, além de não ser ouvida, é impedida também de conhecer a situação de perto.
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Pasmem os senhores: a empresa não foi à audiência pública e colocou a condição de que só receberia os Parlamentares da Comissão. Imediatamente, nós Parlamentares que estávamos lá nos reunimos e tomamos uma decisão: já que ela não tinha vindo à audiência e uma comissão da comunidade não poderia nos acompanhar, nós também não fomos até a empresa. Acho que foi falta de respeito da empresa com esta Comissão.
A recomendação do Ministério Público já faz parte da documentação. Nós a recebemos oficialmente lá. Essa recomendação é composta de duas partes. Estamos também aguardando as recomendações que o Ministério Público Federal fez. O Warley não as trouxe, mas elas já estão sob posse da Comissão. Esta que tenho em mãos é a recomendação do Ministério Público do Estado, que vence hoje às 17h30min. E a recomendação do Ministério Público Federal também já está de posse da Comissão.
A população de lá está com um grande sentimento de revolta por não ser ouvida. E, como o Warley falou aqui, essas pessoas há muito tempo estão com doenças de pele e respiratórias, não têm assistência médica, não têm assistência de creche. Só conhece a situação realmente quem põe o pé lá, como disse o padre.
Por isso, Warley, foi muito importante a sua vinda aqui. Com certeza você sensibilizou a todos nós aqui, e vamos tomar as medidas cabíveis. Eu só lhe peço que hoje, depois das 17h30min, nos comunique se a empresa cumpriu ou não a recomendação. Depois essa recomendação estará também disponível para todos os membros da Comissão.
Nós encerramos o primeiro bloco. Ouvimos os três primeiros expositores e agora vamos fazer o rodízio.
Antes, quero comentar algo que o Warley disse. Eu prestei atenção, como engenheiro que sou, e vi que as populações viram especialistas em barragem, especialistas em sofrimento. Ele falou: "Não posso trazer as informações técnicas" — nem precisava! Quem tinha que trazer isso aqui, e trazer com segurança, era a Agência Nacional de Mineração, era a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, era a empresa. Eram elas que tinham que prestar contas a nós; vocês não precisavam fazer isso.
Deputado Patrus Ananias, V.Exa. conhece Minas Gerais como a palma da mão. Naquela audiência, houve senhoras que falaram emocionadas — o Deputado Júlio Delgado estava presente e pode confirmar — que os imóveis de lá não têm mais valor. Vai ser fácil comprar casa nos dois bairros. Quem quer comprar uma casa lá? Algumas pessoas se sacrificaram a vida inteira para construir uma casa ali, e depois ela virou um monte de tijolos, sem valor algum.
Eu procuro não falar isto, mas o mais triste é que a primeira vila do ouro, a primeira diocese, a primeira capital de Minas Gerais, que é Mariana, entrou em colapso, porque o que era para se chamar de "mina da alegria" virou agora a mina da tristeza, da vergonha desse modelo que causou o colapso da mineração em Minas Gerais e no restante do Brasil.
Por isso, maior fica a nossa responsabilidade e mais pessoas falam da importância da pauta. Não vamos abrir mão da pauta mais importante deste Congresso Nacional: apurar quem são os responsáveis, aplicar uma punição e criar um modelo sustentável e responsável de mineração para o Brasil.
Agradeço aos três primeiros expositores, que depois irão nos ajudar a responder aos questionamentos, e convido para sentarem-se à mesa os outros três convidados. Enquanto isso, os Parlamentares vão se inscrever para o debate.
Quero dizer aos Parlamentares que chegaram agora — Deputado Igor Timo, Deputado Newton Cardoso Jr, Deputado Hercílio Coelho Diniz, Deputado Patrus Ananias — que recebemos três correspondências da Vale e duas do Ministério Público.
Quando V.Exas. acharem necessário, o Relator vai ler a síntese. Isso vai estar disponível para V.Exas. também, para todos da Comissão. Os três expedientes tratam de laudo de estabilidade, novos laudos de Brumadinho.
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14:22
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Temos seis expositores hoje, mas, antes de dar prosseguimento aos trabalhos, quero confirmar que amanhã teremos a última audiência pública antes de prepararmos a proposta de uma nova legislação brasileira. Amanhã virão aqui a Dra. Alejandra Gonzalez, executiva da Airbus, e o Sr. Helder Carvalhais, executivo da MDA italiana. O representante da empresa do Canadá mandou uma apresentação para nós. Eles são das três principais empresas do mundo em termos de monitoramento de barragens. É bem importante a contribuição que eles vão trazer aqui amanhã. A audiência começa às 13 horas.
Convido para tomar assento à mesa os Srs. Bruno Milanez, professor no Programa de Pós-Graduação em Geografia e no Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora; Marcelo Lima, do Instituto Evandro Chagas — IEC; e Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos — INESC.
(Segue-se exibição de imagens.)
Atendendo à proposta da Mesa, vou falar um pouco dos impactos sociais, econômicos e ambientais e de alguns pontos de atenção que são transversais a esses impactos. O estudo, de certa forma, está sendo desenvolvido a partir de uma compilação que eu estou realizando das propostas de legislação feitas após o rompimento da barragem.
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14:26
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Eu olhei tanto a resolução conjunta da FEAM com a SEMAD, aprovada pelo Governo de Minas Gerais, quanto a Resolução nº 4, da ANM.
Em termos de impactos sociais, o que mais chamou a atenção nesse desastre foi o elevado número de mortes, em parte devido à construção de infraestrutura — refeitórios oficinas e tudo mais — a jusante da barragem. Isso, a princípio, a resolução da ANM tentou abordar. Existe a limitação de ser uma medida administrativa. Então, temos que pensar depois como isso pode ser ou não mantido ao longo do caminho. Mas uma das falhas dessa resolução é que ela não contempla as comunidades. Mesmo as comunidades que estão a jusante não foram contempladas nessa resolução.
Na Lei nº 23.291, de 2019, de Minas Gerais, levam-se em consideração as comunidades em zonas de autossalvamento em termos de novas barragens. É proibido licenciar novas barragens que venham a colocar comunidades em zonas de autossalvamento, o que é muito bom.
Por outro lado, não existe nenhuma decisão clara sobre o que fazer com as comunidades que vivem em zonas de autossalvamento, como é o caso das comunidades em Congonhas. A medida na lei simplesmente define que elas vão ser decretadas como áreas de vulnerabilidade ambiental, o que, em poucas palavras, quer dizer colocar sirenes e sinais de identificação e movimentação. Mas isso não diminui o risco ao qual essas pessoas estão expostas. Por isso, qualquer discussão legislativa não pode se furtar de discutir a situação das comunidades que vivem em zonas de autossalvamento atualmente.
Outra coisa importante em termos de impactos sociais é o que temos que ver em relação à participação da população atingida nessas decisões. Na Lei nº 13.575, de 2017, que definiu o funcionamento da ANM, são previstas audiências públicas no caso de as decisões da ANM alterarem ou impactarem os agentes econômicos, ou seja, as mineradoras.
Existia no debate do código, anteriormente, uma previsão também de audiências públicas no caso de essas decisões da ANM afetarem as comunidades impactadas ou os trabalhadores. Mas, na discussão para a aprovação da lei final, isso foi excluído.
Então, seria importante recuperar nessas resoluções esse tipo de decisão, de forma que as comunidades e os trabalhadores também tivessem voz nas decisões da ANM, e não deixar existirem simplesmente decisões tecnocráticas sem ouvir particularmente os trabalhadores e a população atingidos por essas resoluções.
Em termos de impactos econômicos, já foi mencionada aqui, bem rapidamente, a questão da recessão econômica e do desemprego em Brumadinho. E existe uma preocupação porque, pelo que temos visto na dinâmica econômica de lá, diferentemente de Mariana, onde existe uma previsão de a Samarco voltar a funcionar, mesmo que seja no médio prazo, a mesma previsão não existe no caso de Brumadinho. Particularmente no caso da Mina do Córrego do Feijão e da Mina de Jangada, que eram minas em fase de exaustão, no projeto previsto para recuperar o minério da barragem de forma a estender essa vida útil, uma vez que a barragem foi destruída, não deverá haver retorno de atividade econômica. Então, no longo prazo, Brumadinho está, do ponto de vista econômico, numa situação bem mais precária do que Mariana.
Uma coisa que se vê necessária é pensarmos preventivamente na questão de reduzir a minerodependência econômica dos Municípios mineradores e pensar em diversificação econômica. A experiência que temos visto é que os Municípios, voluntariamente, têm muita dificuldade de implantar esse tipo de programa, por uma questão de priorização de curto prazo.
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14:30
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Então, talvez seja necessário pensar em como garantir que parte da CFEM e sua regulamentação venham a forçar os Municípios a usarem parte do recurso para financiar uma diversificação, mesmo à revelia do Prefeito que está lá naquele momento. É uma discussão de longo prazo, para pensar os Municípios diferentemente das Prefeituras.
Da mesma forma, uma das coisas críticas que estão acontecendo lá, além da questão de Brumadinho, é que nos Municípios a jusante, onde muitas populações dependiam do rio para a agricultura, pecuária, pesca etc. — e vão precisar de recursos —, existe uma discussão sobre o contingenciamento de recursos da mina. Eu vou tratar disso daqui a pouquinho, porque isso também é transversal.
Em termos de impactos ambientais, existe a contaminação não apenas da Bacia do Paraopeba, mas agora se estendendo pelos rios próximos, sem falar do São Francisco. Um dos problemas que vemos no licenciamento de barragens de forma geral, no licenciamento de empreendimentos minerários, é que o estudo de impacto ambiental não contempla a bacia como um todo. Esse foi um grande dano, um grande problema que percebemos no caso da Samarco, e voltamos a percebê-lo agora no caso do Paraopeba, pela extensa contaminação. Nesse caso, a lei de Minas Gerais já implica, já obriga o licenciamento trifásico: a licença prévia, a instalação e a operação, não permitindo licenciamento concomitante, de forma a garantir o licenciamento mais detalhado e mais rigoroso em relação às barragens. E ela também prevê uma coisa que é muito importante, a audiência pública ao longo de toda a bacia hidrográfica — e não se limitar apenas à área diretamente afetada, que realmente seria Brumadinho —, convocar e levar as audiências públicas ao longo da bacia, para garantir que essas pessoas possam participar da discussão.
Outro problema que já foi mencionado aqui pelo Winston Souza, do Comitê da Bacia, foi o grau de contaminação e a permanência desse rejeito, uma vez que as próprias mantas não estão funcionando. De novo, há necessidade de recursos extras para garantir a retirada do rejeito do leito do rio. Eu vou mencionar o contingenciamento de recursos daqui a pouquinho.
Exatamente nesse aspecto, a lei de Minas Gerais já começou a trabalhar nesse sentido. Então, tanto na perspectiva da licença prévia quanto na licença de operação, a lei exige uma caução ambiental para garantir que haja recursos, seja para remediar, no caso de rompimento, seja para garantir o fechamento de comissionamento da barragem posteriormente. Lembrando que essa lei de Minas Gerais é exclusivamente para barragens. E aí tem que se pensar até que ponto qualquer deliberação deve ser apenas para barragens ou para empreendimentos minerários como um todo.
Além do exemplo de Minas Gerais, o que nós vemos é uma compilação feita pelo próprio International Council on Mining and Metals, que é o Conselho Internacional de Mineradores. Eles mesmos já divulgam e incentivam os países a terrem uma série de instrumentos financeiros para garantir esse pós, mirando-se no rompimento.
Vários países de tradição mineradora como Austrália, Canadá, Gana e Chile já têm uma série de instrumentos, o que não precisa ser só caução. Existe uma vasta experiência no mundo todo sobre como garantir que as mineradoras guardem dinheiro ou façam algum sistema de seguro, para evitar que depois venham a dizer que não têm dinheiro e decretem falência. E o passivo fica por ali. Essas experiências existem e precisam ser aprofundadas no caso do Brasil.
Outra coisa importante com a qual tem que se tomar cuidado é não se deixar perder pela armadilha das barragens e ficar discutindo barragem a montante, a jusante ou a linha de centro. Barragens, mesmo a jusante, caem.
E isso tem que ficar claro. Nós temos que evitar, do ponto de vista da prevenção e da precaução, a construção de novas barragens. Por conta disso, tanto a resolução da ANM quanto a lei de Minas Gerais já começam a colocar instrumentos ainda frágeis para estimular as empresas a não optarem por barragens e usarem outras tecnologias. O problema é que o processo ainda está muito discricionário. Particularmente no caso da ANM, fica-se dependendo da decisão do técnico que avalia. Talvez isso tenha que ser um pouco mais amarrado, de forma a garantir uma motivação de fato, para não depender da avaliação de um, dois ou três técnicos. Mas caminhos nesse sentido são importantes para não nos limitarmos simplesmente a barragens.
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14:34
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Existem outras tecnologias. A própria Vale tem essas tecnologias — esta aqui é uma matéria de 2016 —, e é curioso ver quando ela fala em beneficiamento a seco, que é uma forma que evita o uso da barragem. No finalzinho — vocês não vão conseguir ler —, a própria Vale comenta: "A transição do processamento a úmido para a seco não implica novos investimentos, uma vez que o processo é simples e não exige grandes adaptações às plantas". Quer dizer, uma vez que a própria empresa reconhece que existem tecnologias econômica e tecnologicamente viáveis, por que não garantir e estimular, de fato, as mineradoras, ao menos no caso do ferro, a fazerem esse tipo de transição?
Outros pontos devem ser levados em consideração. No caso das barragens abandonadas, nenhuma das três leis está tratando profundamente dessa questão. No caso de Rio Acima, eu estava lendo uma matéria rapidamente ontem no jornal. Parece que agora vai haver uma licitação liderada pela COPASA para tentar remediar o caso de Rio Acima, mas é uma coisa totalmente ad hoc, sem estrutura e sem um planejamento de quais, como e de que forma. Nós não podemos nos limitar a Rio Acima. Existem centenas de barragens abandonadas pelo País, e isso deve ser levado em consideração.
Outro ponto é fundamental — e eu acho que é uma das raízes por trás desse problema — é o automonitoramento. Trata-se da capacidade que as mineradoras têm de escolher quem vai auditá-las e de remunerar quem vai auditá-las. Então, existe uma relação de poder aí muito desproporcional. E aqui eu trouxe dois depoimentos muito rápidos. Esse primeiro é do Samuel Loures, que foi o auditor que concedeu o laudo de estabilidade de Fundão. Numa entrevista para a Cristina Serra, ele fala: "Se eu soubesse desse histórico, o histórico passado da Barragem de Fundão, eu teria analisado e incluído no caderno de inspeção. O meu relatório não é válido. Eu fui enganado pela Samarco".
Então, houve problema de acesso à informação desses auditores, para tomarem suas decisões por conta do controle da informação pelas mineradoras. Da mesma forma, este é um trecho do relatório do Ministério Público Estadual de Minas Gerais e da Polícia Federal. Eles dizem que, uma vez que a auditora Tracbel se opôs a conceder o laudo de estabilidade, simplesmente a Vale abriu mão do contrato com a Tracbel e contratou outra. Esse tipo de relação não pode ser criado. É preciso pensar em outras formas de superar esse automonitoramento.
Há algumas possibilidades para superar isso, por exemplo, com órgãos públicos de fiscalização. Eu considero o papel do Estado de fazer essa auditoria de fiscalização como sendo a melhor opção, mas entendo que existem restrições nesse sentido. O próprio Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Alexandre de Oliveira, do MME, vem sugerindo, em entrevistas na mídia, a possibilidade de criar um banco de auditores junto à ANM. E a ANM faria um sorteio de forma a escolher quem iria realizar esse tipo de auditoria.
De qualquer forma, o importante é tirar das mineradoras a força e a capacidade de escolherem seus auditores. Além de manter essa auditoria na mão apenas de empresas, por que não trazer para esse processo de auditoria os trabalhadores que conhecem a fundo o raio-x de cada uma dessas barragens?
Assim como há as CIPAs, poderia haver comissões de trabalhadores de segurança de barragens. Esses trabalhadores fariam parte dessas auditorias, assim como a comunidade atingida, para garantir, de fato, uma transparência nesse processo, para vocês não ficarem dependendo da boa vontade da empresa em conceder qualquer tipo de informação.
Por fim, há mais um detalhe pensando em qualquer proposta que tenha que ser feita. É um detalhe, mas talvez seja importante. Trata-se do que fazer com essas barragens. Dentro das normas que eu avaliei, existe uma certa confusão sobre o conceito de descaracterização, que envolve tanto o descomissionamento, que é desmontar a barragem de fato, quanto a possível desativação, que é simplesmente fechar a barragem, drená-la e aí fazer a cobertura e o monitoramento. Mas, no caso da desativação, o rejeito continua lá. Então, são dois processos distintos. Tanto a resolução da SEMAD quanto a lei de Minas deixam isso ambíguo. A ANM já faz uma especificação que sugere que está entendendo descaracterização como descomissionamento. Mas agora já existem leis com interpretações diferentes sobre esse conceito. Talvez isso gere, principalmente porque o descomissionamento é muito mais caro, certa disputa jurídica sobre o uso dos termos. Então, talvez isso precise ser mais bem pensado.
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O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Parabéns, professor! O senhor foi altamente eficaz no tempo.
Requerimento nº 68, de 2019, do Sr. Júlio Delgado, que requer envio de solicitação de incremento excepcional no aporte de recursos destinados ao Programa Saúde na Escola para ação específica no Município de Brumadinho.
Requerimento nº 69, de 2019, da Sra. Áurea Carolina, que requer que seja realizada uma consulta pública on-line ao conjunto de proposições que serão apresentadas por esta Comissão.
Requerimento nº 70, de 2019, da Sra. Áurea Carolina, que requer que sejam solicitadas informações às empresas mineradoras Vale S.A. e ArcelorMittal.
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - Sr. Presidente, quero subscrever o Requerimento nº 71, de 2019, do Deputado Padre João.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Como ele não está presente, para sabermos se S.Exa. acolhe ou não a subscrição, vamos tomar uma medida coletiva dos Parlamentares presentes. Vamos acolher a subscrição, e depois convencemos o Deputado Padre João mineiramente. Pode ser?
(Risos.)
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14:42
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Primeiro, eu gostaria de começar falando dos esforços que o Ministério da Saúde tem feito para poder dar atendimento não só nessa situação de Brumadinho, como também em outras situações no Brasil. Lamentavelmente, o número de laboratórios especializados para dar essas respostas rápidas é pequeno no País. Tanto é que os resultados iniciais do que havia naquela lama mostraram a necessidade de uma avaliação de mais da metade da tabela periódica. Quando se procura, não há laboratório para isso.
O Instituto Evandro Chagas, em Belém do Pará, tem essa capacidade. E não é que se vá criar isso num passe de mágica. Trata-se de um investimento que começou há 10 anos, e hoje nós temos capacidade de dar resposta para muitos dos contaminantes que estão naquela lama, naquele resíduo que rompeu em Brumadinho.
Dentro disso, nós vamos fazer alguns comentários aqui. Pegando um pouco a fala do padre, eu vou citar um exemplo que ocorreu em Minamata, no Japão, onde grande quantidade de resíduo tóxico, como metilmercúrio, atingiu a Baía de Minamata na década de 50. Para se ter uma ideia, levou 14 anos, após se descobrir a contaminação, para conseguir remover todo o resíduo do fundo, o que custou mais de 10 bilhões de dólares. Então, preparem-se, porque remover todo aquele resíduo dali não é uma coisa tão simples. Vai ser muito caro, muito custoso e vai exigir muita tecnologia.
Há outro ponto, o ponto do padre para o qual chamei atenção. Minamata tinha as laranjas mais deliciosas do Japão. Ainda tem. Vocês acreditam que eles não conseguem, da década de 50 até hoje, vender as laranjas de Minamata? Todo mundo lembra que ali houve um grande impacto de mercúrio.
O impacto de longo prazo não tem limites. Será algo sobre o que nós não teremos mais ideia do que vai acontecer. A imagem do Município de Brumadinho e a imagem de Mariana, como outro colega citou aqui, arrasadas, ficarão. Eu estou falando do Japão, um exemplo que já dura 80 anos praticamente, e a imagem continua ruim. Ninguém compra as laranjas daquela região. Esse é só um paralelo para compreendermos um pouco o que é tudo isso.
Fazendo um paralelo com a situação que ocorreu no Japão, os impactados lá tiveram toda a assistência possível, não só do Governo japonês, como também da própria empresa.
Até hoje, existem centros de reabilitação, centros de atendimento médico. Por quê? Quando nós falamos da saúde humana, existem efeitos imediatos, mas também existem efeitos tardios. Então, imaginem que as células foram impactadas e que você recebeu uma carga grande de determinado contaminante. Isso pode não ter efeito agora, mas pode ter um efeito no futuro.
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14:46
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O Ministério da Saúde tem feito um esforço muito grande para justamente fazer, como o nosso Ministro da Saúde anunciou, inicialmente, um acompanhamento de 20 anos. Mas isso é muito caro, é muito custoso, tanto que nós estamos fazendo um esforço para triplicar a capacidade de atendimento para poder dar respostas à sociedade.
Há uma coisa que eu acho importante, já que aqui é uma Comissão que vai levar a outros momentos. É um absurdo que, neste País, atividades minerais e atividades industriais não tenham como a saúde como condicionante antes da sua implementação. Nós não temos background. Estávamos discutindo ontem num comitê de especialistas, cientistas reconhecidos nacionalmente: cadê as referências do Brasil, cadê as referências de Minas Gerais? É preciso haver condicionantes para que se tenha acompanhamento, sim, de saúde antes e durante a fase de implementação desses empreendimentos. Hoje existe aquela discussão: será que as pessoas estão contaminadas ou não estão contaminadas? Isso vai gerar uma grande discussão nacional.
Nós, a nossa equipe, defendemos que é preciso haver, sim, condicionantes. É um absurdo que tenha havido obrigatoriedade, por exemplo, na hidroelétrica de Rondônia, em relação ao acompanhamento de mercúrio — e o setor saúde foi consultado —, que tenha havido condicionantes antes, ainda existam condicionantes hoje, e não haja condicionantes para a mineração. Então, essa é uma reflexão para o País. Nós precisamos refletir. E aí há outra questão. Para haver esses condicionantes, é preciso haver investimentos em laboratórios especializados. Nós não estamos falando aqui de uma dosagem simples em laboratório.
Para se ter uma ideia, eu fiz uma estimativa. No instituto, nós estamos analisando três matrizes para os profissionais que foram atendidos em Brumadinho: sangue, soro e urina. Estamos analisando 26 elementos químicos nessas pessoas. O custo disso por pessoa é de 5 mil reais, por baixo. Se incluirmos o cabelo, que é uma análise de longo prazo, esse custo vai para 7 mil reais. Então, não estamos falando de coisas tão simples e tão rápidas de fazer. São necessários laboratórios muito especializados. E nós precisamos debater tudo isso.
Há outra questão importante para discutirmos, e vou colocar uma pimenta na história aqui. Não são somente as barragens. Existem imensas áreas espalhadas por este País com grande quantidade de resíduos tóxicos. E estão colocando isso praticamente para debaixo do tapete. Não é só a barragem.
Cito, no Pará, por exemplo, o Lago do Batata. Desafio os Parlamentares a irem ao Lago do Batata no período do verão. Há comunidades ribeirinhas e quilombolas às margens do Lago Batata, e aquilo vira um caldo vermelho.
Por quê? Na década de 70, jogou-se todo o resíduo da mineração no Lago do Batata. Vamos nos esquecer disso também neste momento?
Há o caso de Ulianópolis, no Pará. Metade dos resíduos deste País foi parar na cidade de Ulianópolis. São só alguns exemplos. Três Marias foi muito citada aqui. Eu quero lembrá-los de que, na década de 90, já se falava que, no fundo da barragem de Três Marias, havia resíduo rico em cádmio, chumbo e arsênio. Então, imagino que estão chegando mais coisas agora lá.
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14:50
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Mas aí vem uma nova proposição, que nós pensamos que deve acontecer. Há necessidade de se fazer uma análise independente dos resíduos que estão presentes nessas barragens, bem como uma reclassificação. É um absurdo que haja tantos produtos químicos e tóxicos, às vezes, numa barragem. E aí a empresa vem dizer que aquilo é inerte. Inerte para quem?
(Intervenção fora do microfone.)
Eu vou até citar um exemplo a vocês agora. Há 10 dias, no Estado do Pará, as águas dos igarapés Curuperê e Dendê estão brancas. Brancas, em Barcarena! Nenhuma atitude foi tomada. Nós emitimos uma nota técnica imediatamente, mesmo sem ter resultado de análise, preocupados com a população. E, até o momento, nada aconteceu.
Eu tenho imagens aqui, inclusive feitas hoje. O igarapé está lá, e a população ribeirinha usa aquelas águas para subsistência, usa aquelas águas para consumo. Entenderam? Então, temos que ter esse olhar. E é necessário ter esse olhar, sim.
Também, na questão do automonitoramento, há confiabilidade? Por que não se cria então um cadastro nacional de quem tem competência para fazer uma avaliação? E as empresas irão lá, de repente, e não vão contratar. Elas irão até a agência de mineração pedir o automonitoramento ou uma avaliação. E a agência de mineração é que faria essa ponte e apresentaria os custos. Isso já funciona com a acreditação do INMETRO. Por que não pode funcionar para a área de mineração?
Temos que tomar conta do tempo. Então, estamos colocando aqui para vocês várias situações que precisam ser revistas. Em relação ao Instituto Evandro Chagas hoje, eu vou lembrar até de uma coisa que ouvi lá no Pará: "Ainda bem que no Pará há o Evandro Chagas mais próximo". E o restante do País? Precisa ter instituições fortalecidas. Há esforços nas universidades, gente. Lembrem-se de que ouvimos falar aqui que vários trabalhos em universidades estão sendo feitos, quando os nossos colegas cientistas, às vezes, não têm nem dinheiro para fazer pesquisa. Mas eles estão se esforçando para dar essa resposta à sociedade.
Há necessidade de se fazer, sim, estudos de biomonitoramento antes e depois, estudos da saúde humana antes e depois. Há necessidade de se fazer, sim, o acompanhamento das áreas que estão abandonadas por este País, que são muitas. E existe uma coisa interessante. O Ministério da Saúde tem um cadastro nacional de solos contaminados já disponível. Olhem como o Ministério da Saúde está bem à frente, e há muitos anos!
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No ano passado, nós temos orgulho de ter alertado sobre um problema em Barcarena. As águas já estavam contaminadas, e não houve rompimento. Por isso, vocês não imaginam a quantidade de tentativas de nos descaracterizar que ocorreram. São tentativas claras, às vezes, até de calar a própria ciência.
Na realidade, temos que debater tudo isso. Estou colocando aqui, sem nenhuma emoção até, com aquela experiência de alguém que rodou todo este País e que vê isso cotidianamente. A minha especialização é avaliar impactos ambientais, impactos nos ecossistemas e na saúde humana. Isso é algo muito difícil de fazer.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Sr. Marcelo.
Já quero também pedir os documentos que o senhor citou. Se o senhor puder deixá-los todos disponíveis para a Comissão, vai nos ajudar, inclusive, em relação às proposições nas quais a equipe da Consultoria Legislativa já está trabalhando há aproximadamente 60 dias. Os consultores são fundamentais para nos ajudar na construção desse novo arcabouço legal.
Eu queria agradecer bastante o convite que me foi feito em nome do gabinete da Deputada Áurea Carolina, do PSOL de Minas Gerais.
Eu sou a Alessandra e trabalho no Instituto de Estudos Socioeconômicos, uma ONG de defesa de direitos humanos de mais de 40 anos de idade. Nós temos trabalhado há alguns anos com o tema da mineração, provocados, principalmente, em função dos impactos socioambientais, mas temos feito também uma reflexão sobre qual é a relação entre mineração no Brasil hoje, Estado, direitos socioambientais e violação desses direitos.
Então, queria agradecer bastante o convite. Quando me foi feito o convite pelo Rafael, eu hesitei um pouco porque o tema da audiência eram os impactos. Por mais que trabalhemos com a questão da violação dos impactos, quando eu e todos nós pensamos em Brumadinho e no que aconteceu, é muito difícil falar de impactos. Quando falamos da relação de Estado, empresa, questões fiscais e orçamentárias, como eu vou falar, e pensamos em impacto, primeiro nos vem a dor das pessoas, a dor das famílias, as perdas. E a fala do Pe. Renê me tocou bastante, porque, quando falamos em impacto, pensamos nos corpos soterrados, que não tiveram chance de lutar pela vida.
Eu, como mãe, como mulher, penso nos filhos que não puderam voltar para casa — muitas vezes, as mães tinham orgulho desses filhos por trabalharem em uma empresa tida como uma grande empresa, a maior empresa do mundo, uma das maiores mineradoras do mundo —, na dor dos familiares, das esposas, dos namorados, das namoradas, da comunidade.
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14:58
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Então, é muito difícil falar de impactos e colocar uma discussão, às vezes, aparentemente técnica e árida, que é a questão mineral, fiscal e orçamentária, no lugar dessa fala sobre impactos, mas eu acho que é importante. Agradeço bastante o convite.
Acho que não tem como falar de impacto sem falar da responsabilidade do Estado brasileiro, da responsabilidade da Vale e dessas empresas. O padre também falou que, na verdade, não é Deus, são os homens. Às vezes, munidos por vaidade, por dinheiro, mas são homens a serviço de máquinas de fazer dinheiro. Muitas vezes, isso ganha uma impessoalidade muito grande. Esses homens e essas mulheres — muitas vezes a serviço dessas máquinas de fazer dinheiro — são parte dessa tragédia. E essa tragédia, esse crime, tem que ser também, em parte, responsabilidade do Estado brasileiro. Por isso, faço a reflexão aqui sobre a relação entre Estado, mineração, questão orçamentária e fiscal.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quero dizer que temos acompanhado algumas questões. E não falo só como INESC, mas também como representante do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, do qual o INESC também é parte. Temos acompanhado bastante esse debate, e acredito que muitas questões já estão bastante claras e precisam ser enfrentadas por esta Comissão Externa. Vou pontuar rapidamente essas questões.
A questão que o Prof. Bruno falou é fundamental. Está muito claro e evidente que não é possível o automonitoramento. Inclusive, há a fala do Secretário de Geologia e Mineração aqui mesmo em audiência nesta Comissão Externa, onde ele atesta que o sistema não funciona. É o Estado dizendo: "O sistema não funciona". É preciso, então, rever isso. Acho que a fala do Prof. Bruno aponta bastante esses caminhos, bem como outras falas.
Quanto à questão da fragilidade dos licenciamentos, vimos falando há muitos anos sobre a importância de haver licenciamento. Não é para atrasar empreendimento, é para fazer com que esses empreendimentos sejam feitos com segurança, com respeito aos direitos das pessoas e ao meio ambiente. E aí nós estamos num movimento contrário. Então, é bastante dizer que, embora esse tema talvez não seja um tema específico desta Comissão, os Srs. Deputados e as Sras. Deputadas vão estar, possivelmente, em algum momento, discutindo a flexibilização do licenciamento ambiental no Brasil. Esse tema, esse processo e essa pressão por que esta Casa já está passando por alguns anos, o que tende a aumentar para flexibilizar o licenciamento, têm, sim, a ver com Brumadinho, tem, sim, a ver com esse crime. Então, acho que esse é um ponto que está muito claro.
Quanto à questão da relação Estado e setor, as notícias e o jornalismo têm feito um importante trabalho de mostrar essa relação entre empresa e setor, as questões ligadas à porta giratória na indicação dos cargos da ANM pelas próprias empresas, por pessoas que vêm da carreira dessas empresas, e a questão da captura regulatória. Vemos a fragilidade da regulação como uma expressão exatamente dessa captura.
O Prof. Bruno também falou da questão das tecnologias defasadas e dos sucessivos alteamentos, para aumentar a capacidade de receber rejeitos dessas barragens. Isso tem que ser revisto.
Há a questão das empresas transnacionalizadas e financeirizadas, e, quando falo em máquina de fazer dinheiro, eu não estou jogando palavras ao vento. Existem estudos que mostram como essas grandes empresas e a Vale, em específico, têm uma cultura de redução de custos, que é, na verdade, uma pressão internacional por redução de custos muito forte para poder competir com a BHP, com as empresas que estão basicamente sediadas na Austrália e que estão muito mais próximas do mercado chinês. O que significa essa redução de custo? Significa redução de custo no licenciamento, significa redução de custo na segurança de barragem, significa redução de custo com o trabalhador, significa Brumadinho.
Então, essas questões têm que ser olhadas.
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15:02
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Por fim, temos feito uma reflexão mais cuidadosa para saber qual é a relação disso tudo com o orçamento público e com a questão fiscal, com a questão tributária na mineração. Temos feito estudos e, depois de Brumadinho, fizemos uma análise do orçamento do DNPM, que atualmente é uma agência. Aí os dados são chocantes; não dizem tudo, mas dizem alguma coisa sobre essa falta de prioridade do Estado com regulação e fiscalização da atividade mineral, dizem também sobre os efeitos mais amplos dessa política de desmonte, dessa política de austeridade fiscal, dessa política de destruição do Estado brasileiro que vemos ser conduzida pelos governos, principalmente por este atual Governo.
Quando olhamos os dados, vemos que são bastante chocantes. Os senhores não verão os números, porque eles ficaram pequenos na imagem. Basicamente eu também não estou vendo bem, mas me lembro deles. Naquele gráfico laranja, nós temos os valores autorizados da Agência Nacional de Mineração — ANM. Os senhores podem ver que, em termos reais, esse orçamento saiu, por exemplo, em 2016, de 517 milhões de reais para 909 milhões de reais em 2018. Podem dizer: "Nossa, foi um crescimento importante!" Mas o que são 900 milhões de reais para uma estrutura que tem, por obrigação, a atribuição de regular e fiscalizar barragens do Brasil inteiro? São quantas barragens? Qual é o número de barragens? É um monte!
Estou me referindo a termos reais e a termos autorizados, porque o que temos visto no orçamento da ANM é que, quando vamos olhar esse orçamento mais a fundo, boa parte desse dinheiro está represada, está aprisionada em reservas de contingência. O que significa isso? O dinheiro está lá, mas não está lá. Está lá, mas não pode ser gasto. Por quê? Para ajudar o Governo a fazer o seu equilíbrio fiscal e reduzir o déficit, que já está bastante elevado. Portanto, esse valor da reserva de contingência explica muito bem por que o orçamento da agência, em termos do valor executado, não passa hoje de 300 milhões de reais por ano. Isso vale para todo o Brasil, para todos os departamentos, para todos os escritórios da ANM, que são os antigos departamentos nos Estados.
Então, para despesas correntes, se formos fracionar esse valor — porque isso é para pessoal, estrutura, etc. —, o total não passa de 550 milhões de reais no ano. Queremos dizer que realmente nós não temos uma instituição, uma agência, um Estado capaz de regular, de fiscalizar e de fazer o seu trabalho corretamente.
Eu não vou me delongar, porque tenho pouco tempo, mas trouxe os dados do orçamento específico de Minas Gerais. Chegamos ao valor absurdo de 163 mil reais gastos em 2018 para fiscalizar a atividade mineral, entre elas está a atribuição de fiscalizar barragens. Assim vemos porque, no final das contas, 67% das barragens hoje não são fiscalizadas. Não há pessoal, não há estrutura. E não há pessoal, não há estrutura porque não há orçamento público, não há prioridade do Estado para fazer com que essa política aconteça.
Há outra questão quando nos referimos à falta de orçamento. Isso ocorre por falta de vontade política? Isso é resultado da política de austeridade fiscal? Isso é resultado do poder das empresas, que também não querem que o Estado seja regulador e fiscalizador? É resultado disso tudo. Mas é também resultado de outra questão, que temos discutido pouco, que os senhores também terão de enfrentar nesta Casa em outros momentos.
Trata-se do debate sobre a questão fiscal, sobre a questão tributária na mineração no Brasil.
A primeira coisa que se diz por aí é que a carga tributária no Brasil é muito alta, que representa 36% do PIB. Mas, se formos perguntar quanto é que as mineradoras, principalmente as grandes mineradoras de ferro e de bauxita, pagam hoje de imposto para o Estado, para explorar um recurso finito — um recurso que está no subsolo, que é da União e, portanto, deveria ser explorado pensando-se em toda a sociedade, no presente e no futuro —, essa resposta é difícil encontrar. Inclusive, seria interessante se perguntar por que é tão difícil encontrá-la. Por que é um tema complexo? Não! Mas qual é a vontade política de se fazer esse debate?
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15:06
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Há dois dados bastante interessantes e que são também similares. O próprio Governo, em 2009, quando estava pensando em fazer uma nova proposta de Código da Mineração, fez um estudo. Na época, o Ministério de Minas e Energia mostrou que a carga tributária da Vale estaria em 22% do seu faturamento, enquanto, por exemplo, a da Companhia Siderúrgica Nacional, que supostamente agrega valor e gera mais empregos, estaria em 43%. São dados do próprio Governo.
Um estudo recente também do Instituto de Economia da UNICAMP, que fez a análise dos balanços da Vale e os comparou a balanços de outras centenas de empresas de capital aberto, mostrou que o valor agregado gerado pela empresa e apropriado pelo Governo foi de 21%, enquanto nas demais empresas o percentual foi de 42%, ou seja, quase o dobro. Isso explica um pouco por que essas empresas, mesmo estando a milhares de quilômetros de distância das concorrentes da Austrália, conseguem vender minério a um preço tão rentável, além de remunerar os seus acionistas.
Por trás dessa questão da carga tributária, alguns elementos precisam ser discutidos. A Lei Kandir — não vou entrar aqui em detalhes — envolve um grande problema. Inclusive, uma Comissão Especial nesta Casa esteve encarregada de discutir o assunto. Há uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que estabelece o prazo de mais 12 meses para que o Congresso decida o que fazer com as perdas dos Estados referentes à Lei Kandir. Esse estudo da Comissão, na época, estimou em 6,7 bilhões de reais ao ano a perda somente do Estado de Minas Gerais. Para todo o Brasil, a Comissão estimou que seriam necessários gastos de orçamento de 39 bilhões de reais ao ano para repor as perdas pela não cobrança do ICMS em função da Lei Kandir, que foi constitucionalizada em 2003. É bom que se lembrem disso. Portanto, esse é um grande problema. Para quem vai sobrar essa conta? Para o Estado, para o Governo Federal, que vai ter que encontrar orçamento para repor isso, ou vai ter que se rever essa Lei Kandir? Quando se pensa em Minas Gerais e no Pará, há perdas, sendo grande parte delas atribuída à mineração.
O Sr. Marcelo falou sobre os incentivos fiscais. Eu conheci a comunidade em Dendê e de Curuperê. É incrível que a mil metros da comunidade, que foi totalmente devastada pelas empresas, tem uma placa gigantesca dizendo que os empreendimentos da Hydro e da Imerys são apoiados pela SUDAM e não pagam Imposto de Renda. Setenta e cinco por cento do Imposto de Renda que essas grandes mineradoras deveriam pagar para o Estado brasileiro não são pagos, porque elas estão operando na Amazônia, que concede incentivos fiscais, e eles foram renovados no final do ano passado.
Então, como nós vamos pensar em um Estado capaz de regular e fiscalizar a mineração, com orçamento e poder para isso, se esse mesmo Estado abre mão — por conta também da influência que esse setor exerce sobre ele — de tributar esse setor e essas empresas?
Também há a questão da não tributação de lucros e dividendos.
Por fim, para não estourar o meu tempo, há a CFEM, que foi alterada recentemente, em 2017. Depois de muitos anos com uma tributação tida como uma das mais baixas do mundo — eram 2% para o minério de ferro —, esta Casa tentou elevar para 6%. Houve emendas, mas, ao final, fizeram um acordo de 3,5%, com uma mudança na base de cálculo. Ainda assim, pensando que a CFEM e os royalties da mineração devem ser vistos no contexto maior da carga tributária, no quanto a mineração retribui ou compensa os Estados e a sociedade pela exploração por meio dessa carga tributária, será que a CFEM hoje está em um valor suficiente? Será que ela é suficiente, por exemplo, para preparar os Municípios para perdas? Eu não estou falando nem de crime, porque aí acho que já há outro tratamento. Há algumas medidas que não sei se foram à frente, mas essas empresas deveriam, por 2 anos, por 10 anos, continuar pagando a CFEM em casos, por exemplo, como o de Brumadinho, de crimes de responsabilidade. Então, essa é uma questão também que esta Comissão poderia apreciar.
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15:10
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Existem brechas nessa lei. Por exemplo, o Prof. Bruno falou da importância de se garantir que a CFEM seja usada na diversificação da atividade econômica. Aí existe uma brecha muito grande na lei que foi aprovada, porque diz o seguinte: "Das parcelas de que tratam os incisos V e VI do 2º deste artigo" — que se refere ao que vai para Estados e Municípios — "serão destinados, preferencialmente, pelo menos 20% (vinte por cento) de cada uma dessas parcelas para atividades relativas à diversificação econômica, ao desenvolvimento mineral sustentável e ao desenvolvimento científico e tecnológico".
Eu não sou advogada, mas entendo que, em uma lei, o termo "preferencialmente" não diz muita coisa. A questão é: como deve ser? Para além da discussão sobre se esse valor é pouco, se é muito, se deveria ser maior, a questão é: para onde deve ser direcionada a CFEM? É necessário fazer um debate sobre como esse recurso vai ser realmente usado, pensando-se que é finito, pensando-se que o seu custo, em todos os sentidos, é muito amplo. Também é preciso que se dê transparência.
Uma segunda fragilidade dessa lei é a que diz que anualmente todos os entes tornarão públicas as informações. É preciso mais do que isso. É preciso que as informações sejam públicas permanentemente — não 1 ano depois, porque o orçamento já foi gasto, já foi executado — e disponibilizadas de forma clara para que as pessoas, as comunidades e os grupos possam se organizar para realmente acompanhar e monitorar esse orçamento.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Sra. Alessandra Cardoso.
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15:14
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Deputado, nós já tomamos uma decisão aqui em nome de V.Exa., concedendo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Sim, V.Exa. está inscrito também. Colegiadamente nós estamos atendendo V.Exa.
O SR. JÚLIO DELGADO (PSB - MG) - Não há como o Deputado Padre João não falar.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Não há como! O Deputado Padre João é o padre! Há outro padre aqui hoje também. Abençoem todos nós, porque é isso que nos resta, além do trabalho árduo.
Vamos garantir agora as cadeiras para os outros expositores. Por gentileza, peço que componham a Mesa o Pe. Renê, o Warley e o Winston, para nós iniciarmos o debate.
Inicialmente eu vou conceder a palavra ao Relator, porque nós recebemos expedientes importantes e decidimos que serão lidos agora rapidamente pelo Relator, para que todos tomem conhecimento das respostas da empresa Vale e dos documentos encaminhados pelo Ministério Público.
O SR. JÚLIO DELGADO (PSB - MG) - Boa tarde a todos.
É um prazer estar, mais uma vez, nesta importante reunião de hoje. Estamos finalizando o nosso trabalho de audiências, para começarmos propriamente a fazer aquilo que nos dignamos a fazer, que é contribuir com a legislação.
Quero dizer que esta tarde de hoje foi bastante importante, considerando o conteúdo trazido pelo Bruno, pela Alessandra, pelo Marcelo, pelo Winston, pelo Warley, com quem estivemos na sexta-feira, em Congonhas, e pelo Pe. Renê, nosso convidado. Alguns aqui sabem que, lá atrás, no começo desta Comissão Externa, divulguei um trechinho de uma mensagem que recebi do Pe. Renê, de madrugada, demonstrando a sua aflição, algo que quem visita aqueles Municípios tem a oportunidade de viver.
Falei para o Pe. Renê agora, quando ele estava ao meu lado, que o pessoal que nos acompanha — os nossos assessores, os consultores — não tem a dimensão, ao ouvir um pouco do que ele, o Warley e o Winston nos trazem, do que sentimos quando vamos a esses Municípios.
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15:18
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Winston, a Vale estava atendendo um pleito nosso, desta Comissão, quando pedimos a extensão de contenção no leito do Parauapebas, para evitar que o resíduo e a lama chegassem a Retiro de Baixo, que pudessem transbordar e chegar à barragem e ao São Francisco.
O que nos foi respondido pela Vale? Vamos ter a resposta aqui hoje. Ela respondeu que tinha colocado três, que ampliou para cinco e que iria colocar mais três. Eu li o ofício aqui — todos os membros da Comissão sabem disso —, informando que o Governo do Estado proibiu que ela colocasse mais três barreiras de contenção. Foi uma decisão do Governo do Estado falando que ela não poderia mais do que isso. Foi lido aqui.
Isso vale para se fazer como pergunta também. Se quiser depois, na hora das exposições finais, você pode abordar esse tema.
Em atenção ao Of. Pres. nº 34/19, de autoria de V.Exa., encaminhado por intermédio da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, a VALE vem, respeitosamente, apresentar documentos e esclarecimentos relativos à estabilidade da Barragem B3/B4, da Mina Mar Azul, distrito de Macacos, em Nova Lima (MG).
Nesses termos, em atendimento à solicitação recebida desta Comissão Extraordinária, a empresa apresenta o último atestado de Declaração de Condição de Estabilidade da Barragem B3/B4 em setembro de 2018, bem como o Relatório de Inspeção Regular.
Cabe destacar que, em decorrência da elaboração do projeto de descaracterização da barragem — cujo processo de alteamento é a montante —, foi identificado pela empresa responsável pelo projeto que o modelo geológico-geotécnico poderia ser diferente do até então considerado, o que culminou no apontamento de um Fator de Segurança abaixo do que preconiza a norma. Importa ressaltar que, do ponto de vista físico, não foram identificadas quaisquer anomalias na barragem.
Por uma questão de prevenção e precaução, a Vale optou, então, por acionar preventivos níveis 01 e 02 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração — PAEBM e evacuar a área.
Isso vai muito de encontro àquilo que tem sido dito pelo Deputado André Janones. Se a Vale fala que não tinha risco, se fala que não foi identificada qualquer anomalia na barragem, a sirene tocou muito em função daquela tentativa que teve de já adquirir propriedades que agora, com a sirene tocada e com a emergência, estariam desvalorizadas. Isso também já foi abordado aqui quando nós tivemos a fala dos expositores.
Essa é a resposta da Vale, que, de certa forma, até oficializa, Deputado Janones, aquele receio que nós tínhamos.
O Ofício nº 97, de 2019, também do Presidente, solicitou laudos de barragens pertencentes à Mina Córrego do Feijão.
Nesse sentido, encontram-se organizados os últimos Relatórios de Inspeção de Segurança Regular (RISR) do mês de setembro/2018 para as barragens que estão localizadas nessa mina, quais sejam:
Destaca-se que as barragens IV e IV-A, foram atingidas pela ruptura da Barragem I, assim as estruturas encontram-se soterradas.
Quer dizer, aquela avaliação que eles tinham de um plano de inspeção de segurança das Barragens IV e IV-A, que eles atestam aqui, não vale mais nada porque elas estão debaixo da Barragem I, que é anterior a elas. E o plano de segurança da Barragem I também existia.
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15:22
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Com objetivo de responder de forma clara cada um dos itens solicitados, estes serão tratados separadamente:
I. Informações sobre os tipos de metais depositados nas barragens de rejeitos sob responsabilidade da Vale
Nas barragens de rejeitos sob responsabilidade da Vale são depositados rejeitos arenosos e rejeitos ultrafinos (lamas) frutos do beneficiamento de minério de ferro. Estes materiais são compostos basicamente de sílica e ferro, com traços de manganês e alumínio
Os impactos sociais e ambientais na área de influência das barragens são diagnosticados e avaliados durante o licenciamento ambiental das estruturas. Cada barragem tem sua própria avaliação de impactos.
Um dos instrumentos da Vale para reduzir impactos para as populações que vivem nas proximidades dos empreendimentos é o monitoramento ambiental. Nesse sentido, a Companhia implantou um Centro de Controle que permite, por meio da coleta sistemática de dados, acompanhar a efetividade dos controles ambientais instalados, visando não comprometer o meio ambiente e assegurar o conforto das comunidades vizinhas às operações.
• Monitorar em tempo real, 24 horas por dia, os principais parâmetros ambientais de qualidade de água, ruído ambiental, qualidade do ar, sismografla e meteorologia;
Desta maneira, a Vale, no intuito de manter e melhorar sua responsabilidade socioambiental, desenvolve novas técnicas de medição mais apuradas e ágeis, com monitoramentos automatizados, que possibilitam ganhos no tráfego de informações, além de inovações de trabalhos como mapeamentos acústicos, análises avançadas de ondas sismográficas, modelagens da qualidade do ar e análises de parâmetros in situ da qualidade das águas.
Os dados de monitoramento são transmitidos ao Centro de Controle Ambiental e analisados em tempo real pela equipe técnica, atualmente disponível durante 24 horas continuas. Dessa forma, em caso de alertas de extrapolação, os supervisores de turno das unidades operacionais são imediatamente informados. Todos os resultados e relatórios são armazenados.
No que tange aos relatórios solicitados, apresentamos o Relatório de Desempenho Ambiental — RADA das barragens, gravado no pen drive anexado à presente carta. Esse documento informa quais são as medidas de controle e de mitigação dos impactos ambientais.
Esse foi outro ofício encaminhado ao Presidente, com relação às perguntas do Deputado Enéias Reis, que estava aqui, mas se faz ausente neste momento.
Tenho ainda uma nota técnica do Ministério de Minas e Energia, que também não vou ler. Trata-se de uma resposta aos questionamentos feitos por esta Comissão e aprovados em requerimento. Como é uma nota mais longa, com perguntas e respostas, coloco-a à disposição de toda a Comissão, para conhecimento.
Cumprimento V.Exa. e, em complementação às informações prestadas durante audiência pública (contratação de recursos/previsão de recursos), envio em anexo as Recomendações I, II e II, encaminhadas à Agência Nacional de Mineração, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.
Eu queria concluir dizendo que, depois que nós começamos esta Comissão aqui, Deputado Patrus, nós vemos agora uma preocupação — e que bom! — com relação até a órgãos de imprensa. Quando alguns acham que holofotes se apagam, nós conseguimos acender luzes mesmo que sejam de vaga-lumes, para demonstrar que o perigo é iminente no nosso Estado como um todo.
Eu coloco como exemplo aqui todas as notícias que saem com relação a Casa de Pedra, que é lá de Congonhas, porque nós sabíamos do acompanhamento e falávamos disso antes do acidente de Brumadinho. Mas foi o fato de a Companhia Siderúrgica Nacional — CSN não ter tomado as medidas que ensejou o risco que Casa de Pedra corre agora. Esse é o mínimo que pode acontecer. Não existe outra saída. Quem conhece Casa de Pedra, e eu conheço, sabe disso.
Não fizemos uma visita técnica, mas eu conheço. Sabemos, por depoimento dos que estavam lá na sexta-feira, que, nessa situação, continuam sendo depositados, numa barragem inativa, resíduos de mineração. E mais do que isso: quem conhece Casa de Pedra sabe que lá não tem jeito. A população, as mais de 4 mil pessoas que vivem a montante da barragem, não tem um plano de evacuação que passe de 1 minuto, Deputado Patrus Ananias.
Então, o descomissionamento, como foi dito aqui pelo Bruno, nosso conterrâneo, da Universidade Federal de Juiz de Fora, vai demorar, demora mesmo, não dá para ser feito. Mas o descomissionamento é a única saída para Casa de Pedra. Como vai demorar, nós temos que solicitar à CSN que destine um local digno para essas famílias que se sentem mais aturdidas por isso.
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15:26
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Sabemos que há gente lá que não vai querer sair, como há em outros lugares. Mas há aqueles que querem sair, que estão com medo do rompimento, e ele é possível, porque não acredito que isso vá permanecer até haver o descomissionamento daquela barragem. É preciso haver outra saída que não seja alocar aquelas pessoas em outros lugares dentro de Congonhas, que já é uma cidade muito grande.
Ontem saiu uma matéria muito grande no UOL sobre uma questão que já denunciamos aqui, sobre a barragem de urânio já inativa há 20 anos lá em Caldas, no sul de Minas. Talvez seja a barragem com maior risco ao meio ambiente e à vida das pessoas, porque ela é de resíduo radioativo.
Hoje toda a produção de urânio foi para uma barragem que está sendo feita e montada na Bahia. Mas abandonaram, Pe. Renê, lá em Caldas, no sul de Minas, essa barragem, essa usina das Indústrias Nucleares do Brasil — INB. Trata-se de uma parceria público-privada — PPP. Eles fazem o cálculo de 1 bilhão e 900 milhões de reais para o descomissionamento de uma barragem dessa, de grande profundidade, com risco de comprometimento do lençol. Eles estão colocando naquela linha.
Estamos atentos. Vamos colocar isso no pedido. O que foi feito aqui pelo Marcelo é o mínimo. Vamos pedir que essas empresas custeiem os exames dessas pessoas. Não dá para ficar sendo sustentado pelo poder público, com o dano que foi feito também aos atingidos, os afetados e os impactados.
O Warley e o Pe. Renê falaram aqui sobre os atingidos. Nós vamos cuidar dos afetados e dos impactados também, que são aqueles que não foram diretamente atingidos.
Uma discussão que foi feita aqui é que vamos acabar com esse negócio de automonitoramento. Vamos discutir também a questão do autossalvamento. A área de ampliação que eles colocaram de autossalvamento para Brumadinho não serviu, porque estabeleceram que as pessoas que seriam beneficiadas com recursos em Brumadinho seriam aquelas que estavam na área de autossalvamento. As pessoas que estavam na área de autossalvamento e que não foram encontradas ainda, Pe. Renê, estão hoje debaixo daquela lama.
É preciso ampliar para o leito dos dois rios, do Rio Doce, em Mariana, e do Rio Parauapebas. E agora se deve fazer a avaliação da qualidade da água, e isso já foi aprovado por requerimento da Deputada Áurea Carolina. Então, vamos colocar isso.
Todo mundo sabe que nós estamos acompanhando isso. Deputado Zé Silva, Deputado Patrus Ananias, Deputado Igor Timo, Deputado Rogério Correia, Deputado Padre João, Deputado André Janones, Deputada Áurea Carolina, Deputado Vilson da Fetaemg e outros Deputados que aqui não estão, todos nós estamos focados 24 horas nisso.
O Governador de Minas veio ontem a Brasília e vai fazer uma audiência na Agência Nacional de Mineração. Ele vai tratar do quê? Do que vai tratar com a ANM sem o conhecimento desta Comissão?
Nós queremos saber qual é o motivo de ele fazer uma visita secreta à Agência Nacional de Mineração — é pela ANM ou pelo Governo do Estado? A nossa obrigação é darmos satisfação, como estamos dando, àqueles já atingidos pelos crimes de Mariana e de Brumadinho, àqueles que correm risco, os que são socioeconomicamente atingidos no leito dos rios, e àqueles de regiões como Casa de Pedra ou Barão de Cocais, que ainda não têm risco de rompimento.
Há uma denúncia que nós temos. No dia que fomos a Brumadinho, Deputado Rogério Correia, eu não voltei pela BR-381, fiz questão de sair por cima, por dentro da mineradora. O pessoal até falou: "Você é doido de passar lá dentro se está fazendo tanta apuração da mineradora". Eu passei dentro do Córrego do Feijão, Pe. Renê, naquela estrada, para sair ali no Jardim Canadá, que todo mundo conhece. O Deputado André Janones se encontrou comigo na estrada, quando eu estava indo para a Zona da Mata, pegando a BR-040.
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15:30
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Passei dentro da mineradora. As atividades lá continuam. Quem falou que paralisou a atividade lá? Ninguém me contou, não. Eu vi. As máquinas continuam operando, os trabalhadores que foram atingidos naquela época e sobreviveram voltaram ao trabalho. Se estão trabalhando em descomissionamento ou se estão trabalhando em outra coisa, eu não sei, mas há muito caminhão, há muita máquina funcionando. Estão em pleno vapor: Córrego do Feijão, Jangada, Brucutu, Congonhas, onde há outra empresa, Casa de Pedra. É importante dizer aqui que estamos atentos. Estão funcionando com o risco de não acontecer mais, mas ninguém parou nada. A busca do lucro continua acontecendo.
Para a nossa alegria, termino dizendo que nós, que esta Comissão pediu à Agência Nacional de Transportes Terrestres que não efetivasse a renovação da concessão ferroviária, principalmente para a Centro-Atlântica e a MRS. O que pedimos aconteceu. Hoje ia ser feito o processo de renovação do licenciamento, que só ia beneficiar a Vale. Iam antecipar até 2057, Deputado Igor. Eles iam ter a renovação da concessão. E foi aqui, desta Comissão, que nós começamos esse movimento.
Hoje essa audiência foi pelo menos adiada. Foi retirada de pauta a votação da concessão. Essa é uma ação direta da nossa Comissão, porque uma das alternativas de Ouro Preto, de Congonhas, de Brumadinho é ter uma saída que não fique dependente das rodovias, que isso seja através da linha ferroviária, hoje toda concessionada para Centro-Atlântica e MRS, que pertencem à Vale.
Há um último assunto, sobre o qual o Presidente irá falar. No dia 25, daqui a 1 mês, nós vamos concluir os nossos trabalhos. O que podemos fazer para contribuir? Eu vou querer a presença do Pe. Renê, do Warley, do Bruno, da Alessandra, do Winston, do Marcelo, com outros convidados, quando formos apresentar o fruto do nosso trabalho, baseado na contribuição de vocês, principalmente com o material que nos entregaram hoje. Então, eu preciso muito dessa presença para endossar o nosso trabalho. Nós vamos submeter à consulta pública aquilo que nós produzirmos aqui, o trabalho muito competente que está sendo capitaneado e puxado pela nossa Consultoria Legislativa, a contribuição que todos os Deputados estão dando.
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15:34
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O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Agradeço ao Deputado Júlio Delgado. Quando estamos indo aos locais, a vontade é realmente contar tudo o que estamos vendo, e às vezes não dá tempo.
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - Obrigado, Presidente.
Inicialmente agradeço a presença de todos os convidados e também da Alessandra pela contribuição ao debate. Esta é mais uma audiência muito rica, tanto para compreendermos o drama das comunidades que estão próximas às barragens, as que romperam e as que ainda não romperam, porque o drama agora é generalizado. Com mais esse crime da Vale em Brumadinho, não se pode mais esconder o risco de outras barragens terem rompimento. Então, isso acabou generalizando o drama que essas famílias vivem. Muitas saem de casa, não sabem quando voltam, e algumas nem voltarão, porque realmente causa muita preocupação o que acontece com essas barragens. E fica na cara que havia uma política deliberada de esconder os fatos, de esconder a realidade do que essas barragens contêm e dos riscos que apresentam.
Então, Presidente, eu ouvi os relatos desse drama e agora o que o Deputado Júlio Delgado levantou. Isso nos deixa preocupados, porque não sabemos também o que está paralisado, o que está sendo mexido, se isso é descomissionamento. Não temos controle do que está sendo feito, e isso nos deixa ainda mais preocupados. E também ouvi que nos foi colocado pelos técnicos que aqui vieram, além das comunidades.
Em primeiro lugar, eu queria justificar um requerimento. Sei que temos um prazo para terminar, mas acho que não podemos terminar os nossos trabalhos antes de escutar a força-tarefa que está investigando o que aconteceu em Brumadinho, o motivo do rompimento. É fato que isso deveria estar numa CPI. Nós procuramos fazer essa Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, mas o Senado optou por outro caminho, que, aliás, pelo visto, não está dando certo.
Porém, hoje tivemos a primeira reunião na Assembleia Legislativa desta Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa de Minas, e eu recebi aqui um relato. O Relator é, inclusive, o Deputado André Quintão, o nosso companheiro do Partido dos Trabalhadores, foi Deputado comigo, e o Presidente é o Gustavo Valadares. Eles me passaram um relato do que aconteceu hoje com essa força-tarefa, que foi lá explicar o que eles já apuraram de Brumadinho.
A primeira questão é que a Vale será denunciada por falsidade ideológica — isso o Ministério Público adiantou ao representante da força-tarefa e também à Polícia Civil — por documentação falsa, por falsidade ideológica mesmo, através daquela empresa alemã Tüv Süd, que apresentou documentos, forçada pela Vale, que faz isso com as empresas, e esses documentos eram falsos.
Isso foi dito hoje lá na CPI. Portanto, a Vale será indiciada por falsidade ideológica e provavelmente por homicídio, com dolo eventual, que foi o mesmo que aconteceu em Mariana. Isso através da Polícia Civil. Em Mariana, eles sabiam o que ia acontecer.
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15:38
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E, nesse caso de Brumadinho, desde 2017, eles já sabiam que a possibilidade de rompimento era real, tanto que começaram a fazer aquele dreno no meio da barragem. Houve o rompimento desse dreno, que eles chamam de "fratura hidráulica": essa água concentrou-se mais no interior da barragem, fazendo com que a liquefação fosse mais rápida, levando, portanto, ao rompimento. Então, desde 2017, eles já sabiam dos riscos de rompimento dentro dessa barragem de Brumadinho, como sabiam da barragem de Fundão, em Mariana, fora os crimes ambientais.
Então, vou deixar aqui uma solicitação, um requerimento que poderia ser assinado por todos nós, Presidente, de que, antes de encerrarmos os trabalhos, ouvíssemos aqui essa força-tarefa, para darmos também uma satisfação sobre o que foi o crime e o que o levou a acontecer. Essa é a primeira questão que eu queria tratar.
A segunda questão diz respeito a projetos de lei. Nós temos que olhar também sob os pontos de vista fiscal e econômico. A Alessandra trouxe algumas questões interessantes em relação a isso. É um assunto que precisa ser aprofundado, e temos que entrar nele. O lucro da Vale, em 2018, beirou os 39 bilhões! Então, a Vale tem um lucro impressionante, para ficar amarrando mixaria, fazendo barragem, em vez de experimentar outros métodos de que ela própria dispõe, por exemplo, a seco, que seria essa mineração sem os riscos das barragens. Mas não o faz porque diz que é um método mais caro. Mas o lucro dela foi exorbitante em 2018! Se não me engano, pelo que me disseram, foi de 39 bilhões o lucro da Vale em 2018. E ainda, claro, é uma empresa que não paga, como as outras, por exemplo, a Lei Kandir. Teremos também que voltar a esse assunto. A Lei Kandir acabou sendo constitucionalizada; sua isenção está na Constituição. Nós vamos ter que mexer nisso, inclusive com emenda constitucional. É um estudo que precisamos fazer. Outro ponto também levantado pela Alessandra foi a questão dos lucros e dividendos, que não são taxados em empresas que fazem o repasse dos dividendos, e esses dividendos não são cobrados como imposto de renda.
Falando agora de reforma da Previdência, o Paulo Guedes fugiu da CCJC, resolveu não ir. Como ele explicaria tirar 1 trilhão dos pobres e não falar nada de fazer ajuste fiscal para os ricos? Está aí um ajuste fiscal a ser feito que geraria, em 10 anos, em torno de 500 bilhões: taxar o lucro e os dividendos que são repassados por essas empresas aos grandes acionistas. Só isso daria 500 bilhões! Mas o Paulo Guedes não fala disso, ele quer fazer um ajuste fiscal em cima dos pobres. Esse é outro assunto que acho merece também um aprofundamento, se fosse o caso, uma nova audiência, para tratarmos da questão da taxação dessas empresas de mineração e vermos em que podemos alterar na legislação. Se a Alessandra pudesse nos remeter um estudo sobre isso, eu também gostaria de pautar na nossa Comissão essa alteração na legislação.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Deputado Rogério Correia.
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15:42
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No próximo dia 4 de abril, será feito um workshop, um seminário da Comissão, em que a Consultoria Legislativa irá apresentar todas as proposições já apensadas aos eixos que eles irão nos propor. Irá começar às 9 horas e vai até às 17 horas. Do dia 5 até o dia 12, essas proposições entram em consulta pública. Depois, do dia 12 de abril até o dia 17, já na Semana Santa, será o período para ajustarmos essas proposições. E depois, na semana do dia 25, nós faremos um grande encontro, para o qual o Deputado Júlio Delgado, Relator, já convidou os expositores. No dia 25, dia nacional em defesa dos atingidos por barragens, haverá uma marcha para Brasília. O Presidente da Câmara será convidado, e nós as apresentaremos a ele, já com os requerimentos de urgência urgentíssima para entrar em votação. Depois, Deputado Rogério, nós vamos continuar o trabalho da Comissão.
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - A força-tarefa lá em Minas informou que deve terminar esse trabalho em meados de abril. Então, seria um tempo ideal para que nós chamássemos para...
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - De repente, no dia 25, ela poderia estar conosco fazendo essa apresentação. Vamos avaliar isso.
A SRA. FLÁVIA MORAIS (Bloco/PDT - GO) - Eu apenas queria agradecer muito as presenças do Presidente desta Comissão Externa, do Relator e do Deputado André, que estiveram lá pessoalmente para acompanhar as apresentações e o debate que realizamos em Goiás.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado à Deputada e aos Vereadores aqui presentes.
O SR. JÚLIO DELGADO (PSB - MG) - Eu posso chamar o Deputado André Janones aqui para me representar? Eu estou sendo chamado... e devo ficar em todas as Comissões. Vai haver uma convocação extraordinária para votar na CCJ, e eu estou sendo convocado.
O SR. IGOR TIMO (Bloco/PODE - MG) - Certíssimo!
Então, antes da sua saída, eu faço aqui as minhas reverências ao nosso Relator Júlio Delgado pelo trabalho brilhante que vem fazendo à frente da Comissão Externa. Parabéns, Júlio, mais uma vez! Não me canso de parabenizá-lo pelo trabalho.
Agradeço ao Coordenador, que também nos tem permitido colaborar de forma direta com a proposição de mudanças. E agradeço imensamente a presença de todos e todas, à nossa Alessandra Cardoso, que parabenizo pela exímia demonstração que nos foi dada aqui, com um conteúdo riquíssimo, e que com certeza irá contribuir muito para que esta Comissão consiga atingir o objetivo maior.
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15:46
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Eu poderia estar aqui falando de muitas coisas, mas o que me traz hoje talvez seja uma das maiores buscas que fazemos nesta Comissão: a busca por boas notícias. Durante tanto tempo, desde quando nós iniciamos esse trabalho, para nossa tristeza, o que nós temos mais ouvido são más notícias, o tempo todo, notícias que inclusive têm tirado o nosso sono, não só pelo já acontecido, mas pelo que pode acontecer a qualquer momento. As sirenes não param de tocar nos nossos ouvidos, porque, toda vez que elas tocam em uma cidade, os nossos telefones parecem despertadores, seja em que hora for. Então, estejam certos de que nós aqui somos solidários a todo momento e comprometidos com o resultado.
As boas notícias que trago vêm de longe, da Rússia, onde estive em uma missão oficial, nobre André, a convite da UNIDO — Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. Eu trago de lá uma notícia fantástica: a Rússia colocou à nossa disposição, através de um acordo de cooperação tecnológica, toda a sua infraestrutura em tecnologia para nos auxiliar. E eu queria trazer para vocês aqui, em primeira mão, que o que eu vi lá é o que há de mais avançado no mundo. Eles têm condições, inclusive, através da tecnologia, de encontrar os corpos que até então não foram encontrados. Além disso, colocaram à nossa disposição a tecnologia na área de tratamento de água, o que, sem sombra de dúvida, será de suma importância para que consigamos recuperar os rios, dentre eles o rio Doce, que deu nome à Vale.
Enfim, vamos continuar lutando e buscando encontrar soluções alternativas, que, pelo visto, estão vindo de uma etnia distinta, que fica a uma distância significativa. É o que estamos buscando e o que estamos podendo trazer para lhes propor. Acho que nós teremos condições, sim, de implementar isso, e num curto espaço de tempo.
Solicitei que eles viessem ao Brasil, e eles se colocaram à disposição, inclusive para abrir um escritório aqui, acredito que no prazo máximo de 30 dias. Isso fará com que as nossas relações se estreitem e que nós possamos implementar o quanto antes essas tratativas.
Gostaria de pegar um gancho nas colocações da Alessandra e falar das nossas preocupações. Realmente não é possível fazer o automonitoramento. Está demonstrado e claro que a sociedade não tem condições de fazê-lo. Por mais que eles tentem fazer isso de forma tardia, é evidente que é impossível ser realizado. Os nossos licenciamentos são frágeis, mas nós vamos trabalhar muito para que eles se tornem mais rigorosos.
Não podemos permitir que um Estado, que está sendo assombrado pela possibilidade de enterrar os nossos irmãos a qualquer momento, continue permitindo que essa prática seja adotada.
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15:50
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Padre, eu imagino o que o senhor está passando na sua cidade, escutando que várias famílias estão assoladas por não terem condição de enterrar os seus entes queridos. Sei que o drama talvez seja inexplicável.
Sabemos que os recursos hoje oferecidos pelos Governos também são incompatíveis com a necessidade. Para isso, nós vamos trabalhar de forma assídua, porque as agências — e nós sabemos muito bem os motivos — não têm a condição necessária de fazer o trabalho que deveriam. Nós sabemos que essa relação entre o poder público e o poder privado tornou-se um tanto quanto promíscua, e o que tem prevalecido é o resultado financeiro, ultrapassando inclusive o bem maior, que é a vida. Está mais do que claro, gente. Não há a menor dúvida quanto a isso. À medida que nos aprofundamos um pouco mais em nossos levantamentos, vimos que são estarrecedoras as informações que encontramos, ao passo que empresas continuam atuando, como foi dito aqui pelo Relator, sem olhar para trás, sem nenhuma medida reparatória, sem nenhum cuidado com a possibilidade da reincidência. Não há outra visão que não seja o lucro.
E vocês estão ouvindo isso aqui de um empresário, um ex-empresário, uma pessoa que, durante 15 anos da vida, viveu do outro lado da mesa. E vocês podem estar certos, eu me distanciei das minhas atividades, por 3 anos, e fiz um pacto sacerdotal com a política, porque eu tenho a plena consciência de que o que precisa ser defendido aqui não é o resultado financeiro. Eu vou concentrar o nosso mandato em ajudar os que mais precisam e não atrapalhar os que não precisam. Esse é o foco do nosso projeto. E essas cidades que hoje estão assombradas terão, em nosso mandato, um consolo, uma mão estendida para continuar servindo.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Deputado Igor Timo.
O SR. VILSON DA FETAEMG (PSB - MG) - Boa tarde a todos, Sr. Coordenador, Sr. Relator, Deputado Janones, que muito bem me substituiu e a quem parabenizo pelo relato.
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15:54
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Eu tinha muita dúvida e aprendi que é possível aqueles rejeitos serem aplicados em bloquetes para serem usados em pavimentação de estrada vicinal — que está uma lástima. Hoje mesmo tive uma audiência com a Ministra da Agricultura, porque os Prefeitos estão cobrando patrol, essa coisa toda. E tem que fazer aquelas barragens, que hoje se tornaram um problema para Minas Gerais. Como foi colocado, parece que na primeira audiência lá em Brumadinho, Minas Gerais está se tornando um queijo suíço.
Mas, de todas as falas, sensibilizou-me uma das primeiras, que disse que o povo tem que sair, por medo, da própria casa, do próprio hábitat, e pagar aluguel, porque ninguém quer morrer. Se perguntar: "Quem quer morrer?", ninguém quer morrer. Nós sabemos que vamos chegar lá, não é, Padre? Mas agora ninguém quer. Eu quero esperar mais um pouco.
Quero parabenizar esta Comissão pelo trabalho, tanto aqui como externo. E ele continuará. Como eu coloquei para V.Exas., Sr. Coordenador, para este grande ato, no dia 25, teremos uma solenidade de manhã, e estamos trazendo dois ou três ônibus de Minas Gerais, a nossa Federação FETAEMG, até porque lá em Brumadinho mais de 400 agricultores familiares não têm o que fazer, pois perderam os equipamentos, as propriedades foram soterradas com lama, a água que corta ali não pode ser usada. Então, é uma situação crítica.
Eu queria passar um dado, rapidamente, mas infelizmente a assessoria não mandou. Ele é muito grande, porque, parece, o Governo não quer fazer mais uma análise diária, quer passar para semanal e mensal, e isso é meio complicado, contestando inclusive a SOS Mata Atlântica.
Mas eu quero aqui registrar um fato, porque hoje fiquei um pouco mais aliviado. Hoje aconteceu uma reunião — não tem nada a ver, ou tem, direta e indiretamente — e houve uma nota dos partidos através dos seus líderes. Os líderes dos partidos, inclusive da base do Governo, fizeram uma nota, um manifesto, pedindo que, na reforma, sejam retirados o BPC e os trabalhadores rurais, que os rurais continuem a trabalhar até os 55 anos, se mulher; se homem, até os 60 anos. Isso não quer dizer que estou aqui, como rural, sorrindo. Nós queremos ver as outras categorias — porque temos um mandato agora, não sou apenas um Deputado —, nós temos que olhar os professores e as outras categorias.
Mas quero deixar registrado que as nossas ações, as nossas mobilizações, sejam no Município, sejam no Estado, estão valendo a pena. E quero deixar registrado nesta Casa que no dia 12, na Assembleia de Minas Gerais, no Parlamento mineiro — V.Exa. receberá um convite —, haverá uma audiência pública com a presença do Senador Paulo Paim. Estarão lá aproximadamente 4 mil a 5 mil trabalhadores colocando quais são os reflexos e o impacto, se acontecer a reforma do jeito que o Governo quer perante os trabalhadores e as trabalhadoras rurais.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Deputado Vilson da Fetaemg.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Sr. Presidente, quero cumprimentar mais uma vez V.Exa., assim também o Deputado Júlio, pela dedicação, seja em Minas, seja fora de Minas, onde V.Exa. nem tem voto, mas está externando esse compromisso com essa pauta tão urgente para o nosso País.
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15:58
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Quero agradecer aos convidados. Alguns eu ouvi aqui; outros, pelo site, eu pude ir acompanhando também a exposição, que trazem seja a fragilidade da legislação, seja... Então, é uma maneira de contribuir com esse novo marco regulatório.
Mas, ao mesmo tempo, Presidente, o que nós percebemos é que a própria legislação em vigor é também desrespeitada, desrespeitada pelas empresas. Em alguns lugares, o Ministério Público não está nem aí, totalmente indiferente, omisso. O Judiciário, em alguns lugares, está mais para o lado das empresas do que para o lado do povo. É grave! Não são todos os promotores como o Dr. Vinícius Congonhas, que está em uma batalha firme.
Agora, às 17h30min, termina o horário para a empresa acatar ou não as recomendações que Ministério Público fez. Chega a retirar quase 3 mil famílias. Na verdade, a recomendação que ele faz é para as famílias que quiserem sair. Na verdade, muitas já saíram, estão pagando aluguel devido a não ter como viver ali, por problemas psicológicos; as escolas, as creches que funcionam debaixo da barragem...
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - O Warley representando a comunidade, não é?
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Pois é, mas é porque ela não apresentou ainda. Eles estão de vigília lá agora até às 17h30min. E, como nós temos que protocolar o requerimento até às 18 horas, ficamos um pouco sem condições de deliberar amanhã. Mas acho que é urgente, porque, se ela desrespeitar, continuar desrespeitando o povo, desrespeitar o próprio Ministério Público, como fez com esta Comissão, não comparecer lá no debate público, nós temos que tomar medidas mais duras e, talvez, até algum adendo na CPI, para que não fique restrito à questão de Brumadinho. É importante dar amparo, porque o desrespeito da Vale é também astronômico, não só em relação a Brumadinho, mas ao que está fazendo em Barão. O alarme que é feito não tinha nada a ver, dois alarmes ao mesmo tempo.
Então, a tortura que está fazendo com a população é uma questão séria. É uma tortura. O treinamento ontem também em Barão foi uma tortura. Acho que é nesse sentido o apelo que eu faço a V.Exa.: o que nós poderíamos fazer de especial, até mesmo em relação ao Regimento, para ainda deliberar amanhã alguns desdobramentos, conforme for o retorno da CSN.
No mais, quero reiterar aqui, também em relação à Arquidiocese de Belo Horizonte, que nós passamos a relação dos Deputados. D. Walmor manifestou interesse em dialogar, porque não é só a questão de Brumadinho, mas também de Nova Lima, da Serra da Piedade, ou seja, as empresas continuam operando, conforme o depoimento do Deputado Júlio que nós ouvimos, V.Exa. ouviu também. Eles continuam operando. Ou seja, houve alteamento que eles fazem à revelia em relação à licença ambiental.
Eles não têm um canal direto. Nas medidas compensatórias, há inclusive essas garantias para a população atingida, e infelizmente há um desrespeito geral, mas não temos como recorrer, porque órgãos como o Ministério Público de Barão de Cocais, em Santa Bárbara, têm sido omissos no processo, diferente de alguns outros. Isso deixa a população refém, na mão desses criminosos.
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16:02
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O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Deputado Padre João.
O SR. PATRUS ANANIAS (PT - MG) - Sr. Presidente, colegas Parlamentares, expositora e expositores, eu quero saudá-los e parabenizá-los pelas exposições. Não pude ouvir todas por conta de outros compromissos aqui na Câmara. Por exemplo, não tive o prazer de ouvir o Pe. Renê. Quero ver se posso ouvi-lo na exposição final. Mas tive a oportunidade de ouvir outras exposições. Quero, então, na pessoa da mulher presente à Mesa, a Dra. Alessandra, saudar todos os expositores. Das exposições que ouvi, eu me identifiquei muito com o nível de compromisso.
Eu quero dar aqui também um rápido testemunho, Sr. Presidente. Participei, nesse final de semana, no distrito de Belisário, no Município de Muriaé, de um belíssimo evento sobre o Fórum das Águas, onde nós discutimos exatamente essa questão dos valores. Nós temos como referência fundamental da existência a vida nas suas múltiplas e misteriosas manifestações, com atenção especial para a vida humana.
Nos meus muitos anos de professor na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, na Escola de Serviço Social e na Faculdade Mineira de Direito, eu sempre falava para os meus alunos que teoricamente o direito mais importante é o direito à vida, em torno do qual nós nos coesionamos em sociedade, em comunidade. Mas, na prática, não é. Na prática, o direito mais preservado é o direito à propriedade.
Então, eu penso que nós temos que fazer essa reflexão sobre as tragédias criminosas de Mariana, de Brumadinho e outras que aconteceram pelo Brasil afora, como a de Miraí alguns anos atrás. Agora a empresa norueguesa, cujo nome me escapa, está contaminando as águas no Pará. Eu penso que isso nos obriga a esta reflexão, de nós recolocarmos a questão dos valores na sociedade.
Nós somos dependentes, nós precisamos da natureza. Nós recebemos de graça o ar que respiramos. Quer dizer, a nossa relação com o ar é total. Ficarmos 4 ou 5 minutos sem ar é o suficiente para perdermos a vida. Também o é a nossa relação com a terra, com a mãe terra, que nos sustenta, que produz os alimentos. A terra é a guardiã das águas. A necessidade que nós temos de água é vital. É um bem fundamental, um bem sagrado.
Então, à luz dessa ação criminosa, faço minhas as palavras que já foram ditas aqui. Não vou repeti-las, porque já falei também em outras oportunidades e quero avançar um pouco na reflexão. Eu penso que essas tragédias criminosas colocam para nós isto: temos que estabelecer limites ao capitalismo.
O capital não pode tudo. As coisas não podem se transformar em mercadoria, inclusive a vida humana.
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16:06
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O último ponto, Sr. Presidente, que eu quero também colocar aqui para a nossa reflexão, é o projeto que nós queremos para o nosso País. As riquezas do Brasil, as nossas riquezas são para ser entregues e vendidas a preço de banana, ou nós queremos preservar os nossos recursos inclusive dos subsolos para um projeto nacional?
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Deputado Patrus Ananias. São altamente reflexivas e humanitárias suas colocações. É fundamental realmente que as nossas riquezas não se transformem em armas contra a vida e o meio ambiente. Parabéns, Deputado.
O SR. ANDRÉ JANONES (Bloco/AVANTE - MG) - Obrigado, Deputado Zé.
Boa tarde a todos os presentes, colegas Deputados, componentes da Mesa, a quem eu cumprimento na pessoa da Sra. Alessandra. Meus parabéns pela brilhante explanação. Ela deixou pouquíssimos pontos a serem abordados por nós.
Deputado Zé Silva, eu estava hoje no início desta sessão — eu cheguei um pouco atrasado devido a alguns compromissos — pensando sozinho como estaria o assunto do desastre de Brumadinho se V.Exa. não tivesse, junto com outros colegas, tido a perspicácia, a iniciativa, Deputado Patrus, de instalação desta Comissão. Eu não tenho dúvida nenhuma de que esse assunto já teria caído no completo esquecimento.
Então, eu quero aqui de público mais uma vez agradecer — eu sempre tenho feito isso nas minhas falas — e parabenizar V.Exa. e o Deputado Júlio Delgado, que eu estou agora representando, por esta brilhante iniciativa. É isso o que a população espera dos seus representantes.
Eu ouvia do Ministro da Saúde, em uma sessão na Comissão de Seguridade Social e Família, na última semana, que nós temos que pensar menos na próxima eleição e mais nas futuras gerações. É claro que ele quis dar a isso um tom favorável à reforma da Previdência, mas em alguns pontos eu concordo.
Eu, Deputado Zé Silva, não tenho nenhum conhecimento sobre a área de mineração — não tinha. Como V.Exa. muito bem colocou, acho que todos nós estamos ficando especialistas nessa área. Mas eu confesso aos senhores que até 3 meses atrás, eu não tinha nenhum conhecimento sobre a área de meio ambiente, que nunca foi minha área de atuação, sobre a mineração. Eu acho que eu sequer sabia o que era uma barragem. Não tenho nenhum problema em falar isso. Ninguém é obrigado a saber de todas as áreas, Deputado Patrus, mas nós temos que ter a sensibilidade de entender o clamor popular e levar uma resposta à população.
Eu tenho um espaço muito grande nas redes sociais, onde eu atuo bastante, e tenho usado todas as minhas falas aqui e as divulgado nas redes sociais, com o objetivo de não deixar este assunto morrer. Às vezes, quando o assunto está morrendo, com a nossa atuação, com o nosso trabalho, Deputado Zé Silva, nós o resgatamos.
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16:10
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Uma preocupação que eu tenho tido também é com a questão psicológica. O Deputado Patrus foi muito humano na fala dele. Nós sempre pensamos nas famílias das vítimas, dos atingidos, mas nos esquecemos do aspecto psicológico das pessoas que estão nas cidades com risco de rompimento de barragem.
Infelizmente não há como provar muitas convicções que nós temos. Eu não tenho nenhuma dúvida de que não existe nenhum risco de rompimento em muitas cidades que estão sendo evacuadas e que a Vale está fazendo isso, de forma criminosa, maquiavélica, simplesmente para comprar os imóveis a preço de banana no futuro. Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Através da CPI talvez consigamos ir nesta linha de investigação e comprovar o que eu estou dizendo.
Para finalizar, também tenho usado este espaço para denunciar. Eu não tenho dúvida de que existe uma organização criminosa no nosso País, liderada pelo setor de mineração. Há vários episódios que comprovam isso. Existem áudios da Vale que exigem a permanência de um Secretário de Estado de Meio Ambiente no cargo. Ele passa pelo Governo do PSDB, passa pelo Governo do PT, passa pelo Governo novo.
Ontem, Deputado Zé Silva, eu só não saí da audiência em Goiânia em respeito a V.Exa., que era o Presidente da sessão, e em respeito à Deputada Flávia, autora do requerimento. Mas eu confesso que me deu vontade, quando eu vi, no celular ao meu lado — sem querer, porque estava ao meu alcance —, a Secretária de Estado de Meio Ambiente de Goiás trocando mensagens com o Secretário de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais Germano Vieira; solidarizando-se com ele; ignorando a dor das vítimas; ignorando o propósito daquela Comissão, dando solidariedade àquele Secretário e tecendo severas críticas à nossa atuação como Parlamentar, dizendo que ela estava à disposição do Secretário para o que desse e viesse.
Queria fazer uma pergunta rapidamente à Alessandra. Eu queria só, Alessandra, que você desse talvez — até a Consultoria Legislativa propôs uma pergunta nesse sentido — uma sugestão. Qual a maneira de recuperar os danos socioeconômicos nas cidades que não foram atingidas pela barragem, mas que já sofrem esses danos, a exemplo de Macacos, do Distrito de Nova Lima, Barão de Cocais, Congonhas e tantas outras?
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Deputado André.
Fiquei sabendo agora. Eu lamento profundamente porque ontem o Governador de Goiás fez questão absoluta de nos receber e dizer — ele tem uma história longa nesta Casa, foi Senador, Deputado Federal — que está colocando todas as forças do Governo de Goiás para ter uma legislação moderna. Ele nos pediu ajuda, deu-nos contribuições. Lamento. Fica registrado aqui também o nosso protesto em relação a esta atitude da Secretária.
Agora, já caminhando para as considerações finais dos nossos expositores, eu vou conceder a palavra na mesma ordem dos painéis iniciados aqui.
Faço um gancho na fala do Deputado André Janones. De fato, alegra muito o coração saber que nós não estamos esquecidos. Esta é a bandeira que nós levantamos em Brumadinho: de não sermos esquecidos e de não sermos só mais um evento da história. Isso não pode ser registrado.
Esta é a bandeira que nós levantamos em Brumadinho: a de não sermos esquecidos e a de não sermos só mais um evento da história. Isso não pode ser registrado somente como um evento da história, em páginas de livros nas escolas, mas deve ser algo marcado no coração de todos nós, sobretudo dos Srs. Parlamentares, que têm justamente a função de cuidar da população, de cuidar do povo.
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16:14
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Nós da Arquidiocese de Belo Horizonte e de outras frentes religiosas do Município — cito aqui o Pastor João Luís, da Igreja Batista; o Pastor Amadeus, da Assembleia de Deus; o Ricardo, da Igreja Benezia — estamos convictos do nosso trabalho enquanto amparo não só na dimensão espiritual, mas na dimensão social e em outra que aparecer para nós, porque, antes disso tudo, nós estávamos lá. Durante esse trágico episódio, nós estávamos lá. E somos nós que, quando todo mundo esquecer, estaremos lá para amparar essas famílias com esse trauma psicológico, espiritual, social, econômico, etc.
Eu faço um apelo aos senhores para uma observação do que foi dito aqui nas belíssimas apresentações: primeiro, os nossos Municípios que têm a mineração como a principal atividade econômica acabam sendo reféns das mineradoras. Portanto, vamos ter um olhar mais atento aos Municípios, às Prefeituras, às licenças municipais. Enfim, acho que aí existe um caminho importante a ser observado diante de tantas facilitações.
Assim, agradeço mais uma vez esta oportunidade. Agradeço poder voltar para Brumadinho e dizer ao nosso povo: "Não estamos esquecidos".
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Pe. René.
O SR. WINSTON CAETANO DE SOUZA - Eu gostaria de relevar aqui o procedimento do Ministério Público de Minas Gerais. Eu tenho acompanhado como ouvinte as reuniões e as tratativas que têm sido feitas juntamente com o juiz e os advogados da Vale.
O Ministério Público pediu à Vale que, no prazo de 10 dias, apresentasse os exames laboratoriais da contaminação, num valor de 18,7 mil reais, e a realização do controle vetorial utilizado na metodologia que bloqueia a transmissão do vírus do mosquito, por meio da bactéria Wolbachia, no valor de 41 mil reais.
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16:18
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Nós pedimos ao IGAM que olhasse para o que estava acontecendo. Então foi colocado um ponto de monitoramento a montante de uma daquelas membranas e outro a jusante, e realmente se constatou que as membranas não estavam resolvendo nada. Com mais 2 membranas, iria para 7, mas, que fossem 10 ou 12, o rejeito hoje está lá em Retiro Baixo.
Gostaria também que os Deputados olhassem para mais uma coisa. Retiro Baixo era uma das esperanças de que não chegasse ao entorno de Três Marias a contaminação. Mas a notícia que nós temos — não sei se chegou pela ANA ou se pela ANEEL — é que Retiro Baixo está operando a todo vapor. Com isso, a vazão é muito grande, e os finos desses rejeitos vão, sim, chegar ao entorno de Três Marias, trazendo um grande prejuízo para a população de lá.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Agradeço ao Winston, Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba.
Vamos fazer um requerimento, Winston, porque pelo menos o que foi recomendado era que a usina hidrelétrica não funcionasse a todo vapor, para evitar agilização. Então, como você tem notícias sobre isso, nós vamos, através da Comissão, fazer um requerimento formal para saber o que realmente está acontecendo.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Winston.
A SRA. ÁUREA CAROLINA (PSOL - MG) - Muito obrigada, Deputado Zé Silva.
Eu tive que sair correndo, porque estou na Presidência da Comissão de Cultura, e a nossa Presidenta, Deputada Benedita da Silva, propôs uma reunião para organizarmos os trabalhos. Então ficamos assim, lá e cá.
Essas pautas interagem também, não é? Estamos discutindo democracia de forma ampla, com produção de direitos, de políticas públicas. A luta é para que os retrocessos não aconteçam. Nós estamos lidando com essa situação dramática no nosso País.
Eu agradeço imensamente a contribuição de todos os expositores, a vinda de vocês, o conhecimento agudo e generoso que nos trouxeram para nos dar aporte no trabalho desta Comissão.
Eu tenho me reconhecido nessa luta cada vez de uma maneira diferente, à medida que eu ouço os testemunhos de atingidos, de pessoas que lidam há muito tempo com essa causa da justiça socioambiental e trabalham por outro modelo da mineração que não seja predatório.
Eu acabei tomando conhecimento de que na minha história familiar, Deputado Zé, lá na minha origem, a nossa família paterna foi atingida por barragem, em Morada Nova de Minas, na inundação da Usina Hidrelétrica de Três Marias, no final da década de 50, início da década de 60.
Semana passada chegou a notícia de que uma lutadora do Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB foi assassinada no Município de Tucuruí, no Pará. E, vejam só, eu sou paraense, nascida na cidade de Tucuruí porque meus pais trabalharam na construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. O destino e a luta me trouxeram para este espaço aqui, de compromisso político, de exercício do mandato a serviço dessa luta das populações atingidas, para construir outra possibilidade de viver no nosso País sem ficar nessa bomba-relógio da mineração, que pode explodir a qualquer momento e devastar as nossas vidas.
Eu fico muito honrada e emocionada, também, de poder rememorar e me reconhecer nisso, aprendendo com as comissões de atingidos, com os povos atingidos, que falam também dessa descoberta, desse processo que não é simples, já que até o direito à informação e ao próprio reconhecimento nos é negado nesse processo.
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Hoje ficou muito patente para mim que, além de todas as questões que nós precisamos cercar na legislação, precisamos também garantir mecanismos e obrigações para que a transição econômica se dê de maneira mais ampla e avançada possível na regulamentação da CFEM, na determinação de que, nos licenciamentos, os empreendedores já prevejam também uma forma de diversificação com o setor produtivo em relação aos rejeitos das barragens. Temos que dar uma destinação a esses rejeitos e aumentar o seu índice de aproveitamento para a produção de coprodutos, como aprendemos em outra audiência.
Precisamos, ao máximo, fechar as lacunas e as brechas na legislação, pois, pela boa vontade dos empreendedores, de fato, isso não vai acontecer. Lamentavelmente, o poder público tem sido conivente, permissivo e cúmplice desses crimes.
Os trabalhadores da gestão pública que têm anos de dedicação estão se sentido sem forças. Ouvimos aqui servidores públicos que estão há muito tempo nisso e não veem uma saída, porque não há uma priorização, uma visão de projeto político e econômico em nosso País para fazermos essa transição econômica e sairmos da dependência, da lógica infernal da mineração.
Com relação a essa questão da transição econômica, eu tenho aprendido muito com os movimentos. Ontem eu estive em uma atividade na Faculdade de Direito da UFMG, e o tema discutido foi justamente a desmineração e o que se faz nesse contexto de pós-rompimento de barragens, com lama invisível, que, neste caso, assola Macacos, Barão de Cocais e tantos outros Municípios. A lama já está lá, já está produzindo danos terríveis.
Nós temos condições de, neste conjunto de proposições que vamos apresentar como resultado da Comissão Externa, já fazer a entrega de um trabalho à altura do que nos foi demandado e do que aprendemos aqui. Precisamos levar seriamente o que nós aprendemos, como um compromisso ético, apresentando melhorias nesse conjunto de projetos. Precisamos fazer agora uma grande articulação. Precisamos de mobilização social para pressionar que a votação aconteça em regime de urgência e que tenhamos um novo marco regulatório o quanto antes em nosso País.
Eu quero ler um poema que ganhei da Jeanine, do Projeto Manuelzão, que estava conosco ontem na Faculdade de Direito da UFMG:
Acho que vale a pena também nos inspirarmos com outros sentidos, porque essa história nos assola muito emocionalmente. Não podemos perder de vista a dimensão desse sofrimento das vítimas, o reconhecimento, a politização dos atingidos ao longo da luta e como isso se estende por gerações inteiras.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Deputada Áurea Carolina. V.Exa. é generosa com todos nós e muito comprometida com as lutas. Estamos felizes de tê-la aqui.
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O SR. WARLEY FERREIRA COSTA BRAUNE - Quero agradecer à Mesa e ao Deputado Zé Silva pelo acolhimento aqui na Casa.
Quero agradecer ao Deputado Padre João a parceria, pois está sempre lá em Congonhas, ouvindo as demandas daqueles moradores.
Apesar desse acidente em Brumadinho e em Mariana e desse terror que outras cidades estão vivendo todos os dias, toda hora, acho importante pensarmos no futuro que queremos para o nosso Brasil. Eu vejo alguns jovens presentes aqui, e é importante pensarmos nisto: esse é o futuro que vamos querer continuar seguindo?
Então, eu acho importante a participação dos Deputados nesse processo, porque a vida e o futuro de muita gente, de muitos jovens, de muitas crianças depende e passa pela mão dos senhores. É uma responsabilidade muito grande.
Fica aqui o pedido para que olhem pela comunidade de Congonhas, especialmente para os moradores do Residencial e do Cristo Rei, que estão vivendo esse terror todos os dias. Vemos que o povo está morrendo devagarzinho. Então, pedimos aos senhores que olhem pelo povo.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Warley.
O SR. MARCELO LIMA - Em nome do Instituto Evandro Chagas, nós gostaríamos de agradecer essa oportunidade de poder expor um pouco a nossa experiência, que não é pequena — já temos grande experiência na Amazônia.
A partir da fala da Deputada, aproveito para fazer um grande elogio à mobilização do Ministério da Saúde, que realmente quer dar respostas à sociedade, independente de entrar com recursos ou não. Nós só apresentamos os custos, porque temos que apresentá-los, e uma hora isso tem que ser cobrado.
Eu também queria agradecer publicamente aos colegas do Instituto Evandro Chagas, outros pesquisadores, outros técnicos. Para terem uma ideia, nós passamos o carnaval dentro do laboratório. Nós estamos fazendo um esforço muito grande, pois nossas equipes não são grandes. Por isso, temos que elogiar também todos os que estão ali se esforçando para ajudar na questão de Brumadinho e em outras questões que, paralelamente, vão aparecendo. Lamentavelmente, parece que a coisa não para.
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16:30
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O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Marcelo. Leve o abraço e o reconhecimento desta Comissão a todos os profissionais, a todos os pesquisadores. Sexta e sábado, nós estaremos no Pará. Se os profissionais da equipe puderem nos encontrar lá, será importante. Depois eu vou pedir ao Eduardo para lhe encaminhar a programação.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado, Marcelo.
O SR. BRUNO MILANEZ - Bom, em primeiro lugar, eu quero agradecer ao Deputado Zé Silva pela oportunidade de estar aqui, parabenizo a Comissão pelo trabalho. Em segundo lugar, gostaria de reforçar, a partir da nossa conversa, a importância de se debater para além de Brumadinho e das barragens. A discussão tem que ser mais ampla para falar um pouco mais do modelo mineral e da mineração, como ela é feita no Brasil.
Vou fazer um comentário só em relação ao que foi dito aqui sobre outras tecnologias que seriam mais caras. Muitas vezes, as tecnologias baratas, não que elas sejam baratas. Elas externalizam para a sociedade os seus custos. Então, a sociedade tem que arcar com a água contaminada, com o ar contaminado, com o risco. Na verdade, o que se está exigindo não é que as mineradoras usem tecnologias mais caras, mas que elas internalizem os custos que são inerentes às suas atividades. Então, não é um favor que elas fazem, mas é responsabilidade delas serem responsáveis pelos custos de suas próprias operações.
Por fim, deixei de mencionar no começo que eu coordeno o POEMAS, que é um grupo de pesquisa e extensão em política, economia, mineração, ambiente e sociedade, integrado por oito pesquisadores de universidades públicas, todos. Prestamos assessoria técnica a movimentos sociais, a organizações não governamentais. Como universidade pública, colocamo-nos à disposição da Comissão e da Câmara para os trabalhos que forem necessários.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Obrigado. Como é o nome do grupo?
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - O.k. Já fica aqui o convite para vocês nos apoiarem quando as proposições desse novo arcabouço legal entrarem em consulta pública, durante o período de 5 a 12 de abril.
A SRA. ALESSANDRA CARDOSO - Também gostaria de agradecer o convite. Acho que foi uma discussão muito rica. Tenho acompanhado o trabalho desta Comissão Externa, que tem sido muito rico também. Acho que vocês já têm muito elementos para entregar à sociedade uma resposta para o crime de Brumadinho, com propostas de legislações que venham a aumentar a regulação, a segurança, a fiscalização, e deem respostas para as vítimas e para todo o Estado de Minas Gerais, para todo o Brasil, para toda a sociedade brasileira.
Fico muito feliz também que vocês estejam se empenhando para conhecer a realidade de outros Estados, de outros lugares, onde a mineração tem causado desastres e crimes também. A situação de Barcarena e da própria Oriximiná é sintomática do que é esse modelo mineral.
Em relação à pergunta que me foi feita, como o Prof. Bruno disse, essa não é uma discussão fácil, mas é extremamente essencial no Brasil hoje, a discussão da transição.
A questão é o que fazer com a lama invisível, com todos os Municípios impactados, em relação ao que temos chamado de "minerodependência". Não é uma saída fácil, mas é uma saída necessária, e é cada vez mais evidente que esse modelo mineral não leva realmente ao desenvolvimento do País, não leva à segurança, não leva ao chamado progresso.
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16:34
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Acho que uma questão essencial, sendo bem objetiva, é que a CFEM também não vai resolver o problema. Falamos dos 20%, do uso. Realmente tem que disciplinar e regular melhor o uso, mas essa é uma questão que vai muito além do Município, é uma responsabilidade do Município, dos Estados, da União, não só regular, mas pensar no modelo mineral e pensar em saídas para o modelo mineral.
Eu também sou de Minas Gerais. Pensamos na cadeia de produção dos queijos da Serra da Canastra, da cachaça, do turismo. Há uma riqueza enorme no Brasil afora. Então, para que essas riquezas e essas cadeias sejam diversificadas, é preciso haver políticas públicas. E o que nós estamos vendo é exatamente o contrário: é o desmonte do Estado, o desmonte da política pública, o desmonte do orçamento, o desmonte da proteção, o desmonte da Previdência, que são também formas de garantir renda para que as pessoas possam consumir, possam ir às feiras, para o agricultor poder produzir.
Estamos no caminho contrário a uma transição e vemos cada vez mais as populações e as comunidades que dependem dessas mineradoras sendo submetidas à decisão cruel de pedir que elas retornem, porque não há alternativas econômicas, não há alternativas de vida. Essa transição não é uma solução fácil.
Do ponto de vista bem objetivo, há uma ação do Ministério Público Federal. Parte do recurso que foi depósito obrigatório da Vale deveria, sim, constituir um fundo e um fundo suficiente para começar a pensar — pelo menos para os Municípios mais atingidos pela lama invisível — em transição, porque só esse recurso não vai ser suficiente. Eles precisam do Estado. E o que estamos vendo, como eu disse, é o caminho na trajetória contrária à civilização, a uma sociedade mais justa.
Eu acho que temos que fazer essa discussão, e esperamos muito também que vocês, Deputados e Deputadas que estão aprendendo tanto e estão mergulhados nessa questão, sejam nossos aliados em outras pautas, que eu já falei que são várias. Inclusive a reforma da Previdência, com certeza, é essencial, mas há também a flexibilização do licenciamento ambiental, que sabemos que vai vir; o tema da mineração em terra indígena vai vir; a mineração em unidades de conservação de proteção integral também vai vir. E esperamos que vocês sejam realmente aliados nossos para impedir que a mineração avance sobre esses territórios e para que soluções sejam dadas a fim de que tenhamos uma transição justa.
O SR. PRESIDENTE (Zé Silva. SOLIDARIEDADE - MG) - Muito obrigado, Alessandra.
Quero agradecer carinhosamente a cada um dos expositores. Tenho certeza de que estarão nos ajudando a mudar, para garantir uma mineração sustentável e responsável.
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