Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Jean Wyllys. PSOL - RJ) - Havendo número regimental, declaro aberta a 10ª Reunião Ordinária da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, destinada a acompanhar, no Rio de Janeiro, as investigações referentes aos assassinatos da Vereadora Marielle Franco e do Sr. Anderson Pedro Gomes.
O SR. GLAUBER BRAGA (PSOL - RJ) - Sr. Presidente, como os avulsos já foram disponibilizados publicamente, vou passar diretamente às conclusões.
Peço ao Pedro que faça o acompanhamento do quórum no plenário, até para sabermos o tempo de que dispomos para os nossos trabalhos aqui. Se estiver se aproximando do quórum, que ele possa nos dizer quando chegar a 100, depois a 150 e a 200.
a. Esta Comissão recomenda a criação de um mecanismo externo e independente de acompanhamento das investigações. Sugerimos que este mecanismo seja formalizado por meio de cooperação técnica entre a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Estado brasileiro, buscando adequar uma cooperação deste tipo ao ordenamento jurídico pátrio. A este respeito, vale ressaltar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos — CIDH, nos questionamentos encaminhados às autoridades públicas brasileiras desde março, e aqui reproduzidos, já apontava para a necessidade de criação de um mecanismo deste tipo. Como precedente dessa proposta, saliente-se o caso do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes — GIEI, criado por acordo entre a CIDH e o Estado mexicano para acompanhar as investigações do caso dos desaparecidos de Ayotzinapa. Um outro exemplo é a Comissão da Verdade criada pelo governo mexicano para o acompanhamento do mesmo caso.
b. Independentemente da institucionalização de um mecanismo como o mencionado, esta Comissão apoia a organização autônoma da sociedade civil, especialistas e movimentos sociais para o acompanhamento do caso. Vale ressaltar que iniciativas como essa podem oferecer enormes contribuições para o esclarecimento de casos de assassinatos de defensores de direitos humanos ou outros crimes envolvendo graves violações de direitos. Como exemplo, cite-se o trabalho realizado pelo Grupo Consultivo Internacional de Especialistas — GAIPE, em Honduras, que reuniu especialistas em direito internacional dos direitos humanos, direito penal internacional e comparado, dentre outros, para supervisionar as investigações acerca do assassinato da defensora de direitos humanos Berta Cáceres.
c. Faz-se necessária também a criação imediata de um Observatório Permanente sobre a situação dos defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil, reunindo movimentos sociais, entidades da sociedade civil, representantes do Poder Legislativo, organismos internacionais e outros setores eventualmente comprometidos com a defesa dos direitos humanos e a integridade da vida de seus defensores. Saliente-se que essa necessidade já foi manifestada por entidades da sociedade civil, em recente audiência sobre o tema, com a CIDH, por ocasião da visita dessa instituição ao Brasil.
2. O ajuizamento, por parte da Procuradoria-Geral da República, do Incidente de Deslocamento de Competência
d. Conforme requerimento já aprovado, esta Comissão solicita à Procuradoria-Geral da República o ajuizamento de Incidente de Deslocamento de Competência perante o Superior Tribunal de Justiça. Acreditamos que este procedimento pode configurar uma nova tentativa, na conjuntura atual, de manter o caso em evidência, chamar todas as autoridades envolvidas à responsabilidade e possivelmente angariar mais informações acerca do real andamento das investigações e possibilidades de sua conclusão satisfatória."
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Nós defendemos o acompanhamento externo, por parte da sociedade civil, com dois modelos possíveis: o de uma relação com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e outro atendendo inclusive ao que foi apresentado na última audiência pública, pela representação da Anistia Internacional, o incentivo a uma organização da sociedade, sem necessariamente a participação do Estado. Além disso, de acordo com requerimento já aprovado, nós reforçamos a necessidade da federalização da investigação com deslocamento de competência, para que se tenha inclusive a ampliação da responsabilidade e que esfera federal não delegue ou abra mão de fazer um acompanhamento baseado naquilo que é necessário para se chegar aos executores, aos mandantes e à motivação do crime, das execuções de Marielle e de Anderson.
"3. A apreciação, por parte do Congresso Nacional, de proposições que previnam que casos como de Marielle e Anderson se repitam, bem como tornem mais efetivas as investigações e fortaleçam o controle social sobre a segurança pública
e. Entendendo que o crime contra Marielle foi, sobretudo, um crime contra uma defensora de direitos humanos, esta Comissão recomenda ao Congresso Nacional a apreciação do PL 4575/09, de autoria do Poder Executivo, que institui por lei o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos — PPDDH, no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos, prevendo, dentre outras coisas, uma série de medidas para garantir a segurança e a integridade daqueles que lutam por direitos."
Uma vez que já foi distribuído o relatório, Deputado Jean, vamos avançar na leitura dos outros pontos de propostas e projetos de lei que imaginamos que devem ser votados pela Câmara dos Deputados e que trabalhariam exatamente sobre a proteção a defensores de direitos humanos e a identificação de executores, como, por exemplo, a marcação de armas de fogo, a instalação de chips em armas de fogo e os outros itens que já estão contidos aqui no relatório.
O SR. PRESIDENTE (Jean Wyllys. PSOL - RJ) - O.k.
O SR. GLAUBER BRAGA (PSOL - RJ) - Então, continuo a leitura do relatório:
4. O fortalecimento das redes de proteção aos defensores de direitos humanos, vítimas e testemunhas ameaçadas, em especial no Estado do Rio de Janeiro
n. Esta Comissão recomenda o fortalecimento do Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos, que, em um contexto crítico como o que vivemos, necessita de mais recursos humanos e financeiros para a consecução de seus objetivos, além das mudanças legislativas já mencionadas.
o. Conforme denúncia trazida por entidades da sociedade civil, esta Comissão recomenda também a criação de um Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no Estado do Rio de Janeiro, que, apesar da previsão normativa já consolidada, carece até o presente dia de materialização e funcionamento.
p. No mesmo sentido, recomendamos também que o Estado do Rio de Janeiro volte a realizar repasses ao Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, o PROVITA, que, como visto, conta atualmente apenas com o repasse de verbas federais.
q. De modo particular, exigimos que a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro volte a oferecer proteção à Vereadora Talíria Petrone, diante das ameaças sofridas" — foi uma das diligências inclusive realizadas pela Comissão.
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Apenas friso o seguinte, Deputado Jean, Coordenador desta Comissão, que fez um trabalho incansável de cobrança de acompanhamento do primeiro até o último momento: a solicitação de federalização realizada por esta Comissão, combinada com a necessidade de acompanhamento externo e independente, tem também uma relação direta com as contradições existentes entre os investigadores que acompanham o caso da execução de Marielle e Anderson.
Eu cito aqui um dos pontos. O Chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro disse publicamente que a investigação estava na sua fase final. Em reunião com os representantes do Ministério Público, os Promotores e as Promotoras que acompanham o caso, aliás, a Promotora, eles não corroboram essa mesma posição da Polícia Civil, eles não reafirmam que a investigação está em fase final. Dizem inclusive que faltam atos importantes para que a investigação seja realizada.
Num processo como esse, em que a Polícia Civil fala uma coisa, os Promotores falam outra, o Ministério da Segurança Pública fala outra coisa, e não temos o completo entendimento do grau de acompanhamento das investigações pela Polícia Federal, até porque os requerimentos formulados à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, aos investigadores, não foram respondidos de maneira devida a esta Comissão, os mais variados, e foram muitos — aqui no relatório inclusive elencamos um a um —, não nos resta outra opção a não ser indicar no relatório o processo de federalização, de deslocamento de competência e, além disso, um acompanhamento externo de organismos da sociedade civil, com a possibilidade inclusive de interlocução e articulação internacional, para que definitivamente cheguemos aos executores, aos mandantes e à motivação e também para que o legado de Marielle e o crime bárbaro contra a Marielle e o Anderson não sejam esquecidos. As autoridades federais precisam também assumir essa responsabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Jean Wyllys. PSOL - RJ) - Obrigado, Deputado Glauber.
Eu só queria ressaltar que esta Comissão não tem poder de polícia, mas ela tem e teve um poder fiscalizador. Ela existe porque foi requerida por mim no dia seguinte à execução de Marielle Franco e foi instituída pelo Presidente Rodrigo Maia.
Ao longo desse tempo, trabalhamos de maneira incansável — quase sempre os trabalhos recaindo sobre mim e sobre o Deputado Glauber, porque os membros das Comissões Externas têm outras coisas para tocar, e o Relator e o Coordenador são os que acabam levando de fato a Comissão nas costas. Fizemos um trabalho de fiscalização, de articulação com os organismos internacionais. Em nenhum momento, esta Comissão deixou de dar transparência ao seu trabalho e exigir transparência das instituições diretamente envolvidas nas investigações, inclusive expondo as suas contradições.
O que o relatório aponta sobretudo em termos de recomendações é muito importante. O controle de armas de fogo é importante, sobretudo, no dia de hoje, quando fomos surpreendidos com a notícia de um ataque a tiros em Campinas, com cinco mortos até agora.
Para mim, em particular, o trabalho desta Comissão foi muito importante, porque não sei se os senhores sabem, mas, desde que Marielle foi executada, eu estou sob escolta policial. As ameaças contra mim só se agravaram ao longo desses meses a ponto de a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA — Organização dos Estados Americanos ter exigido medida cautelar em relação à proteção da minha vida.
Nem por isso recuamos em relação a esse trabalho e queremos, depois de apresentar este relatório, continuar exigindo as respostas que toda a sociedade brasileira e o mundo querem ter, porque Marielle se tornou um símbolo no mundo. A imagem dela se tornou um símbolo da demanda por justiça dos defensores de direitos humanos. Nós queremos saber quem mandou matar, quem matou e por que matou.
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O SR. GLAUBER BRAGA (PSOL - RJ) - Peço que seja dada como aprovada e como lida a ata da reunião.
Eu gostaria também, Deputado Jean, neste final, de fazer um agradecimento. Além de fazer um agradecimento pela sua coordenação e pela participação dos demais Parlamentares que se envolveram, agradeço a todos que se envolveram na confecção do relatório. Faço um agradecimento à Vivianne, Secretária da Comissão, e ao Davi, o Consultor responsável pelo acompanhamento do trabalho, que juntamente com o Pedro, com o Telé e com outros Consultores nos auxiliaram na confecção deste relatório. Quero também agradecer às equipes dos mandatos. A Lis, por exemplo, esteve muito presente no acompanhamento do mandato do Deputado Jean. Nosso agradecimento a todo mundo que contribuiu com esse trabalho que achamos que tem indicativo concreto do que deve ser feito, nessa etapa, em que nós vivemos de ampliação do estado de exceção e, mais especificamente, para que busquemos demonstrar que não será esquecido o que aconteceu com Marielle e Anderson.
O SR. PRESIDENTE (Jean Wyllys. PSOL - RJ) - Quero agradecer ao Flavio Elias, da Liderança do PSOL, e ao Sandro Lobo, que deu a sugestão de termos um cronômetro que contasse os dias desde a execução e o que foi feito, o que cada instituição diretamente envolvida fez até agora para desvendar esse crime. Essa foi uma ideia incorporada pela Comissão.
A Comissão tem uma página que está no site da Câmara para quem quiser saber quantos requerimentos nós enviamos, quantas interpelações nós fizemos às instituições diretamente envolvidas e a resposta de cada instituição. O que nós fizemos está lá publicado. Como eu disse, nós demos transparência o tempo inteiro ao trabalho desta Comissão e exigimos transparência das instituições. Este relatório está do tamanho e à altura daquilo que a Comissão poderia fazer.
O SR. GLAUBER BRAGA (PSOL - RJ) - Deputado Jean, permita-me também falar acerca da sua intervenção sobre o acompanhamento em tempo real das demandas, citando também o Sandro e todos que contribuíram.
Isso foi fundamental para o acompanhamento de organismos nacionais e internacionais, que precisam saber do trabalho da Comissão, e para a definição dos desdobramentos finais. Se tivéssemos tido por parte da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e das autoridades responsáveis pela investigação diligência na resposta aos pedidos de informação feitos pela Comissão, provavelmente teríamos um desdobramento diferente, mas não foi o que aconteceu. O que tivemos foi um completo descaso por parte das autoridades, com contradições entre elas que são insanáveis. E, por serem insanáveis essas contradições, é que achamos que esse deslocamento de competência se torna necessário, porque vai envolver inclusive o Superior Tribunal de Justiça. Assim, todas essas autoridades vão ter que ser ouvidas.
O SR. PRESIDENTE (Jean Wyllys. PSOL - RJ) - Quero agradecer à Deputada Maria do Rosário, que formalmente entrou com um requerimento de deslocamento de competência, e ao nosso colega Deputado Chico Alencar.
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O SR. CHICO ALENCAR (PSOL - RJ) - Eu peço desculpas. Eu estava na Comissão que trata do fim do foro privilegiado, da qual sou titular. Eu já sabia, em linhas gerais, do teor deste relatório. Por isso, quero parabenizar não só o Presidente da Comissão, o Deputado Jean Wyllys, como também o Relator, o Deputado Glauber Braga.
Eu creio que nós cumprimos rigorosamente a missão, a tarefa, a prerrogativa de uma Comissão Externa de acompanhamento, com começo, meio e fim, franqueza, audiências, questionamentos e indagações, que continuam. É uma forma inclusive de honrar a memória de Marielle e Anderson tão vilipendiadas pelos boçais, pelos canalhas, pelos desumanos que, às vezes, até postulam mandatos públicos e têm êxito, mas não se avexam de ofender a memória de quem foi retirado do nosso convívio de maneira tão brutal.
Isso é impressionante neste País. Esse tipo de cultura degenerada explica o que aconteceu agora no início da tarde em Campinas. Estamos importando o que há de pior na sociedade norte-americana entre outras. E essa impunidade é inaceitável.
Eu queria só agregar o seguinte: nós ouvimos das autoridades da intervenção militar na segurança do Rio, ainda em março, que a execução de Marielle era um desafio à intervenção, era uma afronta à intervenção, e eles tinham como questão de honra elucidar o caso. Bom, hoje é dia 11. Eles têm quantos dias para resolver isso? Até 31 de dezembro, ou seja, 21 dias. Eu gostaria que, nestas 3 semanas, tudo que o relatório denuncia como insuficiência da investigação fosse sanado, mas infelizmente não estou otimista com essa possibilidade. O nosso trabalho é continuar na sociedade civil, no mundo, internacionalmente, como o relatório aponta, a pressão e o acompanhamento para desvendar o caso. Não elucidar um crime é continuar matando a vítima.
O Mia Couto, um escritor africano — eu fico repetindo isso à exaustão —, dizia que o morto amado nunca para de morrer. Eu diria que crime não elucidado nunca para de acontecer. E é isso que nós estamos tentando evitar aqui.
Parabéns pelo excelente trabalho! Eu sei que o Deputado Glauber teve que virar noites trabalhando e se poupar de muita coisa para poder produzir um relatório, apesar da insuficiência e da contradição das informações que recebemos.
O SR. PRESIDENTE (Jean Wyllys. PSOL - RJ) - Obrigado, Deputado Chico Alencar.
Por fim, eu queria dizer que, assim como os direitos humanos não existem nessa abstração, porque os direitos humanos são os direitos de todos, os direitos sociais, os direitos políticos, os direitos econômicos, os direitos culturais, os direitos sexuais e reprodutivos, os direitos humanos são inextricáveis e não há hierarquia entre eles, os direitos humanos se encarnam em cada pessoa humana, eu também quero lembrar que Marielle não é só essa defensora abstrata dos direitos humanos. Marielle Franco é a primeira mulher negra, oriunda da favela e lésbica a chegar à Câmara de Vereadores tendo sido muito bem votada.
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E é óbvio que essas posições de sujeito que ela ocupa e ocupava — ocupa, porque ela não está morta na nossa memória — contaram muito para que os canalhas que contrataram os sicários a escolhessem para matar.
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