4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 55 ª LEGISLATURA
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher
(Pauta Feminina - Reunião Conjunta da CMULHER, SEMULHER e Procuradoria Especial da Mulher do SF)
Em 7 de Agosto de 2018 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:21
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A SRA. APRESENTADORA - Boa tarde a todos e a todas. Meu nome é Daniele e eu sou da Secretaria da Mulher, da Câmara dos Deputados.
Queríamos aqui fazer uma breve apresentação sobre o projeto e, já depois, chamar a Mesa, para começarmos os nossos trabalhos.
O Projeto Pauta Feminina é uma iniciativa das Procuradorias da Mulher, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em conjunto com a bancada feminina do Congresso, e já completa hoje 57 vitoriosas edições desde o segundo semestre de 2013.
A pareceria conta ainda com o Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher — NEPEM/UnB, da Universidade de Brasília, com a ONU Mulheres e com o Banco Mundial.
O projeto compreende palestras voltadas para o público em geral, com o intuito de despertar o interesse da sociedade para os principais problemas que permeiam a vida das mulheres e são de relevância para a pauta legislativa, como saúde, trabalho, educação, mobilidade urbana, direitos sexuais e direitos reprodutivos, violência doméstica, acesso aos espaços de poder e decisão, direitos humanos, violência obstétrica e igualdade racial, entre outros.
A Procuradoria Especial da Mulher, do Senado, criada em 2013, tem como missão ajudar a constituir na sociedade uma cultura que expresse valores de igualdade, equidade, respeito, atenção e empoderamento, ancorada em iniciativas legislativas em favor da luta emancipacionista das mulheres.
A Secretaria da Mulher, da Câmara, é formada pela Procuradoria Especial da Mulher, da Câmara, junto com a Coordenadoria dos Direitos da Mulher, que exerce as funções também de coordenação da bancada feminina. São esses dois órgãos da Casa que trazem aqui este importante debate, que tem como tema deste mês A violência contra a mulher na política.
Convido para compor a Mesa a Sra. Emília Fernandes, Presidenta do Fórum de Mulheres do MERCOSUL (palmas), que vai conduzir aqui a nossa maravilhosa iniciativa e também chamar os nossos palestrantes.
Obrigada.
A SRA. COORDENADORA (Emília Fernandes. ) - Boa tarde a todos e a todas.
É sempre uma alegria e uma satisfação retornar ao Congresso Nacional, eu que estive por esta Casa como Senadora e, depois, como Deputada Federal, por um longo tempo. E hoje, como Presidenta do Fórum de Mulheres do MERCOSUL, registro também o orgulho de estarmos juntas nessa luta, que é de todas e de todos, sobre a importância da mulher nos espaços de poder e na política não apenas por ser mulher, mas também por fazer a diferença.
Registro a alegria de estar aqui com a nossa Coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher no Senado, a Rita Polli. Também temos muita honra de contar com a presença da Sra. Diana Vanegas, Embaixadora da República de El Salvador. (Palmas.)
Muito obrigada.
Gradativamente nós vamos registrar o nome de outras pessoas ou personalidades que já estejam aqui ou que chegarem.
Então, vamos, de imediato, compor a Mesa com as pessoas que vão usar da palavra.
Convidamos a Sra. Cristiane Brito, Vice-Presidenta da Comissão de Direito Eleitoral, da Ordem dos Advogados do Brasil. (Pausa.)
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Ela ainda não chegou, está a caminho.
Convidamos a Sra. Flávia Biroli, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília. (Palmas.)
Seja bem-vinda.
Convidados a Sra. Noëlle Silva, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília e pesquisadora-assistente da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA. (Palmas.)
Seja bem-vinda.
Convidamos a Sra. Vanja Andrea dos Santos, Presidenta da União Brasileira das Mulheres — UBM. (Palmas.)
Seja bem-vinda.
Antes de iniciarmos os trabalhos propriamente ditos e as falas das nossas convidadas, gostaríamos de convidar a equipe do Instituto Brasileiro de Políticas Públicas — IBRAPP, que fará, neste momento, o lançamento do folder intitulado Fundo Partidário e Eleitoral para as Mulheres, Sim, desenvolvido pela Procuradoria Especial da Mulher, do Senado. (Palmas.)
Convido a jovem Maira Nunes e o Paulo Roberto a usarem da palavra, para que possam apresentar esse trabalho que foi realizado.
O SR. PAULO ROBERTO SANTOS COELHO - Boa tarde a todos e a todas.
Eu sou o Paulo, Gerente do Instituto Brasileiro de Políticas Públicas, organização que tem 10 anos e vem implantando as políticas públicas pelo Brasil.
Recebemos o convite da Procuradoria da Mulher para a confecção de um folder em alusão às propostas e aos projetos de lei com participação das mulheres na política. Fomos agraciados com o convite e estamos lançando, hoje, já o segundo folder, que vocês receberam e que faz alusão ao Fundo Partidário e ao Fundo Eleitoral para as mulheres.
Esse folder é distribuído em todos os locais do Brasil onde temos contrato. Hoje o IBRAPP está presente em 13 Estados do Brasil, com mais de 1.200 funcionários trabalhando em vários órgãos, implantando diversas políticas por todo o País. Então, esse folder está sendo distribuído em Brasília e em todos os Estados onde atuamos.
Ficamos muito felizes por esta oportunidade dada pela Secretaria da Mulher.
Obrigado e boa tarde. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Emília Fernandes. ) - Muito obrigada. Todas as pessoas estão recebendo o folder, que traz dados importantes de uma forma bem didática e bem sintética, mas muito boa tanto para as mulheres pré-candidatas, que agora já são candidatas, como para as eleitoras.
Ao longo das atividades, nós vamos registrar a presença de algumas pessoas que já estão aqui, mulheres de luta.
De imediato, gostaríamos de iniciar a fala das expositoras, lembrando que o tempo de exposição de cada uma será de 15 minutos. Em seguida, será aberta a palavra ao público.
Concedemos a palavra à Flávia Biroli, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília.
A SRA. FLÁVIA BIROLI - Muito obrigada. Começo agradecendo pela oportunidade de estar aqui, agradecendo à Procuradora da Mulher pelo trabalho que tem sido feito e cumprimentando as minhas colegas de Mesa. É um prazer.
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Também já vou antecipar um pedido de desculpas, porque talvez eu tenha que sair antes de a Mesa ser finalizada. Eu tenho um período de até as 16 horas, como já havia comentado. Então, já deixo meu pedido de desculpas.
Eu vou falar um pouco sobre a violência contra as mulheres na política, numa perspectiva de como temos compreendido o que é essa violência contra as mulheres na política, qual é a sua relação com a violência contra as mulheres de maneira mais ampla — o que vai ser o meu ponto inicial —, que tipificação tem sido feita e que expectativas podemos ter, uma vez que compreendermos melhor do que se trata, no combate a essas formas de violência.
Em primeiro lugar, infelizmente, nós precisamos ter clareza de que a violência contra as mulheres é uma prática social sistemática em todo o mundo e com peculiaridades em diferentes sociedades. Então, quando olhamos para os altos índices de violência contra as mulheres no Brasil, é preciso compreender que se trata de uma prática social, de uma prática que atinge as mulheres como um grupo, embora existam diferenças no modo como essa violência atinge as mulheres e nas formas de vitimização entre grupos de mulheres específicos. Entre as mulheres indígenas, entre as mulheres negras, há aspectos dessa violência que devem ser considerados na sua peculiaridade. Mas eu chamo a atenção para o fato de que nós estamos falando de uma das práticas sociais que tornam as mulheres um grupo, embora heterogêneo internamente. Por sermos mulheres, estamos expostas a essas práticas de violência.
A violência contra as mulheres na política não vem sendo considerada pelas pesquisadoras, internacionalmente, como simplesmente um subtipo dessa violência mais ampla, mas, sim, como uma violência específica que se volta contra as mulheres, na medida em que elas estão mais presentes, ativas e têm mais peso na cena pública e nos espaços da política institucional. Isso é importante porque nós não estamos simplesmente falando sobre a forma que essa violência como prática social sistemática assume. Nós estamos falando de uma violência que atinge as mulheres na medida em que se colocam como sujeitos políticos na cena pública e nos espaços institucionais.
É importante compreendermos que, tanto quanto a prática social da violência cotidiana contra as mulheres, essa violência se ancora em valores sexistas. Mas, repito, ela consiste numa reação ao aumento da participação das mulheres na política, à sua participação na cena pública, ao peso que adquirem na construção de políticas do Estado e das democracias.
Eu quero citar duas definições. Uma é de uma colega argentina, Laura Albani, que diz que a violência política contra as mulheres consiste em estratégias para a manutenção de posições de poder daqueles que já têm posições na política. Outra é da colega Juliana Zanin, que diz que a violência é a expressão do privilégio masculino na sociedade e na política em especial.
Então, existe uma conexão entre os espaços já ocupados, entre quem já tem posição nos espaços políticos de poder, no mundo dos partidos políticos, e o tipo de violência que se expressa quando as mulheres se colocam de maneira mais ativa como sujeitos na política. É interessante observar que essa violência afeta mulheres no mundo todo — as pesquisas que têm sido feitas mostram isso. Mas nós precisamos ser capazes de compreender as formas que ela assume em contextos específicos, no caso, o brasileiro.
14:33
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O contexto brasileiro é muito ambivalente no que diz respeito à participação das mulheres na política. Nós todas sabemos que o Brasil é um dos países com as menores taxas de representação política de mulheres no mundo. E, se considerarmos apenas as Américas, veremos que também estamos numa posição muito incômoda: o Brasil é hoje o terceiro país nas Américas com os menores índices de representação política de mulheres, embora tenhamos uma legislação de cotas ativa desde os anos 90, ou seja, há mais de 20 anos. Ao mesmo tempo, se considerarmos esse período de 30 anos de construção da democracia no País, veremos que as mulheres foram sujeitos políticos na construção do Estado, na construção da democracia no Brasil, de maneira sistemática. Então, temos aí um quadro de muita ambivalência: constatar a sub-representação não significa constatar a ausência de atuação política.
No meu ponto de vista, essa é a chave para se compreender a violência contra as mulheres na política no Brasil. Embora nós tenhamos limites importantes de reprodução da política masculina no que diz respeito à representação política formal, por meio de trajetórias eleitorais, nós temos mulheres trabalhando sistematicamente no âmbito estatal nesses 30 anos e construindo resultados, algo que se acentua a partir dos anos 90, na medida em que o ambiente internacional se torna mais favorável.
A referência que sempre temos que mencionar é a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, da Organização das Nações Unidas, realizada em 1995, em Pequim. O encontro transformou o debate sobre igualdade de gênero em tema no ambiente político transnacional e internacional, permitindo que os movimentos de mulheres e as mulheres ativas na política nacional pudessem mobilizar essa agenda em seus espaços. Isso aconteceu no Brasil e teve muitos resultados.
Na América Latina, de maneira mais ampla, a violência contra as mulheres na política tem sido tipificada, codificada e, mais recentemente, criminalizada por meio de legislação específica. Existem hoje acenos e documentos da Organização das Nações Unidas também nesse sentido, orientando que a legislação nacional sobre violência contra as mulheres incorpore a questão da violência política ou que seja produzida legislação específica. Então, este é um recado que eu deixo aqui, em especial: precisamos ter compreensão e fazer a tipificação.
Mas já temos experiências internacionais no que se refere a legislação. A principal legislação citada é a da Bolívia, de 2012. Eu queria mencionar que ela foi produzida em um contexto em que a paridade — refiro-me à legislação de paridade — provocou um aumento da violência contra as mulheres na política. Esse é um caso típico em que a presença das mulheres, numa atuação com maior protagonismo, gera reações, porque estamos falando de ocupação de espaço. Nós precisamos ser muito claras nisto: estamos falando de ocupação de espaços. A ausência de mulheres significa um problema das democracias, um déficit democrático, mas a sua presença implica deslocamentos e a redefinição das posições no âmbito político partidário. Em outras palavras, mexe-se com quem já ocupa os espaços. Isso precisa ficar muito claro. E é o que gera a violência especificamente contra as mulheres na política.
14:37
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Essa violência estabelece-se de diferentes formas e tem diferentes níveis. A tipificação que tem sido utilizada caracteriza a violência contra as mulheres na política em cinco tipos: violência física, violência sexual, violência psicológica, violência simbólica e violência econômica.
Eu queria chamar a atenção para esta última, em um momento em que temos uma decisão recente, de maio, do Tribunal Superior Eleitoral, que define que os partidos devem atribuir 30% do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral para a candidaturas de mulheres, o que aprofunda e efetiva a nossa legislação de cotas, que existe desde 1997. Ela vem de fato ganhando consistência com decisões recentes, como a mudança na legislação de 2009, que torna obrigatório os partidos ocuparem esses 30% com candidatas mulheres, em vez de simplesmente reservarem esses 30% para elas, e a decisão do TSE, de 2012, que torna possível punir os partidos que não ocupam esses 30% nas listas eleitorais com mulheres. Agora nós temos dinheiro e tempo de mídia. Quando temos dinheiro, temos chances potenciais, infelizmente, de reações mais duras contra essa participação das mulheres. Então, parece-me que precisamos ficar muito atentas a essa ideia de que violência econômica é um tipo de violência política contra as mulheres. Não atribuir esse recurso significa retirar das mulheres as condições de oportunidade de participação na política.
Os tipos diferentes de violência costumam se somar numa escalada. Como se dá — e esta é uma pergunta que nós temos que responder empiricamente — a conexão entre violência econômica e violência simbólica? Como se dá a conexão entre violência econômica e violência psicológica contra as mulheres que estão construindo candidaturas e procurando participar da política? Acho que nós precisamos realmente nos aplicar em responder a essas questões a partir das experiências das mulheres que estão disputando cargos no Brasil, que estão procurando construir suas candidaturas com efetividade. Então, vamos ouvi-las, para que possamos dar passos nesse sentido.
Precisamos observar e construir reações rápidas a situações de violência que ocorram neste processo eleitoral — estou falando agora do nosso presente no Brasil. Para garantir a participação das mulheres, é preciso que haja medidas rápidas e acompanhamento do que ocorre nos casos de violência, em seus diferentes tipos, como eu apontava.
Por fim, eu gostaria de apresentar muito brevemente o argumento que tenho nos meus estudos sobre violência política: não basta lidarmos com a violência contra mulheres específicas, embora isso seja muito importante. É preciso também compreender que parte da violência política contra as mulheres é o silenciamento. E o silenciamento não é apenas o silenciamento de indivíduos, mas o de toda uma agenda, de atores coletivos que vêm construindo o debate sobre igualdade de gênero. Parece-me que precisamos de posições claras sobre o tipo de violência a que correspondem as medidas contra a agenda da igualdade de gênero e as ações para a retirada da noção de gênero e da agenda da igualdade de gênero das políticas públicas brasileiras. Retirar gênero do debate público significa silenciar todo um conjunto de análises de problemas que foram construídos ao longo de décadas, internacional e nacionalmente, e também de respostas para a questão das desigualdades.
14:41
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Então, a retirada da voz se dá no nível individual, mas também no debate coletivo. Precisamos estar atentos a isso e construir alianças que mobilizem não apenas o valor da garantia à oportunidade de cidadania que se coloca na disputa política quando as mulheres participam, mas também da garantia de que possamos construir uma sociedade mais igualitária. Se não discutirmos desigualdades, se não desnaturalizarmos as desigualdades, vamos passar a mensagem, inclusive para as novas gerações, de que está tudo bem, mas não está tudo bem. Não está quando olhamos para a violência como prática social contra as mulheres no cotidiano da sociedade brasileira, na América Latina mais amplamente; não está quando olhamos para os espaços da política institucional e vemos a reprodução da política masculina — não porque as mulheres não queiram participar, como eu disse, são atores políticos nesses 30 anos, estou aqui ao lado de uma delas —, porque não tem havido a possibilidade de participação e de disputa em condições de igualdade.
Então, fico à disposição para que possamos conversar depois, mesmo além desta reunião.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Emília Fernandes. ) - Muito obrigada, Dra. Flávia, colega professora. Eu sou professora também, com muito orgulho. Sempre gosto de dizer que sou professora e estive em algumas outras atividades.
Queremos registrar a presença de mulheres importantes, lutadoras, militantes. Cito Lúcia Bessa, Presidente da Comissão de Combate à Violência Familiar da OAB-DF e Diretora de Direitos da Condição da Mulher do Fórum de Mulheres do MERCOSUL, nossa companheira de luta; Lúcia Félix, pré-candidata a Deputada Distrital; Santa Alves, grande lutadora do movimento negro, pré-candidata a Deputada Distrital pelo PCdoB.
Eu estou lendo as informações exatamente como as recebi. Acrescento que a Lúcia Bessa também é pré-candidata a Deputada Distrital. Mas já é candidata, apesar de o prazo de registro das candidaturas ser até o dia 15.
As mulheres estão se empoderando e se colocando na luta. E temos que registrar que isso acontece independentemente de partido político. Inclusive, o Fórum de Mulheres do MERCOSUL, que eu presido, existe desde 1995 e trabalha de forma suprapartidária.
Vamos ouvir agora outra pesquisadora, Noëlle Silva, que é Mestre em Ciência Política, pesquisadora, assistente da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do IPEA, por 15 minutos.
A SRA. NOËLLE SILVA - Boa tarde a todas.
Quero agradecer, primeiro, o convite da Procuradoria. É uma honra participar desta audiência ao lado de mulheres tão notáveis e de estar contribuindo para este debate.
Só para esclarecer, estou vinculada atualmente ao IPEA, mas o que eu vou apresentar aqui não tem relação com o Instituto, e, sim, com a minha atividade como pesquisadora e Mestre em Ciência Política.
(Segue-se exibição de imagens.)
14:45
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Eu trouxe uma apresentação. Na verdade, a ideia aqui é ilustrar alguns casos de violência que as mulheres sofrem na política, e o meu foco vai ser o Parlamento. Por quê? No ano passado, eu conduzi uma pesquisa com três outros colegas da área de Ciência Política sobre a atuação das mulheres no Senado Federal. Temos pouca produção na literatura sobre a atuação das Senadoras. Com isso, começamos a nos sentir instigados a observar esses casos de violência e a mapeá-los. O nosso exercício vai ser ilustrar, realmente, o que tem acontecido. Inclusive, alguns casos a Profa. Flávia já mencionou. Vamos trazê-los, enfim, para todo mundo ver.
Trago o conceito do que seria essa violência, e esse conceito é o da Lei Modelo Interamericana, da Organização dos Estados Americanos, que visa prevenir, punir e erradicar a violência política contra as mulheres. Esse documento foi publicado em 2017, é bem recente. Na verdade, é um compilado sobre como foi e como está sendo essa experiência nos países da América Latina que já têm uma legislação nesse sentido, como a Profa. Flávia citou.
O conceito é: "Qualquer ação, conduta ou missão realizada diretamente, ou através de terceiros, que, com base em seu gênero, cause dano ou sofrimento a uma ou mais mulheres, e cujo objetivo ou resultado seja prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos políticos. A violência contra as mulheres na política pode incluir, entre outras, violência, física, sexual, psicológica, moral, econômica ou simbólica".
Ainda citando esse documento da Organização dos Estados Americanos, quais são os espaços onde essa violência está presente? Dentro da família, ou unidade doméstica, ou em qualquer outra relação interpessoal, em qualquer âmbito público, incluindo todas as organizações de caráter público, privado e/ou misto que operem na vida pública como partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, meios de comunicação e redes sociais. Então, a princípio, temos a ideia de que a violência vai ocorrendo no Parlamento ou contra mulheres que estão exercendo cargos eletivos; mas, não, vemos que ela ocorre em vários outros espaços.
Trouxe ainda o contexto da América Latina, mas a Profa. Flávia já explicou bem isso. Eu vou falar brevemente sobre o assunto. A Bolívia foi a pioneira nessa discussão, o Equador também tentou incluí-la no Código Penal daquele país, tipificando o gênero, mas lá já existe uma legislação que trata do assédio político, sem entrar nesse âmbito do gênero. O México é um caso mais emblemático. Neste ano, inclusive, uma prefeita foi assassinada, e lá muitas mulheres morrem, inclusive candidatas. Em 2013, o país aprovou a legislação e, em 2017, também publicou um protocolo de atenção a isso. É um documento também bem recente. O caso mais recente é o do Peru, que aprovou o Plano Nacional contra a Violência de Gênero, e incluiu o assédio político.
E o Brasil? Sabemos que o Brasil avançou muito na legislação sobre a violência contra a mulher, mas ainda não há menção específica sobre a violência contra a mulher na política. Aqui eu cito uma fala da Profa. Flávia, num artigo do Boitempo: "A violência contra as mulheres na política brasileira está naturalizada e, por isso, não é reconhecida, explicitada e discutida. Caso ela faça sentido, esse é um tema com o qual precisamos lidar". E por que precisamos lidar com isso? Sabemos que nos últimos anos a pauta de igualdade de gêneros e de direitos das mulheres tem se fortalecido muito. As mulheres estão participando mais da política, ainda que estejamos distantes dos números aí, como a Profa. Flávia falou. Estamos bem aquém, mas há mais mulheres protagonizando debates importantes no cenário político.
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Eu vou trazer o caso do Senado, porque foi o que eu mapeei.
O que observamos neste eslaide? Ele mostra, em porcentagem, a participação das mulheres no Senado Federal. Fizemos uma análise de 2003 a 2016, e percebemos que, a partir de 2003, houve uma participação maior das mulheres no Senado, que é um espaço, com sabemos, um pouco mais fechado do que a Câmara dos Deputados. A Emília já foi Senadora, mas acho que uma das poucas Senadoras na época em que assumiu o cargo. Os casos que vamos trazer têm inclusive relação com o aumento da participação das mulheres na política.
Eu vou citar alguns casos, mas não vou nomear o agressor nem a agressora. Eles serão citados só como ilustração. O primeiro exemplo que eu trago é bem recente — acho que alguns aqui vão lembrar. Na época, o Ministro das Relações Exteriores estava no México, e ele falou que o México era um perigo, porque metade dos Senadores eram mulheres. Ele convidou a Ministra para ir aos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, mas ainda disse: "Quero muito que você vá, mas será um perigo, porque chamará a atenção para este assunto". Isso volta inclusive ao ponto que a Profa. Flávia mencionou, da ameaça a um espaço dominado por homens. E o Senado é bem forte nesse sentido.
Quais são as manifestações de violência? O documento da OEA que eu citei aqui traz algumas tipificações ou manifestações. E há alguns casos brasileiros que podemos relacionar com essas tipificações já presentes na legislação internacional. O primeiro deles é limitar ou arbitrariamente negar o uso de qualquer recurso ou atribuição inerente ao cargo político que a mulher ocupa, impedindo o exercício de cargo em condições de igualdade.
O primeiro exemplo que eu trago é um caso bem recente. O plenário do Senado, após 55 anos, teve o primeiro banheiro feminino, inaugurado em 2016. Só havia banheiros para homens. As Senadoras tinham que sair do plenário para usar o banheiro, porque não havia banheiro feminino no plenário. Houve representação de mulheres no Senado, como suplentes, na década de 70, mas, formalmente, isso ocorreu a partir de 1991. Portanto, só em 2016 as mulheres tiveram o direito de usar o banheiro no plenário do Senado.
Outro caso que poderíamos relacionar com isso é a proibição, no Senado Federal, do uso de calça pelas mulheres nas dependências da Casa, medida que foi derrubada em 1997. As mulheres não podiam usar calça nas dependências do Senado.
Outro exemplo que trazemos aqui: "Difamar, insultar ou interpretar qualquer expressão que denigre as mulheres no exercício de suas funções políticas, com base em estereótipos de gênero, com o objetivo de prejudicar a sua imagem pública ou limitar direitos políticos".
14:53
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Os exemplos que trago aqui são clássicos e comuns: "Machismo marca debate no plenário do Senado em processo de impeachment". Neste caso, um Senador se referiu às Senadoras como "meninas".
Houve ainda outro caso envolvendo o impeachment. Uma discussão estava acalorada, havia dois partidos contra a posição de um Senador, e o Senador referiu-se às Senadoras como "ansiosas", sendo que também havia homens reivindicando, assim como as mulheres.
Em outro caso, disse uma Senadora na sessão: "Olha o machismo e se cuida". E o Senador tinha dito: "V.Exa. tem que se acalmar". A maioria das reações são estas: "V.Exa. tem que se acalmar", "se acalmem", sempre nesse sentido.
Há também em uma nota taquigráfica, como naquela citação anterior, daquele tipo de violência, de um Senador que disse: "Eu não lhe concedo a palavra, Senadora". Eles estavam em um debate e ela pediu a palavra. "Eu a ouvi com atenção. A senhora tem a mania de interromper, tem a mania de usar o tempo. Não lhe concedo a palavra neste instante. Da mesma forma que eu a ouvi, V.Exa. vai ter que me ouvir. A senhora tem a mania de pegar o microfone, usa a sua condição de gênero para atropelar." Ele falou com essas palavras, está nas notas taquigráficas que eu consultei no site do Senado Federal.
O próximo é: "Ameaçar, agredir ou incitar a violência contra as mulheres defensoras dos direitos humanos ou dos direitos das mulheres por razão de gênero".
O caso mais emblemático, mais forte e divulgado foi o caso da Deputada Maria do Rosário. Outro caso também foi o de um juiz que incitou agressão contra uma Senadora.
Está grande o post, mas ele foi publicado no Facebook. Uma Senadora fez um discurso e um juiz propôs, ao não concordar com a Senadora: "Se algum brasileiro indignado lhe der uma cusparada no meio da fuça, um chute no abundante traseiro ou uma bela bolacha na 'chocolateira', num desses aeroportos da vida, responderá no máximo por injúria real ou lesão corporal leve". Ou seja, há uma incitação clara à violência, de incentivar a violência e a agressão contra a Senadora.
Outro caso nesse mesmo sentido de ameaça envolveu uma Senadora em uma sessão conjunta do Congresso Nacional. Eu observei duas violências praticadas ao mesmo tempo, contra uma Senadora e contra uma Deputada, por quem estava presidindo a sessão. Houve uma questão de ordem, que não foi atendida, os Parlamentares estavam se manifestando, e o Presidente da sessão se dirigiu à uma Senadora: "V.Exa. já foi pro Conselho de Ética por causa disso. Quer ir de novo?" Ou seja, uma ameaça! Um Parlamentar inclusive falou, pois os microfones ficam ligados: "Olha, está ameaçando a Parlamentar". Havia várias pessoas reivindicando a mesma coisa, mas ele se dirigiu à Senadora em específico.
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No próximo caso vamos entrar em alguns exemplos da Câmara dos Deputados. Eu falei até agora de alguns casos do Senado: fazer proposições, toques, abordagens ou convites indesejados, de cunho sexual, influenciando as condições das mulheres ou o ambiente onde elas desenvolvem sua atividade política e pública. Temos um caso recente de uma Deputada que foi chamada de gostosa durante uma votação no Plenário da Câmara. Também tivemos um caso no âmbito do Senado — é uma matéria bem antiga, de 2006. Era uma sabatina de uma possível Ministra do STF, e os Senadores fizeram elogios à beleza, ao charme e à elegância da futura Ministra. As falas eram estas: "A senhora não veio ser sabatinada, a senhora veio ser homenageada", "Eu não poderia deixar de participar desta homenagem", "O meu voto leva em conta a beleza e o charme", "Assim eu voto com muito prazer". O Presidente da Comissão, à época, tentou justificar isso e falou que a ampla aceitação do nome da sabatinada se devia à sua elegância física e moral. Por último, ele citou a competência dela.
Este aqui é o caso mais comum: restringir o uso da palavra das mulheres no exercício dos seus direitos políticos, pedindo o direito de voz de acordo com os regulamentos aplicados em condições de igualdade. Eu havia citado o exemplo de uma sessão conjunta. Uma Líder de um partido fez um pedido de questão de ordem, que foi negado. O Presidente da sessão negou, não justificou por que não ia dar. Quando Parlamentares homens perguntavam, ele respondia. A Parlamentar estava ao microfone pedindo a questão de ordem, e ele ignorou. Eu acho que este é o exemplo mais comum: restringir o uso da palavra, negar ou fingir que não está ouvindo, para a Parlamentar não se manifestar.
O próximo caso é o de agressão física a uma ou várias mulheres com o objetivo de minar ou anular seus direitos políticos. Tivemos um caso recente de uma Deputada que escutou a seguinte frase numa votação no plenário: "Mulher que participa da política como homem tem que apanhar como homem". Inclusive ocorreu uma agressão. O Deputado pegou no braço dela com força e a jogou para trás, empurrou-a no meio do plenário. Aí vemos um caso de agressão física.
Este é o caso mais extremo: a morte violenta de mulheres em razão da sua participação em atividade política. Temos um caso mais recente, o da Marielle, que foi morta por sua atividade política, por sua atuação política. Temos o caso também de duas prefeitas que foram mortas, uma em 1999, por denunciar um esquema de um grupo mafioso de uma região no Mato Grosso do Sul, a Marina Dorcelina Folador; e outra, prefeita da cidade mineira de Nacip Raydan, que também foi morta por questões políticas.
O objetivo aqui foi tentar ilustrar um pouco essas violências que as mulheres sofrem no Parlamento. Voltei a um dos primeiros eslaides que eu mostrei para ressaltar que, embora seja mais comum esse tipo de violência aqui neste espaço, temos que nos voltar para os movimentos sociais, para os partidos políticos, para os outros espaços políticos onde há mulheres atuando.
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Eu queria reforçar — a Profa. Flávia falou sobre isto — que precisamos saber que tipo de violência ocorre no Brasil. Trouxemos algumas ilustrações, mas ainda precisamos investigar melhor. As violências também estão inter-relacionadas, como a Profa. Flávia falou. Por exemplo, a violência simbólica pode estar inter-relacionada com a violência econômica. A sugestão que trazemos é a de criar um espaço onde as mulheres se sintam à vontade para falar das suas agressões, denunciar os tipos de violência que elas sofrem nos espaços de poder que elas estão ocupando. Outra sugestão é seguir modelos internacionais. Acho que já temos bons exemplos que podem subsidiar um avanço dessa discussão aqui no Brasil.
Eu encerro a minha fala aqui.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Emília Fernandes. ) - Muito obrigada. Foram muito boas as considerações. A algumas das considerações eu teria outras para acrescentar. Eu sou testemunha viva de algumas questões. Eu vou me sentar ali. De repente, eu conto.
Antes eu gostaria de registrar, com satisfação, a presença da nossa amiga Moema Santiago, Deputada Constituinte, uma das primeiras mulheres lutadores para que este País tivesse uma Constituição Cidadã.
Muito obrigada pelo tanto que fez juntamente com a bancada feminina à época. (Palmas.)
Convido a grande Deputada Federal do Distrito Federal Erika Kokay para que assuma a coordenação desta Mesa, desde já ressaltando o belíssimo trabalho que faz nesta Casa, não apenas em defesa das mulheres, mas do Brasil e da democracia.
Bem-vinda, Deputada Erika. (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Dando continuidade, agradeço muito à sempre Senadora Emília Fernandes por ter conduzido esta discussão acerca da violência política que atinge as mulheres, a violência contra a mulher na política, que é também uma violência política, obviamente.
Eu passo a palavra para a Sra. Cristiane Brito, que é Vice-Presidenta da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil.
A SRA. CRISTIANE BRITO - Boa tarde a todas. Cumprimento as colegas de Mesa. É uma honra estar aqui com vocês.
Primeiramente eu queria me desculpar pelo atraso. Foi por um motivo justificável, que todas vocês vão compreender: eu estou com um bebê de 40 dias apenas, prematuro. Passei por uma eclampsia pós-parto. É um sacrifício voltar agora às atividades. Eu sou advogada eleitoralista e estou voltando no meio de uma eleição.
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Eu me atrasei porque, na hora de sair, o bebê quis mamar. São os desafios da maternidade.
Eu queria passar aqui um pouco da visão principalmente da violência política que nós entendemos que as mulheres enfrentam antes de entrar nesta Casa, que são os desafios que elas enfrentam como candidatas. Eu não vou me demorar. Eu queria só dar uma breve palavra sobre o que eu vejo no convívio com essas pré-candidatas, que não é fácil, principalmente no interior do Brasil. Uma é discriminada porque o pai ou o esposo foi político. E aí ela já chega tendo que provar que ela não está ali como mera mandatária de um familiar, mas por opção. Sabemos, sim, que existem algumas que são mandatárias, que os mandatos se eternizam entre as famílias, mas há casos, sim, de mulheres que decidem seguir a carreira política e passam por uma dificuldade extrema.
Eu cheguei a acompanhar um caso no interior do Rio de Janeiro em que a mulher começou a ser agredida durante um comício, tendo que provar que estava ali por vontade própria e não por vontade do marido. Ela perguntou para uma advogada eleitoralista o que ela podia fazer naquele momento, se ela podia pedir socorro para a Polícia Federal, que é a polícia responsável pela coordenação dos trabalhos eleitorais, se ela podia pedir socorro para o juiz eleitoral. Eu sugeri que ela pedisse socorro para o promotor que estava cuidando das eleições, e ela foi completamente ignorada por ele. Ele falou que isso faz parte da política: "Se a senhora é mulher e quis se candidatar, sabia que tinha que enfrentar isso. Isso faz parte. Não podemos intervir em nada". E ela chegou a ser ameaçada durante a campanha, em 2016.
Eu sei que não é fácil o desafio dessas mulheres candidatas. Então eu digo sempre que a mulher sofre esse preconceito antes de entrar e depois que entra. No curso da campanha eleitoral, nós temos também um grande exemplo da divulgação de notícias caluniosas, injuriosas, difamatórias. Isso também é um tipo de violência contra a mulher na política. E isso temos que saber enfrentar. E nós temos também que começar a tentar criar — aqui nesta Casa acho que é o melhor lugar para discutirmos isso — mecanismos que tentem obstaculizar esse tipo de prática.
Eu vou falar, no final, sobre um projeto de lei que tramita nesta Casa que propõe uma alteração no Código Eleitoral, inserindo como crime eleitoral esse tipo de prática. Essa é uma bandeira que a OAB defende. A Comissão Eleitoral da OAB tentou buscar uma agilidade maior aqui nesta Casa para que esse projeto se tornasse lei e já valesse para estas eleições, mas infelizmente não conseguimos.
Quem me antecedeu, pelo pouco que eu vi, já fez a maior explanação do que vocês enfrentam aqui nesta Casa, nas Comissões, e dos exemplos práticos que nós temos visto pela imprensa.
Qual é a mensagem que eu queria passar? Que toda prática que inibe, que obstaculiza, que dificulta de alguma forma a participação da mulher que atua na política antes ou depois do exercício do mandato, seja como candidata, seja como mandatária, é, sim, violência política contra a mulher. E esse tema precisa ser discutido e debatido. Por essa razão, é louvável a realização deste evento, porque parece que a sociedade está de olhos fechados para esse tipo de violência, que precisa ser discutido.
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Alguns países, inclusive — não sei se isso foi falado aqui —, já possuem leis para coibir esse tipo de violência, como o Peru, salvo engano, a Bolívia e o México. Então, nós temos, sim, que discutir isso. Instituições como a OAB têm tentado se dedicar a esse tema. A Comissão da Mulher Advogada, da OAB, também se preocupa com esse tema. Aqui no Brasil eu digo que infelizmente nós estamos a passos lentos. A sociedade parece não querer enxergar a vulnerabilidade da mulher nessa área.
Aqui eu faço uma indagação do ponto de vista eleitoral, do ponto de vista da legislação eleitoral: será que privar a mulher brasileira de uma vida política absoluta, plena, como demonstrado no déficit de participação da mulher na política, também não constitui uma forma de violência contra a mulher? É isso que eu trago para a reflexão de vocês. Colocar a mulher para disputar uma eleição prometendo-lhe o mínimo de estrutura partidária, financeira, o mínimo de visibilidade, sem paridade de armas em relação aos homens candidatos também não constitui uma forma de violência contra a mulher? Colocar uma mulher para disputar uma eleição sem a sua anuência, falsificando a sua assinatura no registro de candidatura, como aconteceu nas eleições de 2016 e 2014, também não constitui uma forma de violência contra a mulher? Convidar a mulher para disputar as eleições e depois convencê-la a desistir da sua própria candidatura após o prazo legal de substituição do candidato, para que fique, no final das contas, um número maior de homens do que de mulheres, também não constitui uma forma de violência contra a mulher? No meu ponto de vista, constitui, sim. É uma violência de caráter político, que precisa ser eliminada, que já está arraigada há tanto tempo, que não nos demos conta.
Eu penso que privar essa mulher da atividade plena na política, como candidata, é uma violência. Ela precisa ter liberdade de disputar, com paridade de armas, uma vaga na Câmara, uma vaga na Assembleia. Para tudo isso nós precisamos de quê? De uma proteção jurídica urgente no nosso ordenamento jurídico, porque essa é uma prática criminosa, que precisa ser combatida. Para isso eu trago à reflexão de vocês que nós precisamos de iniciativas da sociedade, nós precisamos de iniciativas do Parlamento, nós precisamos de legislação eleitoral mais dura, para tornar, como já falei no início, crime eleitoral esse tipo de prática. Nós precisamos de alteração na Lei nº 9.096, de 1995, a Lei dos Partidos Políticos, para abolir esse tipo de prática no ambiente intrapartidário, que nós sabemos que existe. E não venham me dizer que isso fere a autonomia partidária, porque os nossos direitos são protegidos constitucionalmente também. Então vamos sopesar a autonomia partidária do art. 17 da Constituição Federal e vamos sopesar também os nossos direitos, a nossa proteção como mulheres, garantida constitucionalmente.
Para isso, eu quero trazer a vocês um projeto de lei que enche meus olhos, Deputada, que é o Projeto de Lei nº 349, de 2015, da Deputada Rosangela Gomes. Esse projeto pretende instituir normas para coibir violência e discriminação contra a mulher no campo político-eleitoral especificamente. Ele define o que é a violência política contra a mulher, ele inclui no art. 243 do Código Eleitoral que não será tolerada a propaganda que deprecie a condição da mulher e estimule a discriminação de sexo ou raça, que é o que nós mais vimos nas eleições de 2016. Inclusive eu acho que essas eleições foram as campeãs de práticas caluniosas, difamatórias e injuriosas contra as mulheres, que ficam sem ter uma voz por elas.
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Sobre esse projeto de lei, queria chamar atenção para algo que acho bem interessante, que é a definição do que é a violência político-eleitoral. Está no art. 2º do projeto de lei:
Art. 2º Para os fins desta Lei, violência político-eleitoral é a agressão física, psicológica ou sexual contra a mulher, eleita ou ainda candidata a cargo político, no exercício da representação política, com a finalidade de impedir ou restringir o exercício do seu cargo e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.
Art. 3º Constituem atos de discriminação político-eleitoral contra a mulher aqueles que façam distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo, em prejuízo do reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos e das liberdades políticas fundamentais da mulher.
O parágrafo único, para mim, é o mais importante. Eu deixo aqui a sugestão para que vocês leiam, porque define quais são os atos de discriminação político-eleitoral contra a mulher eleita ou candidata a cargo político, entre outros. São citados:
II – impor-lhe a realização de atividades alheias às atribuições do cargo ocupado (...)
O que acontece no ambiente partidário? Só chamam as mulheres para fazer a ata ou para organizar chazinho para as mulheres.
Seguem os outros incisos:
II – dificultar-lhe o acesso a sessões ordinárias ou extraordinárias ou a qualquer outra atividade que implique debate ou tomada de decisões inerentes à função que ocupe, visando restringir-lhe o exercício de suas tarefas;
III – negar-lhe o direito de voz e voto em condições de igualdade com os outros participantes;
Isso estava sendo falado aqui.
Seguem os outros incisos:
IV – impedir-lhe o reingresso em cargo que ocupe, após o gozo de licença justificada;
V – restringir-lhe a plenitude do gozo de seu mandato, em razão de gravidez ou maternidade.
E aí vem o art. 4º, que institui como crime eleitoral a questão da depreciação da condição da mulher, através de propaganda eleitoral, e institui também um aumento da pena do crime eleitoral, quando a prática for em relação à mulher, porque nós temos que reconhecer a condição de vulnerabilidade dela.
Então, o que eu queria passar para vocês aqui é uma demanda urgente. As eleições de 2018 estão acontecendo. E eu tenho recebido as mesmas reclamações de sempre, parece que nada mudou. Em relação à calúnia, injúria e difamação, qual é a minha orientação? Utilizem a resolução do TSE em relação às fake news ou utilizem a legislação em relação à propaganda eleitoral negativa e sigam por este lado, mas algo específico que nos proteja não existe.
Então, temos que ficar construindo teses, dando voltas e voltas para tentar convencer de que nós temos direito a uma proteção e que ninguém está enxergando isso. Eu faço mea-culpa, por ser do ambiente jurídico, e vejo esse desafio principalmente com os juízes e com os promotores. Desculpem-me, se houver alguém dessa classe aqui presente, mas parece que não enxergam a real dificuldade ou o real obstáculo que as mulheres candidatas enfrentam em relação aos homens. Isso, sim, retira a mulher da política.
Outra questão que eu trago, e acho que não é por acaso, é que o número de mulheres que desistem de disputar uma reeleição é muito maior do que o dos homens. Mas por quê? Porque é cansativo vir para uma Casa desta e ter esse tipo de tratamento. É exaustivo ter, a toda hora, que provar que é capaz; é exaustivo ter que demonstrar, a toda hora, que está ali por vontade própria, porque você decidiu ser política, e daí? Então, o número de mulheres que tenta a reeleição, comprovadamente, é bem menor do que o dos homens.
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Eu acho que temos que fazer um trabalho para que as pessoas, as instituições, a magistratura, o Ministério Público e a OAB reconheçam essa nossa condição e reconheçam que nós merecemos, sim, uma proteção urgentemente. Mais mulher na política representa uma qualidade melhor na democracia. Isso tem a ver com a nossa democracia, com o exercício da nossa democracia. Enquanto não enxergarem que esse déficit de representação, na verdade, prejudica a nossa democracia, porque nós não estamos sendo representadas — o Parlamento não representa a nossa sociedade —, vamos continuar com essa luta.
E eu quero deixar uma mensagem aqui de que a OAB está à disposição para enfrentar esses temas. A Procuradoria da Mulher tem contado e pode continuar contando com a OAB. Estamos aí para enfrentar e pressionar os Parlamentares, por exemplo, no caso desse projeto de lei e do projeto das cotas. Esse é nosso desafio. É um prazer enorme poder contribuir com os senhores com ideias de projetos de lei e denúncias no Ministério Público. Vamos denunciar promotores e juízes que, agora nesse período de eleição, também não nos respeitam na qualidade de candidatas ou na qualidade de advogadas de candidatas.
Vamos denunciar e vamos lutar, porque precisam enxergar que esse tipo de violência contra a mulher na política é uma realidade que merece a proteção de todos.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer à Cristiane Brito pela exposição.
Passo a palavra para a Vanja Andrea dos Santos, Presidenta da União Brasília de Mulheres — UBM.
A SRA. VANJA ANDREA REIS DOS SANTOS - Eu gostaria de agradecer pelo convite.
Sou da União Brasileira de Mulheres e, antes de começar, queria dizer que o importante é que nós possamos trabalhar na sociedade para desconstruir a cultura machista, que insere no nosso subjetivo — e aí eu falo de homens e mulheres da nossa sociedade como um todo — que a mulher é propriedade da família, do marido, das religiões, do Estado, dos partidos, menos dela própria.
Então, nós temos que lutar pela nossa autonomia. Isso é necessário e urgente. Temos que envolver a sociedade toda nessa luta.
Vou começar a minha exposição.
Acho que muitas das expositoras brilhantes que me antecederam já colocaram aqui a visão da academia, os dados e a própria questão legal, a questão do Direito. Vou me preocupar mais com a questão social, porque eu venho dos movimentos sociais. A UBM é uma entidade que se preocupa exatamente com essa luta das mulheres e com a participação delas. É sobre isso que eu vou alçar a minha fala.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós estamos numa sociedade que tem liberdade, igualdade e fraternidade. Tem mesmo? Isso está presente, realmente, na nossa sociedade? Vale para todos e para todas? E aí eu chamo atenção para a Constituição — ela tem 30 anos, assim como a União Brasileira de Mulheres —, que diz que todos nós, homens e mulheres, temos direitos iguais.
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No momento político atual, nós lutamos pela democracia, apesar de a Constituição estar estabelecida há 30 anos.
No seu 9º Congresso, a UBM escreveu a Carta às Mulheres brasileiras por mais democracia e mais poder para as mulheres. Então, foi uma necessidade que nós sentimos, toda a União Brasileira de Mulheres, que está presente em todo o Brasil, que atua em 19 Estados do País, de reafirmar a importância da participação da mulher na política. Apesar de ser uma entidade apartidária, nós entendemos exatamente que papel a mulher pode cumprir no Parlamento, que papel a mulher deve cumprir no Parlamento. Nós escrevemos essa carta e dissemos que era importante avançar, principalmente no enfrentamento à luta de classes.
Logo em seguida, nós deparamos com um dos maiores golpes em relação à participação da mulher na política, porque, pela primeira vez, tínhamos elegido uma mulher Presidente do Brasil. Olhem só que coisa interessante! Então, pensamos assim: "Esta mulher vai alçar o nosso papel, vai nos dar aquela importância e tal. Agora a gente vai!" Só que aí tivemos que sair defendendo a Presidente Dilma dos ataques machistas misóginos que ela começou a sofrer, porque ela era uma mulher de esquerda, porque ela era uma mulher. Foi aí que começaram as pressões e a UBM também passou a emitir cartas de solidariedade, de apoio. E quero pautar a minha fala em relação a isso.
No dia 16 de junho, nós escrevemos uma nota de solidariedade à Presidente Dilma em repúdio à agressão machista praticada contra ela, durante a estreia do Brasil na Copa do Mundo, em 2014. Acho que vocês devem se lembrar desse momento que foi um momento muito marcante de agressão à figura da mulher pública.
Em junho de 2015, a UBM fez um manifesto em solidariedade à Presidente Dilma e em defesa da dignidade de todas as mulheres dos países do MERCOSUL.
No dia 1º de julho de 2015, fizemos uma nota contra os adesivos misóginos. Acredito que vocês devem lembrar deles. Não vou aqui repeti-los porque os considero muito ofensivos à figura da Presidente e das mulheres brasileiras, das mulheres como um todo.
Em março, nós emitimos uma nota em defesa da legalidade e pela democracia.
Em março de 2016, mais uma nota de repúdio à violência moral contra a Presidente Dilma e ao ex-Presidente Lula contra a violência de classe e gênero.
Em 02 de abril, a capa da revista IstoÉ foi aquela que vocês devem se lembrar bem, papel este que a imprensa cumpriu muito bem: a desqualificação do papel da mulher política.
15:25
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Não bastasse toda a questão que nós enfrentamos de misoginia, de machismo, de agressão e de sofrermos isso dentro do Parlamento, também pegamos o rescaldo da imprensa que acaba sendo uma força muito importante na disseminação do ódio, da agressão, enfim, do machismo.
E, no Brasil, tivemos, de 2002 a 2016, que foi o início da minha fala, um projeto popular, com a Lei Maria da Penha, aprovada por esta Casa, pelo Senado; a Secretaria de Política para as Mulheres; quatro Conferências Nacionais de Política para as Mulheres; a restruturação do CNDM; a Casa da Mulher Brasileira; o fortalecimento das cotas; e tantas outras conquistas que nós conseguimos dar vazão até 2016.
Hoje nós vivemos um Governo de desconstrução social, em que nossos direitos vão sendo retirados um a um: os recursos da educação, da saúde, de projetos sociais — está aí a EC 95 para confirmar isso; a desconstrução dos espaços de participação social nos conselhos, nos sindicatos, nas associações, dos quais geralmente as mulheres participam muito — enfim, basicamente as mulheres que se alçam à política participam desses espaços; a desconstrução das políticas públicas; a desvalorização e o descrédito dos movimentos sociais; os avanços de novas formas de dominação do machismo e do racismo.
Depois disso tudo, dessa desconstrução toda, o que resulta? Quem primeiro padece com tudo isso? São as mulheres. As mulheres são as primeiras a padecerem porque são a maioria da população e estão chegando também ao patamar de serem aquelas que dirigem seus lares, as que coordenam seus lares, as que dão estrutura para os seus lares. Então, as mulheres são as que primeiras padecem.
E aí você vai dizer: "Vanja, por que isso interfere?" Porque todo este conjunto de fatores que vitimizam a sociedade brasileira, primeiro, vitimizam a mulher e impedem a sua efetiva participação, principalmente em relação a companheiros e companheiras na política. E onde estão as mulheres neste cenário? Resistindo. Resistindo nas entidades, nos sindicatos, nos conselhos. Nós, mulheres, somos a resistência. Nós, mais do que nunca mulheres, como a Dra. Cristiane, da OAB, que chegou agora e estava amamentando, temos funções sociais. Enfim, olhem só: amamentar é uma função social pela qual a mulher é penalizada por ter que cumpri-la. Não estou dizendo aqui que é um fardo, que é um peso carregar uma criança, ter um filho, longe disso, mas a sociedade faz com que a mulher seja penalizada por essa função social. E nós estamos caminhando para uma penalização maior, mas estamos nos organizando.
Tivemos a Primavera Feminista. Em toda a América Latina as mulheres estão se organizando, vide a luta pela legalização do aborto. Semana passada, houve um debate no STF que vai se estender até segunda-feira. Então, as mulheres estão correndo para poderem estruturar sua luta, para criar situações de participação efetiva, mas estão combatendo o machismo e tentando aumentar, entre todas as lutas, a nossa participação no Parlamento.
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Participar do Parlamento não é coisa menor. Participar do Parlamento é criar leis. Participar do Parlamento é proporcionar um debate como este aqui. Participar do Parlamento é criar ambientes onde nós, homens e mulheres, possamos realmente discutir sobre a sociedade, sobre o papel da mulher, sobre o papel que temos de cumprir, uma vez que somos mais de 50% da população brasileira.
E eu digo a vocês que é importante termos homens neste debate. É importante vermos um plenário, composto não só de mulheres, discutindo temas de gênero e temas que têm nos preocupado e nos angustiado diariamente. É muito bom isso. É muito interessante. Nós temos que ter os homens ao nosso lado, como parceiros, para fazermos este debate avançar.
Em relação à atual situação de participação das mulheres nos partidos, o Fundo Partidário eleitoral ainda nos traz muita insatisfação, como aqui já foi falado. A cota de 5% do Fundo Partidário para a participação das mulheres, sinceramente, na minha ótica, na nossa avaliação, não é devidamente utilizado por todos os partidos e ainda está sem a visibilidade necessária. Os 30% da candidatura de gênero ainda são entendidos como cota de mulheres. A cota de 30% de participação de gênero não significa dizer que é 30% de participação de mulheres.
Vejam só a visão de como muitos partidos ainda entendem essa questão. Ainda assim, não há recuo do machismo diante de tudo isso. Nós temos que fazer o machismo recuar, mas é atuando. Vejam o caso da Manuela d'Ávila. Quando nós enfrentamos toda aquela saraivada de coisas com a Dilma, ela saiu, e pensamos: "Agora, a nossa situação vai melhorar". Não melhorou nada, piorou. Hoje nós temos aí mais uma candidata à Presidência da República. Eu acho que muitos acompanharam aquele debate no Roda Viva, no qual ela foi sentenciada ao escanteio e foi atacada, de graça. Enquanto todos os homens tiveram espaço, ela não teve nenhum. Então, essa é a construção machista e social que nós vivemos, e esse é o papel que a imprensa tem cumprido. Por trabalharem também na construção da unidade das esquerdas, estão aí, de anteontem para ontem, os ataques que ela vem sofrendo.
E aí nós precisamos fazer valer as máximas do feminismo em luta: Mexeu com uma, mexeu com todas; Lugar de mulher é onde ela quiser; Machistas não passarão; Nem presa, nem morta; Nós nos queremos vivas; Juntas somos mais fortes. E juntas realmente nós somos mais fortes.
E eu convido todas a se unirem cada vez mais nesta luta contra o machismo, contra a misoginia; e pela ampla participação da mulher, como deve ser! Que assim seja! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Vanja.
Eu vou agora colher as inscrições das pessoas que queiram fazer uso da palavra. Vou colher os nomes de uma vez só.
Então, nós temos a Lúcia Bessa, a Lúcia Félix, a Santa Alvez e a Ana Paula.
Com a palavra a Sra. Lúcia Bessa.
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A SRA. LÚCIA BESSA - Eu quero dar boa tarde a todas, a todos, a "todes" e a essa Mesa. Que todas se sintam homenageadas neste dia de hoje, o dia em que nós comemoramos os 12 anos da Lei Maria da Penha. E estamos aqui falando sobre mais uma das facetas das violências cometidas contra nós mulheres.
Eu gostaria de pedir a cada uma e a cada um que está aqui hoje que nós fizéssemos 1 minuto de silêncio pela vida de três mulheres que, em 3 dias, tiveram suas vidas ceifadas. Em 3 dias, o Distrito Federal perdeu Adriana Castro Rosa, Graziele Rodrigues e Marília Jane — hoje, às 10 horas da manhã. Eu gostaria que, com a permissão da Mesa, nós fizéssemos 1 minuto de silêncio pela vida dessas mulheres e de tantas outras.
(O Plenário presta a homenagem solicitada.)
A SRA. LÚCIA BESSA - Obrigada a todas, obrigada a todos e obrigada a "todes". (Palmas.)
Eu não posso deixar de registrar a minha mais profunda irresignação, a minha mais profunda tristeza — e vou tentar falar sem chorar, sem me emocionar mais, porque nós falamos, nós nos indignamos, nós ficamos irresignadas: temos uma lei que é a mais conhecida deste mundo, e, mesmo assim, mulheres continuando morrendo, sofrendo as mais vis formas de violência. Hoje, este tema não poderia ser outro e tão simbólico nesta data tão importante, que são os 12 anos da vigência da Lei Maria da Penha.
Eu gostaria de compartilhar com vocês especificamente uma violência na política que eu sofri. Cris, quando você estava relatando, eu percebi o quão grave foi essa violência que sofri. No momento, com a força que vem do alto, a gente consegue se segurar, mas quero compartilhar isso com vocês.
Antes de estar no partido em que eu estou, fui filiar-me a um outro partido. Depois de algumas negociações, de algumas conversas, entendi que meu lugar não era ali. Pedi a minha desfiliação durante o dia. À noite, fui a outro evento, também político. Nesse evento, veio uma pessoa até mim, segurou na minha mão fortemente e disse: "Eu vim até você porque fulano me mandou aqui para lhe dizer que vai fazer tudo para que você não consiga concorrer às eleições". Antes que eu pudesse tomar alguma providência, essa pessoa imediatamente saiu — e essa pessoa disse isso na frente de várias outras pessoas. Evidentemente, fui à delegacia, registrei a ocorrência, e todas as medidas policiais e judiciais estão sendo tomadas.
E há tantas outras situações que nós sofremos no dia a dia, nós mulheres que estamos pleiteando um cargo político.
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Parece que nós mulheres, ao pleitearmos um cargo político, estamos cometendo algum crime, estamos cometendo algo que não nos diz respeito. Isso porque historicamente fomos criadas para não estar neste espaço; historicamente fomos criadas para estar no espaço familiar. E, quando ousamos sair do espaço familiar para irmos para outros espaços, quais sejam os de poder e de decisão, nós devemos receber uma reprimenda, devemos receber uma contraprestação pela ousadia que tivemos de pleitear uma candidatura a um cargo político.
Amadas e amados, eu quero deixar registrado, junto com a fala da Cristiane, que foi tão emblemática, e a de todas as outras que se manifestaram, quão difícil é ser mulher neste País! Alguém já disse antes de mim — e a ONU já o disse também — que ser mulher neste País é um perigo; que é uma chaga social a violência que nos acomete todos os dias; que, apesar de todos esses imbróglios e de todas essas adversidades, não devemos nos sentir, em momento nenhum, enfraquecidas ou desmotivadas, porque é exatamente isso que querem de nós. Querem que nos desmotivemos, que fiquemos verdadeiramente nos espaços em que eles, elas ou essa sociedade machista, misógina e preconceituosa desejam que fiquemos: num espaço outro, que não o espaço político, o espaço de decisão. Querem que nós nos resignemos. Mas nós devemos nos indignar e ficar onde desejamos estar. Onde quer que seja, que nós fiquemos e sejamos quem quisermos ser, independente de onde estejamos ou fiquemos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada.
Passo a palavra à Lúcia Félix, por 3 minutos, e, depois, à Santa Alves, também por 3 minutos.
A SRA. LÚCIA FÉLIX - Boa tarde a todas.
Estamos em pleno processo eleitoral, e Brasília é especial. Estamos num ano específico de 30% de verba para mulheres, mas temos uma dúvida crescente: como será esse critério? O critério foi decidido pelo Supremo: 30%! Só que nós estamos vendo que 30% estão em mãos e cérebros que não vivem a eleição, não vivem o processo de campanha eleitoral, que são as pessoas que têm cargos de preferência ou algum destaque dentro do partido.
Conforme foi dito pela Profa. Flávia, já há um poder dentro do partido, e não querem perdê-lo. Quando se fortalece alguém que tem o espírito de discussão e de debate, corre-se risco dentro do partido. Se você influencia, você corre risco. Estou vendo que a simpatia está sendo muito usada na distribuição dos 30%. Já ouvi dizerem que, após a campanha eleitoral, esses 30% serão usados. E eu entendo que, após a campanha eleitoral, perde-se a finalidade do recurso.
Eu queria a atenção da OAB e da Procuradoria-Geral Eleitoral para esse critério, que está sendo publicado agora, antes da decisão.
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Ele é muito amplo, não sofreu discussão interna. Eu fiz um cálculo no meu partido, conforme o que elas tinham feito no relatório: 200 estaduais e distritais, 40 federais. Se isso fosse igualitário, nós teríamos 190 mil para cada estadual fazer campanha e 438 mil para cada federal. É claro que há Estados e Estados. Eu usei como parâmetro a quantidade de votos necessários para eleger uma mulher. Isso não é respeitado e não é essa a distribuição que se imagina. Então, igualdade não será parâmetro.
Nós temos que repensar. Isso tem que ser legislado, isso tem que estar na lei. Não digo que todas tenham a capacidade, na campanha, de ganhar votos por igual, mas que pelo menos isso seja administrado por um grupo de mulheres do local e não pela Executiva Nacional de Mulheres. Nós temos que repensar como usar bem o recurso. Não podemos deixá-lo à mercê de quem não vive a campanha eleitoral. Campanha eleitoral é uma luta, é um voto a voto, é um convencimento. E não preciso dizer isso para quem é eleita várias vezes. Mas é uma luta no dia a dia.
Então, precisamos fortalecer as mulheres na política, mas temos que legislar para mostrar o caminho. A luta é dura. Estou há 35 anos em campanhas. Estou há 35 anos na política. Cada dia é uma luta para continuar, porque às vezes você tem que ser maior do que é para ficar e persistir.
Boa tarde. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Lúcia.
Passo a palavra à Santa Alves, por 3 minutos, e, em seguida, à Ana Paula.
A SRA. SANTA ALVES - Boa tarde a todos e a todas.
Meu nome é Santa Alves, sou do PCdoB do DF e estou nessa luta há muito tempo. Quero parabenizar as Deputadas que ficam do lado do povo aqui na Câmara, uma delas é a nossa companheira Erika Kokay, do PT do DF, e tantas outras. Cito também a Jandira Feghali, cuja violência sofrida no plenário foi citada por uma das meninas, além da violência que o próprio Senado cometeu contra as Senadoras ao deixá-las sem água, sem comida e sem luz. São violências que o próprio Estado comete contra as mulheres no Parlamento, contra as mulheres eleitas, as nossas representantes.
Então, nós mulheres temos realmente que nos unir, como disse a Vanja, e cobrar deste Governo políticas públicas.
No movimento de mulheres negras, vemos também que as mulheres negras são as que mais sofrem em nosso País. Nós sofremos com a violência, com a violência hospitalar, quando somos mal atendidas nos hospitais. Quando as mulheres vão ganhar neném, na hora do parto, podem receber anestesia para diminuir as dores. Mas nós, mulheres negras, recebemos menos, porque acham que somos mais fortes, que não precisamos dela e que podemos sofrer as dores do parto.
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Nós, mulheres negras, estamos promovendo inclusive um encontro para celebrar os 30 anos do 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras. E o Brasil está se organizando com várias entidades, para realizarmos um encontro em Goiânia, em dezembro. Inclusive as companheiras que quiserem nos ajudar nessa luta são bem-vindas.
Quero dizer ainda que a luta é muito grande para nós, principalmente para as mulheres negras, quando queremos ser candidatas. No nosso Parlamento, há pouquíssimas mulheres negras. Algumas são pardas e entram nessa contagem das mulheres negras no Parlamento. E aproveito para parabenizar a nossa Deputada Benedita da Silva, que é uma negona assumida que está sempre na briga pelas mulheres negras. Também há outros companheiros, que sempre estão conosco nessa luta. Mas quero parabenizar algumas Deputadas pela luta feita aqui.
Para encerrar, quero dizer que a UBM — União Brasileira de Mulheres, de qual também participo, está completando 30 anos. Quero parabenizá-la, e a nossa Presidente está aqui presente. Agradeço a todas, e vamos à luta!
Brasília está com algumas frentes de Deputadas candidatas: uma frente feminina e outra frente de mulheres negras. Espero que, mesmo com divergências de partidos políticos, as que forem eleitas possam construir realmente uma plataforma para defender os direitos das mulheres e diminuir a violência contra elas aqui em Brasília, pois nesses 3 dias ocorreram coisas que nos chocaram.
Um abraço a todas. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada.
Antes de passar a palavra à Ana Paula, gostaria de registrar a presença da Dra. Alessandra Santos, que é Presidenta da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas do Estado do Rio de Janeiro, e da Ana Mascarenhas, que faz parte do escritório Mascarenhas Assessoria e Consultoria Jurídica. Agradeço a presença de vocês. É um prazer imenso tê-las aqui. (Palmas.)
Passo a palavra à Ana Paula.
A SRA. ANA PAULA GUEDES - Boa tarde a todos e a todas.
Sou pré-candidata pelo PRB, sou uma das mulheres candidatas, como bem sabe a Dra. Cristiane. Sou Presidente da Virada Feminina e defendo as mulheres com unhas, dentes e mais algumas coisas. Mas eu acredito realmente é na união da nossa força. O discurso é muito bom, nós falamos muito bem, mas nós precisamos é de ação. Ação é postura dentro dos seus partidos.
Independente de ser mulher ou homem, ao entrar no seu partido, faça com que seu nome seja poder dentro do partido. Nós temos que parar com o mi-mi-mi, com as histórias de que não vamos conseguir, porque nós somos 52% dos votantes. Somos mulheres! Então, é indiferente qual é o seu partido. O que você está fazendo para que o seu nome e a categoria das mulheres tenham força dentro do seu partido? É isso que eu penso.
Eu sou empresária, vim do mundo empresário, que não é o mundo político. Há 6 anos, sou Secretária Nacional da UGT, que é uma força sindical, depois da CUT, que tem uma grande força. Eu conheço os dois mundos, e eles precisam de unificação, da ação das mulheres. Não adianta ficar só na conversa. Temos que agir. E a ação tem que partir de nós.
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Se tivermos essa união e essa força para chegarmos junto e mostrarmos para que viemos, não terá para ninguém, gente. O homem não dá conta. Todos os dias nos fazemos várias coisas ao mesmo tempo! Vocês acham que é fácil ser mulher no nosso País? Eu não tenho marido para me sustentar! Eu tenho que me sustentar, tenho que sustentar minha filha, fazer acontecer, pagar todos os meus funcionários. Hoje é o quinto dia útil do mês, se vocês não sabem. Eu estou aqui, mas estou pensando lá. Não é fácil.
Então do que precisamos? Precisamos, sim, da caneta, mas também de ter força para chegar junto e dizer: "Meu amigo, você é mesma coisa que eu; o seu direito tem que ser igual ao meu". É preciso acabar com esse negócio de 30%, de 40%, de percentual. Somos iguais. Temos que ter igualdade em gênero, em número e em grau. Se colocarmos isso e sabermos que nós somos capazes, não vai ter para ninguém — não vai ter. Há horas em que eu estou numa rede, em que eu sou a líder da Mesa e todos são homens. Qual é a diferença? A diferença é a nossa postura, é a nossa atitude. A atitude tem que vir de nós.
Realmente, como disse a Sra. Vanja, juntas somos mais fortes. É isso o que eu digo na Virada Feminina, que ontem foi à Câmara Legislativa, com mais de 500 mulheres. A Senadora Emília Fernandes estava presente, fazendo parte na nossa Mesa, uma mulher querida, de fibra e de garra. E é isto: mostrar para que viemos. É indiferente o percentual, é indiferente a postura. Precisamos bater na mesa e dizer: "Meu amigo, não está certo isso, não!" Eu não tenho mi-mi-mi, pode ser o Papa, pode ser quem for, do cafezinho ao gestor. Nós precisamos ter foco, planejamento e execução. Não adianta!
Eu vim de uma multinacional. É ali que crescemos: ou você bate a meta, ou você está fora. E aqui no mundo público tem que ser assim: ou você faz acontecer, ou você está fora. Mas não tem isso. Sempre tem aquilo que ela disse: a amizade, a simpatia. E não pode ter. Não pode haver diferença entre classe social. Não existe isso! Nós precisamos verificar as dificuldades que o povo tem. Não adianta! Vamos parar com isso. Vamos à rua para fazer acontecer. Para isso, nós precisamos, junto com os homens e com as mulheres, fazer a coisa acontecer. Amigo, se deu erro, ponha em cana. E é isso que temos de fazer.
Ana Paula Guedes à sua disposição!
Meu muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Ana Paula.
Eu vou anunciar a presença da Rita Andrade, que é pré-candidata a Deputada pelo PSOL — Partido Socialismo e Liberdade. É um prazer tê-la aqui. (Palmas.)
Nós estamos com a agenda extremamente apertada, porque teremos uma outra atividade em seguida nesta Comissão.
Eu passo a palavra à Profa. Flávia Biroli e justifico que, logo em seguida, ela terá que se retirar, como já havia previamente anunciado.
A SRA. FLÁVIA BIROLI - Eu quero fazer rapidamente uso da palavra para agradecer novamente. E, diante das falas que foram feitas, eu gostaria de ressaltar algo que coloquei na minha intervenção. As mulheres têm atuado na política no Brasil sistematicamente e são sujeitos na construção da democracia, mas há, de fato, bloqueios e constrangimentos que têm impedido que nós sejamos um grupo maior na política brasileira. Não se trata de uma questão de capacitação. As mulheres brasileiras são mais capacitadas que os homens, conforme todos os dados que temos de acesso ao ensino superior, de acesso à pós-graduação, inclusive.
15:53
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Nós precisamos encontrar onde é que estão os bloqueios.
Eu particularmente entendo que há dois bloqueios, de diferentes ordens. Um está nos partidos políticos. É preciso atuar dentro dos partidos políticos, inclusive para fazê-los cumprir a legislação que já existe. E os partidos têm que ter responsabilidade no que diz respeito à violência contra as mulheres, à atribuição de recurso às mulheres — refiro-me àquele quesito da violência econômica que mencionei na minha fala — e à proteção das nossas mulheres, para me somar ao que diz a Cristiane Brito.
Há outra dimensão está em algo de que temos que nos dar conta quando olhamos para as mulheres negras, quando olhamos para as mulheres mais pobres deste País: se não há Estado como base de responsabilidade coletiva e de equipamento público para as mulheres, se não houver creche pública, se não houver saúde pública, se não houver acesso à escola pública, as mulheres podem ser competentes o quanto forem, podem bater na mesa o quanto puderem, podem ter a competência que tiverem, mas elas serão prejudicadas, porque são hoje, no Brasil e em toda a América Latina, as principais responsáveis pelo cuidado das crianças, pelo cuidado das pessoas doentes, pelo cuidado dos idosos. Isso é dado que nós temos.
Eu queria chamar atenção para isso, porque é importante que nós saibamos defender a atuação das mulheres e, ao mesmo tempo, uma posição de maior igualdade social para as mulheres, considerando sobretudo aquelas em posição de maior vulnerabilidade.
Era o que eu gostaria de dizer.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu queria agradecer imensamente à Flávia Biroli a participação. Quero deixá-la à vontade para retirar-se da mesa quando sentir que precisa fazê-lo.
Passo a palavra à Sra. Noëlle Silva, mestre em Ciência Política da UnB e Pesquisadora Assistente da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado das Instituições e da Democracia do IPEA.
A SRA. NOËLLE SILVA - Eu gostaria de agradecer, mais uma vez, o convite da Procuradoria da Mulher e ressaltar a importância de este debate avançar inclusive aqui dentro do Parlamento, ressaltando também a importância das mulheres que hoje assumem o cargo de falar mais sobre isso. Eu acho inclusive que as mulheres, quando sofrem alguma violência, estão expondo isso, estão denunciando, mas precisamos avançar neste sentido: quem pratica essa violência tem que ser punido. Defendo até que, dependendo da prática, o agressor perca o cargo político, como já determinam legislações de alguns países da América Latina.
Quero ressaltar também que uma das coisas que poderiam ser iniciadas nesse sentido seria seguir, mais ou menos, o modelo do México, país que, como falei, aprovou um protocolo de atenção, um documento que explica melhor o que é essa violência e como ela ocorre.
Também se poderia criar algum espaço, uma plataforma para que possamos reunir depoimentos de mulheres, para que possamos ter ilustrado o tipo de violência que elas sofrem de fato.
Deixo registrada esta contribuição, esta sugestão ao debate.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Sra. Noëlle Silva.
Vou passar a palavra à nossa advogada e Vice-Presidenta da Comissão de Direito Eleitoral da OAB — Ordem dos Advogados do Brasil, a Sra. Cristiane Brito.
A SRA. CRISTIANE BRITO - Deputada, primeiramente agradeço à Procuradoria da Mulher o convite. É uma honra participar deste debate!
15:57
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Quero dizer, mais uma vez, que a OAB está à disposição para provocar mais debates e defender a causa das mulheres.
Eu queria terminar fazendo uma observação sobre a fala da Lúcia em relação aos 30%. O que eu, que sou advogada de partidos, tenho visto na prática? Vou colocar o dedo na ferida, em relação ao que você falou. Qual é o critério de distribuição dos 30% hoje? Quem está definindo a forma dessa distribuição? Os homens, porque nós não estamos no ambiente de comando dos partidos políticos. E o critério é muito subjetivo.
A legislação determinou, o STF a convalidou, e o TSE determinou que, para que os partidos tivessem acesso ao Fundo Eleitoral, que pela primeira vez vai ser utilizado, os partidos tinham que antes definir, por meio de resolução interna, os critérios que seriam utilizados para a distribuição desse valor. As mulheres ficaram todas na expectativa: "Vou ver qual critério meu partido estabeleceu para eu receber os 30%". Na resolução, colocaram de forma muito subjetiva que vão aplicar os 30%, mas não falaram qual seria a forma de distribuição desses 30%. O que tem acontecido no Brasil — e esta tem sido a queixa das mulheres? As que tinham a expectativa de receber 190 mil reais do seu partido, se o recurso fosse rateado igualitariamente, não vão receber nada.
Eu até entendo que, para obedecer à autonomia partidária, que é constitucional, algumas mulheres que são mandatárias, que estão à frente nas pesquisas, que são potencialmente elegíveis, podem receber uma participação maior. Eu compreendo, porque depende da estratégia política do partido, e o Poder Judiciário não pode interferir nisso. Se há mulheres filiadas que já são mandatárias, é lógico que o partido tem que ter um olhar diferenciado para elas. Não vamos ser inocentes em relação a isso. Nós temos agora, pela primeira vez nas eleições, a cláusula de desempenho. Então, os partidos têm o desafio de sobreviver. Mas acho que não compartilhar nada dos 30% com as candidatas, nem do Fundo Partidário nem do Fundo Eleitoral, é uma forma de burlar a regra determinada pelo STF.
Quando me perguntam se devem ficar sem fazer nada, se não devem denunciar, a minha orientação é que procurem a Procuradoria Eleitoral, procurem o Dr. Humberto, que está no TSE. Ele é um membro do Ministério Público sensível à causa. E acho que vocês têm que denunciar: "Sou filiada, e meu partido não está deixando claro, na regra do jogo, o critério de distribuição". Se não denunciarmos, nada vai acontecer, e os 30% não vão ter nenhum impacto para vocês nessas eleições! É o que eu estou vendo.
Não temos agora como ajuizar qualquer medida em relação à regra do jogo com a bola já no campo. Mas nós não podemos denunciar e pedir que o Ministério Público intervenha, sob pena de as prestações de contas desses partidos não serem aprovadas? Eu acho que esta seria a nossa demanda agora: provocar o Ministério Público Eleitoral, provocar a Ministra Rosa Weber, que vai assumir agora a Presidência do TSE e que também é sensível ao tema. Vamos botar a boca no trombone! Os partidos não estão rateando de forma igualitária os 30%. É essa a orientação, a sugestão que eu queria deixar para vocês.
Obrigada a todas. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu queria agradecer à Sra. Cristiane e passar a palavra à Sra. Vanja, para que possa fazer suas considerações.
A SRA. VANJA ANDREA REIS DOS SANTOS - Eu gostaria primeiro de agradecer o convite para estar aqui discutindo, na presença de tanta mulher empoderada que vai disputar a eleição este ano. Acho que isso é muito importante. É fundamental podermos ocupar os espaços.
16:01
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Eu gostaria de dizer que essa é uma lei nova, recente. É natural, Doutora, que exista realmente essa divisão, até porque dentro das chapas existem as puxadoras de voto. Há um pouco isso.
Eu gostaria de finalizar com uma fala do movimento social, que é exatamente de onde eu venho: "Nós precisamos participar". Independente de qualquer coisa, nós temos que estar dentro do debate, nós não podemos só opinar.
A União Brasileira de Mulheres — UBM realiza, todos os anos, de 10 anos para cá, uma campanha sobre a participação da mulher na política, que é lançada exatamente no momento eleitoral. Uma das nossas campanhas foi Mulher, tome partido!, porque nós temos realmente que participar. Sabemos que não é fácil a participação. Não é fácil termos dupla e tripla jornada de trabalho, e ainda termos que participar dos movimentos e dos partidos. Mas nós nos desafiamos todos os dias.
Realizamos também a campanha Mulher, seu voto não tem preço, exatamente para que pudéssemos pensar naquelas mulheres que nos representam no Parlamento.
Agora, este ano, nossa campanha é Meu voto é feminista e não tem preço. Mais do que nunca, nós temos que colocar no Parlamento pessoas que realmente defendem essa luta das mulheres e a levem adiante. Então, este ano meu voto é feminista e ele não tem preço, meu voto é da mulher e daqueles que vão conduzir essa luta, para que possamos patrocinar e participar cada vez mais.
Boa luta para todas que vão participar do pleito, para todas que vão colaborar com as eleições! E uma boa luta para todas nós que estamos aqui empenhadas em defender a democracia brasileira! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Como já foi dito, esta é uma iniciativa do Projeto Pauta Feminina, que vem da lavra da Procuradoria da Mulher na Câmara e também no Senado Federal, que trabalha junto com a bancada feminina no Congresso. Como também já foi dito, a iniciativa completa hoje 57 edições, já que se realiza desde o segundo semestre de 2013.
Essa iniciativa tem a perspectiva de discutir outro tipo de violência. Eu penso que tantas violências foram tão naturalizadas, que não eram percebidas como violência. Nós temos a violência obstétrica, que tem pouco tempo histórico, que foi definida como uma violência a ser enfrentada, reconhecida como tal. Mas existe não só essa. A própria Lei Maria da Penha, que hoje completa 12 anos, tipifica outros tipos de violência, apontando a violência patrimonial, a violência psíquica, a violência sexual dentro de casa, ou seja, uma violência que muitas vezes se dá na sagrada cama do casal, a violência psicológica e a violência física. Há violências que não se expressam e não deixam marcas na pele, só na alma. E não só na alma das mulheres, mas na alma de um país que se quer democrático, onde todas e todos possam viver plenamente sua humanidade.
16:05
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Portanto, nós estamos discutindo outra violência, a violência contra a mulher no exercício da vida política, e não apenas no Parlamento. A própria sub-representação feminina é fruto de uma violência na política, que atinge as mulheres no exercício político.
Eu diria que existem instrumentos de dominação e de violência que são imperceptíveis. Um deles é a culpa. Nós temos que pontuar e recortar a culpa que vai atingindo as mulheres nas ditaduras da perfeição. Quando as mulheres ocupam uma função culturalmente exercida por homens, é como se não pudessem errar: se erram, é porque estão no lugar errado. Elas se sentem culpadas quando erram.
O erro, contudo, é parte do aprendizado, da experiência, da existência humana. Percebemos isso com muita exatidão no trânsito. Quando há uma barbeiragem, e um homem está ao volante, não há nenhum tipo de comentário; quando se trata de uma mulher, sempre há comentários. Sempre há comentários quando as mulheres estão em determinados espaços dessa sociedade misógina e sexista, que não fez o luto do colonialismo, em que as grandes extensões de terra davam aos seus proprietários a impressão de que eles também eram donos das mulheres e das crianças. Não é à toa que, neste País, em lei já foi permitida a aplicação do castigo físico em mulheres e em crianças. É como se houvesse pessoas que estão na vida para serem encaradas como objetos ou como coisas.
Assim, vivenciamos uma ditadura da perfeição, e há também as ditaduras da perfeição. É como se a sociedade dissesse: "Vai, ocupa sua função pública, mas seu filho não pode adoecer, sua casa tem que estar sempre intacta, você tem que estar sempre disponível para seu marido". Muitas mulheres saem para trabalhar, e os meninos choram, e as meninas choram, e elas se sentem culpadas, porque estão adentrando o espaço de trabalho. A culpa na maternagem, esse recorte de culpa, esse recorte de responsabilização e culpabilização das mulheres é muito presente. E a culpa vai corroendo a autoestima.
Penso que, nesta Casa, nós enfrentamos muitas violências, muitas tentativas de nos silenciar. Há muitas, muitas, muitas tentativas de nos silenciar. Quem é mulher — e apenas quem é mulher — sente e sabe do que estamos falando, as mulheres Parlamentares desta Casa. É como se dissessem: "Que ousadia a sua estar adentrando um espaço que não é seu!" Atingimos a condição de ser Parlamentares, mas é como se os microfones não nos fossem permitidos, é como se a nossa fala não nos fosse permitida. É preciso entender que isso é a expressão de uma sociedade sexista e misógina. É preciso entender isso, para que não haja esse processo — que está cada dia mais claro e doloso — e essa tentativa de destruição da autoestima das mulheres que assumem funções histórica ou culturalmente ocupadas por homens.
É preciso identificar as violências, inclusive as invisibilizadas, as invisíveis, os tetos e as paredes de vidro. Nós precisamos entender que a invisibilização pereniza a violência, porque esta não é identificada como violência, pois se a naturaliza.
16:09
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E, quando não se percebem os limites, as mordaças, as burcas invisibilizadas, as mulheres acabam por ser responsabilizadas e culpabilizadas por não chegarem a todos os espaços.
Isso é o que escutamos aqui. Todas as vezes que lutamos por cotas no Parlamento, para que haja um percentual de cadeiras destinadas às mulheres, escutamos homens dizerem que votam contra as cotas porque defendem as mulheres. Dizem que as mulheres não precisam de cotas, porque elas têm capacidade e competência suficiente para entrar na política sem cotas. Eles se apropriam dos nossos discursos e das nossas reivindicações, aplacam-nas e as submetem a uma concepção sexista e machista. Isso ocorre no 8 de Março. Eles transformaram o 8 de Março no dia em que nós recebemos botões de rosas e bombons. Nós gostamos muito de botões de rosa e bombons, mas nós lutamos é por direitos. O 8 de Março é dia de direitos. (Palmas.)
Nós estamos vivenciando formas invisibilizadas e sutis de dominação, para que os espaços políticos sejam reservados para os homens, como um verdadeiro pacto de bengalas e de casacas. Nós vamos ter que adentrar esses espaços. Os 30% foram importantes, mas é preciso que sejam regulamentados.
Além disso, é preciso estabelecer punições para os partidos e para os dirigentes partidários. Por muito tempo, só as mulheres foram punidas. E eram punidas porque se submetiam a uma condição de parlamentar ou candidata laranja. É preciso punir e responsabilizar também os dirigentes.
Como vamos construir uma legislação? A Dra. Cristiane falava sobre isso. Acho que esse é um desafio. Nós temos que construir uma legislação para regulamentar os 30%. Nós tínhamos 30% das nominatas para o gênero feminino, mas se colocavam, na verdade, mulheres para eleger homens. Que não permitamos mais essa série de desvios, para que os 30% não sejam burlados pelo sexismo, pela misoginia e pelo machismo, que estão tão presentes em nossa sociedade!
Precisamos fazer essa discussão, mas, talvez, na próxima Legislatura, porque esta está muito comprometida pelo processo eleitoral. E será outro Parlamento. Vamos lutar para que seja um Parlamento menos fundamentalista. Vamos lutar para que não seja um Parlamento que queira romper a laicidade do Estado. Vamos lutar para que não seja um Parlamento em que existam tantos fundamentalistas, que, em nome do que é sagrado, tentam se apoderar dos nossos corpos, das nossas regras e dos nossos úteros. Nós vamos lutar contra isso. Há uma perspectiva e vai haver uma nova Legislatura.
Por fim, quero dizer que a violência contra as mulheres no exercício da política não diz respeito apenas às violências que as Parlamentares vivenciam, que muitas vezes são mais visíveis, mas também às violências da política sindical, violências sexistas e machistas.
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Por muito tempo, as mulheres que adentraram o movimento sindical usavam tênis, calça jeans e camiseta, porque era como se a saia, o decote e o batom não fossem permitidos naquele exercício.
Esses períodos, nós os superamos, mas é preciso lembrar que, todas as vezes em que há violência contra a sociedade, há o recorte da violência de gênero. Ou não foram as mulheres, na ditadura, estupradas nas salas escuras? Ou não foram as mulheres violentadas na sua condição de gênero? Ou não foram as mulheres que tiveram que assistir, nos cárceres e nas salas escuras de tortura, a violência contra suas meninas e seus meninos? Portanto, há uma violência de gênero. As mulheres que na ditadura sofreram violência política, sofreram violência de gênero, para além da violência de um fascismo e um autoritarismo que acha que pode estufar o peito e ali colocar faixa presidencial.
Não colocará, não colorará! O fascismo não vai pôr faixa presidencial no peito, porque este País tem que honrar suas construções democráticas. São construções insuficientes, fragilizadas, mas são construções feitas. Nós, que avançamos, não vamos permitir nenhum tipo de retrocesso. Nós queremos avançar mais. (Palmas.)
Não vamos permitir que as nossas conquistas sejam manipuladas ou amordaçadas pela lógica sexista, não vamos permitir! Não vamos permitir retrocessos em relação aos avanços que obtivemos!
E nós dizemos isso de um lugar em que há feminicídio: no Distrito Federal, em um semestre, o feminicídio aumentou 40%. O número de mulheres que morreram porque são mulheres aumentou 40% em relação ao ano passado inteiro, ou seja, só no primeiro semestre de 2018 nós tivemos 40% a mais de feminicídios do que os que ocorreram durante todo o ano de 2017.
E nós temos que entender que o feminicídio literal é sempre precedido de um feminicídio simbólico. É sempre precedido do ato de nos matar em nossa construção de gênero, em nossa identidade de gênero. É precedido do ato de nos matar como pessoas, como detentoras de uma humanidade que não pode ser ceifada, nem simbólica nem literalmente.
Lúcia Bessa nos fez aqui homenagear as tantas Jéssicas, as tantas Janaínas, as tantas Marias que morrem na busca da própria liberdade. Via de regra, é quando buscam a liberdade, quando não se conformam mais com serem retiradas delas mesmas, que elas sofrem esse nível de violência física que, repito, sempre é precedida de uma violência simbólica, de um feminicídio simbólico.
Portanto, falamos de empoderamento, estamos falando de empoderamento político, sem nenhuma dúvida, mas também estamos falando do empoderamento econômico, do empoderamento psíquico, do empoderamento cognitivo. São muitos os empoderamentos que nós queremos vivenciar.
Antes de encerrar, quero agradecer muito a presença da Comissão da Mulher Advogada da OAB de Minas Gerais, representada aqui pela Ana Paula, pela Sandra, pela Ana Evangelista e pela Scheyla. É um prazer tê-las aqui! (Palmas.)
Convido a todas e a todos os presentes, e também aos que nos assistem, para os próximos eventos desta Comissão. Aliás, esta Comissão, assim como a Procuradoria da Mulher e a Secretaria da Mulher, foram conquistas. E conquistas que as mulheres obtêm em âmbito institucional são sempre traçadas com muita dor, mas, fundamentalmente, com muita determinação e muita coragem.
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E as mulheres têm coragem demais! Têm coragem demais para enfrentar todo o sexismo, todas as sortes de discriminações — as que medimos, as que não medimos, as que somente sentimos —, para enfrentar e construir os nossos próprios caminhos e os nossos próprios espaços.
Convido a todas e a todos para o evento no qual se comemorará os 12 anos da Lei Maria da Penha. Seria às 16 horas, mas, com o adiantado da hora, será logo mais. Teremos o Café com Elas, com as ouvidorias externas da Defensoria Pública. Acontecerá na sala da Presidência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, no Anexo II, ala B, sala 150. Reitero, portanto, o convite a todas e a todos para participarem desta conversa com as ouvidorias externas da Defensoria Pública, reafirmando aqui o caráter de defensor de direitos da Defensoria Pública do nosso País. Talvez seja o universo, dentro do sistema de justiça, que mais tenha compromisso e mais tenha atuado na defesa de direitos, seja dos direitos da população LGBT, seja dos direitos da mulher, seja dos direitos de qualquer população vítima de violação de direitos.
Logo mais, às 18 horas, no Salão Nobre da Câmara Federal, teremos a cerimônia de premiação do Concurso de Ilustração sobre a Lei Maria da Penha, que tem apoio do Banco Mundial. Haverá a participação especial de Tião Simpatia, poeta e músico cearense.
Para continuarmos avançando, temos que fazer o recorte de empoderamento e equidade de gênero em todas as políticas públicas. E não me venham com Escola sem Partido! E não me venham com retirada da discussão de identidade de gênero de dentro das escolas! E não me venham com misoginia, LGBTfobia, sexismo e machismo, porque aqui, moço, são as mulheres, e as mulheres não vão retroceder! (Palmas.)
Declaro encerrada a presente reunião.
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