1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Cultura
(Audiência Pública Ordinária)
Em 28 de Março de 2019 (Quinta-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
10:16
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A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Bom dia a todos e a todas.
Declaro aberta a reunião ordinária de audiência pública destinada a discutir sobre o tema A tradição alimenta, não violenta, convocada em razão de requerimento de autoria da Deputada Erika Kokay, que eu convido para tomar assento à mesa. (Palmas.)
Convido para compor a Mesa a Sra. Iya Dolores, representante do Coletivo da Teia Nacional Legislativa em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (palmas); a Sra. Iya Vera Soares, representante da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (palmas); a Sra. Regina Barros Goulart Nogueira, Coordenadora-Geral do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana — FONSANPOTMA (palmas); a Sra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (palmas); e o Sr. Jaime Mitropoulos, Procurador do Ministério Público Federal. (Palmas.)
Antes de passar a Presidência para a Deputada Erika Kokay, autora do requerimento para a realização desta reunião ordinária de audiência pública, eu queria cumprimentar todas e todos e dizer que espero que se sintam à vontade nesta reunião da Comissão de Cultura.
Eu acho importante dizer que nós estamos aqui representando as nossas condições religiosas. Esta Comissão de Cultura está à disposição de todas e de todos. Por isso, eu os recebo com carinho.
Neste momento, quero prestar minha homenagem a esta mulher aguerrida, que levanta essa bandeira em todos os momentos: a minha companheira Deputada Erika Kokay, que merece todo o apoio e todas as honras, por ser uma companheira que não se nega a levantar qualquer tema, por mais polêmico que seja. Todos os dias, ela defende a bandeira dos direitos humanos. Com a cultura, não poderia ser diferente. Vamos ter agora o que não tínhamos antes: o debate sobre a cultura e as religiosidades do povo brasileiro e a forma como essas religiões se expressam.
10:20
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Deputada Erika, minha cabeça política pensante, quero desejar a V.Exa. uma boa audiência. Conte comigo! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu gostaria de chamar para compor a nossa Mesa a Sra. Fabya Reis, Secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia.
É um prazer tê-la conosco. (Palmas.)
O tema desta audiência já fala por si só. Ao dizer que a tradição alimenta, não violenta, já estamos dizendo a que viemos no dia de hoje e o que vamos buscar construir com a resolução do Supremo provavelmente hoje à tarde.
No dia de ontem, em função de uma solicitação da Comissão de Cultura, presidida de forma muito bela pela Deputada Benedita da Silva, e da Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Deputado Helder Salomão, nós estivemos, juntamente com o Deputado Marcon, em uma reunião com o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, para falar sobre este tema e sobre o que está em jogo no dia de hoje.
O que está em jogo é o caminho que este País vai percorrer: vai retroceder às senzalas, à interdição, à criminalização; ou vai seguir o caminho explícito na nossa Constituição, que fala de dignidade humana, que fala da liberdade de ser e de existir enquanto povo? Falar em liberdade de ser e de existir enquanto povo é também falar em liberdade religiosa, é também falar em segurança alimentar, é também falar em espaços que este País construiu para resistir a tantos chicotes, a tantos grilhões, para que o povo se mantivesse vivo.
Nunca conseguiram calar os tambores! Nunca vão conseguir calar os tambores! Nunca mais vão conseguir esconder as contas, porque as contas têm que estar circulando no conjunto desta sociedade. (Palmas.)
Precisamos ter noção de que estes foram espaços de resiliência e de resistência que eles nunca conseguiram calar nem eliminar. Não vamos permitir que tenhamos de volta os grilhões, que tenhamos de volta a tentativa de silenciamento, que tenhamos de volta uma concepção que impede que as pessoas possam exercer a sua transcendência, as suas formas de dialogar com o divino.
Muita coisa está em jogo hoje: vamos perpassar o caminho de volta, para que tenhamos o retorno do que está aos pedaços na nossa contemporaneidade — a escravidão, o colonialismo, enfim, a própria ditadura —, ou vamos reafirmar a democracia?
É grande a minha alegria por estar nesta Comissão, que é presidida pela Deputada Benedita da Silva e tem como 1ª Vice-Presidenta a Deputada Maria do Rosário e como 2ª Vice-Presidenta a Deputada Áurea Carolina, mulher negra que sabe o que é a territorialidade, que conhece os fios que foram tecidos para se construir uma noção de povo. Nós estamos aqui falando de povos, e os povos têm que existir.
10:24
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Aliás, precisamos fazer uma discussão sobre dupla cidadania, porque isso se refere aos povos. Os migrantes que chegaram da Europa podem adquirir a dupla cidadania. E a nossa negritude? E o nosso povo? E a nossa africanidade? Por que eles não podem ter a dupla cidadania?
Também está aqui conosco a Deputada Talíria Petrone, uma guerreira, uma mulher negra que vem do Rio de Janeiro. Aproveito a oportunidade para fazer um agradecimento ao povo do Rio de Janeiro, pelo mandato da Deputada Talíria e pelo mandato da Deputada Benedita da Silva, e um agradecimento ao povo de Minas Gerais, pelo mandato da Deputada Áurea Carolina. O povo brasileiro, povo de santo, agradece a esses locais do Brasil a qualidade dos mandatos que nos ofertaram, os quais contribuem tanto para resistirmos a tantas formas de quererem nos calar. (Palmas.)
Vamos agora combinar os procedimentos nesta reunião. Nós temos um problema de tempo nesta audiência. Por isso, estamos sugerindo que cada pessoa que compõe a Mesa utilize o tempo de 8 minutos. Depois vamos abrir a palavra para as pessoas que constroem conosco esta audiência pública. Poderão falar cinco representações, por 3 minutos. Obviamente, como prevê o Regimento, será assegurada a palavra às Parlamentares que aqui estão.
Podemos acertar assim? Vamos passar a palavra para os integrantes da Mesa por 8 minutos. Depois queremos escutar o Rafael, representante da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno. Queremos escutar também outras pessoas. Vamos abrir a palavra para cinco participantes e para os Parlamentares e as Parlamentares presentes.
Feitos os tratos e os pactos, passo, de pronto, a palavra para a Regina Nogueira, Coordenadora-Geral do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, que todas as vezes que fala nos ensina muita coisa.
A SRA. REGINA BARROS GOULART NOGUEIRA - Meu bom dia e minha benção a todas e a todos.
Àqueles que podem me abençoar, eu peço bandagira, peço licença a Nkisi, a Mukixi, e principalmente peço à Nzila que não permita que da minha boca saia algo que lhe desagrade.
Começamos mais uma audiência. Quando eu chegava aqui, as pessoas me diziam: "Mais uma vez, a gente se encontra". Que bom que podemos nos encontrar! Que saudade dos rostos que eu não vejo na plateia, dos rostos dos nossos e das nossas que se foram em função da violência que nós sofremos cotidianamente!
Por que estamos nesta Mesa? Porque coordenamos hoje um fórum cuja pauta está em jogo. O Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, desde a sua criação, vem lutando para constituir políticas públicas como forma de garantir a soberania alimentar e a segurança alimentar.
10:28
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O que seria segurança alimentar? Seria ter um alimento adequado, em quantidade adequada, de acordo com a sua questão cultural e tradicional. O que seria soberania? Seria um povo que tem uma língua própria, que tem uma forma própria de se organizar socialmente, que foi expropriado do seu território e manteve essas questões dentro de um território, com um governo, uma estrutura ou uma política dominante contrária, mantendo a soberania sobre o formato e a forma de se alimentar. E qual é o formato e a forma de o povo tradicional de matriz africana se alimentar? Nós temos um sistema alimentar altamente bem montado, complexo, altamente bem estruturado, com o valor nutricional descrito como um dos melhores em âmbito mundial e histórico, que foi transformado em apenas religioso.
Quando eu vinha para cá, eu me lembrava do filme Pantera Negra, famoso atualmente. Nele o vilão, antes de destruir um povo, pega a flor principal desse povo e diz: "Para destruir um povo, você pega aquilo em que eles mais têm fé".
Hoje, o que está sendo julgado é exatamente aquilo que mais nos garante como povo: a nossa forma de alimentação. Independentemente dos formatos e das maneiras como nos autodenominamos, ou de como nos comportamos neste País ou fora dele, nós temos algo que nos unifica: a alimentação. Numa unidade tradicional territorial, que nada mais é do que uma categoria que reúne todas as formas como nós nos denominamos — terreiro, casa, ilê —, pode faltar muita coisa, mas comida, não. E muito nos faltou, porque tudo nos tiraram. No entanto, ninguém sai de uma unidade tradicional territorial sem alimentação. Se um pão tivermos, um pão nós vamos dividir. Se uma banana só tivermos, uma banana só nós vamos dividir.
Querem nos tirar a nossa flor, a flor que nos reúne, a flor que nós estamos recuperando, ressignificando, reterritorializando. A nossa tradição não é parada. Ela se adapta. E nos tiraram tanto! Quando conseguimos recuperar o cabrito, que foi tão perseguido — é o animal com o maior índice de proteína, sem nenhum colesterol —, eles dizem: "Epa! Epa! Essas pessoas agora estão começando a saber com quem estão mexendo!" Vocês têm ideia de que, num segundo, neste segundo, no Brasil, 1 porco, 1 boi e 180 aves são abatidos? Eu me dei ao trabalho de perguntar para várias pessoas que estão aqui se sabiam quantos animais abatemos em 1 ano. Quantas pessoas nós alimentamos? As maiores casas não abateram mais do que 10 quatro pés ao ano, não abateram mais do que 300 aves num ano, e alimentaram mais de 5 mil pessoas.
Então, dizer que o formato africano de produzir alimento não consegue alimentar uma grande população é mentira, é falácia. A verdade é que nós não matamos pelo lucro. A verdade é que nós não matamos pelo lucro. (Palmas.)
10:32
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Uma questão que vai pesar hoje é o fato de a Bélgica, por exemplo, ter proibido dois tipos alimentares que são religiosos. E nós alertamos na outra audiência pública: cuidado ao fazerem a defesa da alimentação do povo tradicional de matriz africana, que não tem lucro, que faz o abate apenas para subsistência, igualando-a a um abate que é religioso apenas e que tem lucro envolvido. O Brasil recebe mais de 3 bilhões por ano com o abate tradicional judaico muçulmano. Eles não vão tocar nesse ponto. Esta é a flor deles: o lucro.
Nós temos uma flor que não dá lucro. Vamos usar os nomes dos roubos epistemológicos, como se fala: agroecologia, orgânico. Isso somos nós. Nós cuidamos do bicho, nós matamos o bicho, nós sabemos o que fazer. Isso é o que nós queremos, mas nos tiraram.
O FONSANPOTMA hoje está aqui para dizer, primeiro, que é importante que todo povo tenha o seu sagrado e que nós defendemos, sim, um sagrado. Nós defendemos um sagrado e nós temos a comida como sagrado.
Realmente, antes eu dizia que toda comida era sagrada, mas hoje, com o nível de alimentação que estão nos oferecendo, haja reza! Há agrotóxico, há veneno. O que o Ministério Público tinha que estar fazendo e o STF tinha que estar julgando era a qualidade da alimentação que esse povo está comendo quando não está no seu ritual, quando não estão garantidas a produção e a subsistência do nosso povo. (Palmas.)
Ah! Não pode fazer sofrer o bicho! Mas vocês entendem de encantamento? Eu queria perguntar isso, porque nós encantamos o bicho. E, se o bicho não está encantado, alguém diz "Epa! Parem tudo, porque o bicho está gritando!"
Nós temos formas de higienização, formas de sensibilização. Nós temos técnica. Há invenção? Sim, há invenção. Mas agora é a hora de quem está defendendo uma tradição dizer que aquilo que foge do que está sendo dito por nós não é tradição de matriz africana. Pode ser a religião de quem quiser, mas, se alguém faz um animal ou uma pessoa sofrer, se faz violência, se não alimenta, não é nosso, não é nosso! Não tenhamos medo de começar a dizer o que é tradição de matriz africana e o que não é! (Palmas.)
Na outra audiência, nós tivemos alguns encaminhamentos. Um deles era formar um grupo de estudo para que conseguíssemos chegar ao outro julgamento com muito mais subsídios, inclusive subsidiando mais os Ministros. Acreditávamos que a conjuntura era ruim, mas a conjuntura foi muito pior do que se pensou. Quando destroem o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, quando acabam com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, quando acabam com o Ministério de Combate à Fome, percebe-se que a comida é o foco. Eles vão focar num projeto de destruição da Constituição e da democracia para que a garantia do direito à alimentação seja destruída.
Então, nós sabíamos que a nossa pauta era a pauta da vez e que íamos sofrer. Estamos sofrendo e ainda vamos sofrer muito se não aprendermos.
Companheiras Deputadas, precisamos sim ter uma frente ativa, para fazer defesas reais em todas as Comissões. Teremos que dizer que estamos perdendo a saúde e que a nossa roda está doente, porque disseram que a nossa comida era só religiosa e de culto. Aí nos entupiram de comida de fast food.
10:36
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Nós fazemos o rito, mas depois achamos que o bom, que o que dá valor é comer comida com agrotóxico. Precisamos reterritorializar! Precisamos, sim, garantir a soberania alimentar desse povo!
Vamos precisar muito de cada um, em cada Estado, para que saibam exatamente o que é tradicional e o que não é, a fim de defendermos aquilo que é nosso.
Agradeço pelo tempo, pela paciência.
Hoje, quando eu vinha para cá, eu dizia que o nosso sacrifício já foi feito. Nós estamos aqui. Cada um e cada uma sabe o sacrifício que é estar aqui para mostrar a política que temos que fazer. Agora nós vamos para a festa. Independentemente do que vai acontecer hoje, a luta continua. Esta Casa está buscando 30 Deputados para discutir sobre o abate tradicional. Eles já estão garantindo isso. Eles já sabem o resultado. Eles vêm com leis agora. Se nós não fizermos a Frente Parlamentar aqui para nos defender, vai ser o arraso.
Precisamos continuar em luta. Vamos continuar sendo tradicionais. Vamos ser ilegais, mas vamos continuar fazendo o nosso abate. Nós seremos ilegais. Vamos precisar que os senhores nos tirem da cadeia, porque é para lá que nós vamos. É para lá que querem nos enviar. Vamos para lá e vamos matar lá dentro da própria cadeia os bichos.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer à Regina.
Registro a presença da Deputada Lídice da Mata, do PSB da Bahia. É um prazer tê-la aqui.
Vou passar a palavra à Deputada Lídice da Mata, que fará uma saudação.
As Deputadas podem fazer uso da palavra na hora em que acharem conveniente.
Com a palavra a Deputada Lídice da Mata. (Palmas.)
A SRA. LÍDICE DA MATA (PSB - BA) - Eu peço licença às companheiras, porque estou com voo marcado e vou falar rapidamente.
Quero saudar a Deputada Erika Kokay, todas as companheiras e todos os companheiros que participam desta frente, por sua importância. É um tema difícil, haja vista todos os ataques que têm sofrido a religião de raiz africana no Brasil no último período, desde a invasão do capital, desde a disputa do território para impedir que a especulação imobiliária tome as áreas de terreiro nos grandes centros urbanos. Vemos que existe perseguição a algumas religiões, através da intolerância que se espalha na população.
Agora vemos essa discussão sobre o abate de animais. Nós vivemos num país exportador de carne de boi, de carne de ave. Entretanto, incomodam-se com o abate de animais feito em cultos religiosos. Não há nem registro estatístico em relação ao número de abates de animais no Brasil.
Eu quero prestar a minha solidariedade total a essa luta em defesa da comida baseada na tradição religiosa. Na Bahia, nós temos uma batalha em defesa do nosso patrimônio, da preservação do acarajé, que já tentaram transformar em "bolinho de Jesus". Graças à resistência do nosso povo, das nossas baianas e da associação de culto afro, o nome foi mantido. Todos os dias há esse tipo de agressão. Manifesto-me totalmente favorável e integrante nessa luta.
10:40
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Neste fim de semana, a Fabya e eu participamos de um grande encontro de mulheres da religião afro no Brasil, de raiz africana, de candomblé, na Bahia e no Brasil. O evento foi belíssimo. Lá reafirmamos também o nosso compromisso pelo livre culto religioso no Brasil.
Portanto, contem comigo!
Infelizmente, nós Parlamentares vivemos atividades muito intensas. Terei uma atividade na Bahia à tarde. Por isso, terei que viajar daqui a pouco.
Deputada Erika Kokay, agradeço a V.Exa.
Contem comigo nessa luta!
Saúdo os baianos, mas também todos os demais brasileiros, porque somos todos iguais! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputada Lídice da Mata. É um prazer tê-la aqui.
Eu quero dizer que havia uma Frente Parlamentar, mas, quando a legislatura acabou, ela se encerrou naturalmente. Estamos recolhendo assinaturas para refundar a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. Já colhemos dezenas de assinaturas. Precisamos de 171 assinaturas. Vamos fazer um esforço para tentar recolher todas essas assinaturas até a próxima semana.
Só temos Parlamentares aqui em poucos dias. Por isso, vamos nos concentrar na terça-feira e na quarta-feira, a fim de conseguir o número necessário de assinaturas.
Concedo a palavra à Iya Dolores, professora representante do Coletivo da Teia Nacional Legislativa em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
A SRA. DOLORES LIMA (IYA DOLORES LIMA) - Káàró — é bom dia na nossa língua iorubá.
Peço bênção aos meus mais velhos, às minhas mais velhas, a todas as pessoas presentes.
Quero iniciar a minha fala lembrando a importância da sociedade civil nessa relação. Essas Parlamentares e esses Parlamentares estão acolhendo essa pauta, mas sabemos que é preciso haver um encaminhamento técnico.
A Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais foi uma estratégia pensada. Em nenhum momento julgamos que seria uma proposta exclusivamente de uma entidade. Ela tem que ser de todos e de todas nós. A Frente foi pensada exatamente para olharmos para o lugar de onde nossos ancestrais buscaram novas estratégias de resistência.
Começamos a dialogar com Parlamentares em diversos Estados. Quero agradecer e parabenizar, particularmente, a então Vereadora em Niterói, hoje Deputada Federal, que implementou essa Frente. Com isso, conseguimos entender a diferença de fazer o debate com esse Estado racista, homofóbico, machista. Entendemos a importância de tratarmos esse tema numa dimensão muito maior, em vez de minimizar o ponto de vista das tradições culturais de matriz africana.
10:44
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Eu quero dar um exemplo antes de entrar na pauta da Teia Legislativa. Quando, lá no Rio de Janeiro, a Casa de Mãe Neide foi depredada e ela foi ameaçada e forçada a quebrar o assentamento de obaluaê, ela não estava quebrando um pedaço de barro, estava sendo obrigada a destruir aquilo que nós entendemos que seja uma representação consular da cidade de Tapa, de onde vem aquele ancestre. Falo isso para termos uma noção de que, quando falamos de intolerância religiosa, estamos minimizando um ato que é terrorismo. Digo isso para iniciarmos com esse ponto de vista.
A Teia Legislativa tem o papel de fazer um acompanhamento. A Deputada Erika teve todo o apoio da sua assessoria e do Tata Edson, a quem agradeço e parabenizo. Ele teve um papel fundamental, junto com a assessoria, para que isto aqui acontecesse e fosse plural, para que nós tivéssemos um debate e chegássemos a termo. (Palmas.)
Nós precisamos efetivamente reconhecer, porque isso, neste momento, tem sido a única possibilidade de nos retroalimentarmos para a resistência e a luta.
A Teia Legislativa, neste momento, tem dois papéis fundamentais junto à Frente. E um deles nós estamos cumprindo aqui hoje: fazer as audiências públicas no Brasil inteiro, com o tema A tradição alimenta, não violenta.
Independentemente do que acontecer hoje no julgamento do STF, essa tarefa continua, porque isso vai ter efeito para o bem ou para o mal nos nossos entes federativos, nos nossos Municípios, nos Estados.
É uma tarefa extremamente importante levar o debate sob esse ponto de vista. Nós temos materiais disponíveis em que falamos desse ponto de vista sobre duas questões. A nossa alimentação não tem simplesmente o sentido de alimentar fisicamente. Ela tem um sentido biomítico cosmogônico. Ela tem outra representação, que essa sociedade capitalista absolutamente abomina.
Há uma questão fundamental das nossas tradições que levam em consideração tudo isso: a soberania alimentar, que nós temos deixado de discutir. Com alguns outros epistemicídios que têm acontecido, nós vamos precisar pensar juntos novas estratégias, como, por exemplo, a ausência do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal — CONCEA. Nós vamos precisar, entre nós e com essas forças que nós estamos juntando, pensar outras questões.
Nós temos outra vertente de discussão, que é o alimento primeiro, que vem de útero, que é a questão da água. O tema A Tradição alimenta, não violenta tem pego como visgo em todos os lugares. Nós estamos achando isso lindo, ótimo, maravilhoso. Também esperamos que a campanha Todas as mulheres são águas e todas as águas são sagradas seja apropriada por todos nós e todas nós. Isso tem uma relação com a preservação das águas. Relacionamos as águas, do nosso ponto de vista da tradição de matriz africana, ao combate à violência contra a mulher. Nós entendemos que a violação das águas é uma forma — a primeira forma — de violência contra a mulher. Esse é o primeiro alimento com o qual todos os outros alimentos são feitos. Sem água, nós não fazemos nenhum outro alimento, não concebemos vida, não invocamos nossos ancestrais.
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Estamos trabalhando nessas duas direções. Neste momento, buscamos as Frentes nos Estados onde estamos atuando. Nós estamos buscando parcerias para que elas aconteçam. Por exemplo: um Estado que nos é caro é o Maranhão. Estamos buscando a implementação lá, porque sabemos que isso vai ser muito profícuo.
Esperamos que a Frente Parlamentar atue junto com as Teias Legislativas, que tenha esse papel e não se torne pelega do mandato de ninguém, que monitore e acompanhe cada ação da Frente Parlamentar, com a autonomia da sociedade civil.
Nós temos informações mais técnicas em relação a isso lá no site. Estamos aqui buscando reconstruir estratégias, assim como as irmandades mais velhas construíram...
(Desligamento automático do microfone.)
A SRA. DOLORES LIMA (IYA DOLORES LIMA) - Para concluir, eu só estou querendo comparar isso às irmandades que foram criadas naquele momento para organizar a compra das alforrias. E nada melhor do que o exemplo dos nossos ancestrais para olharmos para trás e reaprendermos a resistir. Se nós estamos aqui hoje é porque eles aprenderam a resistir. Temos que ir lá ao passado buscar essa sabedoria.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Iya Dolores.
Eu acho que a presença de cada um e cada uma de vocês no dia de hoje é muito importante para esta Casa, até para que nós possamos fazer valer uma ancestralidade que eles querem negada, uma memória que eles querem negada, uma resistência que eles querem negada. Que ninguém ouse duvidar da força que o povo de santo tem!
Eu quero registrar a presença do Deputado Patrus Ananias, que já foi Ministro do Desenvolvimento Social e Ministro do Desenvolvimento Agrário.
S.Exa. dá qualidade ao Parlamento brasileiro. (Palmas.)
Também registro a presença do Deputado Valmir Assunção, que é um Deputado da Bahia ligado ao movimento agrário. (Palmas.)
Nós nos orgulhamos muito desses dois mandatos.
Antes de passar a palavra ao próximo orador, eu vou ler o recado que o José Fritz, que já foi Parlamentar e sempre nos lembra dessa condição, mandou:
O Ministério da Agricultura autorizou, como condição para exportar carne para países do Oriente Médio, que todo o abate feito nos frigoríficos seja precedido de um ritual religioso, antes do abate, como condição para o embarque nos portos para a exportação.
Para vai abater e exportar para o Oriente Médio, há que se fazer um rito, um ritual religioso para sacralizar o que é o alimento. O alimento tem um quê de sagrado, até porque se transforma em ação, em energia. Quando é ofertado aos santos, ele se sacraliza e faz com que nós possamos conviver e compartilhar esse caráter sagrado. Esse procedimento foi autorizado pelo Ministério da Agricultura como exigência dos países do Oriente Médio para comprarem a nossa carne. Foi exigido que passem pelo rito sagrado. Como ficará esse procedimento caso o Supremo Tribunal Federal decida pela proibição? O Brasil vai deixar de exportar para esses países?
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Esses questionamentos fazem com que nós tenhamos uma segurança de que vamos sair com uma vitória no dia de hoje.
Eu queria passar a palavra para o Sr. Jaime Mitropoulos, Procurador do Ministério Público Federal e integrante do grupo de trabalho sobre racismo e laicidade no âmbito do Ministério Público Federal.
O SR. JAIME MITROPOULOS - Bom dia a todas e a todos.
Saúdo a Mesa e os demais presentes, na pessoa da Deputada Erika Kokay.
Agradeço a oportunidade de colaborar e peço licença para fazer uma brevíssima exposição. Depois das maravilhosas e completas palavras da Regina, que está aqui ao meu lado, vou buscar ser o mais sucinto possível, para expor aquilo que eu penso e imagino depois de 1 ano de trabalho árduo à frente da relatoria instituída pela Dra. Deborah Duprat, a quem agradeço a oportunidade de ter me debruçado sobre esse tema da violência religiosa, que hoje grassa em nosso território.
Para não ficar apenas nesse campo macro da violência, eu queria contextualizar e começar justamente dizendo que toda e qualquer tentativa de proibição da sacralização dos animais dos povos tradicionais, dos povos de terreiro, deve ser analisada sob essa ótica, sob a ótica do ataque sistemático contra as raízes de matriz africana.
Antes de mais nada, é sempre necessário ressaltar que é dever do Brasil proteger, preservar e valorizar a pluralidade, a diversidade, inclusive a diversidade religiosa e das expressões culturais. Essas são obrigações que o Estado brasileiro assumiu ao promulgar a nossa Constituição, ao editar as nossas leis, ao criar e colocar em prática as nossas políticas públicas. Além disso, são compromissos assumidos internacionalmente, pois existem inúmeros tratados e convenções ratificados pelo Brasil que asseguram o direito das minorias étnicas e das minorias religiosas.
A democracia não é só democracia para os cristãos. A democracia é, acima de tudo, a proteção das minorias religiosas. Infelizmente, não é isso o que tem ocorrido. Como eu falei antes, nesse trabalho, eu pude constatar aquilo que já venho acompanhando há pelo menos 1 década e meia, que é o crescimento sistemático e progressivo dos ataques às religiões de matriz africana, ataques que se concentram no nosso Estado do Rio de Janeiro, mas que perpassam todo o nosso território. São ataques que vêm crescendo à medida que o tempo avança, ataques que vêm crescendo desde meados da década de 80 para cá. Isso é uma questão que precisa ser tocada sempre que tratamos de segurança alimentar, o que envolve as tradições alimentares das religiões de matriz africana.
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É nosso dever combater o racismo religioso. O nosso ordenamento jurídico nos garante, sim, a alimentação adequada, o direito de consciência, o direito de culto e o nosso direito de liturgia. Está escrito no nosso ordenamento jurídico que somos iguais em direitos, respeitadas sempre as nossas diferenças culturais e a diversidade religiosa. Isso é um valor fundamental da nossa democracia. Repito: a nossa democracia substancial não é simplesmente um Governo para a maioria; é um Estado, é um Governo, são ações de Estado programadas para defender inclusive o direito de uma minoria religiosa. Isso tem que ser considerado.
É certo que a nossa Constituição também preconiza a vedação de maus-tratos a animais. Isso é verdade. Mas como é que isso está sendo levado adiante? Como falácia. Por que partir do pressuposto de que, justamente na alimentação adequada de toda a comunidade, existem maus-tratos? De onde tiraram isso? Com que pretexto? Eu perguntaria a todos com quem eu pudesse ter a oportunidade de interagir se eles ainda têm, no interior, uma avó, um avô, se eles já viram ou praticaram, mesmo no seio da sua casa, alguém matando uma galinha para alimentar a sua família no fundo de um quintal.
Ora, então, por que um povo de terreiro, um povo de santo estará praticando maus-tratos se, de maneira tradicional, numa alimentação de subsistência, ele está matando, ou melhor, sacralizando para que possa alimentar a sua comunidade de axé? A todos os presentes e ausentes, vamos dizer assim: por que se parte do pressuposto de que existem maus-tratos? Eu pelo menos intuo, presencio e testemunho que nunca vi maus-tratos nesse ato, muito diferentemente do que é praticado por indústrias de enlatados, indústrias de embutidos.
Eu acho que toda essa questão da alimentação, da afronta à alimentação sagrada dos povos de terreiro, as comunidades tradicionais, tem que ser encarada como uma tentativa sim de implementar um sistemático ataque, um cerco às religiões de matrizes africanas. Qualquer projeto de lei, qualquer julgamento dos nossos tribunais tem que ser visto sob esse enfoque. É necessário que deixemos de olhar para essa questão com hipocrisia e sem respeito, senão vamos estar perpetuando e perpetrando o racismo estrutural e estruturante que atravessou e continua atravessando toda a nossa história. Muito obrigado.
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A SRA. PRESIDENTE (Áurea Carolina. PSOL - MG) - Muito obrigada, Sr. Jaime Mitropoulos.
Bom dia a todos. Eu assumo rapidamente a Presidência aqui enquanto a Deputada Erika kokay precisa participar de outra Comissão É uma honra muito grande estar com vocês nesta manhã discutindo uma agenda democrática de preservação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, em um momento em que há uma investida perversa, macabra, contra os direitos dessas comunidades, da população negra, dos povos indígenas, das mulheres e de todos os grupos que não são contemplados justamente nesse sistema político.
Dando seguimento à audiência, convido a nossa Procuradora Deborah Duprat a fazer uso da palavra, por gentileza.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Obrigada. Bom dia a todas e a todos. É uma felicidade ter na Presidência desta Mesa a Deputada Áurea — estou muito feliz. Quero saudar também a Deputada Erika Kokay por fazer mais uma audiência no dia do julgamento. A primeira foi no dia, agora estamos retomando esse julgamento que causa tanta dor, porque é uma ameaça permanente que não cessa. Enquanto ele não se concluir, deixa a vida de vocês um pouco em suspensão, no aguardo do que virá.
Nós corremos muito para publicar esse relatório que chegou às mãos de todos os Ministros do Supremo, porque ele se inicia numa época de muita violência no Rio de Janeiro aos terreiros. Eu vou para uma reunião no Gantois, porque me comprometi a fazer uma investigação a respeito disso. Jaime foi designado, porque tem uma longa história de atuação nessa matéria. Com isso, nós mostramos que há uma violência sistemática às religiões de matriz africana que se desenvolve de diversas formas.
Por que eu falo em religião? Porque a religião não é um aspecto menor nesse julgamento. A religião é um fator extremamente importante de organização da vida coletiva, de conferir sentido principalmente em épocas de sofrimento absurdo, como foi a escravidão. A religião, portanto, que foi uma maneira de organizar um povo numa época em que a resistência se fazia por determinadas práticas, vai sendo reconstruída em todos os grupos sociais, quando a dominação também se transforma. Então, ela também vai se transformando, mas segue sendo um componente fundamental na organização, na maneira de compreensão de povos e na sua inserção dentro de determinados territórios. Qualquer interferência externa, principalmente de um órgão de Justiça, sobre o modo como se desenvolve essa religião, é uma forma de desorganização potencial desses grupos e das outras formas que vêm associadas às práticas religiosas. É muito importante, portanto, o Supremo Tribunal Federal ter a percepção da capacidade de influir na própria existência desses povos e comunidades.
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Lembro que um dos aspectos relacionados a isso — o abate religioso — foi referendado em estudos pela FIAN Internacional. E, mais uma vez, chamo a atenção para uma estratégia, que nós não sabemos se é ostensiva ou não, de gerir corpos indesejáveis a partir da fome.
Nós sabemos que o controle do que se come foi uma estratégia fundamental nos campos de concentração. É até hoje nos presídios, nas unidades socioeducativas, nos manicômios, ou seja, o controle dos corpos pela fome é uma forma de dominação muito, muito eficaz. Então, é importante nós estarmos atentos, para verificar o que está por trás da extinção do CONSEA e o que está por trás dessa preocupação tão grande com o abate religioso.
Em relação ao Supremo Tribunal Federal, havia certo receio em razão de umas decisões anteriores a respeito da rinha de galo, da vaquejada, da farra de boi. Mas vamos combinar que nós estamos diante de um cenário completamente diferente. Nós não estamos falando aqui propriamente de práticas culturais. Muitas dessas atividades já tinham sido incorporadas pelo próprio capital. São grandes exibições, como a vaquejada. Além disso, era o sofrimento pelo sofrimento. Era uma morte absolutamente desnecessária.
Agora nós estamos falando de uma coisa absolutamente diferente. Nós estamos falando de um aspecto de uma religiosidade, de uma organização social, de uma territorialidade em que aquele alimento tem uma forma religiosa, uma forma nutricional absolutamente diferente.
É uma hipocrisia nós estarmos inclusive tendo essa discussão. Vamos combinar que, numa sociedade de capital de larga escala em que frangos crescem numa gaiola, que nunca podem abrir as asas e morrem sem nunca ter visto a luz do sol, essa é uma discussão absolutamente ridícula, sem sentido.
Como foi dito aqui, eu me lembro da dietética do Foucault, o que o Estado permite que nós comamos ou não. E aí nós somos condenados a viver consumindo veneno. Acabaram de dizer que o único lugar do mundo em que o glifosato não causa câncer é no Brasil. Enfim, nós estamos aqui consumindo essa comida de baixíssima qualidade, envenenada, enquanto estão preocupados com aquilo que tem não só caráter sacrificial, mas também uma natureza absolutamente humanitária na forma como esses animais são levados para o abate.
Com isso, eu encerro. Não quero me alongar, porque acho que há gente que tem muito mais para falar e de maneira muito melhor do que eu.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Áurea Carolina. PSOL - MG) - Muito obrigada, querida Deborah Duprat, parceira em tantas lutas cruciais para o nosso povo.
Eu passo a palavra agora à Sra. Iya Vera Soares.
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A SRA. VERA SOARES (IYA VERA SOARES) - Eu quero pedir o meu agô a todas e todos; pedir a benção às minhas yas, aos babas, aos simpatizantes; e, em nome de todos nós, saudar a ancestralidade que nos coloca aqui e nos dá força para que estejamos mais uma vez diante desta Mesa, que, em nome da Secretaria de Igualdade Racial, quero cumprimentar e parabenizar.
Eu quero iniciar uma reflexão pequena. Diante de tantas falas que nós já ouvimos aqui, tantas verdades, não sobra muito para dizer, mas sobra muito para refletir. Quero convidar todos a refletir que a nossa tradição não nos violenta, nos alimenta. E é a partir dessa tradição que eu quero trazer essa reflexão.
Eu tenho que falar um pouquinho de onde venho. Venho do Estado do Rio Grande do Sul, onde não diria que tudo se iniciou, mas que houve um processo muito delicado, violento, racista e intolerante que desencadeou para o resto do Brasil uma revolta coletiva, porque, como nós dizemos nas nossas formações, em pleno século 21 nós ainda temos um Estado que nos considera e nos trata como minorias.
Como minorias estamos sendo tratados neste momento. Fomos tratados em agosto do ano passado e estamos sendo tratados outra vez nesta Casa. Por isso, é importante refletir sobre a Frente Parlamentar formada nesta Casa, neste País, no meu Estado e nos Estados que se comprometeram com mandatos comprometidos com esta causa, que não é minha, não é do povo preto, é da sociedade brasileira, uma causa que é uma das responsáveis pela violência que permeia este País, a violência da intolerância, a violência daquilo que mata, que é chamada de racismo.
O que está em pauta, a partir do alimento sagrado, é o racismo. Sabem por quê? Porque nós temos segmentos que, num dia do ano, mandam matar milhões e milhões de peixes, porque naquela sexta-feira que é santa todos têm que comer peixe. E ninguém, nos meus 71 anos de idade, comeu peixe vivo, a não ser nos grandes cardápios específicos em que se come carne crua das grandes etnias reconhecidas.
Agora, o sagrado, minha soberania alimentar, a soberania alimentar dos povos tradicionais de matriz africana... Não importa se é caboclo, se é exu, se é inquice, se é vodum, se é orixá, se é encantado. Importa que nós temos uma matriz que nos torna iguais e que tem como prática, nas suas casas de tradição, o abate. Ele é um abate doméstico, porque nós comemos e alimentamos quem tem fome. Não vendemos esse alimento. Enquanto isso, indústrias, empresários, vendem, matam e, para obterem carne macia, não deixam o gado caminhar para ganharem muito dinheiro. Eu quero fazer essa discussão.
11:12
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Meu povo precisa pensar nessa discussão, e é isso que eu quero dizer nesta Casa, que tem ouvidos e espaço para se falar. Esta Frente Parlamentar que nos abraça e abraça esta causa; o Ministério Público, que assume um papel muito importante neste momento; as procuradoras; os juízes têm que pensar que — eu vou repetir uma frase da Deborah — no que é hipocrisia. É a hipocrisia do racismo que está sendo julgada nesta Casa. É a hipocrisia da intolerância que vai ser julgada. Trata-se de renegar, mais uma vez, a identidade dos povos que um dia construíram este País.
No Brasil, nos Estados, temos, sim, que ter pessoas realmente comprometidas com a nossa dor, com o nosso sentimento, com a humilhação que este País, este Estado, nos faz passar quando nos chama de diferentes e nos trata como minoria. A igualdade passa longe, mas a casa tradicional acolhe, alimenta e não tem violência. Ela respeita as águas, as senhoras águas, que o capitalismo destrói. Daqui a alguns anos — a Rio+20 já deixou dito —, não teremos água para sobreviver. Eu quero que o nosso povo tome água saudável. Nós temos que comer comida de verdade. Nós temos que ter nossos territórios. Nós temos que ter a nossa identidade. Esse povo não veio para cá porque quis. Ele foi tirado da sua terra, foi desrespeitado na sua essência, na sua gênese.
Então, meu povo, "refletir" é a palavra do dia. Hoje estará sendo julgado tudo aquilo que é simplesmente hipocrisia. Nada que está sendo julgado é de verdade. Nós não somos criminosos. Nós abatemos para comer, como qualquer matadouro, com um grande diferencial: nós alimentamos os nossos e dividimos com nosso sagrado.
Quero deixar mais uma reflexão. Alguém, em algum dia, foi a um grande restaurante, pagou uma fortuna para comer um galeto, um peixe, um gado, um cabrito, uma ovelha e foi para o hospital no outro dia porque passou mal? Muita gente. Agora eu quero que me indiquem quem comeu uma comida sagrada, com todo esse abate que dizem que é criminoso, e passou mal? Nunca fez mal nesses 500 anos de história. Isso foi o que ajudou a alimentação e a vida, porque o alimento é a vida, o alimento sagrado, a comida de verdade. Enfim, os povos de matriz africana querem a sua soberania alimentar. Com qualquer coisa diferente disso, a luta vai continuar, sim, senão vamos ter que fechar todas as galeterias, todas as churrascarias, enfim, tudo aquilo que mata carne para comer. E no inverno, na minha terra, ninguém vai usar casaco de couro, sapato de couro, luva de couro, estola de pele, porque ninguém vai sair com a pele dos bichinhos mortos. É o capitalismo que faz isso. (Palmas.)
11:16
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Força para nós!
Encerrando a minha fala, quero agradecer a esta Casa, aos Deputados que formam a Frente Parlamentar e estão de fato comprometidos, porque estão aqui. Nós, povos tradicionais, temos que entender que o voto é a nossa arma. Ele tem que ser dado a quem está do nosso lado. Não dá para tratar como igual aqueles que nos fazem desiguais. Quem está aqui é quem vai botar a cara para se bater. Minha fala é simples, mas é de verdade.
Axé para todos vocês! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Áurea Carolina. PSOL - MG) - Gratidão, Iya Vera Soares, pelas palavras que nos convocam à reflexão e ao compromisso com essa luta.
Esteve conosco a Deputada Alice Portugal, do PCdoB da Bahia, e acaba de chegar o Deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo.
Antes de passar a palavra à Sra. Fabya Reis, comunico que Betta Recine, que foi Presidenta do CONSEA até o desmonte desse importante órgão, está aqui conosco e também o Ogã Buda, que está representando o povo jeje. Eles fariam parte da composição da Mesa, mas, em razão do tempo e da dinâmica, isso não foi possível. Vou conceder a palavra a ambos, finalizando as contribuições da Mesa, por 5 minutos.
A Sra. Fabya Reis está com a palavra.
A SRA. FABYA REIS - Bom dia a todas. Bom dia a todos.
Também quero pedir a bênção aos mais velhos e aos mais novos.
Este é um momento histórico. Quero parabenizar a Deputada Erika Kokay, a Deputada Benedita da Silva, a nossa Deputada Áurea Carolina, que preside os trabalhos neste momento. É uma honra poder fazer parte desta Mesa, que já disse tanto sobre a pauta que discutimos pela manhã.
Quero saudar todos os Deputados presentes — Patrus Ananias, Valmir Assunção, Paulo Teixeira — e nosso amigo Fritz, da Assessoria Parlamentar do PT.
Para quem não me conhece, eu sou Fabya Reis, estou Secretária de Igualdade Racial no Estado da Bahia. Nós também estamos nessa frente. Como disse a nossa Iya Vera, as pessoas que nos antecederam já disseram que faz parte do ordenamento jurídico brasileiro o direito de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros ao culto, às liturgias. Portanto, o que se está colocado e também na fala da nossa Iya Dolores, que trouxe a preocupação, é o racismo e a intolerância reeditados de longas datas. O Ministério Público já evocou aqui que nós temos amparo jurídico resguardado à manifestação das religiões afro-brasileiras.
11:20
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Por que, então, está o Estado a impetrar um recurso extraordinário para colocar um debate? É a tentativa mais uma vez de inverter, a partir desse recurso, e criminalizar as práticas religiosas das religiões afro-brasileiras, em sua diversidade a umbanda.
Assim como estamos assistindo essa parte de uma história longa do racismo estrutural brasileiro que acompanhamos contra a população negra, estivemos aqui em Brasília também lutando para manter o Decreto nº 4.887, de 2003, que resguarda, portanto, a demarcação dos territórios quilombolas.
Nós da sociedade civil organizada estamos aqui o tempo inteiro a ter que garantir as cotas nas universidades para a população negra. Estamos observando o ataque e novos projetos de lei pedindo para que as cotas deixem de existir. Ou seja, é a negação ao acesso à educação do nosso povo.
Agora há a negação da alimentação saudável feita pelas religiões de matriz africana. É uma afronta dizer que esse processo de sacralização induz toda uma sociedade a pensar que os terreiros de candomblé fazem maus-tratos com os animais e, com isso, incita toda uma subjetividade da sociedade à prática de intolerância aos povos de terreiros.
É importante dizer isso, porque, quando alguém alude que praticamos atos cruéis com os animais, nos colocam numa condição de torturadores de animais, e, portanto, coloca em xeque a nossa religião, a religião afro-brasileira construída no dia a dia. Portanto, essa é uma agenda que precisa ser discutida como a violação ao direito que está garantido na Constituição, a violação a uma alimentação saudável e à reprodução e à manutenção de um racismo estrutural impetrado contra o povo negro e contra as religiões afro-brasileiras.
Esta é uma audiência fundamental, porque coloca o debate para toda uma sociedade onde ele precisa ser colocado: as políticas públicas que o Estado também ergueu para reparar o racismo estrutural, as violências e torturas seguidas por mais de 388 anos de escravidão neste País e agora mais essa. Hoje é a sacralização de animais, amanhã serão as cotas, ontem foi o decreto que regulamenta as terras quilombolas. Depois será a extinção da Comissão Nacional.
Quero cumprimentar o Tata Konmannanjy, membro da Comissão Nacional dos Povos Tradicionais, ao lado ali do nosso Coordenador Executivo também da Comissão Estadual de Povos Tradicionais.
Então, a nossa fala complementar com todas que foram tão contundentes, tão reveladoras dessas dimensões de uma conjuntura que é extremamente preocupante.
Portanto, quero agradecer o convite e cumprimentar esta Comissão, especialmente ao Tata Edson Nogueira, ao Tata Buda de Bobosa, que têm feito essa frente muito importante. (Palmas.)
11:24
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Vamos seguir resistentes. Nós estamos com representação de todo o Brasil. Quero cumprimentar todas essas mulheres e homens guerreiros que fazem aqui, portanto, essa resistência de denunciar cada vez que são atacados os direitos do nosso povo negro brasileiro e as religiões afro-brasileiras, em sua diversidade o povo da umbanda.
Vamos seguir firmes. Axé! Menos racismo e nenhum direito a menos ao nosso povo.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Áurea Carolina. PSOL - MG) - Nenhum direito a menos!
Nós que agradecemos, Sra. Fabya Reis. A senhora quer finalizar?
A SRA. FABYA REIS - Desculpe-me, eu queria muito fazer esse registro e essa homenagem pela resistência de uma ancestral que nos deixou no plano material, está no Orun, a nossa Makota Valdina, que é a nossa guerreira e que teve mais uma vez esse ideário de ataques.
A todos que acompanharam na Câmara de Vereadores, quero repudiar o ato que justamente destitui a nossa humanidade. As mulheres de axé souberam responder com muita contundência na rua dizendo que ninguém vai tirar a nossa humanidade e nem os direitos.
Portanto, axé! Nossa Makota Valdina presente! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Áurea Carolina. PSOL - MG) - Presente!
Agora passo a palavra à Sra. Elisabetta Recine, por 5 minutos.
A SRA. ELISABETTA RECINE - Bom dia a todas. Bom dia a todos. Agradeço esses 5 minutos. Espero que eu consiga transmitir uma saudação em nome de todas as conselheiras e conselheiros do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, mas também dos CONSEAs estaduais a este momento.
Em agosto do ano passado, estive em uma sessão como esta. Naquele dia, estava encerrando a semana. Se não me engano, era uma quinta-feira, e havíamos vivido uma semana muito intensa pelo que ela significou, do que já estávamos vivendo no Brasil e também do que se anunciava.
Naquela mesma semana, a Caravana do Semiárido estava aqui em Brasília denunciando a volta da fome, os trabalhadores rurais, os agricultores familiares estavam em greve de fome em face da então proposta da reforma da Previdência.
Nós realizamos uma plenária no CONSEA, onde foram apresentados para nós todos os dados, os indicadores que já mostravam o aumento da extrema pobreza no Brasil, a reversão de muitos indicadores que tínhamos conseguido melhorar, e eu vim aqui na sessão dos senhores, uma sessão que precisava ser homenageada pelo valor da reunião, mas também significava mais um risco, como estamos vivendo hoje novamente. Todos vivemos esses meses de maneira muito intensa, prevendo um desfecho que nós não deveríamos reconhecer. A cada dia que vivemos, muito antes de agosto, principalmente no segundo semestre até o desfecho do processo eleitoral, cabia a cada um de nós acreditar que poderíamos reverter os resultados, poderíamos reverter o que se avizinhava. Não conseguimos fazer isso. Estamos vivendo a realidade.
11:28
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No dia 1º de janeiro, quando foi publicada a medida provisória que reestrutura o Governo Federal, estava lá anunciada a extinção do CONSEA. A pessoa que riscou aquela linha, que desestruturou completamente a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, não imaginava que por trás daquela régua — ela riscou todos os itens que falam da composição do CONSEA, composto pela maioria da sociedade civil; que falam da função do CONSEA, que é a de mandar para o Governo Federal e para todos os Poderes as prioridades para garantir à população brasileira o direito à alimentação adequada; que dá ao CONSEA a presidência para a sociedade civil — também estava riscando a história, estava riscando o que todos nós e todas nós fizemos para que aquela lei virasse realidade. Mas não foi isso que aconteceu, porque, por trás daquela lei, há pessoas, há história, há luta, há agenda, há legitimidade.
Desde o dia 1º de janeiro, há uma mobilização importantíssima no Brasil pela volta do CONSEA, há uma mobilização importantíssima em âmbito internacional. No dia 27 de fevereiro, muitas e muitos de vocês devem ter participado do banquetaço, em que a comida de verdade, a proteção da agricultura familiar, dos povos indígenas, dos povos e comunidades tradicionais se expressaram em mais de 40 cidades.
Pois bem, a luta continua. Nós estamos aqui. Seja qual for o resultado da análise da medida provisória e das inúmeras emendas apresentadas tanto por Senadores quanto por Deputados, para revertermos essa decisão, todas nós e todos nós continuaremos aqui lutando pela segurança alimentar e nutricional, pelo direito humano à alimentação adequada. A institucionalidade é fundamental, é importante, mas a vida real, o que a sociedade defende, o que a sociedade continua fazendo é ainda mais importante.
Eu espero que a sessão de hoje no STF seja vitoriosa.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu vou passar a palavra para o Ogan Buda, do povo jeje. Nós temos aqui a representação do povo bantu, do povo iorubá, e precisamos também ter a representação do povo jeje.
O SR. EDVALDO DE JESUS CONCEIÇÃO (OGAN BUDA DE BOBOSA) - Bom dia a todos. Kolofé a todos os meus mais velhos e meus mais novos! Meu nome é Edvaldo de Jesus Conceição, mas sou popularmente conhecido como Buda de Bobosa. Sou de Cachoeira, sou do Terreiro Zogbodo Male Bogun Seja Unde, sou Secretário Nacional das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, agricultura familiar. Faço minhas as palavras da nossa Secretária de Promoção da Igualdade Racial, a Dra. Fabya.
Fico feliz de as nossas comunidades se juntarem por essa luta. A luta não é só de um povo, não é só de uma pessoa, não é só de uma nação. A luta é de todas as nações: Ketu, Angola, Jeje. Isso me fez ter mais força para estar no meio de vocês.
11:32
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Meu pai, que faleceu há 5 anos, com 107 anos, foi criado com essa nossa maneira de fazer sacrifícios e oferendas. O que há hoje? Aquilo tudo ficou para trás? Aqueles 107 anos que meu pai viveu dentro do terreiro, nas nossas comunidades, não são nada? Não! Hoje, junto com o nosso amigo Marcelo Lima, junto a Secretaria da CONAF, junto com a CNTUR, junto com o FONSANPOTMA, onde se deu meu aprendizado, onde eu comecei, nós construímos o primeiro consulado do povo fon no Brasil. (Palmas.)
Discutimos com o Tata Edson algumas ações para o nosso povo. Já preocupados com a situação desta audiência de hoje, já vimos discutindo a Lei nº 11.326, de 2006, que nos protege, e o que podemos fazer para não acabar o que nossos antepassados deixaram conosco.
Deputada Erika Kokay, que Besén, que é o rei da minha nação, Sogbô e Azansu lhe deem muita força pelo que a senhora está fazendo para nós, para todo o nosso povo.
Hoje nós estamos discutindo com a CONAF a respeito das ações para as matrizes africanas se organizarem na agricultura familiar. Tata Edson, junto com o FONSANPOTMA, está montando o sindicato de agricultura familiar com a cooperativa para as comunidades que não estão sendo beneficiadas. Hoje está havendo essa luta pelo abate e hoje estão lutando por três terreiros em Cachoeira, de 102 anos, que estão sendo invadidos e depredados por empresas. Essa já é uma luta, junto com o FONSANPOTMA e a CONAF, para defender essas nossas comunidades.
Peço à nossa Secretária, que está empenhada, que dê um basta nessas empresas, que certifique as nossas terras, que nos dê tudo direitinho. O que está havendo hoje é o assassinato de uma cultura de 102 anos. Nós representamos o que aqui? Nada?!
Eu agradeço o Ministério Público da cidade de Cachoeira, que vem se empenhando e apoiando a Roça do Ventura, que está tombada desde 2015. O Procurador Domênico vem nos apoiando para ajudar essas comunidades.
Hoje eu não peço só a Besén, Sogbô e Azansu, que são os nossos voduns. Eu peço a Ogum.
(É entoado um cântico.)
O SR. EDVALDO DE JESUS CONCEIÇÃO (OGAN BUDA DE BOBOSA) - Que Ogum abra nossos caminhos, que seja nosso guerreiro, que me dê prosperidade e que lute sempre pelo nosso povo!
Muito obrigado. (Palmas.)
11:36
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço ao Ogan Buda pela fala, pela presença. Agradeço também a todos pela manifestação coletiva.
Vou passar a palavra ao Deputado Paulo Teixeira e, em seguida, às Deputadas Talíria Petrone e à Áurea Carolina.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Quero cumprimentar V.Exa., Presidente Erika Kokay, e parabenizá-la pela realização desta sessão; quero cumprimentar as mães de santo das religiões de matriz africana e pedir a benção a elas; quero também cumprimentar a Fabya e dizer que agora, depois de sua fala, entendo quem elege o Deputado Valmir Assunção; e quero cumprimentar o Procurador Jaime Mitropoulos e a Procuradora Deborah Duprat. Ontem eu disse, em uma sessão, que ela é uma Procuradora que procura e acha, que está sempre do lado dos nossos direitos.
Eu quero, rapidamente, dizer a vocês que talvez a cidade que mais expresse publicamente a religião de matriz africana seja Salvador. Ela é a única cidade no Brasil em que eu vi orixás dentro de uma lagoa. Em todas as cidades brasileiras, na praça pública há uma igreja e na repartição pública há uma cruz, o que mostra que o Estado brasileiro faz uma opção que não deveria fazer: o Estado brasileiro deveria ser um Estado laico. Ao mesmo tempo, a Constituição brasileira diz que tem que se respeitar a orientação religiosa das pessoas.
O que nós temos que dar cada dia mais é visibilidade para as religiões de matriz africana. Eu vejo que, para um diálogo inter-religioso, as autoridades chamam o católico, chamam o evangélico, chamam o judeu, e não chamam aquela que é a maior comunidade deste País, que é a comunidade de raiz africana. Portanto, nós temos que mudar essa cultura, mudar esse hábito, sem permitir qualquer retrocesso.
Retrocessos estão acontecendo. A extinção do CONSEA, por exemplo, é um enorme retrocesso, assim como a paralisação da reforma agrária, a paralisação da demarcação das terras de quilombos. Estão ocorrendo inúmeros retrocessos, e nós não deveríamos permitir que isso acontecesse.
Deputada Erika Kokay, já falei com vários Ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a votação que vai acontecer hoje, e eu tenho comigo que seremos vitoriosos nessa votação, no sentido de respeitar as religiões de raiz africana.
Ontem, conversando com nosso Líder do Partido dos Trabalhadores, ele disse que vai entrar, na semana que vem, com um pedido de uma Comissão Externa para visitar Moçambique. Nós temos a obrigação de ajudar Moçambique, diante dos fatos que lá ocorreram.
Fizeram uma agitação aqui no Brasil para levar uns dois caminhões de comida para a Venezuela. O que eles queriam ali era entrar com o caminhão e derrubar o governo, não é isso? Para Moçambique, os Estados Unidos e o Bolsonaro nada fizeram. Então, que nós façamos. Que nós articulemos a sociedade brasileira, para que a sociedade brasileira ajude Moçambique nesse momento.
11:40
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Eu estive lá em 2011 — assim vou terminar — quando eu era Líder do PT aqui e a Dilma era Presidente. A Dilma me pediu para representá-la na comemoração de 100 anos do Congresso Nacional Africano, e eu fui. À noite, fomos de ônibus à comemoração, na igreja da fundação, onde foi fundado o CNA — Congresso Nacional Africano, na África do Sul. Lá eu encontrei o Presidente de Moçambique. Ele ficou numa alegria e me disse: "O seu Presidente Lula trouxe para cá uma indústria de medicamento antirretroviral". É isso que temos que fazer. Nós devemos tudo à África, porque foram retirados de lá os melhores, os mais fortes, os maiores líderes para trabalharem como escravos aqui. Nós temos uma dívida com o povo de raiz africana aqui e temos uma dívida com a África. É hora de nós implementarmos isso. Já que o Governo não tomou essa iniciativa, nós vamos tomá-la via Parlamento. Vamos pedir para a FAB um avião, vamos para Angola e vamos pegar a conta que a Cáritas abriu e mobilizar a sociedade brasileira para ajudar Moçambique a sair desse caos que o ciclone provocou.
Então, estamos juntos. Axé a todas vocês e a todos vocês!
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Deputado Paulo Teixeira.
Com a palavra Regina Nogueira, por 30 segundos.
A SRA. REGINA BARROS GOULART NOGUEIRA - Deputado Paulo Teixeira, primeiramente, quero dizer que somos do mesmo Estado. Nós do FONSANPOTMA iniciamos já uma busca. Estamos com mais de dez profissionais médicos, mais de 20 profissionais enfermeiros, mais de 40 técnicos e pessoas do povo tradicional de matriz africana para ajudar. Nós dizemos que podemos, então, queremos nos somar a essa questão. Já entramos em contato com a embaixada e outros contatos para podermos fazer uma missão conjunta, de povo para povo. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada.
Vou passar a palavra para a Deputada Talíria Petrone. Depois passarei a palavra para a Deputada Áurea Carolina.
Com a palavra a Deputado Talíria Petrone.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Bom dia. Eu queria, antes de tudo, agradecer. A Câmara e o Senado — o Congresso — são espaços, por diversas vezes, muito pouco nossos e pouco representativos da diversidade brasileira, das maiorias sociais e da maioria do povo brasileiro. Aqui é onde me reconheço, reconheço minha história, minha memória. Eu me emociono também por estar aqui. Estamos tendo uma reunião de bancada, mas falávamos o quanto é importante para nós estarmos aqui, para que isto aqui seja alimento para as batalhas que temos que travar neste lugar tão representativo de um Brasil Colonial que ainda grita.
Tradição alimenta e não violenta. O que violenta é destruir terreiro; o que violenta é acabar com o CONSEA; o que violenta é negar nossa memória, nossa história, nossa ancestralidade; o que violenta é a produção de gado, é o agronegócio, é o lucro acima do bem viver. Isso é destruir a relação dos nossos povos, do nosso povo com os territórios, avançando sobre terras indígenas, quilombolas. O que violenta são grilhões de uma colonização, de uma lógica escravocrata que permanece em uma forma de morte e mata o nosso povo de muitas formas. Mata-se com bala de fuzil do Estado; mata-se tentando convencer o senso comum de que a tradição violenta.
11:44
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Eu acho que estamos diante de uma expressão absurda, grave, não de intolerância, porque ninguém quer ser tolerado, e sim de racismo religioso e de terrorismo de Estado. A mesma lógica que quer proibir a tradição é a lógica que, no meu Estado, no ano passado, promoveu a morte, pelo Estado, por meio de violência policial, de mais de 1.500 pessoas. Há 3 semanas, um jovem de 12 anos levou três tiros do Estado e foi algemado. Essa mãe, que é impactada por esse Governo autoritário e vai ser impactada com a reforma da Previdência, é também aquela que tem o impedimento da soberania alimentar, de viver na relação com seus territórios. É quase um "ligue os pontos". É uma junção de ataques. É isso que está em jogo enquanto estamos conversando aqui.
Acho que esse é um momento muito grave de autoritarismo — Deputada Erika Kokay, V.Exa. está marcando meu tempo? —, de dor, de avançar sobre alguns corpos. Nós sabemos que esses corpos têm cor, nós sabemos onde vivem esses corpos, mas também é tempo de organizar a resistência. E a resistência não vem de agora. Nossos passos vêm de muito longe, nossa resistência vem de muito longe e essa resistência precisa estar em todos os espaços. A Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, que acompanhamos tão fortemente lá em Niterói e lutamos com as dificuldades daquele espaço tão conservador, precisa ser um instrumento catalizador dessas lutas, lutas que remetem a uma ancestralidade, à memória que querem destruir, mas que não conseguem destruir, porque está revelada, está presente em tantos corpos que aqui resistem. Essa Frente vai ser instrumento de fazer esta Casa como Casa do Povo. E o povo tem a sua diversidade. E o povo, com certeza, tem sua maioria representada aqui.
Eu queria agradecer, colocar nosso mandato integralmente à disposição das tantas lutas que cada um e cada uma de vocês expressam tanto na tradição que representam e também na memória deste corpo que é violentado por esse Estado racista, seletivo e que quer tirar nossos direitos.
Vamos em frente! Não passarão! Não vão apagar nossa memória, não vão destruir essa tradição que é alimento! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Vou passar a palavra à Deputada Áurea Carolina e, em seguida, ao Deputado Patrus Ananias.
A SRA. ÁUREA CAROLINA (PSOL - MG) - Cara Deputada Erika Kokay, que honra, que alegria estarmos irmanadas em tantas frentes tão importantes e tão decisivas para que a vida de todas as pessoas e de todas as criaturas seja respeitada de forma plena no nosso País.
11:48
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Eu saúdo todas as autoridades religiosas e as autoridades públicas aqui presentes. Eu compartilho dessa gratidão que a Deputada Talíria trouxe, pelo aprendizado, pela oportunidade de estarmos aqui a serviço dessa grande movimentação.
Eu faço parte de um mandato coletivo chamado Gabinetona. Somos quatro Parlamentares eleitas: duas Vereadoras, em Belo Horizonte, a Bella Gonçalves e a Cida Falabella; uma Deputada Estadual em Minas, a Andréia de Jesus; e eu que estou aqui.
Em Belo Horizonte foi criada uma Frente Parlamentar em Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. Está aqui a Poli Honorato que foi uma das articuladoras desse processo na Câmara Municipal. Na Assembleia Legislativa, fazemos parte também da construção de uma Frente Parlamentar, com a mesma proposta, que envolve indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais de matriz africana. Estamos somando forças aqui nessa iniciativa liderada pela Deputada Erika, junto com vários outros Parlamentares, para constituir uma Frente no Congresso Nacional.
Esse debate precisa ser levado adiante com um compromisso ético muito grande, porque não é proibido comer carne no Brasil. E se isso não é proibido — e não deve ser proibido, porque a alteridade e a diferença são princípios fundantes da nossa democracia —, também não deverá ser proibido para ninguém o direito à sacralização do seu alimento. Não é possível que o racismo estrutural e o racismo religioso sejam invocados de forma mal disfarçada para tolher direitos de povos e comunidades tradicionais de matriz africana. Nós não permitiremos isso.
E, por um compromisso ético, eu preciso dizer a vocês: eu sou uma mulher vegana, por um compromisso pessoal e político que não deve, de nenhuma maneira, agredir o direito de qualquer outra pessoa de autodeterminar a sua própria vida. (Palmas.)
Não é possível que se escamoteie o horror dos frigoríficos industriais do nosso País enquanto querem criminalizar as tradições e o sagrado do povo de matriz africana.
Então, contem comigo integralmente nessa luta. E sairemos vitoriosas, em nome de todas as forças que nos regem e nos amparam nesse plano.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Vou passar a palavra ao Deputado Patrus Ananias e, depois, para Makota Roxi Mutaledi.
Tem a palavra o Deputado Patrus Ananias.
O SR. PATRUS ANANIAS (PT - MG) - Eu quero saudar todas as pessoas, lideranças, militantes na luta contra o racismo e pela segurança alimentar aqui presentes. Saúdo as colegas e os colegas Parlamentares.
Quero parabenizar a Deputada Erika e todos os Parlamentares, entidades e movimentos que se mobilizaram em torno da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
Esse evento aqui hoje tem para mim uma dimensão muito especial, primeiro, pela grande dimensão do combate ao racismo, que foi bem explicitado aqui, e, segundo, por estar irmanada à essa luta contra o racismo e todas as formas de discriminação a luta pelo direito humano à alimentação adequada, a luta pela segurança alimentar e nutricional de todas as pessoas, famílias, comunidades, povos. A questão da segurança alimentar é fundamental.
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Eu quero aqui prestar uma homenagem hoje a uma grande liderança do nosso País — a meu ver, um preso político —, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. (Palmas.)
O Presidente Lula, no dia da sua posse, 1º de janeiro de 2003, aqui na Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, disse que, se ao final do seu mandato todas as pessoas, famílias do Brasil tivessem asseguradas as três refeições diárias — e ele as especificava: café da manhã, almoço e jantar —, ele teria cumprido a missão da sua vida. O Presidente Lula cumpriu a promessa, e nós retiramos o Brasil do Mapa da Fome, ao qual hoje, infelizmente, Dra. Deborah, estamos correndo o sério risco de retornar. Inclusive, foi aventado aqui pela Dra. Beta o desmonte dos CONSEAs no plano nacional, estadual e municipal, enfim, o desmonte das políticas de segurança alimentar.
É muito caro ao meu coração este evento porque, nessa luta histórica para garantir a todas as brasileiras e brasileiros o direito sagrado à alimentação saudável com regularidade, quantidade e qualidade, nós vinculamos o direito à alimentação às tradições e à cultura. Já no nosso tempo no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, procurávamos contextualizar as diferentes regiões do Brasil, os povos de comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais do Brasil, buscando — na medida do possível, mas sempre procurando avançar — assegurar a essas comunidades e povos o direito à alimentação dentro das suas tradições, do seu contexto cultural, porque a cultura passa também pela gastronomia, pela segurança alimentar, pela alimentação e pela cultura dos alimentos, sejam os alimentos vegetais, sejam os alimentos animais, que devemos criar com todo o respeito e apreço, mas na perspectiva de um valor maior, que é vida humana.
Sempre nos referimos, Dra. Deborah, à vida nas suas múltiplas e misteriosas manifestações. Nós, humanos, precisamos da vida de animais e vegetais, da mãe terra, da água, da biodiversidade, dos ecossistemas. Nós somos filhos e dependentes do ar, da terra, da água. Mas é preciso também um registro especial para essa condição humana na sua condição mais alargada. Nesse sentido, a segurança alimentar, vinculada à tradição e à cultura, é fundamental.
Não vou me alongar muito aqui, Deputada Erika, mas faço minhas as palavras das convidadas que me precederam aqui, a Dra. Deborah, a Iya Vera e tantas outras mais, nesse sentido de vincular a denúncia. Os que querem impedir a segurança alimentar dos povos de matriz africana são basicamente os mesmos que defendem o uso abusivo dos agrotóxicos, que defendem a criação de animais em condições absolutamente inadequadas, até do ponto de vista da nossa saúde. Frangos são abatidos em 35 dias — o bichinho come dia e noite sem parar, não tem nenhuma relação com a terra, com a natureza, com a vida. Tudo isso em nome do dinheiro, do capitalismo selvagem.
11:56
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Este momento aqui é muito importante. Estou aqui com o coração aquecido. Quero reiterar aqui a nossa total solidariedade a esta Frente Parlamentar, a nossa adesão, o nosso compromisso com essas duas lutas que se irmanam: a segurança alimentar e a liberdade, no sentido mais amplo dos povos de comunidades tradicionais, especialmente aqui hoje os povos de comunidades de matriz africana.
Quero deixar aqui mais uma vez o meu abraço e os meus parabéns a essas pessoas valorosas que dedicam as suas vidas à luta contra o racismo, pelo direito à alimentação e pela construção de uma sociedade humana, fraterna, justa, em que todas as pessoas e comunidades possam viver com dignidade.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Lembro às pessoas que querem adentrar no Supremo Tribunal Federal que é preciso chegar lá por volta do meio-dia, para poderem entrar e acompanhar o julgamento, porque há fila.
O SR. PATRUS ANANIAS (PT - MG) - Deputada Erika Kokay, só quero fazer um esclarecimento. Eu não estarei presente à sessão do STF, já justificando a minha ausência, porque hoje à tarde viajarei a Porto Alegre, para cumprir agenda no Rio Grande do Sul. De coração, intenção e solidariedade, estarei presente.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Queremos que hoje o Supremo Tribunal Federal também seja um porto alegre, que nos alegremos todas e todos com o resultado.
Registro a presença da Carolina, da Comunidade Bahá'í, que tem travado uma luta grande contra a perseguição à sua comunidade em vários locais do mundo. É um prazer tê-la aqui, porque a Comunidade Bahá'í tem travado uma luta grande para que todas e todos possam exercer a sua liberdade de credo e de não credo.
Vou passar a palavra à Makota Roxi Mutaledi, do Distrito Federal, e, em seguida, ao Deputado Valmir Assunção.
A SRA. MAKOTA ROXI MUTALEDI - Bom dia, Mukuiu, Motumbá, Kolofé, Kozandio!
Sou Makota Roxi Mutaledi. Sou da Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, da família Tumba Junsara, aqui no Distrito Federal. Estamos enraizadas lá em Vasco da Gama, num dos primeiros terreiros fundados em Salvador.
É importante que se ressalte aqui o holocausto que o povo negro tem sofrido desde 1500. Continuamos morrendo, continuamos sofrendo cotidianamente com o racismo institucionalizado.
Estamos falando aqui na perspectiva da garantia da soberania alimentar do nosso povo. Mas antes de falarmos sobre isso, precisamos falar sobre como o Estado nos ataca todos os dias.
12:00
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Essa ação no STF nada mais é do que uma ação direta contra o povo negro. E aí você vai me dizer: “Mas não tem só negro no terreiro!” O que eles estão atacando é a religião. Nós falamos no conceito de povo, mas eles pegam só o aspecto religioso e, a partir desse aspecto religioso, eles nos condenam, nos demonizam e nos colocam em lugar de subalternidade e marginalidade dentro das nossas comunidades.
Não é só porque precisamos de água, de terra, de árvores, de natureza, que nós estamos hoje na marginalidade das comunidades. É também porque nós fomos empurrados para esse lugar, um lugar em que o negro sempre esteve.
E precisamos também conseguir levar em consideração esse aspecto, o aspecto do racismo como uma forma de violentar e de exterminar o povo negro. Hoje vivemos o verdadeiro genocídio da população negra no século XXI. Todos os dias, mais de 30 jovens negros são assassinados. Esses jovens negros também são de povos e comunidades tradicionais, nos entendendo na integralidade.
Independente de estar dentro de uma comunidade tradicional, ser negro no Brasil nos custa muito. Se você é médico e está de branco, você pode ser pastor que vai ser chamado de macumbeiro. Então, essa condição também ainda nos mata e ainda nos apedreja.
Eu queria agradecer a oportunidade e dizer que estamos juntos nessa luta aqui no Distrito Federal também, juntando forças para garantir a nossa soberania enquanto povo tradicional.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Makota Roxi Mutaledi.
Vou passar a palavra ao Deputado Valmir Assunção e, em seguida, ao Tata Konmahnanjy.
O SR. VALMIR ASSUNÇÃO (PT - BA) - Quero primeiro saudar a Deputada Erika Kokay, uma das melhores e mais conscientes Deputadas que nós temos no Parlamento brasileiro, uma mulher de uma força incrível e de resistência. Faço essa referência à Deputada, mas, ao menos tempo, quero saudar a todas as Deputadas e Deputados presentes e a Secretária Fabya Reis.
Eu quero fazer este registro, porque é importante, Deputada Erika Kokay: o único Estado brasileiro que tem uma Secretaria de Promoção da Igualdade Racial é o Estado da Bahia. Isso é importante registrar, até porque o Governador Rui Costa tomou essa decisão de manter a Secretaria, e isso é fundamental.
Mas eu também preciso aqui registrar que o Deputado Patrus Ananias foi Ministro do Desenvolvimento Social. Então, toda uma política de segurança alimentar no Brasil foi construída justamente no período em que ele era Ministro.
Essas referências nós temos cada vez mais de ressaltar, porque nós temos que reconhecer que nós construímos um caminho, ao longo desse período liderado pelo Presidente Lula, e agora há quem queira retroceder 30, 40 ou 50 anos.
Nós estamos vivendo um momento em que é preciso entender o que vai ser julgado hoje. E eu quero concordar com aqueles e aquelas que dizem que o que vai ser julgado é o racismo, é a intolerância religiosa, é a população negra. É verdade! É isso, porque nós estamos num momento em que se retira um direito dali, retira outro direito de lá, pega um segmento daqui, pega outro segmento de lá, e assim vai diminuindo a capacidade de muitos lutarem por seus direitos.
12:04
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Nós precisamos compreender que, cada vez mais, temos que estar juntos. Sozinhos, como segmentos da sociedade, nós não vamos conseguir enfrentar toda a estrutura que está aí, porque é o Poder Judiciário, é o poder do Estado. Por isso, muitas vezes, chegamos a todos os lugares e ouvimos relatos de que a polícia invadiu um terreiro, de que colocaram fogo em terreiro. Por quê isso? Porque é coisa de preto, porque o racismo está entranhado na cabeça daqueles e daquelas que têm o poder do Estado brasileiro.
Então, temos que ter essa consciência para fazermos lutas mais conjuntas, para fazermos cada vez com que os movimentos sociais estejam mais juntos lutando pelos nossos direitos: direito à religiosidade, direito à alimentação saudável, direito a viver. Isso é fundamental.
Era isso o que eu tinha a dizer. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputado Valmir Assunção.
Vou passar a palavra ao Tata Konmahnanjy, da Bahia e, em seguida, para o Pai Paulinho de Odé, do Rio Grande do Sul.
O SR. RAIMUNDO NONATO DA SILVA (TATA KONMAHNANJY) - Tirem meu retrato aqui para eu mostrar ao pessoal da Bahia. (Risos.)
Eu sou da Bahia, de Salvador. Sou da Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu, a ACBANTU. E quero agradecer ao FONSANPOTMA, por nós estarmos aqui. Apesar de nós nos dividirmos em alguma coisa e termos em comum alguma coisa, o caminho é o mesmo, é um só, que é o nosso povo. Ele trata como matriz africana, e nós achamos que nós somos um povo de terreiro.
E quero agradecer também ao pessoal da minha terra, ao nosso fotógrafo Claudir, ao Ailton, à Cláudia, que está aqui ao meu lado, à Dra. Fabya e ao nosso Deputado Valmir Assunção.
Por falar em alimentação, o nosso Deputado Patrus Ananias, de Belo Horizonte, é um grande homem na questão de alimentação. Poucas pessoas sabem disso.
Em 2004, eu o convidei para estar em Salvador, e ele foi, só para distribuir cestas de alimentos para todo o Brasil. Em 2004, só a ACBANTU recebia na Bahia. Nós o chamamos e o convidamos até para ir à Casa da Moeda, o teatro — ele até ficou espantado de ver tantos terreiros falando outras línguas — e pedimos a ele que desse alimentação a todos os terreiros do Brasil. E isso foi feito. Não sei se ele se lembra disso. Eu lhe agradeço agora.
(O Sr. Presidente faz soar as campainhas.)
O SR. RAIMUNDO NONATO DA SILVA (TATA KONMAHNANJY) - Ih, nem bem comecei!
Eu falei e quero enaltecer a voz de todos vocês e também do nosso companheiro Buda, porque, doutoras e doutores, estão brincando com a nossa identidade. É a nossa identidade que está em jogo.
Eu sou de um terreiro, o meu terreiro. A minha família é 1548, do povo ambundu. O que nós fazemos, desde 1548, não valeu de nada? Estão brincando com a identidade dos povos de terreiro, seja de matriz africana, seja da umbanda. Estão mexendo com a nossa identidade, e isso é ruim. Nós somos sujeitos de direito da Convenção nº 169! Tenham a resposta para isso.
12:08
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Muito obrigado a vocês do FONSANPOTMA. Obrigado, Regina, Edson, todos vocês.
N'zambi uá kuatesa! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Passo a palavra ao Pai Paulinho de Odé e, depois, ao Tata Kibuco.
O SR. PAULO ROGÉRIO AMBIEDA (PAI PAULINHO DE ODÉ) - Muito bom dia.
Na pessoa da Deputada Erika Kokay, saúdo toda a Frente, todos os Parlamentares.
Quero pedir licença aqui e a benção das mais velhas, das mais novas, de todos e de todas, e fazer a saudação ao nosso povo de Batuque do Rio Grande do Sul.
(Saudação.)
Essa é a síntese da saudação do Batuque do Rio Grande do Sul.
Eu queria tomar a liberdade para parabenizar todos e todos por esta audiência pública, na pessoa do Tata Edson, e uma salva de palmas eu peço para esse grande irmão incansável. (Palmas.)
Eu queria fazer um pedido, Deputada Erika Kokay, se meus irmãos acatarem essa proposta, para que nós paremos de falar em minoria. Nós somos a segunda — e eu falo isso de pele branca, mas com a identidade orixalizada — maior nação em população negra, nós só perdemos para a Nigéria. Não existe minoria aqui. Nós somos a maioria deste País. (Palmas.)
Vamos parar com essa palhaçada de minoria. Primeiro, é isso.
A população negra, a população LGBT, as mulheres são supremacia neste País, como os demais indígenas e outras. Então não é que se tem que contemplar as minorias. Não! Tem que contemplar as verdadeiras maiorias deste País.
Este País não foi descoberto, este País já tinha dono. Eu queria dizer isso e lembrar o que aqui já foi muito bem falado. Eu quero aqui dizer que a minha mestra, a Iya Vera Soares, contemplou-me em várias falas, então, eu vou tentar ser sucinto.
Todas as formas de crime de ódio nada mais são do que facetas do capitalismo. Quero lembrar isso porque, às vezes, nós esquecemos. E nunca na história deste País essas facetas estiveram tão explícitas.
E, agora, para complementar tudo o que foi dito, nós temos que entender o seguinte: tem aqui uma continuação de um golpe internacional, com a reforma da Previdência e tantas outras ações de retirada de direitos, de retrocessos radicais e significativos da nossa sociedade.
Eu queria fazer essa lembrança, porque tudo está conectado, Iya Vera. É a velha história de inferiorizar um povo para explorá-lo — é a velha história!
12:12
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E também é por esse motivo que nós temos que estar de mãos dadas e não largar as mãos. Olorum escreve certo por linhas tortas. Oludomaré e Zambi escrevem certo por linhas tortas. Então, nós temos de estar de mãos dadas.
Eu fui o primeiro Vereador eleito e reeleito com o nome do orixá, na história do Rio Grande do Sul, e hoje estou na condição de Presidente de Honra do Movimento de Ação Afro-Umbandista pela União dos Axés — UNIAXÉS, do Estado do Grande do Sul. Mas eu quero dizer que nós temos que ter consciência política social, política pública, política eleitoral e partidária. Militância, mas também militância político-partidária.
E nós temos que ter consciência de que é uma questão de vida e de humanidade. A política é necessária. A etimologia da palavra "política" é a quase a mesma etimologia da ancestralidade: polis e ética. Os babás, as iyas, as lideranças de matriz africana têm que parar de dizer "eu não sou político", porque somos políticos na essência.
Aqui eu peço a Iagô licença a todas irmãs e irmãos, mas eu não posso — esperei até agora aqui e estou indo lá para o STF — deixar de saudar todos o nosso panteão de orixás do Estado Rio Grande do Sul, em nome de dois orixás: Exú Bará Lodê e Xangô. E para nós lá no Rio Grande do Sul, hoje já fui contemplado, quinta-feira é para Ogum. Já fui contemplado. Saúdo esses três orixás. Saúdo os dois:
(Saudação.)
Olorum sabe o que faz. Xangô sabe o que desfaz.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Paulinho.
Como o Tata Kibuco já se retirou para ir ao Supremo, eu passo a palavra ao Pai Odesi.
O SR. MANOEL RODRIGUES (PAI ODESI) - Boa tarde, senhoras e senhores, irmãos, povos tradicionais de matriz africana. Mojubá a todos.
Eu costumo dizer que somos todos POTMA, somos todos negros, somos todos filhos e irmãos de África. Nesse embate o que se propõe não só no Brasil, mas também internacionalmente — e principalmente dentro da hipocrisia brasileira, Deputada Erika, é o que tentam fazer — é nos eliminar de todas as formas. Tentam nos eliminar com o genocídio, físico, agressivo, que ocorre todos os dias, em todos os bairros de capitais deste País, e tentam exterminar a nossa cultura, a nossa tradição, e as nossas condições de entendimento e conceito de "humanidade".
12:16
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Ora, essa decisão de se julgar o abate, em todas as suas formas, de criminalizar o abate animal tradicional nada mais é que uma forma de exterminar a nossa cultura de alimentação, assim como fazem com todas as outras formas de expressão cultural do nosso povo. Eliminar o nosso povo através de mecanismos da educação, do mecanismo do racismo, do preconceito, de todas as individualidades, que tiram de nós uma condição conceitual de povo, de civilizatório, faz com que estejamos sempre à margem de qualquer coisa que surja neste País. E uma coisa interessante: aprendem conosco todas as formas de fraternidade, de entendimento, de conceito de mundo e depois as tomam como deles e nos agridem por termos ensinado aquela que seria a forma mais salutar.
Ensinamos como nos alimentar, como cuidar dos animais e como proteger os animais para que tenhamos na natureza não só a condição da água, como a Mãe Vera falou, que para nós é sagrada, mas também o alimento. A presença física do animal é sagrada, a forma de alimentar é sacralizada. Depois eles utilizam os mesmos argumentos — ensinamos a cuidar da natureza, a cuidar do sagrado —, nos trazem de volta, como se nós cometêssemos os pecados que o cristianismo nos trouxe de presente.
Trouxeram a nós de presente todas as demandas, todos os problemas do mundo, fugindo dos nossos conceitos de "fraterno" e "humanitário", e depois nos castigam, ou tentam nos castigar e nos eliminar, porque apresentamos o conceito verdadeiro. E eles querem ser os apresentadores desses conceitos e que nós não tenhamos voz para dizer que isso é nosso, que essa forma de alimentar e de cuidar do sagrado é nossa. E fomos nós que ensinamos. Então, querem nos eliminar, de todas as formas, para dizer "isso foi apresentado por nós, nós trouxemos a novidade, nós trouxemos a fraternidade, o cuidado e a atenção com os animais", sendo que nós apresentamos e ensinamos ao mundo todas as formas e todos os conceitos existentes hoje. Para nos eliminar, dizem: "Nós trouxemos, nós ensinamos, esse povo não tem vez". Então, vão tentar nos exterminar de todas as formas.
Só que eles se esquecem de que sobrevivemos à história, sobrevivemos aos conceitos, sobrevivemos aos padrões, sobrevivemos à escravatura, sobrevivemos à coisificação do povo negro e vamos continuar sobrevivendo, porque a nossa tradição, além de universal, é imortal, uma vez que vivemos na ancestralidade e nesse círculo de entendimento. Nós sobrevivemos porque sobreviveram os nossos ancestrais e vamos sobreviver porque sobreviverão os nossos filhos.
E assim continuaremos, fazendo com que o povo lembre que, embora tentem nos derrubar, somos filhos da mãe África. Com fome, com subsistência, com castigos, com penalidade, com tentativa de extermínio e genocídio, continuaremos existindo enquanto houver um ser vivo sobre a terra.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Pai Odesi.
Passo a palavra para o último orador inscrito, o Rafael, Presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno.
O SR. RAFAEL MOREIRA - Boa tarde a todos. Já é boa tarde, está na hora de irmos almoçar e seguirmos para o julgamento.
Peço a bênção aos mais velhos e a bênção aos mais novos. Nós estamos aqui representando tanto Brasília como o Entorno do Goiás, e as nossas casas estarão sempre abertas para receber vocês de outros Estados. O nosso Vice-Presidente, Adail dos Santos, tem casa no Estado de Goiás, no Município do Novo Gama; o nosso Pai Emerson, em Ceilândia; entre outros diretores que já foram para o STF.
12:20
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Eu quero agradecer à Deputada Erika Kokay e à Deputada Benedita da Silva por tomarem a frente da nossa religião e por sempre disponibilizarem os seus gabinetes e os seus assessores para atuar conosco.
Eu não poderia deixar de falar em nome do Distrito Federal e do Entorno para convidar o nosso irmão Tata Kanamburá, o Tata Fiúza, para que nós façamos uma cantiga do dia em agradecimento ao momento de hoje, como fizemos na audiência do ano passado, juntamente com Iya Vera.
Que nós possamos sair daqui e sair de lá com a vitória hoje! E que amanhã também o projeto de lei seja parado e não prejudique as nossas casas.
O SR. FELIPE FIÚZA (TATA FIÚZA) - Que o Senhor dos Caminhos, aquele que primeiro come, aquele que é o portador de toda a comunicação, que ele olhe por nós!
Makuiu a todos! Kozandio!
Que o Senhor dos Caminhos olhe por nós mais uma vez!
(É entoado um cântico.)
O SR. FELIPE FIÚZA (TATA FIÚZA) - Que todos os inquices nos deem sabedoria, discernimento, compreensão e equilíbrio! Que ninguém tire o que é nosso!
Makuiu!
O SR. RAFAEL MOREIRA - Para finalizar, Deputada Erika, nós não podemos esquecer de parabenizar e de dar uma salva de palmas ao Tata Edson, que vem correndo nesta semana para cima, para baixo e para os lados.
Muito obrigado, Tata Edson, por sempre representar o nosso povo! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada. Eu queria também, encerrando esta audiência pública, agradecer ao Tata Edson pela sua presença, esforço, dedicação e pela construção, em todos os momentos, desta audiência pública.
Esta audiência pública visa discutir a questão do abate, mas nós sabemos que queremos e estamos construindo o retorno da Frente Parlamentar, que vai contar com Parlamentares de todos os partidos para que nós possamos defender a nós mesmos.
Nós estamos defendendo o conceito de brasilidade, que passa pela nossa negritude, africanidade. Nós estamos defendendo a liberdade, a liberdade de exercício da religiosidade, dos diálogos. É só o ser humano que faz a construção do diálogo com o divino. Só o ser humano faz a transcendência. E impedir o exercício da religiosidade significa impedir o exercício da humanidade, mas quando falamos de povos tradicionais não estamos falando só de religiosidade. A religiosidade, a forma como se dialoga com o divino, compõe a construção e a identidade de um povo.
12:24
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Nós estamos falando de um povo. Um povo tem as suas expressões culturais, tem as suas expressões de como lidar com o outro, tem os conceitos que são construídos. Nós temos povos tradicionais de terreiros de matriz africana que são, primeiramente, uma resistência. Pensem no que é essa resistência. Pensem no que é um povo que foi arrancado da sua própria terra, foi arrancado do seu próprio local, da sua própria moradia, dos seus próprios conceitos, da sua própria cultura, colocado em um navio negreiro.
Foram holocaustos. Aqui foi falado de holocaustos. O Brasil tem que reconhecer os seus holocaustos. Os navios negreiros foram holocaustos. As senzalas foram holocaustos. Nós não podemos permitir que o ferro dos grilhões seja substituído pelo aço das balas que está atingindo o nosso povo negro, a nossa juventude negra, ou o aço das algemas que também está atingindo a nossa juventude negra.
Portanto, nós estamos falando de povos. Povos que têm o seu idioma, povos que têm a sua cultura. Quando falamos de povos, nós estamos falando de ancestralidade. Que coisa é essa de negar a nossa ancestralidade? Essa lógica pautada e alimentada pelo consumismo de nos recortar como o aqui e o agora. Nós somos quem já fomos. Carregamos, vamos carregando, ressignificando e mantendo a tradicionalidade que se expressa nas nossas identidades. Somos quem já fomos; somos quem nem chegou ainda — somos quem nem chegou ainda!
Mas quando cuidamos dos espaços, do território, eu lembro a fala de um pai de santo em uma discussão sobre segurança alimentar que dizia: "Nós estamos só cuidando. Estamos tomando emprestada a terra, o território para que nós possamos deixar para quem ainda nem chegou". Então, nós estamos trabalhando e construindo uma identidade, um chão e um território para quem ainda não chegou. Portanto, essa noção de que nós somos quem já foi, somos também quem ainda vai estar é uma noção que nos resgata tantas identidades.
Por isso, eu tenho absoluta certeza de que eles não vão conseguir. Eu lembro acho que a Iya Vera na outra audiência dizia: "Querem nos colocar nos bancos de réus, querem que nós sejamos acusados porque nós carregamos e resistimos". E vão resistir sempre. O povo de santo não vai ser calado. Eles deveriam ter entendido isso porque já criminalizaram e ainda apedrejam, tentam calar, tentam silenciar. O povo é resistência pura, é resiliência. Não se cala o diálogo com o sagrado. Não se cala a forma como você é e como você constrói coletivamente as suas próprias identidades, não se cala!
Por isso, eu tenho a segurança de que nós vamos construir uma vitória. Aqui foi dito pela Iya Dolores, se não me engano, que nós não deveríamos estar discutindo isso. Deveríamos estar discutindo como nós queremos transformar uma construção da vida que se vai expressar em todos os aspectos. Deveríamos estar discutindo a segurança alimentar. A segurança alimentar aqui é eliminar o CONSEA. A Dra. Deborah lembra um teórico que fala em necropolítica, que é a política da morte, a política que retira os conceitos, retira a participação. Um povo, a população se faz humana na capacidade de transformar, falar e se manifestar em todos os aspectos das nossas vidas. Portanto, é uma necropolítica, é uma thanatos política, uma política relacionada à morte, de eliminar o alimento, de eliminar a forma de ser. E nós vamos continuar reagindo.
12:28
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Eu diria, para concluir, que nós temos nos terreiros redes que precisam se consolidar. Houve o programa da Renata, o da Rede de Atenção à Saúde, que precisa se consolidar; é um programa de segurança alimentar. É o alimento. É o alimento! Se é um pão, reparte-se o pão. É o alimento; é o alimento! É o alimento que mata a fome de pão, mas mata também a fome de carinho, de acolhimento, de cuidado. Os centros, os espaços, os territórios, melhor dizendo, são espaços de acolhimento e de cuidado. Quando as pessoas estão angustiadas, quando as pessoas estão sem saber direito para onde vão e como vão, é para lá que vão. Elas sabem.
Eu queria reafirmar isso porque nós sabemos da importância de estarmos com os terreiros, os territórios, dentro de uma rede de segurança alimentar, dentro de uma rede de saúde, mas também em uma rede de geração de renda, de manter viva a cultura.
Sabe o que me ocorre? São espaços de acolhimento das pessoas como as pessoas são. Ali não tem uma exigência de qual é a sua orientação sexual, qual é a sua identidade de gênero, qual é a cor que você carrega, qual é a sua etnia, qual é a forma, qual é a sua família, como você é. É espaço da diversidade humana no qual todas e todos passam a ser acolhidos enquanto filhos e filhas, independentemente de como são.
Por isso, penso eu que deveríamos tentar construir nos territórios, em uma rede territórios, espaços de combate a tantas discriminações LGBTfóbicas, sexistas, machistas. Digo isso em homenagem à Mãe Sueli, aqui no Distrito Federal, na região de Planaltina, na cidade de Planaltina, que fez uma belíssima atividade para as mulheres vítimas de violência, a partir do terreiro. Ali nós vimos as mulheres carregando as marcas da violência no peito, na alma, na pele, e ali acolhidas.
Para que nós possamos assegurar a liberdade de credo, a liberdade de existência... Eu vou repetir: nós não estamos falando só de religiosidade. A religiosidade não pode ser negada, porque ela faz parte de como um povo faz o seu diálogo com o sagrado. Faz parte do exercício da nossa humanidade. Mas é mais do que isso. São povos tradicionais de matriz africana.
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Por isso, eu vou encerrar essa audiência pública dizendo a vocês que no dia de hoje essa discussão mostra primeiro essa resistência, essa resiliência, a diversidade e uma homenagem, uma saudação à vida, à vida e à vida. E uma saudação à nossa ancestralidade.
Eu peço a permissão dos mais velhos, dos que já não estão aqui e dos mais novos também para que possamos continuar esta construção.
Antes de encerrar, eu vou passar a palavra à Sra. Regina Nogueira, para que ela possa dar um informe sobre a doação do MST.
A SRA. REGINA BARROS GOULART NOGUEIRA - Eu quero agradecer às unidades tradicionais territoriais do Distrito Federal, a Tata Ngunz'tala, a cada que se somou nessa luta.
Eu não sei qual foi a unidade tradicional que fez a comida. Qual casa fez a comida?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. REGINA BARROS GOULART NOGUEIRA - O nosso agradecimento ao Jaime de Oxalá, que fez a comida.
E, numa articulação política, recebemos a canjica orgânica que vai ser oferecida, na frente do Supremo Tribunal Federal, para todos os nossos irmãos, numa forma de consagração. Essa foi uma conquista da nossa campanha.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. REGINA BARROS GOULART NOGUEIRA - Ao Pai Juarez de Oxalá os nossos agradecimentos.
Quero dizer também que há no plenário camisetas como essas que nós estamos ostentando da campanha Tradição Alimenta, Não Violenta, para que vocês possam adquirir. Essa é uma forma de poder manter a campanha viva. É a nossa contribuição financeira.
Muito obrigada a todos e a todas que aqui estiveram.
A luta continua!
A ideia pode ser nossa, mas a ação é de todos nós, juntos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada.
Eu queria, mais uma vez, agradecer a cada um e a cada uma de vocês.
Quero lembrar aos Parlamentares que fazem parte desta Comissão que estamos convocando reunião ordinária para o próximo dia 3 de abril, às 14h30min, neste plenário.
Com isso, declaro encerrada a presente audiência pública, mas não a construção, o movimento e a luta.
Um abraço e um beijo no coração.
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